RELATORIO DE ESTÁGIO: A SAÚDE MENTAL E A LOUCURA, UMA ANÁLISE

Por Allan Ribeiro Camargo | 29/06/2021 | Psicologia

Anápolis, 09 de dezembro de 2020.

 

 

RELATÓRIO – ESTÁGIO BÁSICO I

 

 

IDENTIFICAÇÃO

 

Nome completo do professor supervisor / nº CRP:

Rafael de Almeida Mota / CRP: 09/012357

Nome completo do aluno / nº do RA

Allan Ribeiro Camargo / RA 1820037

Dáfiny Ivana Pedro Santana / RA 1910780

Rafaela Rodrigues da Silva / RA 1820325

Widiane de Souza Cruz / RA 1910798

Nome da IES: Faculdade Metropolitana de Anápolis – FAMA

Finalidade: Relatório de análise do estágio básico I

 

 

DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 

 

Iniciou-se as atividades com um encontro presencial no dia 06 de março de 2020 conforme o semestre letivo, onde foi-se passado para os acadêmicos os objetivos e as etapas para realização e conclusão do estágio básico I. Ficou definido entre os alunos, a coordenadora de curso e o professor orientador Rafael Almeida Mota, que o estágio se centraria em espaços focalizados na área da Saúde Mental e na Dependência Química, ambos vinculados ao Sistema Único de Saúde - SUS.  

No dia 13 de março de 2020 deu-se início a parte teórica para balizar o movimento no campo de estágio, oportunizando o desenvolvimento de análises construtivas acerca dos temas. O primeiro livro a ser utilizado na disciplina foi "Saúde Mental e Atenção Psicossocial" do Paulo Amarante, com enfoque nos dois primeiros capítulos intitulados, “Saúde Mental, territórios e fronteiras” e “Uma instituição para Loucos, Doentes e Sãos” para entender o modelo psiquiátrico e o processo histórico da constituição da loucura e o espaço do louco na sociedade.

 No entanto iniciou-se a pandemia da COVID 19, dando  inícios aos encontros virtuais, realizados quinzenalmente pelo Google meet. Um encontro realizado no dia 03 de abril de 2020, inicia-se uma discussão com base no livro “O ser da compreensão” de Monique Augras, nesse mesmo dia também refletimos sobre os capítulos 1 e 2 do livro “Danação da Norma” que discorre sobre o processo de constituição da psiquiatria no Brasil.

No dia 17 de abril de 2020 a aula no ambiente virtual foi baseada em 2 artigos, onde se teve a participação da Psicóloga Jessica, em um diálogo sobre Identidade profissional e compromisso social, e discussões a respeito da saúde mental e Interseccionalidade.

Dia 29 de maio de 2020, foi possível refletir sobre o capítulo intitulado "Loucura" do livro "A Psicologia Sócio-histórica de Vygotsky" escrito por Carl Ratner e o artigo "O Delírio além do Sintoma: Reflexões a partir da Teoria da Subjetividade" desenvolvido pelo Daniel Goulart e Renata Mourão. Foi uma aula rica de construções do senso-crítico sobre o contexto da loucura e da medicalização.

O último encontro teórico se deu no dia 16 de junho de 2020, onde o professor e orientador trouxe o tema medicalização, com base no Capítulo 01 "Diversas Faces do Fenômeno" contido no livro "Medicalização em Psiquiatria" do Fernando Freitas e Paulo Amarantes, e o artigo intitulado "Tecnificação da Vida: uma discussão sobre o discurso da medicalização da sociedade". Foi uma aula de grandes reflexões acerca da medicalização na sociedade e a banalização da medicação nas pessoas marginalizadas.

Após o término das aulas teóricas os acadêmicos se encontram com o professor e orientador do estágio básico I, Rafael de Almeida, para definição de como seria realizada a parte prática no qual envolve o desenvolvimento do presente relatório. Foi possível também definir sobre a utilização de material audiovisual para elaboração do relatório.

Sobre a carga horaria das partes prática, devido ao contexto de pandemia e os decretos de segurança, ficou combinado em comum acordo a participação em duas lives com dois profissionais da psicologia.

A primeira ocorreu no dia 27 de agosto, abordando e tema: (Re)pensando o conceito de saúde e doença na prática psicológica atualmente. A orientação foi realizada pelo Mestre em psicologia pela Universidade Federal de Goiás – UFG, Etorre Riter, que conduziu a live sanando as dúvidas e sugerindo diversos materiais para o enriquecimento do conhecimento teórico e prático.

