“REGIMES JURÍDICOS E ESTATUTOS QUE REGEM SERVIDORES PÚBLICOS...

Por Felipe Genovez | 06/03/2018 | Direito

“REGIMES JURÍDICOS E ESTATUTOS QUE REGEM SERVIDORES PÚBLICOS - LEGISLAÇÃO GERAL E LEGISLAÇÃO ESPECIAL (“REVOGAM-SE AS DISPOSIÇÕES EM CONTRÁRIO”): REVOGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL (Felipe Genovez)

A expressão "revogam-se as disposições em contrário" é considerada revogação expressa quando não se tratar de lei global, como ocorre nas legislações que regem servidores públicos. A revogação global opera quando a Lei nova aborda instituto por instituto da Lei antiga, revogando um por um, por disciplinar de forma diferente. Para se verificar se houve revogação global ou expressa, impõe-se a necessidade em se examinar ambos os diplomas legais, a fim de se saber se houve intenção do legislador em revogar globalmente a legislação especial por meio de norma geral.

Registram-se críticas veementes no que diz respeito a expressão: "Revogam-se as disposições em contrário se devem haver por tacitamente revogadas” (Enciclopédia Saraiva de Direito, pág. 322). Conclui-se que os regimes jurídicos ou estatutos se constituem  instituto jurídico e se outro foi editado, o novo Estatuto não precisa disciplinar ponto por ponto o anterior (ver Enciclopédia Saraiva de Direito, págs. 317 a 324). Assim sendo, global significa uma Lei nova que regula todo um instituto jurídico ou todo um ramo do direito. A doutrina não é discrepante em classificar a revogação como sendo tácita, expressa e tácita, expressa e global. O art. 2°., pars. 1°, 2° e 3°, da Lei de Introdução do Código Civil, assim dispõe: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que trava a lei anterior”;  “A lei nova, que estabeleça  disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”; e “Salvo disposição, a lei não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

“A doutrina mais comum classifica a revogação em tácita e expressa, seguindo as lições do Direito Português de Cabral de Moscada”  (apud José de Oliveira Ascensão, Lições de direito Civil, Vol. III, Ed. Coimbra, 1959, 2°. vol., pág. 105, nota 2).

Segundo Luiz Augusto Flórido, a lei perde a vigência: "1. Na data por ela própria marcada, se se trata de lei de vigência temporária; 2. na data em que for modificada ou revogada por outra lei. O fenômeno de perda de vigência da lei de prazo indefinido denomina-se revogação, que pode ser total (ab-rogação), ou parcial (derrogação). A revogação, por sua vez, pode ser expressa (materialmente declarada) ou tácita (não declarada, mas deduzida). Em dois casos se dá a revogação tácita da Lei: 1.) quando a lei nova passa a regular inteiramente a matéria que era regulada pela lei anterior. Pode ocorrer que a lei nova contenha disposições gerais ou especiais sobre matéria já regulada em lei anterior. Sendo assim cumpre verificar se essas disposições  da lei nova são incompatíveis com as da lei anterior. Mas se não forem incompatíveis, coexistem, vigendo, as duas leis, a anterior e a nova "(in Hermenêutica Jurídica, ed. Liber Juris, 1993, RJ, págs. 18/19).

Para fins de exemplificação de revogação tácita, no primeiro caso  temos os estatutos que regem servidores públicos nas unidades da federação e que via de regra revogaram os diplomas anteriores, sem, contudo,  que possa ter havido qualquer disposição expressa nesse sentido. Cite-se como exemplo a Lei n. 6.745/85 (Estatuto Geral dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina) regula todos os direitos e deveres de servidores públicos, inferindo-se que tenha revogado tacitamente o diploma anterior.  No mesmo sentido, a Lei n. 10.865, de 29 de julho de 1998 (DOE 15.970), dispôs sobre a apreciação dos convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres previstos no art. 20 da Constituição Estadual/SC e fixou  outras providências. Definiu modalidades de atos administrativos, tais como convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres.  A Constituição do Estado prevê que é da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo a iniciativa dos projetos de lei que visam dispor sobre “a criação, estruturação e competências das Secretarias de Estado e órgãos da Administração Pública” (art. 50, par. 2°, VI). E, também, o art. 71,IV, CE que dispõe da mesma forma sobre “dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual”.

Estabelece o artigo 120, da Lei n. 9.831, de 17 de fevereiro de 1995 (Estado de Santa Catarina), com as alterações introduzidas pela Lei n. 10.185, de 17.07.96 e que aprovou a organização administrativa do Estado que: “O Chefe do poder executivo disporá  sobre a organização e o funcionamento dos órgãos da administração indireta de que trata esta Lei”.

