RELAÇÕES SOCIAIS NO CONTEXTO DOS GRANDES PROJETOS E DA SIDERURGIA
Por Eliana Moreira de Souza | 05/12/2016 | EconomiaCom as atividades siderúrgicas, criaram-se expectativas, recorrentemente acalentadas por vários segmentos da sociedade. Diversas foram às predições feitas, em diversos momentos, por planejadores oficiais que apregoavam que, com o atendimento de demandas globais de mercadorias minerais, abrir-se-ia a possibilidade para o estabelecimento de processos impulsionadores do desenvolvimento regional por meio do surgimento de uma vasta rede de relações sociais, mercantis e não mercantis, cujo elemento estruturador seria a siderurgia.
Os investimentos diretos feitos pelas empresas minero-metalúrgicas aproximam-se dos US$ 10 bilhões, a que se somam outros investimentos em infra-estrutura, arcados por fundos públicos, que superam em muito essa cifra. Somente os custos da construção da primeira fase da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e os encargos financeiros sobre os empréstimos que viabilizaram a obra, segundo as estimativas mais modestas, superam US$ 7,5 bilhões. Apesar da mobilização de recursos dessa magnitude, a valorização regional de mercadorias minerais teve impacto pouco significativo no que se refere ao processo de encadeamento industrial. O Estado proporciona as condições físicas e geográficas para que as empresas realizem a exploração da mais-valia com maior eficiência (MONTEIRO, 2005).
A expectativa era de que ela produziria rápidos efeitos de encadeamento industrial. Entretanto, a minero-metalúrgia não foi capaz de provocar o surgimento regional da divulgada rede de relações como resultado de encadeamentos "para frente e para trás" das atividades de mineração e de siderurgia. A exploração e a transformação mineral não foram capazes de propiciar a instalação de novas e diversas atividades industriais na Amazônia oriental brasileira. Assim, o caulim, o manganês e o cromo extraídos regionalmente não são submetidos a qualquer processo de transformação industrial na região. Mesmo aquela parte de minerais como o quartzito industrial, 42,4% da bauxita e a diminuta fração do minério de ferro (6,6%) que é regionalmente processada, apenas o é nas etapas primárias da produção metalúrgica e siderúrgica, produzindo, respectivamente, silício metálico, alumínio primário e ferro-gusa, que em seguida são exportados.
Uma usina de pelotização do minério de ferro, cuja instalação pela CVRD, em 2002, envolveu investimentos de US$ 400 milhões, tem por finalidade produzir até 06 milhões de toneladas de pelotas. Trata-se de uma planta industrial edificada em função da demanda de grandes siderúrgicas que preferem pelotas ao minério de ferro. É, assim, um processo de beneficiamento que não tem como móveis fundamentais processos de verticalização, em âmbito regional, da produção mineral, mas sim a adequação das características de parcela (10%) do minério de ferro às exigências da indústria siderúrgica (MONTEIRO, 2005).
Por outro lado, a provável instalação, em São Luiz, de uma aciaria para a produção anual de três milhões de toneladas de placas de aço não deve ser interpretada como sinal de movimento em direção à rápida verticalização da produção mineral da região. Isto é parte da estratégia da mineradora de criar joint ventures com consumidores de minério de ferro, chineses, nesse caso, para instalação de novos projetos. Desse modo, a CVRD efetiva alianças que objetivam, principalmente, consolidar e ampliar fatias de mercado, como também impedir que esses consumidores migrem para outros fornecedores de minério.
As dificuldades enfrentadas pela siderurgia para impulsionar processos de desenvolvimento de base local, todavia, não residem na limitada capacidade de estabelecer encadeamento produtivo. Uma das razões é o fato de essas atividades serem profundamente dependentes de dinâmicas extra-regionais que, por sua vez, determinam os padrões tecnológicos, de inovação e de organização dentro dos quais as empresas siderúrgicas têm de operar. São lógicas que as distanciam da possibilidade de estabelecerem redes de relações sociais, econômicas, políticas e ambientais que sejam impulsionadoras de um desenvolvimento regional baseado na construção de sistemas produtivos locais, capazes de alimentar localmente dinâmicas de inovação. Isto dificulta o estabelecimento de processos produtivos, cujo diferencial de competitividade não esteja baseado, tão-somente, na utilização, a baixo custo, de recursos e serviços ambientais da região (COELHO, 2005).
