RELAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COM O PODER JUDICIÁRIO

Por Ana Beatriz Viana Pinto | 22/11/2016 | Direito

 

Ana Beatriz Viana e Érica Lisboa ²

Gabriel Cruz ³ 

RESUMO:

Atualmente, mesmo existindo uma ampla quantidade de direitos e garantias sociais, estes ainda carecem de devida aplicação legal, e embora não seja de real obrigação e função do judiciário a implementação destes, o mesmo acaba utilizando-se dos meios legais que lhe é disposto para ir além do seu papel julgador, que é de ser fiel aos textos legais, passando a interpretar cada caso apresentado que foge das situações previstas pelo legislador. Passando assim, este poder a preencher as lacunas da lei levando em conta o contexto e o momento em que for aplicado. E a contornar quando possível suas imperfeições, orientando também, a tarefa seguinte do legislador.

 

INTRODUÇÃO:

O poder Judiciário do Brasil é um conjunto de órgãos públicos a que a Constituição Brasileira atribui à função jurisdicional. Este tem como papel assegurar os direitos da sociedade, e resolver conflitos sociais que chegam até ele. É dotado de autonomia administrativa e financeira, garantidas pela Constituição Federal para que seja certificada a manutenção da independência do judiciário. No entanto, toda essa autonomia deliberada ao judiciário, faz com que este poder ultrapasse suas reais funções e descumpra leis e princípios, como os que serão discutidos nesta pesquisa. Percebe-se, assim, que a emissão de decisões pressupõe a prévia existência de lei, da qual os seus executores deverão ser fieis. Desta forma inferimos que a decisão judicial é um ato subordinado e dependente de lei, características estas impostas pelo princípio da legalidade o qual o judiciário e demais poderes devem subordiná-lo.

Entretanto, o princípio constitucional da legalidade esta aos poucos perdendo o seu significado e a dimensão de quando foi criado, tendo em vista que a lei não é mais especificação das relações jurídicas contemporâneas, ou seja, não se aplica mais a lei da forma em que concebida, sofrendo reparos por parte de seus intérpretes e, não raras vezes, é relegada a um plano inferior ao que mereceria pelos seus próprios aplicadores.

"Tem-se visto uma crescente flexibilização dos parâmetros legais e constitucionais existentes em benefício de uma suposta independência judicial e de um pretenso poder normativo dos juízes". (LEAL, p. 230, ?) 

1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 O princípio da legalidade é considerado um dos mais importantes princípios constitucionais, sendo base do Estado Democrático de Direito por ser fundamental para garantir a liberdade individual dos cidadãos. Como está previsto no artigo 5°, inciso II da Constituição Federal: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dessa forma, o princípio visa evitar que o Estado haja de maneira arbitrária, controlando e limitando à sua maneira os comportamentos dos indivíduos.

De acordo com o autor Celso Ribeiro Bastos:

 “O princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por outra via que não seja a da lei”. (BASTOS, p. 172., 1990)

Enquanto os cidadãos não podem ser cobrados ou punidos pelo Estado por atos que, mesmo que sejam socialmente reprováveis não estejam proibidos por lei, a administração pública por sua vez, só deve atuar de acordo com aquilo que é permitido em lei. Alui o artigo 37, caput, da Constituição Federal: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Explica o doutrinador Hely Lopes Meirelles (1993) que o princípio da legalidade no âmbito da administração, exige que o administrador público esteja em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, não podendo deles se desviar, sob pena de assumir responsabilidade disciplinar, civil e criminal, dependendo do caso.

  1. O JUDICIÁRIO E A LEI

De acordo comas regras constitucionais do país, o Estado é dividido em três poderes, dentre estes se encontra o Poder Judiciário. Que possui na sua composição Juízes, Desembargadores e Ministros, que têm como função principal, julgar os casos concretos que chegam até eles, de acordo com as leis criadas pelo Legislativo.

No entanto, os princípios basilares de nosso país, passaram por inúmeras mudanças, e entre elas, podemos citar os valores e inovações que servem para guiar as decisões tomadas pelo Judiciário. Ou seja, deixam de ser meros aplicadores da lei para ter uma atuação maior, interpretando os casos para adotar o entendimento que lhe pareça mais correto, tudo com base nos preceitos fundamentais da constituição.

