Regionalismo e nacionalismo no primeiro período do governo vargas 1930-1945
Por Luciano Braga Ramos | 19/12/2011 | HistóriaREGIONALISMO E NACIONALISMO NO PRIMEIRO PERÍODO DO
GOVERNO VARGAS 1930-1945
Luciano Braga Ramos
RESUMO
A pretensão deste trabalho está em analisar os aspectos que dizem respeito às imagens criadas pelo governo Vargas que serviram para pano de fundo de seu governo, possibilitado num primeiro momento sua ascensão e consequentemente, a afirmação num futuro próximo. Levando-nos a compreensão da importância dos fatores de influência regionais na estruturação do plano nacionalista que se consolida no Estado Novo.
Palavras chave: – regionalismo – poder – política – nacionalismo – Getúlio Vargas.
INTRODUÇÃO
As questões que envolvem a estabilidade política regional no sul, com a chegada ao poder central pelas oligarquias de segunda ordem dando nova roupagem a política nacional revelam o caminho trilhado por Getúlio Vargas que o levaram do regionalismo num momento de indefinição de certas oligarquias em suas localidades, em contrapartida ao alinhamento de forças do Rio Grande do Sul almejando o “bem maior” à Presidência da República. Já em um segundo momento de afirmação de Vargas no poder se dá, sobretudo a partir das eleições de 1934, e as pretensões e articulações que levaram ao estabelecimento do Estado Novo. Esse segundo momento caracteriza-se pelo papel e crescimento do discurso nacionalista se sobrepondo ao regionalismo que teve seu ponto Máximo na representação e materialização desse nacionalismo no “espetáculo” da queima das bandeiras estaduais. As eleições de 1934, e a consequente vitória de Vargas, o revelam para o Brasil a partir daí um Vargas emancipado do regionalismo, o cenário nacional é o reflexo do internacional, o regionalismo é deixado de escanto em ascensão do discurso nacionalista. Em outras palavras Vargas não dependera somente dos poderes regionais separados. O discurso as vésperas do Estado Novo, é a unidade, é a brasilidade.
1. REGIONALISMO E NACIONALISMO EM PERSPECTIVA
O ano de 1930, em termos políticos e sociais é significativo não só para o Brasil, pelas mudanças ocorridas, mas principalmente para o Rio Grande do Sul, que dentro da ótica da República do Café com leite estava relegado à segunda ordem no status político nacional. Cessadas as desavenças internas no Rio Grande do Sul, entre Libertadores e Republicanos, em 1927, sobe ao governo do Estado Getúlio Vargas. A união regional veio a colaborar para o fortalecimento do Rio Grande do Sul, da onde o PRR e os libertadores levariam Getúlio à presidência da República.[1]
A partir de 1930, a política de Vargas organizaria o poder partindo do centro da presidência nacional, para estados e municípios pelas mãos dos interventores e intendentes nomeados para executar as funções administrativas a mando do próprio presidente. Assim Vargas acabava de certa forma com a política dos “coronéis” que controlavam os currais eleitorais, dando um golpe no regionalismo político das grandes oligarquias que governaram até 1930. Mas, contudo sem afastá-las definitivamente do cenário político, apenas enquadrando-as aos novos arranjos Varguistas.
Com essas medidas mudava substancialmente o funcionamento do sistema político, reestruturava os canais de acesso ao poder e rompia com a descentralização administrativa e política da República Velha. Isto permitia novos arranjos de poder necessários para levar a cabo as mudanças econômicas que viriam anos depois.[2]
Portanto ao mesmo tempo em que Vargas desestabiliza os modelos políticos locais na tentativa de implantar outro modelo de governo precisou recorres à união política do Rio Grande do Sul, para que junto com Minas Gerais e as dissidências paulistas implantassem a “revolução” de 1930. Por esses pressupostos podemos estimar que para os anos de 1930-1934, Vargas oscilou entre avanços e recuos entre elementos políticos regionais e nacionais contrabalançando as representações de imagens e discursos para onde quer que os ventos daquela conjuntura o levassem.
A questão das representações que envolvem a imagem regional para um primeiro momento do golpe da “revolução” de 1930 fica latente para Fausto,[3] pela questão que fez Getúlio Vargas de desembarcar no Rio de Janeiro em trajes militares e de Chapéu lembrando e exaltando suas origens regionais, simbolizando para o Brasil a capacidade de mobilização regional adquirida pela política gaúcha, de forma que a organização no entorno da “revolução” levava ao poder e aclamava seu líder e presidente.