No contexto das relações sociais do município de Marabá (PA) as siderúrgicas não apenas mudaram o contexto de inserção dos atores, mas impulsionaram uma gama de problemas de ordem ambiental e também das condições de trabalho. O depoimento abaixo é de um funcionário entrevistado que sofreu acidente de trabalho:
Eu tinha uns dois anos e meio sem acerto, trabalhava sem acerto e só em vez enquanto que acertava. No dia que aconteceu o acidente só já faltava uma semana para eu tirar férias, era no período de umas 10:00h e tinha faltado energia e aonde a gente trabalhava era um local muito escuro, né! Eu não sei se vocês conhecem aqueles fornos, agente estava levantando uma parede de concreto e faltou energia e eu estava num andaime, meu colega estava em outro andaime. Tinha vários andaimes, e quando faltou energia agente desceu, e naquele momento tinha que descer uns baldes e o rapaz começou a mandar os baldes vazios para mim e eu recebia. Depois mandou um cheio e não me avisou. Se ele tivesse me avisado não tinha acontecido, ele era até um irmão, mais ele descuidou e como eu não queria que derramasse eu procurei segurar aquele balde, mais não teve como, devido o peso, estava muito pesado. E eu não estava esperando também aquele volume. Eu peguei fui com a mão leve pensando que estava leve, aí o balde baixou e foi aí que bateu no assoalho e voltou aquele produto químico no meu rosto e era muito forte. ((...) (Entrevistado B, p. 1, ls. 19 a 35[1]).
Os dados atualmente disponíveis com relação aos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no setor siderúrgico, obtidos junto ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), referem-se exclusivamente aos trabalhadores diretos do setor. Isso ocorre porque as estatísticas baseadas na emissão de Comunicação de Acidentes do Trabalho (CAT) consideram o código da CNAE da empresa contratante do trabalhador e não o código do estabelecimento associado ao acidente ou à doença do trabalho.
Os gastos com segurança no trabalho são elevados em função até da responsabilidade que a legislação gerou nessas relações entre contratados e contratantes. Nesse sentido, verificamos que o município de Marabá ainda possui brechas de cumprimento dos aspectos jurídicos. Ainda no depoimento do mesmo funcionário acidentado, verificamos alguns problemas com os procedimentos adotados:
Não, no momento em que agente estava trabalhando existia uma enfermeira, só que dificilmente ela ficava lá, o horário dela era mais durante o dia, a noite dificilmente ela ficava lá, às vezes, ela ficava até 8:00/9:00h mas a noite toda não, e era também só uma enfermeira que tinha. E no período que aconteceu o acidente não tinha ninguém da segurança nem da enfermagem e quem me ajudou lá, foram os próprios companheiros que cuidou de mim. Eu não posso dizer que eles me deram aquela assistência que precisei porque se tivesse eu não teria perdido a minha visão. Quando eu cheguei num centro de Belo Horizonte, que me levaram, o médico me falou: olha no seu olho fizeram muita coisa errada, eu não gosto de queimar meus companheiros de serviço mais nesse caso foi feita muita coisa errada. Uma coisa errada que eles fizeram foi não me levar pro oculista na hora, porque ele ia limpar meu olho direitinho e passar um colírio alguma coisa, e não teve esse atendimento, e aí eu sentindo dor, sentindo dor naquele hospital, foi quando me tiraram de lá pra fazer um exame, aí com muito tempo que já tinha acontecido o acidente eu fui no médico, eles pagaram uma consulta com o Luis Madeira, e ele disse: não, no teu olho só tem uma ferida. E eu falei pra ele: mais eu sinto muita dor, nesse período eu não tinha perdido a visão 100%, e ele disse: eu vou te passar um colírio e aí tu volta pra teu serviço, e eu peguei e fui pro serviço e quando cheguei lá eu não agüentei (em lágrimas) (Entrevistado B, p. 2-3, ls. 65 a 106).
Considerando que muitas das atividades com maiores risco são executadas por empresas terceirizadas, é fundamental que se conheça a incidência e a gravidade dos acidentes e doenças ocupacionais entre as empresas terceirizadas para uma real avaliação do setor siderúrgico quanto à segurança e saúde dos trabalhadores.
O município de Marabá precisa criar condições de segurança nas relações entre trabalhador e empregador, como palestras de conscientização e preparação de profissionais cada vez mais capacitados, com remodelagem de cursos e atuação dos sindicatos cada vez mais intensa.
[1] As citações são recortes das transcrições das entrevistas realizadas; são indicados pela letra identificadora do sujeito da pesquisa em ordem alfabética (Entrevistado A, Entrevistado B,...), seguida da indicação da(s) página(s) e da(s) linha(s). Por exemplo: Entrevistado A, p. 1, ls. 10-15.
REFERÊNCIAS
COELHO, Maria Célia Nunes; COTA, Raymundo Garcia (Org.). Dez anos da estrada de Ferro Carajás. Belém: UFPA/NAEA, 1997.
_____. CVRD e a reestruturação do espaço geográfico na área de Carajás (PARÁ). In. CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORREA, Roberto Lobato (Orgs.). Brasil: Questões atuais de reorganização do território. 3º edição. Rio de Janeiro: Bertrond Brasil, 2005.
MONTEIRO, Maurílio de Abreu. Siderurgia e Carvoejamento na Amazônia. Belém: CFCH/NAEA/UFPA, 1996.