REGIME MILITAR NO BRASIL: REFLEXOS DA DITADURA...

Por Dhiogo Rezende Gomes | 13/05/2013 | História

REGIME MILITAR NO BRASIL: REFLEXOS DA DITADURA NO ÂMBITO SÓCIO RELIGIOSO CRISTÃO NO BICO DO PAPAGAIO

INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR FRANCISCANO

Dhiogo Rezende Gomes[1]

RESUMO 

Este artigo faz uma abordagem sobre reflexos históricos de matrizes políticas, sociais e religiosas na ponte temporal, entre a ditadura militar brasileira (1964 -1985) e a fase da redemocratização republicana, até os dias atuais. O Bico do Papagaio é a região objeto desse estudo, dessa tentativa historiográfica e sociológica de apontamento e entendimento dos reflexos do regime militar presentes nas realidades e suas particularidades construídas neste trânsito entre o passado recente e o presente na historia do Brasil. O foco do presente artigo são os reflexos sócio-religiosos e políticos advindos dos cinco governos militares instaurados com o Golpe de 1964, se fazendo em uma tentativa de análise conjuntural histórico política da atualidade regional.

 

PALAVRAS-CHAVE: Regime Militar. Religião. Política. Conflitos Agrários. Bico do Papagaio.

ABSTRACT

 

This paper presents an approach about reflexes historical matrices political, social and religious in time bridge between the Brazilian military dictatorship (1964 -1985) and the phase of republican democracy, to the present day. The Parrot's Beak region is the object of this study, this attempt historiographical and sociological pointing and understanding of the consequences of the military regime in the present realities and its special built this transit between the recent past and the present in the history of Brazil. The focus of this article are reflections socio-religious and political coming of the five military governments instituted with the 1964 coup, is doing in an attempt to conjunctural analysis of current regional policy history.

KEYWORDS: Military Regime. Religion. Politics. Agrarian Conflicts. Bico do Papagaio.

               

 

1 INTRODUÇÃO

           

            O período de 1964 a 1985 abrigou linhas, fatos e versões que remetem dependendo das óticas, hora a ideias de progressos e por muitas vezes regressos na história política, social, econômica e cultural do Brasil republicano. Esta fase é repleta de fatos ainda a luz da história, obscuros, devido aos elementos políticos envolvidos no que diz respeito ao interesse ou não das emersões de novas fontes e suas “supostas verdades”, um passado ainda bem presente em seus reflexos na vida sociopolítico e cultural dos brasileiros.

            Esta fase da nossa história em seu caráter ditatorial, violento, supressor, estabeleceu marcas muito fortes e resistentes dentro do processo dialético, das construções do imaginário político e cultural, dos aspectos ideológicos, das identidades e mentalidades, formações de concepções nos diversas áreas onde a sociedade, a nação constitui sua formação.

            Na nossa atualidade podemos observar as tais marcas e as absorções da sociedade em seus setores de atuação social, política e cultural (religiosa) nas concepções e formação de opiniões como o próprio conhecimento do período e seus reflexos nas posturas, nas criticas, nas filosofias política e religiosa dos brasileiros e seus descendentes no desenvolvimento deste processo durante o regime militar e pós-ditadura seguido do processo de firmamento de uma redemocratização e seu caminhar e fortalecimento para o atual regime democrático.

            Pela carência de pesquisas de âmbito nacional como também regional e local, se fazem necessários trabalhos de pesquisas e intervenções de abordagens históricas para tratar das hipóteses já consagradas assim como levantamento de novas contribuições teóricas a cerca dos inúmeros traços e aspectos desenvolvidos nestes 21 anos de ditadura militar no nosso país.

            Ciente desta problemática, este artigo visa levantar teorias e respostas considerando os afastamentos e as aproximações de alguns campos da vida social, em especial o religioso nas suas esferas de envolvimento com os reflexos do regime militar e trazer a luz entendimentos sobre: como há visões tão opostas sobre a atuação, e também conflitantes de setores da igreja católica, assim como as posturas dos membros do clero e populares fieis ampliando para as concepções religiosas cristãs mais globais que vão além do catolicismo frente à dicotomia ou bipolaridade criada entre os discursos conservador e libertário, religioso e político, ditatorial e subversivo, capitalista e socialista ou liberalista e comunista e suas maturações durante e após o regime?