A segunda e última live foi realizada no dia 28 de agosto, com o tema: O papel do psicólogo na luta antimanicomial, conduzido pela Mestre em psicologia pela Universidade Federal de Goiás - UFG, Jéssica Batista Araújo. Jéssica durante sua fala abordou sobre o contexto de saúde e doença, medicalização e luta por direitos sociais dos pacientes sobre cuidados psiquiátricos.

Após a finalização da carga horário teórica deu se início a construção do relatório de Estágio Básico I, a partir das atividades desenvolvidas que aqui foram citadas.

 

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL

Por meio dos materiais apresentados promover o desenvolvimento de pensamento crítico com relação aos conceitos saúde-doença, articulado a noção de “loucura”.

 

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Repensar os conceitos de saúde definidos pela Organização Mundial de Saúde;

Desenvolver análises críticas que contribua para o desenvolvimento e melhoria do modo de se tratar os sofrimentos psíquicos;

Promover reflexões acerca das crenças e pensamentos limitante em relação ao processo de saúde, doenças e loucura;

Juntar e analisar os conteúdos já trabalhados em sala de aula durante todo o curso, e principalmente nas matérias de Psicologia com base em Fenomenologia e Estágio Básico II;

E por fim, refletir sobre o homem como um ser social que se constrói por meio de suas relações.

 

PROCEDIMENTO e REFERENCIAL TEÓRICO

 

Por meio da realização do estágio básico I, foi possível analisar e repensar os conceitos de saúde e os processos que envolvem e influenciam as questões de saúde, doença e diagnostico. A partir dos artigos e livros discutidos e indicados durante a realização da matéria, torna-se possível o desenvolvimento do presente relatório.

Antes de iniciarmos as reflexões sobre saúde mental e o diagnostico que aqui faremos, se torna relevante diferenciar de maneira breve a definições de saúde que se tinha a séculos atrás e o conceito que a Organização Mundial de saúde traz na atualidade.

Desde o início da humanidade a saúde tem acompanhado o homem e tem feito parte do seu desenvolvimento. Durante a idade média as explicações para saúde e doença estavam relacionadas as questões místicas, acreditando que as enfermidades se tratava de castigos que os deuses davam para os indivíduos. Acreditava-se também que as patologias poderia ser frutos de bruxarias (BEZERRA; SORPRESO. 2016).

Para Azevedo (2018, p. 21), explicava-se a saúde e as doenças como consequências dos comportamentos do homem. Aos indivíduos que cometiam pecado e/ou atos de rebeldias, as doenças se tornavam um castigo, sendo consequência da ira dos deuses, já a saúde era entendida como recompensa dos deuses ao homem, pela ausência do pecado e obediência as normas. Aos doentes restavam-lhes os rituais religiosos com a finalidade de expelir os “demônios” e receber o perdão dos deuses.

Nos dias atuais o conceito científico que se tem de saúde rompe com as questões místicas e limitadoras que, segundo Bezerra e Sopreso (2016) se tinha no início da humanidade. Na cultura grega, na medida em que se buscava explicações racionais por meio de observações e estudos, deu-se abertura para a desmistificação e desconstrução das crenças irracionais relacionadas ao adoecimento (AZEVEDO, 2018, p. 21).

Atualmente o processo de saúde é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um completo bem-estar físico (biológico), mental (psíquico) e social (ambiente), e não apenas a ausência das manifestações de doenças e enfermidades (BRASIL 1946). Se tratando de saúde e bem-estar torna-se necessário considerar as diversidades culturais, o período histórico vivenciado assim como as questões socioeconômicas etc. que norteia no entendimento e na definição de saúde e doença (Organização Pan-Americana de Saúde – BRASIL, 2020). 

Se anos atrás a percepção que o homem tinha de saúde se dava pela ausência de doença, atualmente a saúde passa a ser compreendida como um completo bem-estar, que engloba múltiplos fatores que fazem parte e interferem no desenvolvimento do homem (paulin; luzio, 2009), o seu cuidado passa a ser de modo integral.   

Se saúde é definida pela OMS como um completo bem estrar biopsicossocial, aqui dialogaremos com foco na saúde mental ou saúde psíquica.