O simbolismo do triunfo regional se completou quando os gaúchos foram amarrar seus cavalos em um obelisco existente na Avenida Rio Branco. A posse de Getúlio Vargas na presidência a 3 de novembro de 1930, marcou o fim da primeira república e o início de novos tempos, naquela altura ainda mal definidos.[4]
Possivelmente por serem aqueles acontecimentos de 1930, mal definidos, é justamente o que nos leva a poder imaginar, que os vitoriosos de 30 precisavam impor no seu discurso e na exposição de suas imagens, a marca do regionalismo como expressão de poder. Dessa maneira desempenhavam um papel importante com a “nova situação política colocando os “derrotados”, até certo ponto, em seu lugar ao menos até os acontecimentos de 1932, acirrarem os ânimos dos paulistas, tão regionalistas como vão se mostrar quanto os gaúchos.
Além da derrota das principais oligarquias paulistas em 1930, e a ascensão de um gaúcho à presidência acabando com a alternância eleitoral e política de poder da república do café com leite, como se não bastasse Vargas nomeou para interventor – um “não” paulista – João Alberto, a 21 de novembro de 1930. No entanto quem detém o poder econômico em São Paulo são as grandes oligarquias, enquanto o poder político está nas mãos dos tenentes. Nesse impasse quem saiu vitoriosa foram as oligarquias paulistas, que em agosto de 1931, derrubam o interventor João Alberto.[5]
Na tentativa de acalmar os paulistas em março de 1932, Vargas nomeia para interventor um paulista para São Paulo – Pedro de Toledo – este “não era, porém um nome de prestigio no Estado”.[6] Era tarde demais. As forças oligárquicas que se ressentiram do regionalismo do “homem dos pampas” trabalharam o imaginário dos paulistas entorno dos sentimentos regionais destes e de tudo que até aquele momento representou São Paulo política e economicamente. Aflorou um tipo de regionalismo exacerbado, não do tipo racista, mas com aspectos segregadores em relação aos “outros” e aos “estranhos[7] – entendam-se gaúchos e simpatizantes de Vargas.
(...) a luta política republicana assumia então aspectos profundamente regionalistas. E o regionalismo, nesse momento específico assumia em São Paulo, um aspecto xenófobo: volantes, jornais, musicas, ilustravam os sentimentos contra o “não paulista” (...) no caso, os gaúchos e os “outubristas”, mas também nos nordestinos, presentes em vários níveis de posto e empregos no estado, desde os mais altos até os mais humildes.[8]
E talvez resida aí a importância de se compreender a força do regionalismo, visto que o momento é por assim dizer um momento de mudanças políticas e sociais. O ano de 1930 simboliza a decadência da política aos moldes dos coronéis como já foi dito. No entanto as mudanças desse cunho no campo das mentalidades podem ser consideradas lentas. Por isso a necessária imposição de força e imagem regional é significante praticamente até as eleições de 1934. Nossa análise é relevante se lançarmos um olhar para a obra do coronel Souza Docca (1935), “o sentido Brasileiro da Revolução Farroupilha”. Nesse trabalho Docca, faz uma crítica ao historiador Alfredo Varela que em 1933, escreveu a História da Grande Revolução. Pois bem o trabalho de Varela, é considerado de matriz platina, aborda os aspectos regionais da revolução farroupilha, para o autor ela era separatista. O discurso de 1933 é o discurso regional.
Souza Docca, em 1935, seu trabalho foi produzido com o aval do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Nesse momento o discurso oficial – aceito – é o discurso da brasilidade da Revolução Farroupilha. Discurso que defende a brasilidade do gaúcho. Temos nesse exemplo a importância que se dava ao discurso de brasilidade pondo de escanto a relevância dos aspectos regionais. E consequentemente os autores adeptos do separatismo.
Foi o dr. Alfredo Varela quem, a serviço de sua brasilofobia e abusando da autoridade de seu nome como historiador, tentou nimbrar a brasilidade dos rio-grandenses, negando que a cruzada farroupilha visasse a federação brasileira, fundados em documentos de seu arquivo, que ele cita fragmentaria e interpoladamente “embaralhando-os, complicando as vezes”.[9]
Portanto percebe-se um momento em 1935, pelo menos em nível de Rio Grande do Sul, que havia um consenso por parte dos intelectuais, principalmente aqueles ligados ao (IHGRS), órgão do governo. O discurso era o discurso de brasilidade as vésperas da ascensão do nacionalismo Varguista. Portanto ainda não havia acontecido um rompimento definitivo com as forças de Flores da Cunha e o Governo Vargas, apesar dos desacertos no que tange a revolução de 1932. Passando a contenda com os paulistas e a vitória “democrática” de Vargas as desavenças regionais “esfriam” [10] a ponto de se projetar os rumos do nacionalismo.