            Ou seja, como estas divisões e todos os seus complexos refletem e condicionam as mentalidades, sobretudo religiosa na região do Bico do Papagaio, antigo norte goiano e atual extremo norte do Tocantins, região de forte atuação e políticas de povoamento e exploração dos governos militares, palco de conflitos agrários intrinsecamente umbilicados ao período do regime militar?

            As forças do conservadorismo, sempre presente na história do Brasil, desde os primórdios da colonização pelas vias tanto da coroa portuguesa como da igreja católica, delineados a frente do tempo com o patriarcalismo, modelos políticos e econômicos elitistas alimentados no latifúndio e na escravidão passando pelo império e chegando a velha república dos coronéis e depois ao nosso primeiro regime ditatorial com Vargas. Forças que tendem a novos realces em períodos de exceção como regimes ditatoriais, militares, congruentes em certas questões de ordem e moral a uma ética cristã e conservadora que naturalmente conflitam com o surgimento, crescimento e fortalecimento do contraditório ideal libertário ou liberal ao menos na teoria ou na tentativa ou execução coerente de sua prática dentro e fora do sistema dominador e oficial compreendendo o estado e a igreja. 

            Assim as mentalidades conflitantes diante dos reflexos de um período de sobreposição do regime político vigente e golpista que usa a força das armas e dispositivos de leis falsamente legais ou construídos para aplicar toda diversidade de supressão das liberdades, e opressões ao estado de direitos humanos distante dos mínimos e mais básicos, cria na sociedade indivíduos e setores que podem se aproximar ou se afastar ideologicamente, seja por convicção, consciência como também pela inconsciência e alienação diante das pressões do autoritarismo e seus meios para o fim que é a manutenção deste tipo de estado.

            No nosso regime militar, o entrave entre estes polos, o que domina e o que resiste a dominação configurou uma sociedade que pode se relacionar de formas adaptáveis ou moldáveis e ainda mesmo revolucionárias.

            Considerando os interesses dos atores, sujeitos ou objetos políticos destas concepções que se traduzem em novas mentalidades, que mesmo crescidas da ditadura, tiveram no processo histórico envolvimento com outros elementos ideológicos e políticos formando na atualidade além da firmação bipolar entre dominantes e dominados, conservadores e libertários posturas criticas e fundamentadas em conceitos substancialmente desenvolvidos que podem tanto confirmar até o engessamento dessa dicotomia ou levar a flexibilidade e volatilidade ideológica e posicionamentos em definições de mentalidades diversas divergentes ou concordantes, passivas ou ativas nas relações dos indivíduos que as guardam e as põem em contato nos espaços sociais.

            Este artigo busca levantar e formular novas abordagens e direcionamentos que contribuam no pensar acerca deste período da nossa história, focando os elementos materiais e imateriais das entidades religiosas e seus sujeitos que viveram no regime militar brasileiro e os reflexos desta fase em suas mentalidades e vivencias na atualidade trazendo a tona teorias que subsidiem e concatenem com os caminhos das pesquisas e da própria história ao tratar deste período em suas análises permitindo fluir novas ideias e concepções que aproximem a ciência dos fatos ao povo brasileiro e das realidades.

            A pesquisa é descritiva por apresentar as construções das mentalidades sociais a partir do golpe militar de 1964 e seus reflexos até os dias atuais, é também explicativa a buscar as relações de absorção ou não dos discursos e elementos dominantes do estado autoritário face as suas aproximações e afastamentos principalmente no âmbito social e religioso cristão dentro de um processo dialético.

            Os meios de pesquisa são constituídos pela bibliografia e pelo campo. Bibliográfica pela necessidade de recorrer à ampla bibliografia e informações do período para o confronto e comparações com os dados coletados da realidade que se encontram na realidade da formação das mentalidades e seus contextos na construção do marco teórico. A pesquisa de campo faz-se necessária pela coleta de opiniões e concepções dos sujeitos envolvidos face suas experiências e vivencias durante e após o regime militar, assim como os reflexos nas instituições e os indivíduos descendentes utilizando técnicas de historia oral como in loco no apanhamento das fontes substanciais da pesquisa.

            São os sujeitos envolvidos, os membros ativos das comunidades em áreas sociais ligadas ao âmbito religioso cristão como do núcleo institucional religioso, populares, pessoas de considerada importância ou destaque na condução da vida religiosa, residentes em localidades da região do Bico do Papagaio, mas propriamente na secular cidade de Tocantinópolis em Tocantins, na linha temporal que passa na década de 1960 até os dias atuais.

