Religião E Economia Na Atualidade
Por Luiz Carlos Cappellano | 23/12/2007 | ReligiãoNos nossos dias, época de globalização da economia e de avanço da "teologia da prosperidade", a obra de Weber merece ser revisitada, pois existem alguns paradigmas das igrejas atuais - principalmente as mais recentes - que merecem ser desvelados.
Inicialmente eu falaria do caráter a-histórico de algumas igrejas, que se remetem sempre a uma ideologia a-temporal, que se quer eterna e imutável, mas que, na realidade é históricamente datada.
Ao citarem a Bíblia como única fonte doutrinal, alguns religiosos fazem "tábula rasa" em relação à construção do próprio texto bíblico, o qual não foi escrito todo de uma vez e nem é fruto de um único autor.
A própria palavra "Bíblia" deriva do grego "bíblion" ou "biblos", sendo plural de livros (rolos). Estes textos, escritos com um intervalo de tempo superior a 1.500 anos entre o primeiro e o último foram escritos em 3 idiomas diferentes: o hebraico, o grego e o aramaico.¹
Em hebraico consonantal foram escritos todos os livros do Antigo Testamento, com excessão dos livros chamados deuterocanônicos e de alguns capítulos do livro de Daniel, que foram escritos em aramaico. Todo o Novo Testamento foi escrito em grego, embora a tradição aponte para o fato de que o evangelho de Mateus tivesse sido escrito em aramaico.
Esta compilação díspar de textos foi reunida no século IV, quando Roma torna-se cristã, e criou-se a "vulgata", a Bíblia oficial da Igreja Católica, em latim. Desnecessário afirmar que cada vez que se traduz um texto chega-se, em termos conceituais, a um resultado "próximo" (mas não exatamente igual) ao texto original. A cultura própria, os usos e os costumes do tradutor, bem como as inovações linguísticas da sua época (que estão introjetadas) são inseridas, mesmo que acidentalmente, no texto que ele traduz.
Muitas vezes, ao longo da História, se tentou "purificar" o texto bíblico, expurgando os acréscimos e as "licenças-poéticas" utilizadas pelos tradutores romanos e os copistas medievais, mas o certo é que ainda hoje continuamos a ler um texto que é muito mais o texto do século IV do que o original. Um exemplo claro é a passagem do Novo Testamento onde Jesus diz que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Esta frase tem sido repetida há pelo menos 17 séculos, mas em aramaico, kamelos significaria camelo, enquanto kamilos quereria dizer corda. Na tradução para o latim teria ocorrido uma leitura errada do original, convertendo a corda no metafórico animal. ²
Além da questão da total ausência de historicidade em relação ao texto bíblico, várias igrejas ignoram ou expurgam a própria história, ou seja:
- Em que conjuntura social, política e econômica surgiu determinada denominação religiosa? Em que época?
- Em qual segmento da sociedade ela está alicerçada? Qual a classe social dos seus dirigentes? E dos seus fiéis?
- Qual ideologia ela difunde? Em que país ela surgiu? Qual a ligação que ela mantém em relação ao país de origem?
- A quais interesses ela serve?
Acreditamos que, ainda que muitos fiéis não tenham muita clareza das razões que os levam a determinada igreja (e não a outra), os líderes religiosos devam refletir criticamente e não professar uma fé "ingênua" ou "intuitiva", mas sim fortemente lastreada sobre os alicerces da teologia, da sociologia e da história.
Sobre a teologia da prosperidade ³, parece evidente que hoje as pessoas (especialmente as mais pobres) procuram as igrejas muito mais para resolver problemas bastante imediatos como dívidas, dificuldades no casamento ou familiares, falta de perspectiva profissional e outros, que têm muito mais a ver com a atual conjuntura sócio-econômica do que com a fé ou a doutrina, do que para buscar a salvação.
Existe em nossos dias, uma relativa "especialização" entre as igrejas, ou seja, igrejas que são especializadas em resolver problemas materiais (falta de emprego, dívidas, etc.), igrejas que são especializadas em resolver problemas ligados à afetividade (casamentos desfeitos, desentendimentos entre pais e filhos, solidão, depressão, etc.) e outras na preservação e recuperação da saúde. Quase todas, em uníssono, buscam a manutenção do "status quo" e a condenação dos "desvios" e dos "desviantes".