2. O ESTADO NOVO, O NACIONALISMO DE FATO
O Estado Novo não pode ser visto como um fenômeno instantâneo, que veio a se consumar da noite para o dia em 1937. Ao contrário do que se convencionou por certo tempo na historiografia, o fenômeno do Estado Novo, tem que ser percebido como um processo conjuntural que compreende todo o primeiro período da “era” Vargas. O Estado Novo tem seus embriões ainda em 1930 com o processo “revolucionário”, percebemos que este, esteve subjacente, ao regionalismo efervescente nos dois primeiros “momentos possíveis” do primeiro período da “era” Vargas, que vai de 1930 passando pela primeira constituição de Vargas, até as eleições de 1934.
A partir de 1935, podemos considerar que o mundo está passando por mudanças, e Vargas no que parece sempre soube estar atento as mudanças políticas e econômicas a nível global, de forma que Vargas pode ser percebido como um governante multifacetado, que como poucos soube lidar com as transformações que estavam ocorrendo em esfera global. Estas mudanças exigiram novas atitudes na esfera política, era preciso aderir aos novos modelos políticos devido à necessidade de se encontrar um “espaço vital” entre o capitalismo moribundo da década de 1930, e o sonho do nacionalismo aos moldes totalitários europeus,[11] além do “perigo vermelho”.
O nacionalismo penetrou com mais facilidade devido ao padrão autoritário como observou Fausto, 2010, o autoritarismo no Brasil era “uma marca da cultura política do país. A dificuldade de organização de classe, da formação de associações representativas e de partidos fez da solução autoritária uma atração constante”.[12]
O que muda a partir do Estado Novo é que o autoritarismo de Vargas, não é o autoritarismo dos coronéis da República Velha. Podemos dizer que ele segue os aspectos das ideologias dos totalitarismos europeus. Parte-se da idéia que o Estado deveria organizar a sociedade, ou a sociedade deveria organizar-se a partir do Estado, pois se imaginava que a sociedade não tinha condições de se organizar sem um Estado forte. “A corrente autoritária não apostava no partido e sim no Estado”.[13] Embora o autoritarismo e o totalitarismo possuíssem aspectos distintos, Vargas, assim como nos regimes totalitários soube se valer da propaganda, tanto para organizar o golpe de Estado, quanto para sustentá-lo como poder nos anos que se seguiram. Assim como o fascismo e o nazismo, o Estado de Vargas era um Estado propagandista. Na Itália, segundo Perry: “A propaganda fascista inculcou hábitos de disciplina e obediência: ‘Mussolini tem sempre razão’. ‘Acredite! Obedeça! Lute! ’. A imprensa, o cinema e o rádio idealizavam a vida sob o fascismo, deixando implícito que ele erradicara o crime, a pobreza, e as tensões sociais”.[14]
A respeito da propaganda, ela no governo Vargas serviu para “glorificar” a figura do presidente, como o próprio Estado e o culto ao líder, essa também era uma marca de Vargas. Sobre os crimes e as tensões sociais, esse em muitas vezes são silenciados pela própria máquina do Estado. Tensões sociais são apaziguadas, sindicatos controlam as massas, que tem muitas de suas reivindicações atendidas. A classe média que via no autoritarismo a segurança contra o “perigo” vermelho. Já as tensões políticas, se extinguiram partidos ou foram postos na clandestinidade como o PCB. No entanto, o autoritarismo dá certa margem de existência a algumas oposições.[15]
Por outro lado, as máquinas propagandistas do governo Vargas, não só trabalharam para a exaltação do líder as vésperas e durante a vigência do Estado Novo, mas ela serviu também como ingrediente para a formação do imaginário coletivo[16] a respeito das supostas ameaças a ordem pública. O próprio nascimento do Estado Novo buscou suas justificativas de ser na propaganda contra o comunismo, no que ficou conhecido como o Plano Cohen. O plano foi um ingrediente para insuflar os ânimos golpistas.