            Os levantamentos e apontamentos teóricos segmentam sua relevância na medida em que contribuem para a historiografia sobre o período como para o próprio entendimento, conhecimento e abertura para reflexões a cerca das estruturas mentais e comportamentais, políticas, sociais e religiosas e suas interligações postas na atualidade, levando a compreensão das raízes de certas tensões assim como as ações e reações complexadas a partir dos reflexos do período do regime militar.

            Este artigo pretende ser uma analise da bibliografia e literatura pertinentes e amplas a respeito do período do regime militar no Brasil assim como a formação das sociedades no âmbito religioso cristão na região do Bico do Papagaio no Norte do Brasil e as construções de suas mentalidades. Servir de diagnóstico dos firmamentos ideológicos, das opiniões formadas, as observações e concepções e mentalidades da população brasileira sobre os teores políticos e de organização social reflexos dos governos militares e suas posturas frente à sociedade.

2 O BICO DO PAPAGAIO E O PESO DOS “ANOS DE CHUMBO”

 

2.1 Geografia das Terras de Sangue

           

            A região do Bico do Papagaio está situada ao norte do Brasil e abrange três estados: Pará, Maranhão e Tocantins, este último deu o nome da região por conta do seu extremo norte ter o desenho do pássaro cuja espécie é símbolo reconhecidamente nacional, quando não oficial no caso da arara azul, o papagaio e seu bico estão em traços fronteiriços gravados nos mapas e nas identidades do povo nortista.

            Segundo dados do Ministério da Integração Nacional, a mesorregião do Bico do Papagaio compreende 66 municípios, dos quais 25 estão no Pará, 16 no Maranhão e 25 no Tocantins, oito microrregiões compreendem a área total de 140.109,5 km2 com população de 1.436.788 habitantes (ORGÃO, 20_ _)

                        Abastados dos latifúndios com ambições inescrupulosas cruzam e se encontram com flagelados das secas, dos solos rachados que trilharam caminhos da esperança rumo ao Bico do Papagaio, a “terra de negócios” assim como definiu Aldighieri (1993, p. 43).  

            Polos opostos, a riqueza e a pobreza se contrastam cotidianamente desde os primeiros conflitos pela terra entre as décadas de 50 a 80, sendo as duas últimas de auge na violência. Região dualizada entre fazendeiros extensivos e grileiros, poderes e aparelhos públicos estatais, pistoleiros e o povo da terra, os camponeses, a Comissão Pastoral da Terra, algumas entidades sindicais e a esperança de mudanças, de justiça na definição entre estes dois “lados da cerca” no Bico do Papagaio.

            Terras férteis, próprias para o nascimento foram e ainda são focos de inúmeros conflitos que derramaram muito sangue com o tombamento de centenas de seres humanos. Seja pelo viés político da Guerrilha do Araguaia (1972-1974) ou econômico da terra e sua riqueza natural e produtiva como a sua combinação que é indissociável, a “terra dos babaçuais” foi se tornando própria para a luta, onde o medo e a coragem, o forte e o fraco, a foice e a arma de fogo, a vida e a morte se encontram o tempo todo.

            As terras de sangue ficam bem ilustradas nestas linhas:

A escalada da violência e das mortes na área cresce quase que em progressão geométrica, de 1975 a 1986, ano do assassinato do Pe Josimo. Acompanhando a classificação dos conflitos que a Comissão Pastoral da Terra vem fazendo desde 1981, tendo como inicio o ano de 1979[...] (ALDIGHIERI, 1993, p. 54)

Os movimentos migratórios gerados com o Ciclo da Borracha nas décadas fizeram ponte entre o Império e a República, a Marcha Para Oeste nos idos dos anos 30, no evoluir do Estado Novo, a construção de Brasília no final dos anos 50 e sua conclusão em 1960, constituíram-se em períodos expressivos para economia brasileira, sobretudo no seu interior, na região amazônica como nas suas portas localizadas no Bico do Papagaio abrangendo o Nordeste e Sul do Pará, o Sul do Maranhão, o antigo Norte goiano até 1988 e atual Tocantins.

             

2.2 O Regime Militar e o Fogo do Norte

            Além de interverem, os militares não ficaram neutros, e dentro de um magnetismo ideológico, político, e de empatia de convergências, abraçados logo estavam, o governo vigente e ditatorial com os latifundiários oportunistas na versão de “Coronéis do Cerrado”. Mais do quê marginalizar, um processo de exclusão e de violência se levantou contra os camponeses que hora fugiam, hora passaram a enfrentar este projeto que ao “modernizar”, estruturar, integrar a região norte a economia nacional, assim a fez deixando, cravando na terra do Bico um falso progresso, encharcado com o sangue dos posseiros que cada vez mais não tinham posse nenhuma, enquanto locupletavam-se grandes fazendeiros nas suas “grilagens”.