Em relação à família, reconhecem como a família "constituída por Deus" a monogâmica e patriarcal, muito embora ela tenha sido construída muito mais ao longo do século XIX, pela burguesia, do que na época bíblica. A própria instituição da família é historicamente datada e sofreu transformações ao longo do tempo:
"A própria família passou por transformações através dos tempos. Nos séculos XVI e XVII, o modelo predominante era o da Família Aristocrática, cujos pais decidiam o casamento dos filhos, a relação se baseava na hierarquia aristocrática e os papéis eram impostos por rígidas tradições.Não se respeitava a privacidade dos membros da família, a não ser a do pai.E, o primeiro contato da criança, era com as amas de criação e não com os pais.
Surge então um novo modelo, a Família Camponesa, baseada na vida cotidiana das aldeias.A família era a própria aldeia e vivia em comunidade.A relação entre os componentes da família era superficial, sem qualquer intimidade. A mãe cuidava dos filhos, da casa, da horta por longas horas, com a ajuda de pessoas de fora do grupo familiar.
No século XIX, surge o modelo da Família Burguesa e os filhos recebem novos valores, até então inéditos.A mãe é responsável pela educação dos filhos para que eles tenham um lugar de respeito na sociedade e os pais cuidam do custeio dos estudos.Dessa forma, a esposa conseguia estreitar os laços afetivos com os filhos, influenciando-os diretamente na construção da moral dentro das regras vigentes.
Com a Revolução Industrial, surge a Família da Classe Trabalhadora, que nasceu da angústia social e econômica reinante na época, que se assemelhou ao modelo da burguesia.Num primeiro momento, todos os membros da família trabalhavam nas fábricas, sem dar muita atenção para as relações entre pais e filhos, os quais ficavam pelas ruas.Num segundo momento, resgatou-se o estilo burguês e a domesticidade voltou a prevalecer.
A Família Contemporânea do século XX, oriunda da família burguesa, um pouco mais complacente, permite que os filhos criem sua própria opção de vida.Os valores burgueses se intensificam e começa a haver mudanças na sociedade, como a valorização da mulher no mercado de trabalho, a divisão das responsabilidades, nas funções dos papéis do casamento, a violência urbana, os movimentos políticos e ideológicos, dentre outros, acarretando mudanças até de perspectivas." 4
Uma simples leitura superficial da Bíblia faz refletir que os primeiros judeus viviam sob a poligamia (os patriarcas tiveram várias esposas, bem como o rei Salomão, a quem a tradição atribui ter tido um filho com a rainha de Sabá) e não eram fiéis (o próprio Abraão teve Ismael da escrava Agar, antes de ter tido Isaac de sua esposa Sara; David mandou Urias, o esposo de Betsabé, para a frente de batalha, para ficar com sua esposa), praticavam o incesto (as filhas de Ló embebedaram o pai para copular com ele) e outros tantos atos que os religiosos atuais parecem atribuir aos "tempos modernos".
Sob uma perspectiva sociológica poderíamos conjecturar que várias igrejas cumprem eficazmente a função de aparelho ideológico de Estado,superestrutura ideológica que mantém a infra-estrutura econômica acomodada e amoldada. Sob a capa da preservação da moralidade e da divulgação da "palavra" – através de Evangelização cada vez mais intensa – estas igrejas prestam grandes serviços ao capitalismo internacional e à burguesia dirigente, pois, além de manter os fiéis "sob controle" ainda suprem lacunas deixadas pelo Estado Mínimo neo-liberal: Saúde, Educação e Segurança Pública.
Em termos econômicos estas instituições se constituem em verdadeiras empresas, que conseguem operar com grande margem de lucros. Ao reproduzir as estruturas capitalistas (da sobriedade e da acumulação) e ao prestar serviços à elite dirigente, elas reiteram a ideologia dominante e, desta maneira explicamos o seu sucesso.
Notas:
1. http://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%ADblia
2. http://cidadaodomundo.weblog.com.pt/arquivo/059188.html
3. http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_Prosperidade
4. Fidomanzo, Marie Claire Libron,A GUARDA COMPARTILHADA SEMPRE EXISTIU- http://apase.org.br/91015-gcsempre.htm, acesso em 23/12/2007 09:03