O Plano Cohen foi levado a público por órgãos do governo como o programa Hora do Brasil, assim como pelos jornais, na tentativa de se concretizar a aceitação social do estado de sítio – primeiro passo para o golpe do Estado Novo.[17] A pós o estado de sítio os efeitos do plano Cohen começaram a dar resultado uma vez que, quem não estava do lado do Estado para assegurar a ordem social, era acusado de subversivo.[18] Dessa forma Vargas “eliminou” muitos de seu opositores, como também companheiros de véspera. Caso mais expressivo é o de Flores da Cunha, no
governo do Estado do Rio Grande do Sul, que tinha o apoio de Borges de Medeiros, portanto, ex-nicho político de Getúlio Vargas, e mesmos assim acabou exilado.[19]
A partir destes pressupostos, podemos perceber a questão que havíamos levantado no início do trabalho, ou seja, a ascensão do nacionalismo, ocorrendo, mesmo que para isso antigas forças aliadas no período onde o regionalismo era importante e vital para a sobrevivência política, para que no momento do Estado Novo fossem “eliminadas”. Uma vez consolidado o Estado Novo em 10 novembro de 1937, a propaganda de caráter nacionalista vai ser a “alma do negócio”.
Com a ascensão do nacionalismo em detrimento do regionalismo a nível político não significou que houvesse um rompimento com o passado, porém ambicionava-se em termos sociais construir uma memória para o povo brasileiro e a partir daí a identidade nacional. Em outras palavras a propaganda regional naquele momento estava voltada para o “bem maior”, a unidade nacional, para a brasilidade do povo brasileiro. Para Oliveira, memória, história e tradição são elementos essenciais na construção dos nacionalismos, pois:
A tradição constitui parte da experiência passada que é então valorizada. Apele-se para a história e para a memória envolve o recurso a experiências compartilhadas, reais ou inventadas. (...). O Estado age para juntar as pessoas em um povo que se sente unificado por origens comuns mitológicas ou históricas, que passam a falar uma língua comum.[20]
O Estado Novo pretendia unificar as regiões do país de forma que um indivíduo antes
de ser paulista, teria que se sentir brasileiro. Até mesmo no Rio Grande do Sul, terra natal do presidente Getúlio Vargas disseminava-se a idéia de brasilidade do gaúcho no primeiro período Vargas. Prova disso foi as comemorações do centenário da “Revolução” Farroupilha em 1935-36, que tinha como temática exaltar a brasilidade dos farroupilhas – que segundo a maioria dos intelectuais da década de 1930, foi uma revolução pela federação.[21] A nível nacional a imagem que se convencionou foi a do Getúlio “pai dos pobres”. Essa talvez fosse a principal imagem de Vargas que serviu de carro chefe de suas campanhas. Porém a produção de imagens sem conteúdo social, sem um fio condutor de pouco adiantariam e se tratando da conjuntura em que Vargas se encontrava as possibilidades estavam abertas.
Foi no período do governo Vargas no Estado novo que a industrialização tomou vulto, também uma maior participação em negociações com o comércio exterior. Assim o Brasil estava deixando de ser um país basicamente rural, tornando expressivos os seus centros urbanos. “A partir de novembro de 1937, o Estado embarcou com maior decisão em uma política de substituir as importações pela produção interna e de estabelecer uma indústria de base”.[22]
Porém conforme D’Araújo,[23] a indústria já a partir de 1934, começa a ganhar força e passa a ser uma preocupação para o governo. Essa indústria possibilitou a criação de expressivos centros urbanos e com eles a classe média e o proletariado. Esses em 1937 em diante passam a constituir o público principal que serviu de platéia aos espetáculos do Estado Novo que se materializava em discursos, festas e comemorações, como a data do 1º de maio, com desfiles cívicos de escolas, os discursos do presidente nos estádios, e tudo o mais que pudesse servir de pano de fundo ao Estado Novo. Em todos os festejos o personagem principal era sobre a pessoa do presidente e do Estado no culto à imagem.
A propaganda teve um importante órgão criado para essa função – de trabalhar a imagem do Estado e do líder – o Departamento de Propaganda e Imprensa (DIP). De acordo com Fausto,[24] a idéia era formar uma ampla opinião pública censurando e controlando a imprensa cabendo ao governo fazer a elaboração de sua história como versão fiel dos acontecimentos e da imagem do Estado forte. Essa preocupação sempre foi uma constante já no ano de 1931, surgiu o Departamento de publicidade. Para o ano de 1934, foi criado o Ministério da Justiça o Departamento de Propaganda e Difusão da Cultura que teve vigência até 1939.