Houve, naquele contexto um casamento de interesse nos planos político, econômico e social que fez da questão fundiária um problema de segurança nacional. Daí o temor de uma possível politização do trabalhador rural. Essa preocupação com a região acabou sendo ainda mais intensa com o episódio da Guerrilha do Araguaia (1972-1974), organizada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil). (OLIVEIRA, 2013, p. 1)

Em 1964 nasceu o Estatuto da Terra no Brasil, uma legislação completamente regimentada pelo governo militar dentro de um contexto de avanço dos movimentos de luta pela terra que germinaram e se desenvolveram com as Ligas Camponesas e tiveram seu apogeu no reformista governo João Goulart que entendia como parte das reformas de base a questão agrária no Brasil, os militares conjuntamente com as elites, traduziram tudo isso como um claro projeto socialista, de inicio e tentativa de dominação comunista. Ao exercito no poder, coube agir de imediato.

Valorizando a terra, mais no seu sentido capitalista, menos no social, surge o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 1970, inicio do período de maior peso dos “anos de chumbo”. Este instituto apesar de existir para fins de reforma agrária, esta não vai se aplicar positivamente aos carentes de e da terra, se preocupará mais com o termo que vem antes da reforma, a colonização e nessa perspectiva a SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), no curso dos militares perdeu seu verdadeiro propósito em relação à aplicação de desenvolvimento em detrimento da falta de direitos e respeito humanos.

                        Em 1980 o governo militar de Batista Figueiredo é criado o GETAT (Grupo Executivo das Terras Araguaia-Tocantins) que em seu texto original de lei tinha sua função definida: Art. 1º É criado o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT), com a finalidade de coordenar, promover e executar as medidas necessárias à regularização fundiária no Sudeste do Pará, Norte de Goiás e Oeste do Maranhão, nas áreas de atuação da Coordenadoria Especial do Araguaia-Tocantins, criada na forma do disposto no artigo 1º do Decreto-lei nº 1.523, de 3 de fevereiro de 1977.

            Tais medidas necessárias foram sentidas pelos posseiros e vinham nas armas de fogo, na tutela do governo e de latifundiários emendadores de terra, estava apoiado o processo de grilagem.

Em lugar de repartir as terras e distribui-las entre os legítimos posseiros, o GETAT legalizará a grilagem, a ocupação das terras pelos fazendeiros e se tornará a mão todo-poderosa do governo militar aplicando à terra a ideologia da segurança nacional. (ALDIGHIERI, 1993, p. 48).

            Neste contexto o regime militar corrobora com a exploração do latifúndio de mãos dadas aos fazendeiros que avançam nas terras do Bico do Papagaio provocando a expulsão sem e com resistência dos que lá já habitavam e se criavam, sobreviviam ha bastante tempo, passando também a morrer. Os migrantes posseiros, camponeses, só contavam com a sua coragem e de outros indivíduos ou grupos determinados e com senso de justiça para tomarem partido ao lado dos mais fracos, sem poder econômico e nem o das armas de fogo, muito menos o político estatal.

            A famigerada Reforma Agrária só existia no papel, um verdadeiro sistema de injustiça foi se erguendo e solidificando-se no campo, a exemplo:

Na nossa pesquisa computamos 392.067 há, desapropriados de terra em conflito, igual a 3,3% do total de terra conflitiva. Como bem colocou Dom Ivo Lorscheider, Presidente da CNBB, no documento apresentado ao Presidente da República no dia 29 de outubro, - o Executivo desapropria, o Judiciário anula as desapropriações e o Legislativo Federal fica inoperante – (Boletim Noticias CNBB n.44 30 – 10 – 1986) (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 1986, p. 5)

 

            No Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com realização em Goiânia – GO, no ano 1975, nasceu o que foi e ainda é o braço mais forte dos homens e mulheres que ainda resistem ao avanço indiscriminado de práticas injustas, ilegais, desrespeitosas dos direitos humanos nas questões agrárias ou fundiárias no Brasil. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde então vem desenvolvendo um trabalho de assistência campesina, sobretudo de denuncia das crueldades provocadas nos conflitos por terra em todo território nacional.