O art. 7o, inciso IV, da Lei Complementar Federal n. 95/98 estabelece que: “o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa”. O  art. 8o, dessa mesma Legislação Federal dispõe que: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão”.  Também, o art. 9o: “Quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas”. 

A LC Estadual n. 66/92 (Estado de Santa Catarina), em seu art. 10, estabelece: “A alteração da lei se fará: I – pela substituição integral do texto quando se tratar de modificação considerável da redação original; II – pela adição, supressão ou modificação de matéria afim ao objetivo da lei, observando-se: a) a inalteração da sequência numérica dos artigos, permitida a adaptação somente com a alteração dos números atinentes à vigência e revogação; b) renumeração dos artigos, ou parágrafos, ou incisos, ou letras, ou números, na hipótese de supressão integral do dispositivo ou adição de novo intermediário; e c) preservação do mesmo número do dispositivo se for apenas modificado.  Parágrafo único. A supressão do ‘caput’ do artigo implica na revogação integral dos seus componentes”.  Art. 11. A vigência da lei e a revogação de disposições contrárias e anteriores, inclusive a de leis específicas, respectivamente, serão estabelecidas nos penúltimo e último artigos”. 

 

JURISPRUDÊNCIA:

LEGISLAÇÃO SUBSIDIÁRIA – FEDERAL – ESTADUAL:

STF, Rec. Extraordinário n. 120.133, MG, data da dec.: 29.1196:  “4. Disposição de lei municipal que assegura, para fins de estágio probatório, a contagem do tempo de serviço na interinidade, no mesmo cargo, ou o tempo de serviço prestado em outros cargos de provimento efetivo, desde que não tenha havido solução de continuidade (Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais de Congonhas – Lei n. 90, de 26 de novembro de 1958). Autonomia constitucional das entidades estatais. Norma discrepante com os preceitos inscritos na EC 01/69, então vigente. 4.a A competência do Município para organizar seu quadro de pessoal é consectária da autonomia administrativa de que dispõe. Atendidas as normas constitucionais aplicáveis ao servidor público, bem como aos preceitos das leis de caráter complementar, pode o município elaborar o estatuto de seus servidores, segundo as conveniências e peculiaridades locais. Nesse campo é inadmissível a extensão das normas estatutárias federais ou estaduais aos servidores municipais no que tange ao regime de trabalho e de remuneração, e somente será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-membro se a lei municipal assim o determinar expressamente. 4.2. Todavia, embora em razão da autonomia constitucional as entidades estatais sejam competentes para organizar e manter seu funcionalismo, criando cargos e funções, instituindo carreiras e classes, fazendo provimento e lotações, estabelecendo vencimentos e vantagens, delimitando os deveres e direitos dos servidores e fixando regras disciplinares, as disposições estatutárias dos entes federados não podem contrariar o estabelecido na Constituição da República, porque normas gerais de observância obrigatório pela Federação (...)”.

Distrito Federal:

“(...) O STF tem diferenciado aplicação imediata da retroativa, asseverando que a nova Constituição não pode atingir os fatos passados, comprometendo a segurança jurídica (...). Em outros pronunciamentos (Ag Rg 140751-RJ, 2a Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25/09/1992; p. 16186; Ag. Rg. 139647-SP, 1a Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 11/06/1993, p. 11530; HC 72465-SP, 1a Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24/11/1995, p. 40.387; Ag Rg 143714-RJ, 1a Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 26/04/1994, p. 13118) essa orientação foi confirmada, estando assentado, pois, em ambas as Turmas do Pretório Excelso, que a norma constitucional  elaborada pelo poder constituinte tem aplicação imediata, porém, não retroativa, salvo quando expressamente assim dispuser. Quando se declara que a norma constitucional não retroage, isso significa reconhecer que esta não pode violar direito adquirido, pois este é conseqüência  de um fato passado. Como o STF entende que contra a Constituição inexiste direito adquirido, convém recordar, ao sustentar a irretroatividade das normas constitucionais, a egrégia Corte, vênia concessa, incorre em contradição, que necessita ser superada a fim de que seja resguardado o valor segurança jurídica” (...)”(MS Coletivo n. 2000.34.00.003777-6; Impte: Federação Nacional dos Policias Federais – FENAPF; Juiz Márcio Barbosa Maia, 8a Vara).