Assim como no passado as doenças eram explicadas por meio do pensamento irracional a partir de crenças místicas e religiosas, com as doenças ou transtornos mentais não foi muito diferente. O indivíduo que estava desprovido de saúde por não estar em completa harmonia psíquica com o meio social era tido como um ser (possuído por espíritos malignos denominados de demônios), para Amarante (2007, p.23) a loucura tinha inúmeros definições “[...] de demônios a endeusados, de comedia e tragédia, de erro e verdade”.   

A loucura é entendida como tudo aquilo que a sociedade vê com certa estranheza, ameaça ou uma alteração radical nos padrões psíquicos pré-estabelecidos. Entretanto por mais que pareça estranho aos pensamentos atuais, pode-se afirmar que nem sempre a loucura foi vista como algo negativo. Na Grécia antiga, por exemplo, filósofos como Platão e Sócrates apontaram uma forma de loucura tida como divina. Ou seja, acreditavam que era através dos delírios que os “eleitos de Deus”, assim como chamavam as pessoas loucas, tinham acesso às verdades divinas (SILVEIRA; BRAGA, 2005).

Ainda segundo Amarante (2007, p.30), para Pinel as “loucuras” não se tratava de doenças mentais, mas de alienação mental, uma vez que, o processo de loucura do indivíduo não é de fácil acesso e não se tem uma localidade como as doenças físicas.

Nos dias atuais ainda é comum escutar (principalmente de pessoas mais idosas) crenças infundadas a respeito das loucuras e dos transtornos psíquicos, como as relatadas por Bezerra e Sorpreso (2016). A criação e propagação dessas crenças limitantes e infundadas podem ser decorrentes ao fato de as alienações mentais serem “[...] obscuras e impenetráveis” (AMARANTE, 2007, p. 30).

Segundo Pinel a loucura ou alienação mental (Amarante, 2016), como definida pelo próprio, está relacionada as paixões. As paixões são responsáveis por proporcionar um equilíbrio/ harmonia entre os pensamentos e o modo no qual o indivíduo lhe dar com a realidade. A desarmonia entre indivíduo e mundo é fruto do desequilíbrio das paixões ao lhe deparar com a realidade.

 Se comparada ao dito popular “a paixão nos faz cometer loucuras”, os processos de alienação mental de Pinel fazem sentido. Ao lhe dar com a dura realidade do mundo, as paixões podem ser confrontadas dando início a desarmonia entre os dois fenômenos: pensamento e mundo, fazendo com que o indivíduo seja acometido pela loucura. A loucura seria fruto da desordem das paixões.  

Pereira (2004), aponta que na percepção de Pinel, por se tratar de uma harmonia entre homem e mundo a loucura não vai deixar de existir em um mundo desarmônico, no entanto, é possível entendê-la por meio das paixões.

No século XVIII, com a valorização e o desenvolvimento do pensamento científico, onde a razão ocupa um lugar de destaque, o conhecimento sobre loucura toma outro rumo e, esse fenômeno passa a ser visto como um objeto de saber médico, caracterizado como doença mental e passível de cura. É então que surgem os hospitais psiquiátricos como espaço terapêutico (SILVEIRA; BRAGA, 2005).

Essa institucionalização, defendida como medida de cuidado acaba por afastar de vez o doente da sociedade, limitando e impedindo suas relações com o mundo exterior. Além da desumanização aos cuidados para com as pessoas que ali estavam, segundo Silveira e Braga (2005), esse sistema era mantido pelo discurso de que os "loucos" são seres perigosos e inconvenientes que em função do seu estado psíquico, não conseguem conviver de acordo com as normas sociais.

“O primeiro e mais importante, passo para o tratamento, de acordo com Pinel, seria o isolamento do mundo exterior. [...]seria assim um imperativo fundamental para que o alienado pudesse ser tratado adequadamente” (AMARANTE, 2007, p.31).

Contradizendo as ideias tragas por Silveira & Braga (2005), e por Pinel, apresentadas por meio do autor Amarante (2007), e de certa forma fazendo duras críticas aos modelos de tratamento utilizado nos hospitais psiquiátricos e antigas casas de hospedagens/ caridade, Lane (2012), confirma que o homem é um ser das interações e se desenvolve e transforma o ambiente a partir das interações construídas com o meio social, não podendo haver dicotomia entre homem e sociedade. O homem é um Ser social.

Com o olhar votado para a psicologia social e para os escritos de Lane (2012), pensar na existência de um indivíduo que é retirado da sociedade, é pensar esse homem sem seu poder de ação sobre o mundo e sobre si próprio.