            A CPT lutou, acompanhou, registrou, chorou e orou por milhares de mortes, de camponeses e até de membros da igreja, padres, freiras, missionários e religiosos. Tais mortes no campo tem ligação quando não indireta, direta ao período repressor e de cultura anticomunista que colocaram a CPT, seus apoiadores e os que lutavam ao seu lado, os camponeses na lista obscura e temerosa da subversão, que deveria ser combatida e severamente anulada por configurar uma ameaça a Segurança Nacional.

            No “livro de dor”, assim chamado o Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964 por Dom Paulo Evaristo Arns em seu prefácio, está posto:

Não constam deste Dossiê os milhares de trabalhadores rurais assassinados pelos grandes fazendeiros. Levantamentos dessas mortes feitos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 01 de abril de 1964 a 31 de dezembro de 1993, registram 1.781 assassinatos de camponeses. Desses casos, somente 29 foram a julgamento, sendo que, em apenas 14, houve condenações. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra registrou 1.188 assassinatos de 1964 a 1986. (TORTURA NUNCA MAIS, 1995, p.37)

            Evidente que com todo o sistema de segurança nacional instalado, todo seu aparato repressor não se restringiu nas áreas mais populosas ou urbanas do país, as pressões e reflexos do regime militar em regiões onde havia a organização camponesa foram destacáveis. Os poderosos fazendeiros que visavam regiões como a do Bico do Papagaio e diante de suas complicações com as resistências camponesas ficaram cada vez mais próximos em apoio e simpatia recíproca dos governos militares.

            Nestas regiões, no norte brasileiro, os militares previam dificuldades de operar a máquina exterminadora do terrorismo socialista, por isso, a exemplo da Guerrilha do Araguaia, não poderiam afrouxar para a organização camponesa, esta sendo um vetor comunista, quase sempre vista com ares de subversão em todos seus passos, olhar que seguiu até à atualidade, como reflexos.

As constantes e atuais ameaças a sindicalistas rurais, ou mesmo assassinatos de agentes ou ativistas políticos ligados a grupos de esquerda na região de fronteiras amazônicas que ainda defendem o direito a terra e ao uso sustentável dos recursos naturais da floresta é a realidade constituída por reflexos deixados pelos anos de chumbo na região.  

 

3 ÂMBITO CRISTÃO E O REGIME DE SEGURANÇA NACIONAL

 

3.1 Olhares do passado, sentidos do presente.

Relações de aproximações ou distanciamentos tratando-se do século XX, a igreja e a conjuntura mundial no tocante da América Latina diante de duas guerras mundiais e a consolidação e hegemonia do capitalismo, o surgimento do comunismo combatente com a Revolução Russa, depois com a Revolução Cubana.

            Atentando-se as diferenças conjunturais da história política diversa dos países latinos, na primeira metade deste século, a igreja até 1945, foi muito próxima dos populismos na medida em que estes eram das oligarquias tradicionais ligadas à igreja desde o processo colonizador, até 1959 ela manterá certos fundamentos construídos, mas se afastará em alguns países destes populismos, afastamento político no referente aos enfraquecimentos destes regimes com o evoluir da guerra fria que trará regimes mais autoritários que a igreja os seguirá no inicio mais por conta do “anticomunismo” congruente as doutrinas cristãs.

            Estas ditaduras vão ferir a igreja e o evangelho e conjuntamente ou na observação social da América Latina, a igreja iniciava um processo de reforma, renovação, saindo mais das elites e se voltando ao povo, tendo nessa aproximação com os excluídos, uma proximidade também com o socialismo, comunismo.

[...] é o desafio de optar só pela reforma ou também pela revolução. A revolução cubana de 59 colocou aos cristãos a possibilidade do triunfo imediato através dos “focos”. O caminho das armas foi encarado política e eticamente possível. Por outro lado, pela primeira vez se discutiu seriamente a “opção socialista”. Foi no Chile, desde a crise do ILADES, em 1969, e a fundação do MAPU, que “cristãos para o socialismo” (1972) começam o longo caminho histórico de encontro entre cristãos e marxistas. (DUSSEL, 1989, p. 43).

            A Igreja latino-americana foi se rendendo as realidades sociais do povo oprimido e abandonando certos fundamentos políticos teológicos e tradicionalismos que serviam muito mais as elites do que as massas, mas obviamente que alas conservadoras coexistirão com as progressistas e libertarias de cunho marxista que lutavam pela superação do capitalismo, a utopia encontrando leito bem apropriado no cristianismo prático.

