Relato sobre a transformação de fauna e flora.

Por LEANDRO SILVEIRA TAVARES | 29/09/2010 | História

Relato sobre a transformação de fauna e flora.

Nome; Marcos Tavares
Idade; 49 anos
No ano de 2000 escreveu um livro de literatura intitulado "o valente e a fera" que retrata bem como era matinhos na década de 50.
Locais onde morou; Viveu sua infância quase toda em Matinhos, exceto um curto período de um ano que morou em Paranaguá.
Profissão; Motorista
Nome do Pai; Nelson Tavares
Nome da Mãe; Diva Luiza Bardelli
Local da entrevista: Matinhos, 2010-04-04
Entrevistador; Leandro Silveira Tavares, aluno do curso de licenciatura em ciências.

O senhor pode me descrever a Matinhos de sua infância?

R: Isso aqui era um paraíso, um mar cristalino onde o peixe era abundante, praias extensas e preservadas, ao fundo um vale com montanhas de mata nativa, me lembro quando vi Matinhos do alto do morro da margarida, que hoje se chama morro da cruz:
Uma planície coberta por pequenos arvoredos, mata rasteira bem verde, rios que desaguavam no mar e uma dezena de caminhos que cortavam como veias a planície, poucas casas e um mar azul, enfim, isso aqui era um paraíso!

Como era a relação do homem com o meio ambiente?

R: O caboclo respeitava, era uma relação de cumplicidade e respeito, todo caboclo respeitava a natureza e só tirava dela o que precisava para viver, não caçava por caçar, não pescava por pescar e não desmatava por desmatar.

Qual era a fonte de renda do caboclo Matinhense?

R: Basicamente vivia-se do que se plantava, caçava, pescava e coletava da natureza.

Viviam do que o meio ambiente servia?

R: É, posso dizer que sim, tenho lembranças de dias em que nossa refeição era "cará" (espécie de raiz nativa) com farinha, peixe seco ou quase sempre um ensopado de tatu, Paca, sabiá, raramente comíamos carne bovina, às vezes carne de porco e frango, quando papai criava no terreiro.

Se viviam tão bem, se tinham na terra o que era necessário, porque não preservaram?

R: Bom, não dependeu muito da gente, com a vinda dos turistas, o caboclo viu a possibilidade de ganhos e não imaginou os problemas que isso causaria, o turista ou como chamávamos os que vinham de fora, "bicho da Goiaba" não tinham a mesma ligação com a natureza, talvez por não dependerem dele como nos, então não davam importância, não respeitavam nem cuidavam da natureza. Dessa forma depredavam e destruíam.




Fale sobre essas depredações.

R: Queimadas e roçados a fim de limpar os terrenos pra construção de suas casas, construção das mesmas a beira mais quase que dentro do mar. Caçavam na época errada, todo caboclo que se preze deve saber que no verão não se pode caçar, pois a maioria das fêmeas está "prenha" ou lidando com os filhotes, e o "turista" não respeitava isso, caçava no verão, dessa forma, ao matar um animal, na certa estava matando no mínimo mais dois ou três filhotes.

Em sua opinião é essa a causa do desaparecimento de muitos animais?

R: estou certo que sim, quantos e quantos anos o Matinhense caçou, sem ter os animais extintos, porque se respeitava os períodos, respeitava-se a natureza, dessa forma, todos os animais tinham tempo pra se reproduzirem, assegurando a continuidade da espécie.

Mas se só podia caçar no inverno, no verão o caboclo passava fome?

R: aqui só passa fome quem tem medo de trabalho. No verão pescavam o robalo que era em abundancia nessa época, assim como mexilhão e caramujo coletados nas pedras da praia, colhiam cará, mandioca, e duas caçadas faziam no verão, do lagarto que só aparece no verão e a pomba selvagem que aparecia aqui também nos meses mais quentes, no mar o siri guaçu também encosta assim como o peixe parati mais comum nas costas nas noites escuras de verão. Então nos era dado uma serie de possibilidades de sobrevivência. Porem com o crescimento da cidade isso tudo foi sumindo e hoje já estão praticamente extintos, na maioria vitimas de caça/pesca indiscriminada para comercio ou também pela destruição parcial ou total de seu habitat.

O senhor falou dos animais, e as plantas, quais pontos em sua opinião são causadores do desaparecimento de algumas plantas?

R: Progresso desordenado, Matinhos cresceu desordenadamente, não ouve um planejamento, quem queria, cortava arvores que lhe convinham, pensando em conforto e comodidade rios foram aterrados, e casas sendo construídas, prova disso é caiobá que está dentro da praia, pensou-se na mata nativa que viva ali, no "*garoçá" e as tartarugas que desovavam ali? Não, simplesmente destruíram e construíram.


Então pra finalizar diga em sua opinião o que foi o maior causador do desaparecimento de plantas e animais nativos do nosso litoral?

Crescimento desordenado, falta de respeito pelo meio que nos cerca, aqui tudo era mato, aqui tudo era limpo, o caboclo Matinhense na sua maioria mestiço de índio e português, vivia uma vida modestíssima e simples, não precisava de muito pra viver bem, em sua casa modesta seus utensílios eram de madeira, chão batido e fogão de lenha, tinha seu roçado de onde tirava o arroz, feijão, mandioca, milho, a criação de galinhas, raramente um porco no quintal, ia morar na beira da praia apenas nos meses em que o "PERNELONGO" ataca mais e ou para lidar dos afazeres de pesca, não mantinha com o mar e a praia essa relação que se tem hoje, em que o mar é um quadro a ser apreciado e quanto mais perto melhor, a mata era a extensão de sua casa, mantinha ranchos por toda a serra, que eram coletivos, qualquer um podia usar, entende, reinava a camaradagem e o cooperativismo, herdamos dos índios o respeito pelo meio, a nossa maneira fazíamos manejo do meio e seus recursos, sem destruir tirávamos do meio o nosso sustento.
Por outro lado veio o turista com aquela visão romântica do mar, querendo esta cada vez mais perto do mar, não dependia nem vivia do mar, na maioria só vinha a Matinhos uma vez ao ano, com aquela visão capitalista que o dinheiro compra tudo, e aqui comprou, de maneira muito rápida, tudo foi loteado, e a beira mar estava destruída pra sempre.
Daí pra diante foi um pulo, para construir precisava-se de mão de obra especializada, buscou-se fora, e o povo que vem de fora não tem essa identidade com o local, o compromisso, isso, em minha opinião causou muitos danos, essa falta de compromisso de todos com o meio ambiente, não cuidamos do que era nosso, tudo isso aqui era nosso, Matinhenses ou não, e não soubemos conservar.