É só a partir da década de 70, que esses centros de controle e higienização social são vistos como nocivos e são apontadas as necessidades de reformulação, dando início a Reforma Psiquiátrica Brasileira. As Conferências Nacionais de Saúde Mental possibilitaram a delimitação dos objetivos da reforma psiquiátrica brasileira e a proposição de serviços substitutivos ao modelo hospitalar. A busca pelo cuidado humanizado e respeito pela cidadania é entendido como a necessidade da qualidade de vida (SILVEIRA; BRAGA, 2005).

 Atualmente o Manual de Classificação Internacional de Doenças (CID-10), específico para Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, apresenta um vasto conjunto de psicopatologias nas quais a categorização fenomenológica dos sintomas pode ser com certa facilidade, aplicável a diversas pessoas em muitos momentos da vida (SCISLESKI; MARASCHIN, 2008)

O diagnóstico é realizado com base nas observações clínicas de um conjunto de sinais e sintomas classificados, apresentados pelo sujeito em um determinado período. Esse diagnóstico define a direção do tratamento terapêutico, bem como o acompanhamento medicamentoso e a elaboração de políticas voltadas tanto para o viés de cura, quanto de prevenção (SCISLESKI; MARASCHIN, 2008).

 

ANÁLISE

 

 Quando se fala em saúde surge uma serie de indagações e conclusões a respeito

do assunto, uma vez que, a saúde faz parte de nossa existência e se encontra em relação com o nosso ser e modo de estar e agir no mundo.

Ao se falar em saúde Psíquica, Psicológica e/ou Mental não é diferente, logo surgem uma serie de diagnósticos que impossibilita uma visão única e ampla do homem, sem fragmentá-lo. Um dos primeiros diagnósticos dados pela sociedade é a Loucura.  Afinal, o que é loucura? O que é ser louco?

O material de audiovisual que escolhemos para embasar nossa produção é o filme-documentário “Estamira”, dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, lançado no ano de 2005. O documentário leva o nome da protagonista Estamira Gomes de Sousa, e conta a sua história e sua filosofia.

Estamira ganhou notoriedade por apresentar distúrbios mentais e um misto de loucura com uma lucidez social, que mesmo os mais sãos da nossa sociedade não têm tal consciência, o que por si só já nos mostra um estigma da “doença”. Pessoas que possuem qualquer “distúrbio” que a sociedade “julga” com anormalidade e de alguma forma certa incapacidade, é como se não tivesse nada além. É só a doença, a loucura e as falas desconexas.

Estamira é um rompimento, é atemporal. Sua fala e sua existência são impactantes e provoca reflexões. Sua dura realidade, sua vida, a desordem de suas paixões e, todo enfrentado é a realidade de tantas Estamiras por aí. Seu distúrbio “esquizofrênico” é sua sanidade, nessa sociedade que mesmo atravessando tantas mudanças, ainda precisa mudar bastante para atender realmente quem se encontra em sofrimento de acordo com a sua individualidade, história de vida e de acordo com seus próprios desejos.

A OMS reconhece o homem como um ser biopsicossocial, mas será que existe espaço no meio social para pessoas como Estamira? É um questionamento que fica, que martela, porque, apesar de buscar humanizar os tratamentos, será que é de fato só o que esse indivíduo necessita? Os problemas sociais da doença que aflige o indivíduo são em todos os sentidos, mas principalmente mental, uma das necessidades mais urgentes do nosso País.

A situação de vulnerabilidade, à pobreza, o sofrimento de uma vida inteira e o silenciamento e a invisibilidade, com toda certeza tem muitos impactos na vida de qualquer ser humano, principalmente em quem porta algum tipo de “loucura”. Estamira é uma mulher que seu trabalho no aterro sanitário é sem qualquer tipo de cuidado, inclusive sua morte em um hospital esperando atendimento mostra o quanto os indivíduos diagnosticados (mesmo que pelo senso comum) com alienação mental são marginalizados pela sociedade.

Apesar da existência da Reforma Psiquiátrica, da psicologia estar conquistando seu espaço dentro das políticas públicas de saúde modificando o modelo de percepção e tratamento, a sociedade se tornando consciente em relação as crenças místicas e limitantes a respeito da loucura, a saúde e a doença precisam ser mais bem compreendidas, se aproximando do conhecimento científico sem se afastar da compreensão do ser humano como ser singular e que se constitui enquanto homem por meio das interações com o meio.