Percebemos por essa análise que o Estado Novo não foi o acaso como já foi demonstrado no início do capítulo, e sim seus organismos já estavam implícitos nas multifacetadas formas dentro do primeiro período Vargas. Mas é sob o Estado Novo que o controle da opinião pública passa a fazer parte da rotina de controle do Estado. “O estado Novo perseguiu, prendeu, torturou, forçou ao exílio intelectuais e políticos, sobretudo de esquerda e alguns liberais”.[25]
Portanto o Estado Novo significou de certa forma pelo seu conteúdo nacionalista um corte entre a velha e nova política brasileira nos aspectos regionais que na verdade não condiziam com a política de unidade nacional. Porém, mesmo assim é nos Estados e Municípios que Vargas concentrou sua força disputando com as oposições. E o Estado Novo dá o golpe de morte ao menos em sua vigência nestas oposições quando impõe o discurso de unidade deslegitimando o sistema coronelístico de governo local. O Brasil agora estava voltado para os acontecimentos “globais”.
CONCLUSÃO
Será mesmo que podemos concluir o período Vargas em poucas páginas? Pode ser muita presunção querer concluir algo tão complexo quanto a Era Vargas, ou ao menos um período de sua conturbada história política. Vargas por assim dizer se tornou um sujeito emblemático por várias razões que dariam outros tantos artigos. Queiram ou não, Vargas antes de ser um líder ideológico foi um estrategista que soube se moldar ao calor dos acontecimentos em que participou independente de ideologia. E talvez seja aí que se encontra sua capacidade para sobreviver aos conchavos políticos regionais à passagem para o nacionalismo. Conseguindo ainda ser populista – mesmo sem ser popular – na década de 50.
Analisando sua trajetória Vargas foi revolucionário em 1930, em 1934 ganhou as eleições, no Estado novo foi ditador. Em 54 sua morte mesmo fez parte da estratégia de trabalhar a imagem do líder carismático. Sua influência foi tão forte que em muitos aspectos os “revolucionários” de 1964, estavam tirando do poder um representante da Era Vargas. O ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul Leonel Brizola quando volta do exílio – final da década de 1970 – representa o herdeiro daqueles tempos da Legalidade, com a criação do PDT.
Retornando a era Vargas, percebemos que todo o esforço de propaganda e da imagem de Vargas por ele e seus seguidores foi idealizada com o intuito de se chegar ao nacionalismo no primeiro período da Era Vargas. Desse ponto de vista a projeção de um Estado forte aos moldes dos nacionalismos totalitários foi um modelo que estava em voga. No entanto a implantação do autoritarismo era mais condizente com a diversidade do povo brasileiro.
Como bem apontou D’Araújo,[26] Vargas personificou não só o governo como também as mudanças sociais que passaram a ser atribuída a pessoa de Vargas. Porém precisamos procurar entender a conjuntura a partir do olhar daqueles que a viveram sem lançarmos valores nossos aquela conjuntura se é que isso é possível. Se for possível fazer isso a partir dos indícios que nos chegam ao presente podemos compreender que Vargas foi o que foi, ou passa para a história como o “pai dos pobres” porque havia um “momento possível” para que tais fatores ocorressem.
Até 1930, a sociedade brasileira ainda estava vivendo num contexto muito semelhante do que fora os últimos anos do Império do Brasil.[27] Um Império moribundo que o poder estava nas mãos dos produtores burgueses do café. Estes mesmos que ajudam a dar o golpe no Império e que consequentemente dominam toda a política da República Velha. Estes não mudaram muito a situação do povo brasileiro. Porém a partir de 1930 em diante há uma relevante mudança que se processara durante todo o período Vargas até desembocar no populismo nos anos 1950.
E suma, para um povo que em matéria de benefícios e inclusão política e social, sempre ficou a margem, os “novos’ tempos traziam pela primeira vez a perspectiva de uma república de fato no que toca a questão de incluir as massas a partir dos sindicatos, da formação da classe média que se constitui um mundo a parte fora do contexto rural da República Velha. Os ingredientes escolhidos por Vargas para dar uma cara ao Brasil no pós 1930 acabam tornando-se o conteúdo social que sustentou a propaganda de seu governo. Este governo hoje para nós que estamos distanciados dos fatos parece contraditório. Mas a partir do olhar daqueles que viveram o período e que chegam ao presente na documentação, podemos entender a euforia de grande parte do povo brasileiro no entorno do festival de discursos e propagandas Varguistas. Que em muito ganhou credibilidade devido à indiferença praticada contra o povo nos governos anteriores à “Revolução” de 1930.