Contudo, alguns doutrinadores, colocam em questão a real validade dessas decisões que passam pela subjetividade do juiz, pois se mostra em desencontro ao principio da legalidade, ou seja, não se aplica mais a lei da forma que foi concebida, sofrendo reparos por seus interpretes.

“Se as pessoas humanas estão condenadas a fazer valorações a respeito de tudo que as rodeia, principalmente sobre a realidade social, os magistrados, enquanto seres humanos, não escapam à política nem as pressões ideológicas” (ROCHA, op.cit., 1995 p.31)

 Como regra jurídica, é defendida a imparcialidade judicial, que como é um princípio Constitucional, precisa ser respeitado em todos os casos, correndo riscos de haver nulidade do processo caso seja desrespeitado. Entretanto, outros doutrinadores já defendem que é impossível o indivíduo ser completamente imparcial, mesmo em casos sentenciais, pois as pessoas emitem valorações a tudo em seu redor, e o tempo todo,  de acordo com seu modo de pensar.

2.1 INTERPRETAÇAO E LEI

 Um fato que ajuda a explicar a contínua diminuição da relevância do princípio da legalidade é o fato de o direito da atualidade, não ser mais um sistema puro. Antes havia uma clara distinção entre os sistemas romano-germânico e o common law, hoje essa distinção não é mais feita de forma nítida, houve  "uma evolução convergente que aproximou as duas tradições".

     A postura do julgador, ao dizer qual a regra aplicável ao caso concreto, é mais séria quando se inicia pela busca no sistema jurídico às leis a qual realmente se ajusta à situação apresentada. A interpretação do caso deve ter como partida a lei e a boa-vontade do intérprete para com ela.

 ”Com a antipatia não se interpreta — ataca-se; porque interpretar é pôr-se do lado do que se interpreta"  (PONTES DE MIRANDA, 1968).

Não é possível a nenhum legislador prever a diversidade das situações vividas, e as que podem ocorrer. As mudanças são constantes, como o progresso de técnicas em todas as áreas, a evolução social de regras e costumes na sociedade. O ordenamento jurídico deve mudar no mesmo ritmo em que muda a concepção do ser humano de certo ou errado. Isso não significa que cada um dos nossos códigos devem ser revisados semanalmente, cabendo ao Magistrado o papel de integração e adaptação dos textos legais aos casos concretos. 

 "A primazia da lei no direito positivo implica que o juiz se submeta a ela. Mas, na maioria dos sistemas de direito escrito, a lei já não constitui o direito e o papel do juiz não se limita ‘ao de uma boca pela qual fala a lei’. Ele possui o poder complementar de aplicação, de interpretação e de adaptação dos textos que se assimila a certo poder normativo, mesmo quando não é, como nos países de common Law, o criador principal do direito” (BERGEL, p. 87).

Foi-se o tempo em que se esperava do juiz um distanciamento do conflito apreciado.  Ele deve interpretar a norma de modo a deixar sua decisão mais justa. Impossível é querer que o legislador imaginasse todas as possibilidades de acontecimentos e disciplinasse cada um deles nos Códigos.

 "O juiz, portanto, é sempre um legislador também no sentido de que o conteúdo da sua decisão nunca pode ser completamente determinado pela norma preexistente de Direito subjetivo”. (KELSEN,p.212)  

3 CASOS QUE VÃO DE ENCONTRO COM O PRINCIPIO DA LEGALIDADE 

Como já foi visto, além de aplicar a lei, cabe aos juízes interpretá-las de modo que possa atender satisfatoriamente às demandas sociais, proferindo decisões justas. A união homoafetiva, pode ser considerado um desses casos. Alguns interpretes acreditam que a união homoafetiva é uma obstrução à lei, pois o artigo 1723 do Código Civil estabelece que:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Já outros, acreditam que a não aceitação da união entre pessoas do mesmo sexo é que obstrui a lei, por ser ofensivo ao artigo terceiro, inciso IV da Constituição Federal, que estabelece que não deve haver discriminação.                                             

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Segue decisão judicial sobre o referido caso:

RE 687432 AgR / MG - MINAS GERAIS 
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a):  Min. LUIZ FUX
Julgamento:  18/09/2012           Órgão Julgador:  Primeira Turma

Ementa 

 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. UNIÃO HOMOAFETIVA. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO COMO ENTIDADE FAMILIAR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DAS REGRAS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS VÁLIDAS PARA A UNIÃO ESTÁVEL HETEROAFETIVA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

[...]

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