Voltando a Estamira e falando sobre ela, é impossível não ampliar a dimensão para o todo. Estamira é uma mulher que encontra meios de expressar o que sente, o que pensa, sua legitimidade; mesmo com suas limitações é capaz de expressar e de questionar. Num contexto de vida sofrido, consegue transpor seu sofrimento em suas filosofias expressões inventadas e vocabulário próprio, o “Estamirênse” para dar voz à sua própria voz.

Em uma das suas falas, Estamira diz: “Eu, Estamira, sou a visão de cada um. Ninguém pode viver sem mim. Ninguém pode viver sem Estamira”. E essa frase que mostra que todos nós somos Estamira, todos somos um pouco loucos e doentes. Quem não? Quem não nesse mundo louco, nessa sociedade insana? Cada um tem dentro de si uma Estamira. Para Pinel, em um mundo de desarmonia é impossível colocar em ordem as paixões.

Outro material de audiovisual no qual achamos ser enriquecedor para a elaboração do presente relatório, trata-se do documentário “Ouvidores de Vozes”, lançado em 2017, produzido por Milena Maganin.

O documentário “Ouvidores de Vozes”, nos possibilita uma visão de como é a interação e a realidade dessas pessoas diagnosticadas como loucas. As dificuldades encontradas no tratamento e perante os preconceitos da sociedade e até mesmo da própria família. O mesmo também nos dá uma percepção de o quanto rotulamos as pessoas e o quanto as excluímos, o quanto o conhecimento empírico está presente em nosso cotidiano.

Ao disponibilizar gravadores para que esses indivíduos tenham a oportunidade e o direito de contar suas histórias, damos um passo à frente contra esses diagnósticos, quebrando assim um julgamento universal, e permitindo ir de encontro com o outro em sua totalidade. Totalidade essa repleta de intencionalidade.

Pode-se ressaltar o quanto o diagnostico nos limita de enxergarmos o homem além de nossos olhos. De vê-lo em sua totalidade e perceber seus pontos de saúde, saúde essa que lhes proporciona uma consciência de si mesmo (a) e do mundo. Quem sabe não seja essa consciência de si, que tanto incomoda a sociedade.

No documentário ao relata que sua avó e sua mãe ouviam vozes e que sua mãe deixava as vozes influenciar sua vida, a mãe de Isabel (não só ela, mas como os familiares dos demais ouvidores de vozes) nos permite compreender o quanto a incompreensão e o preconceito estão presentes no dia a dia das Estamiras.

Algumas explicações são buscadas no contexto das crenças místicas, “vozes do bem, vozes do mal”. A própria Isabel nos deixa claro ao relatar que ouvi duas vozes, “uma voz do espírito santo e outra voz do diabo”. Em uma cultura religiosa não é incomum dizer que a pessoa está possuída por espíritos ou que é falta de fé.

Ao adentrarmos no contesto místico e religioso, principalmente no cristianismo, “nós seres humanos ‘somos capazes’ de falar” e até mesmo de ouvir a voz de Deus e seguir o que foi dito por Ele.  Quando se fala da voz religiosa o homem não é rotulado com quaisquer tipos de alienação mental; porém, ao se falar de outros tipos de vozes logo já aparecem os diagnósticos de loucura, paranoia, dentre tantos outros do conhecimento social e não o cientifico, que a psicologia nos proporciona enquanto profissão.

Sobre as terapias e os tratamentos ofertados, cada vez mais vamos avançando e temos muito a percorrer, inclusive nós enquanto acadêmicos e futuros profissionais da psicologia. Temos que ampliar nossa percepção para tornar a nossa prática o mais existencialista e humana possível, distante e diferente da clássica relação médico-paciente-diagnostico-medicamento, a fim de proporcionar dignidade e qualidade de vida para as Estamiras do mundo. 

Convocado, o sujeito em sofrimento participar ativamente de seu processo terapêutico, incorporando uma nova forma de pertencer ao mundo. Para isso, é ressaltado um complemento necessário, às atenções políticas, filosóficas e sociais. Uma atenção ao estudo da psicopatologia, com objetivo de alcançar mais do que a avaliação de um quadro clínico, mas também uma compreensão psicológica do paciente/ cliente e da sua narrativa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O processo e a construção do presente relatório possibilitaram uma reflexão e um aprofundamento da abordagem Fenomenológica e de conceitos da Psicologia Social em relação a saúde psíquica. A humanização dos que estão em sofrimento engloba de forma conectada essas duas áreas da psicologia. O Relatório abordou a Saúde e a Doença desde o início da humanidade até a atualidade, embora essa construção seja gradual e com muitos avanços para acontecer nos anos vindouros.

