Religião e Política. O divórcio mais mal contado da história
Por Diego Vasconcelos | 01/07/2016 | PolíticaNo Brasil de 2016, temos um sério problema com a religião. Protestantes e evangélicos em geral invadem o congresso representando massas de fiéis. Com a posição hipócrita e medieval de defender os interesses de seus eleitores religiosos e lutar por um Brasil mais "cristão".
Para uma pessoa racional que leve o futuro e o bem estar das pessoas a sério, isso pode parecer até uma piada de mal gosto. Boa parte de nossos representantes fazem parte da chamada "bancada evangélica", que defende com orgulho posições conservadoras e extremistas sobre temas complexos e delicados.
Corruptos em sua maior parte, esse grupo é um dos que mais falta nas sessões congresso enquanto marca pontos diários em operações da Polícia Federal. Em suas campanhas apaixonadas, clamam por um Brasil voltado a Deus e seus tradicionais bons costumes e são fortemente marcados por discursos preconceituosos, misóginos e de péssimo nível argumentativo, sempre com chantagens emocionais e falácias sem evidências.
O conhecido Pastor Everaldo(PSC), o melhor representante dessa classe nas eleições de 2014, deixou claro em seus comerciais e argumentos em debates que sua maior preocupação não era com o país e seu futuro social e econômico, e sim em capturar a parcela da direita mais extremista da população. Com um discurso contra homossexuais, politicas de esquerda, a perda de valores familiares e apoiando fortemente causas como a proibição do aborto, abertura total da economia e a garantia de que faria o Brasil o país de Deus, Everaldo esperava que os mais de 20% dos brasileiros que se declaram evangélicos se juntassem a sua causa. Felizmente isso não foi o suficiente. Marco Feliciano(PSC) é uma constante política que resume de maneira perfeita esse perfil na política. Sendo eleito unicamente por sua posição na igreja, ele faz questão de manter seu nome nas manchetes com declarações intolerantes que, apesar de chocar e enojar a maioria de nós, flerta com a crença e as posições radicais de seus eleitores.
Diversos comerciais e propagandas do PSC, e de outros partidos religiosos, mostram o quanto esses políticos e seus eleitores acreditam que sua religião deveria influenciar politicas sociais e econômicas e afetar a vida de todos os cidadãos. De fato, um dos piores traços de intolerância que a religião traz, é a ideia de que não somente você está correto sobre qual deus existe e o que ele quer de nós, como você deve fazer com que todos se comportem e vivam suas vidas de acordo com esse deus. Como se não houvesse possibilidade de que cada um possa viver de acordo com seus valores e crenças.
Não se limitando ao Brasil, essa forte influência religiosa sobre os governos mostra suas garras em diversas partes do mundo. Donald Trump, apesar de não se utilizar diretamente do discurso religioso, se apropria de diversas de suas ideias e argumentações para cativar suas plateias simples e com baixa educação. O próprio partido republicado, mesmo não sendo tão radical quanto Trump, representa um forte movimento regressista e conservador, onde Deus e o cristianismo tem grande influência em suas políticas. Uma grande parte dos partidos e movimentos extremistas e anti-imigração na Europa, tem fortes bases bíblicas e usam diversos argumentos protecionistas e religiosos para justificar suas opiniões xenófobas. O próprio Estado Islâmico, apesar de seu lado guerrilheiro, pode ser considerado uma faceta desse problema. Seu objetivo, além de um ilusório Jihad sobre os infiéis, é instalar uma Sharia sobre o Oriente Médio onde eles seriam os governantes. Inclusive países como a Arábia Saudita e o Irã podem ser considerados como Sharias.
É curioso pensar que um estudante da relação histórica entre a religião e o estado poderia imaginar que a esta altura do século XXI, já estaríamos com esse problema resolvido. Mas afinal, onde foi que erramos?
Antigamente a religião impunha seus dogmas sobre todos através de sua influência direta nos estados e governos. Na Antiguidade era quase impossível diferenciar a religião e a política e alguns líderes misturavam posições de autoridade estatal com religiosa. Na Idade Média uma leve separação(movida por ambição e avidez por controle e poder de ambos os lados) destacou o quanto essas duas forças podem trabalhar juntas para controlar as massas e manobrar a população. De fato, mostrou-se que a religião tinha mais poder que os Estados, já que o Papa tinha uma forte influência política sobre todo o continente europeu e o Vaticano tinha o status de um principado com poder militar e econômico sobre toda a região da Itália. Com o surgimento do Iluminismo e de repúblicas e democracias laicas, poupo a pouco a separação entre a religião e o estado foi oficializada em diversos países e o mundo começou a caminhar para uma direção mais racional e tolerante.
Por que será que em nossa época, onde a ciência e a racionalidade tanto contribuíram para nossos avanços em qualidade de vida, a religião e suas ideias antiquadas ainda tem tanta influência sobre grandes eleitorados e consigam definir o resultado de eleições em países tão modernos e diversificados como o Brasil e os EUA?
Bem, como qualquer assunto social complexo, essa pergunta tem uma resposta complicada com diversos lados nem sempre considerados.
Um dos fatores mais essenciais para entender o motivo desse levante politico religioso, é a atual polarização que sociedades do mundo todo enfrentam. Direita e esquerda, conservadores e liberais, comunistas e capitalistas. A humanidade sempre teve um gosto doentio em segregar seus pares e estimular conflitos desnecessários e inúteis. Atualmente, devido a diversos acontecimentos e forçados pela grande diversidade de crenças e valores, muitas pessoas sentem a necessidade de abraçar uma causa. Quase sempre com muita paixão e pouca razão, eles se transformam em fanáticos e extremistas, espalhando intolerância e ignorância pelo mundo físico e virtual. Independente de qual lado ou crença, a intolerância impede o diálogo e o respeito, e deve ser considerada como a pior vilã dessa história.
Como faz parte da natureza humana se aliar ao lado mais confortável e suportado pelo status quo, a maioria das pessoas(principalmente as mais irracionais) abraçam a causa religiosa de direita. Onde não só se colocam contra politicas sociais mais liberais e modernas, como também tendem a ditar comportamentos e valores que eles consideram ditados por Deus. É nesse momento que homossexuais, movimentos pró-aborto, programas educacionais voltados a ciência, ONGs de direitos humanos e até mesmo radicais conservadores de outras religiões, são definidos como inimigos da moral e bons costumes e cumprem uma agenda libertária que destrói as bases da família tradicional e os valores construídos ao longo de gerações tradicionalistas. Em sua visão ilusória e discurso falacioso, esse grupo clama que o mundo se deteriora com comportamentos pecaminosos e uma libertinagem devassa, e que devemos restaurar nossa sociedade com bases fortes religiosas. Infelizmente, uma forma por eles considerada correta de se chegar a esse resultado é a forte atuação e intervenção na política e nas leis de seu país. Eles, diferente de adeptos de outras religiões mais equilibradas, sentem a necessidade de intervir no Estado e tendem a acreditar em heróis nacionais e ídolos políticos.
Como nossa sociedade é cheia de oportunistas sem empatia, um grande grupo de ambiciosos impulsionados pela fama do protestantismo e o enriquecimento de pastores/empresários,
se encorajam de usar essa bandeira de ideais medievais na política. Tendo em vista a quantidade de políticos que se declaram abertamente religiosos e não escondem que sua agenda é religiosa, essa fórmula tem se mostrado muito efetiva para se eleger um parlamentar. Torçamos que ela ainda não seja decisiva para a eleição de um presidente.