Justiça Catarinense:

Lei Especial:

“(...) Ora, é  regra, que se infere da lei das leis (a Lei de Introdução), que a norma geral não revoga a especial, nem a especial a geral, senão quando, de modo expresso, assim reportem (Lei n. 4.657, de 04.04.42, art. 2o, par. 2o). Gerais, nos respectivos contextos – e para esse efeito – tanto as disposições  constitucionais pertinentes citadas como as que defluem de lei infraconstitucional  normativa, parece claro que  não têm  elas, nem tiveram, o efeito de derrogar a legislação estadual que cuida do regime previdenciário dos servidores públicos estaduais, limitada à pensão dos dependentes dos servidores públicos (...)” (MS n. 00.013342-6, Capital, Rel. Des. Cesar Abreu, DJ n. 10.499, de 14.7.2000, p. 12). No mesmo sentido: ( MS nº 00.012733-7, da Capital , rel. Des. Cesar Abreu, DJ nº 10.496, de 11.07.2000, p. 39).

"(...) tratando-se de lei especial, relativa à política decorrente de vencimento dos servidores do Poder Judiciário, não pode ser revogada de forma expressa ou por incompatibilidade com a lei posterior, inocorrentes as hipóteses, continua em vigor, gerando direitos subjetivos, que podem ser reparados pelo Mandado de Segurança, visto  o efeito concreto" (MS n. 8.467, da Capital, Rel. Des. Amaral e Silva, DJ n. 9.216, de 18.04.95, p. 7).

“(...) Ementa aditiva: Lei penal especial – regras gerais  - inteligência e aplicação do art. 12, do Código Penal. As regras gerais  do Código Penal aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, salvo se esta dispuser de modo diferente; em caso contrário, quando a lei especial não ditar regras gerais a respeito dos fatos que descreve, serão aplicadas as do Código (...). A Lei n. 8.072/90, que trata dos crimes hediondos e a eles equiparados, proíbe progressão do regime, concessão de anistia, graça e indulto, assim como de liberdade provisória, mas não contém comando proibitivo à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nem ao sursis (...)” (Apel. Civil n. 99.008947-9, Coronel Freitas, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite, DJ n. 10.302, de 21.09.99, pág. 11).

Vigência das leis:

“(...) As leis, de um modo geral, têm efeito apenas prospectivo, isto é, passa a viger para o futuro, tendo efeito retro-operante apenas excepcionalmente, mediante previsão legal (...)” (MS 97.009406-0, Capital, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, DJ 9.978, p. 9).

Lei – revogação – ultratividade:

“(...) A lei, de regra, tem sua aplicabilidade reservada para regular situações futuras, sendo excepcional o efeito retroativo, somente permitido em situações também excepcionais ditadas pela supremacia do interesse público, sem importar em afronta ao direito adquirido (...)” (Apel. Cív. 98.013669-5, Capital, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, DJ n. 10.508, 27.07.2000, pág. 12).

Leis. Hierarquia das leis. Lei complexa e regulamentar:

"(...) " O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior. Lex superior derogat inferiori. Não temos  dificuldade em compreender a razão desse critério depois do que vimos, o capítulo precedente, que as normas de um ordenamento são colocadas em planos diferentes: são colocadas em ordem hierárquica. Uma das conseqüências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo; essa mesma força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma  hierarquicamente superior."( Teoria do Ordenamento Jurídico. Ed. Polis, Brasília, 1991,p.93 (...) Por questão de hierarquia legislativa, um Decreto não pode sobrepor-se ou contrariar uma Lei Complementar. Assim, prevalece o preceito do art. 1º, da Lei Complementar n. 58/92, que faculta ao ocupante de cargo efetivo, quando eleito para cargo de direção junto às entidades representativas da categoria, licença especial com remuneração integral e sem prejuízo de sua situação funcional sobre decreto posterior que venha suprimir tal direito". (Mandado de Segurança n. 97.002574-2, da Capital, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 11 maio de 1998) " (MS 99.022900-9, da Capital, Rel. Des. Cesar Abreu. DJ nº 10.371, de 06.01.2000, p. 30).

Lei  - revogação - ultratividade:

" (...) Apresenta-se írrita, à Lei de Introdução ao Código Civil a prorrogação de prazo de ultratividade de lei anterior já expirado, pois, a alteração do artigo de lei que prefixava a ultratividade da norma anterior não tem o condão de reviver diploma legislativo já revogado pelo decurso do tempo de vigência previsto." ( AI nº 98.006021-4, da Capital. Rel.Des. Carlos Prudêncio. DJ nº 10.409, de 01.03.2000, pág. 6).