As Religiões e a Inútil Beligerância dos Tolos

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 03/09/2024 | História

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

Artigo Escrito e Publicado em 2024

O fanatismo religioso, ao qual o Brasil infelizmente não está imune, vem ganhando novos contornos de confronto neste século XXI. Não vou abranger a geopolítica que permeia as relações do Ocidente beligerante com o Oriente teocrático, apenas irei limitar-me ao contexto do que ocorre no Brasil, outrora o país mais tolerante do mundo. E farei isso utilizando argumentos simples, mas que, aviso, irão ferir suscetibilidades.

A primeira religião monoteísta surgida, há milhares de anos, foi o Judaísmo. Por muitos séculos, os judeus foram um povo que ocupou a costa leste do Mar Mediterrâneo professando sua fé em Javé. Seu cinco livros religiosos (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) formam o Pentateuco, ou Thorá, que é a totalidade das Escrituras Sagradas deles, equivalente ao Velho Testamento Cristão. Não há nada além da Thorá, que reverencia o deus citado Javé e até hoje há a espera pelo Messias, que os conduzirá a um mundo sem tribulações. O Novo Testamento não está inserido na Thorá, por isso os judeus não reconhecem Cristo como sendo o Messias.

Aqui, temos o primeiro conflito: não se sabe quem está certo, se a Thorá ou o Novo Testemento. Certamente os judeus não acrescentaram este último à Thorá porque viam em Cristo um homem comum, especialmente durante e depois do julgamento em que uma multidão - minoria, diga-se - aproveitando-se da tradição de Páscoa em que poderia, dentre dois condenados, perdoar um e libertar o outro, preferiu a Crucifixão de Cristo por não participar da facção guerrilheira Zelote, que combatia a ocupação romana com violência. Ao contrário de Barrabás, o assassino libertado por Pilatos em seu detrimento.

Daí os contantes atritos que, nos séculos seguintes, permearam as relações antre cristãos e judeus, sendo estes expulsos de quase cento e dez sociedades, antigas, medievais, modernas e contempoâneas, nos quase últimos dois mil anos. Nos últimos séculos, os "pogroms" foram ainda mais violentos, tendo os judeus que criar um Estado Próprio, numa Diáspora inversa, a fim de que não fossem mais perseguidos.

Tudo por causa da não acrescência, à Thorá, ao Novo Testamento, que formariam um livro sagrado único para todos, com Cristo como Salvador. O que quero dizer com isso é que os livros sagrados e a religião, com seus dogmas, sacramentos, doutrinas e tradições, em Estados Teocráticos como os da Idade Antiga e Média, são controlados pela Cúpula Sacerdotal, que detém o Poder. Vejam, por exemplo, os seguidos Concílios, na Alta Idade Médida: o corpo clerical ia discutir quais interpretações impor ao povo convertido do Império Romano, e, posteriormente, ao que se encontrava sob o domínio dos senhores feudais. Os romanos, inclusive, acrescentavam mais livros ao Novo Testamento, livros escritos século após a Crucifixão, e que não teriam, em tese, valor teológico.

Em 1054, houve o Grande Cisma do Oriente, em que, da Igreja Católica Romana, surgiu a Igreja Ortodoxa Grega, com sede em Bizâncio, antigo território grego (atual Istambul, Turquia). Os motivos foram divergências doutrinárias, em especial a respeito do dogma da infalibilidade papal, passando os ortodoxos a ter como guia o Patriarca Ecumênico de Constantinopla. Detalhe: na Bíblia Ortodoxa Grega foram acrescentados quatro ou cinco livros, em relação à Católica Romana.

Então, meus caros, parem de beligerar por carne pouca. A maior parte dos dirigentes das Igrejas (Católica Romana, Ortodoxa Grega, Ortodoxa Russa, Luterana, Anglicana, Calvinista e outras, todas com Escrituras adicionadas, subtraídas ou alteradas) precisa que você leia, selecionadamente, o que homens comuns escreveram: seu objetivo é impor a vós uma interpretação conveniente, que venha a privá-lo de seus bens, pois Deus não escreve nada, servindo apenas de pretexto para drenarem suas finanças, mesmo que vocês ganhem um salário miserável e nem comam para pagar a contribuição. Isso não se restringe ao Cristianismo, também ocorrendo entre diferentes ramos de outras religiões. Por isso há uma concorrência tão ampla, sendo o Brasil o recordista mundial de criação de Igrejas a cada ano.

Por isso eu peço que parem de atacar a liberdade religiosa dos outros, seja por acreditarem em santos, por não acreditarem, por adorarem imagens ou não adorarem. Seja pelo que for. Deixem os integrantes dos cultos afro-brasileiros, os budistas, os judeus e os seguidores de demais religiões em paz. Também não atormentem os cristãos, os muçulmanos, os sikhs, os hinduístas, os xamanistas ou quem quer que seja. Enquanto os fanáticos se digladiam por seus guias terrenos, a caravana deles passa e estão cada vez mais ricos, como pessoas físicas ou Instituições. Como não há nem consenso sobre se Cristo foi o Messias, não creio que arriscar vossas vidas, vossas famílias e vossa honra por algo que sequer sabemos se é verdade seja o melhor caminho. Eu não faria isso comigo, minha família e meus amigos, em nome de fé alguma.

Esta é a minha opinião sobre os mercadores de almas, mas cada um faz o que desejar de sua própria vida. Para mim, ateu, o melhor é celebrar a nossa laicidade, com ou sem religiões, num dos poucos presentes decentes que o Estado Brasileiro nos deu.