Na qualidade de historiadores, dentro da ótica da Nova História, não pensamos em exaltar a pessoa de Vargas. Pios temos conhecimento das múltiplas faces de Vargas. Mas a Era Vargas ainda se constitui como um objeto a ser explorado pesquisado como potencial campo para novas releituras que possam a vir contribuir para o entendimento da história da jovem República brasileira e o incipiente período democrático tão contraditório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e o Tenentismo. In: AXT, Gunter. Da Vida Para a História: reflexões sobre a era Vargas. Porto Alegre: MMP, 2005, pp. 57-67.
CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). 3ª edição. São Paulo: DIFEL, 1982.
D’ ARAÚJO, Maria Celina. Getúlio Vargas Conservadorismo e modernização. In: AXT, Gunter. Da Vida Para a História: reflexões sobre a era Vargas. Porto Alegre: MMP, 2005, pp.147-165.
DOCCA, Souza. O Sentido Brasileiro Da Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2010.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. Estado Novo: Tradição e Modernidade. In: AXT, Gunter. Da Vida Para a História: reflexões sobre a era Vargas Porto Alegre; MMP, 2005, 97-104.
PERRY, Marvin Civilização Ocidental: Uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
[1] FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2010, P.317.
[2] D’ ARAÚJO, Maria Celina. Getúlio Vargas Conservadorismo e modernização. In: AXT, Gunter. Da Vida Para a História: reflexões sobre a era Vargas. Porto Alegre: MMP, 2005, p. 150.
[3] Cf. FAUSTO. 2010, p.325.
[4] FAUSTO, OP.CIT. P. 325.
[5] CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). São Paulo. DIFEL, 3ª edição 1982, pp. 164-165.
[6] FAUSTO, op.cit. p. 343.
[7] Para compreendermos os conceitos de “outros” e “estranhos”, sugerimos a consulta à BAUMAM, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. 1999, cap. 2.
[8] BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e o Tenentismo. In: AXT, Gunter. P. Alegre; MMP, 2005, pp.61-62.
[9] DOCCA, Souza. O Sentido Brasileiro Da Revolução Farroupilha. P. Alegre: Livraria do Globo, 1935. P.26.
[10] Entendemos que os problemas de aspecto regional “esfriam” por assim dizer, não tanto pela união, mas mais pela cisão no Rio Grande do Sul pelos antigos adeptos de 1930.
[11] O governo Vargas pode ser entendido como autoritário ao contrário dos totalitarismos europeus, o autoritarismo admite certa margem de manobra para as oposições, que são praticamente extintas nos regimes totalitários.
[12] FAUSTO, op. cit. p. 357.
[13] Idem, p.357.
[14] PERRY, Marvin, Civilização Ocidental: Uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 570-571.
[15] Cf. FAUSTO, 2010, P. 362. O autor também chama a atenção, que os órgãos de repressão já estavam sendo criados antes mesmo do Estado Novo ser Implantado. Já para o ano de 1936 o autor ressalta a criação da Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo (CNRC). Este órgão vai dar suporte à afirmação do nacionalismo durante o Regime do Estado Novo.
[16] Entende-se imaginário coletivo como um conjunto de imagens visuais e verbais e no seu conteúdo, mentais criados, a partir das representações de quadros sociais significativos para o grupo que os detém, já que conforme Le Goff, (1994, pp. 11-12), “O imaginário pertence ao campo da representação, mas ocupa nele a parte da tradução não reprodutora, não simplesmente transporta em imagem de espírito, mas criadora, (...)”.
[17] Cf. CARONE, 1982, p. 369; FAUSTO, 2010, p. 364.
[18] Cf. SCHNEEBERGEUER, Carlos Alberto. Manual compacto de História do Brasil. São Paulo; Rideel, 2003, p. 310.
[19] Cf. CARONE, 1982, p. 373; FAUSTO, 2010, p. 364; SCHNEEBERGEUER, 2003, p. 373.
[20] OLIVEIRA, Lucia Lippi. Estado Novo: Tradição e Modernidade. In: AXT, Gunter. Porto Alegre; MMP, 2005, p. 101.
[21] Cf. DOCCA 1935.
[22] FAUSTO. Op. cit, p. 370.
[23] Cf. D’ARAÚJO, In: AXT, 2005, p. 151.
[24] Cf. FAUSTO. 2010, p. 375.
[25] Cf. Fausto. 2010, p. 376.
[26] Cf. D’ARAÚJO, In: AXT, 2005.
[27] Cf, Viotti. Da Monarquia a República. 1999.