Com tudo, conclui-se que é necessário buscar uma nova forma de relação intersubjetiva entre o indivíduo e o mundo e ampliar nossa consciência para que rompamos o que existe ainda de estigma, preconceito e exclusão. O conceito de doença é uma entidade construída socialmente; doença mental não é apenas um diagnóstico, um tratamento ou uma desarmonia das paixões. O que se costuma chamar de doença mental deveria ser abordado como uma forma de estabelecer relação com o mundo, com os contextos sociais, como fez Estamira e os protagonistas do “Ouvidores de voz”.

O homem enquanto existente dá significado ao seu mundo, impedindo muitas vezes que haja alguma fragmentação ou separação. Deve-se lançar mão de uma compreensão apenas com implicações psicopatológicas para entender o adoecimento e suas especificidades. É indissociável a relação estabelecida entre o homem e mundo. Enfatiza-se que o homem participa do que vê, pois somente o homem intenciona o objeto e lhe atribui significados, a partir da sua bagagem e da sua vivência totalmente subjetiva e única.

Sendo assim, a compreensão vai além de uma patologia, de uma doença; a compreensão é do homem em sua totalidade, numa dimensão que seja voltada para as peculiaridades do existir humano, protagonista de sua própria história, com sua condição existencial, com seus significados e intencionalidades. A utilidade do pensamento fenomenológico quando se trata da psicopatologia é sem dúvidas um resgate do homem sem que sua identidade seja apenas uma classificação de um diagnóstico.

Loucura seria “fugir”, seguir caminhos diferentes daqueles impostos pela cultura e sociedade em geral. Sociedade e cultura essa que nos certifica seres normais ou anormais, impossibilitando uma visão da singularidade e da intencionalidade única de cada ser?

“Normal é não ser, é não existir. Já o louco. O louco é, o louco existe.”

 

REFERÊNCIAS

AMARANTE, Paulo. SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.

AZEVEDO, Maria Regina Domingues. ADOLESCÊNCIA E SAÚDE 4: Construindo saberes, unindo forças, consolidando direitos. São Paulo: Instituto de saúde, 2018. <http://justica.sp.gov.br/ wpcontent/themes/colormag/biblioteca/Adolescencia_e_Saude_4.pdf#page=21>. Acesso em: 03 de dez. de 2020.

BEZERRA, Italla M. Pinheiros; SORPRESO, Isabel C. Esposito. CONCEITO DE SAÚDE E MOVIMENTOS DE PROMOÇÃO AS SAÚDE EM BUSCA DA REORIENTAÇÃO DE PRÁTICAS. 2016. <http://ciscacongresso.com.br/wpcontent/uploads/2016/04/Portugu% C3%AAs-261-Art.-1>. Accesso em: 03 de dez. de 2020.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE: Lei n º 8.080. (1990). . Acesso em: 27 de nov. de 2020.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE: Organização Pan-Americana de Saúde. Acesso em: 27 de nov. de 2020.

LANE, Silva T.; CODO, Wanderley. PSICOLOGIA SOCIAL: O homem em movimento. 14° ed. São Paulo (SP): Brasiliense, 2012.

PAULIN, Tathiane; LUZIO, Cristina Amélia. A PSICOLOGIA NA SAÚDE PÚBLICA: Desafios para a atuação e formação profissional. Revista de Psicologia da UNESP, 8(2), 2009.

PEREIRA, Mário Eduardo Costa. PINEL: A mania, o tratamento moral e os inícios da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, set. de 2004. < https://www .scielo.br/pdf/rlpf/v7n3/1415-4714-rlpf-7-3-0113> . Acesso em: 02 de dez. de 2020.

SCISLESKI, Andrea Cristina; MARASCHIN, Cleci. LOUCURA E RAZÃO: Produzindo classe interativa. Arquivo Brasileiro de Psicologia, v. 60, n 2, 2008. . Acesso em: 02 de dez de 2020.

SILVEIRA, Lia Carneiro; BRAGA, Violante A. Batista. ACERCA DO CONCEITO DE LOUCURA E SEUS REFLEXOS NA ASSISTÊNCIA DA SAÚDE MENTAL. Ribeirão Preto (SP): Revista Latino-Americana de Enfermagem; 2005. <https://www.scielo.br/pdf/rlae/v13n4/ v13n4a19.pdf >. Acesso em: 03 de dez de 2020.

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