            Este modelo de cristandade sustentado nas estruturas estatais, por isso os comprometimentos da igreja com regimes populistas e autoritários para também se fazer igreja e dominadora espiritual e social vai falindo no final dos anos 50, a igreja faz a opção pelos carentes, pelos excluídos dos governos vigentes, aberturas para as novas práticas clericais estavam no ar.

[...] abrindo o caminho para o modelo de Igreja dos Pobres (...). O “pobre” se transforma no lugar de todas as opções, discussões e ações. A “Teologia da Libertação” (TL) – reflexão de uma geração inteira de teólogos latino-americanos que não se deve atribuir a pessoas – chega a formular esta opção histórica pelo pobre que transforma a Igreja em “Igreja dos Pobres” e que entrega ao povo, como sujeito protagônico histórico, a responsabilidade de sua própria evangelização: a “Igreja servidora” da libertação do povo dos pobres, no espírito de João XXIII. (DUSSEL, 1989, p. 44)

            A criação da CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil) fundada em 1952 vai tornar-se uma das pedras no sapato da do regime militar logo a partir de 1964. Um de seus fundadores será um dos clérigos mais aguerridos, empenhado e destemido no combate as perversidades da ditadura, Dom Helder Câmara e em pleno regime de segurança nacional, de vigília de subversões e ações políticas progressistas a CNBB foi renovando a igreja brasileira principalmente a partir de 1968.

Foi a época da liderança carismática da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nesta época foram fundadas 43 dioceses novas (com 109 bispos novos), 11 novas arquidioceses (com 42 arcebispos), 16 prelazias. Estes bispos jovens, progressistas serão fundamentais a partir de 1968. Além disto, a CNBB nesta época estava nas mãos dos bispos do Nordeste. (DUSSEL, 1989, p.52)

            Nos povoados mais afastados dos epicentros do golpe e do contra golpe ditatorial, mais ao norte, nas zonas rurais terão em sua direção caminhos de encontro e ação para as CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base) que também atuavam nas periferias das cidades, contudo a partir da década de 70 é que essas comunidades vão por força popular se valer diante da falta do poder público e do avanço de um neocoronelismo.

            Em regiões como a do Bico do Papagaio, São Félix do Araguaia – MT do Bispo Dom Pedro Casaldáliga radicado no Brasil desde 1968 é que a igreja se fará abertamente o corpo de Cristo na medida em que será bastante próxima dos leigos, do povo e até se descobrirá levemente dos véus protocolares da oficialidade dogmática e cristalizada da ordem e ação processual da igreja milenar para ter mais adaptabilidade à realidade camponesa, ribeirinha, simples e frágil em demasia, uma realidade triste aferida com “poesia bíblica” pelo próprio Bispo.

Casaldáliga interpretou essa ‘triste realidade’, vivida pelos retirantes no Araguaia como uma escravidão e a Terra Prometida do “Padim Ciço” se transformara em Egito e no Cativeiro do povo retirante. Tanto o período no Egito como o do Cativeiro em Babilônia são paradigmas bíblicos de momentos de escravidão, sofrimento, dor e exploração do povo hebreu. A biografia de Escribano descreve um Casaldáliga que só via naquele contexto dominação e escravidão. [...] (VALÉRIO, 2007, p. 29).

Quem estava do lado do bem ou do mal? Um maniqueísmo confuso tanto aos seus protagonistas como para a massa ilustrado em declarações opostas entre os Bispos D. Helder Câmara e D. Geraldo Sigaud em legendas de fotos onde o primeiro discursa em Paris:

A tortura é um crime que deve ser abolido. Os culpados de traição ao povo brasileiro não são os que falam, mas sim os que persistem no emprego da tortura. Quero pedir-lhes que digam ao mundo todo que no Brasil se tortura. Peço-lhes porque amo profundamente a minha pátria e a tortura a desonra [...] e o segundo Bispo afirma: “Confissões não se conseguem com bombons (GASPARI, 2002)

            A religião, as igrejas como instituições dialogam com as instituições e conjunturas políticas de governo, suas posições sempre foram definidas, há um interesses dos dois âmbitos nesta diplomacia, no regime militar instaurou-se um pavor, uma fobia da ameaça comunista desde as décadas de 20 e 30, ele cegou ou convenientemente foi uma justificativa de bases tradicionais da Igreja Católica para criticar e duelar com segmentos progressistas como o que se levantara nas colunas da teologia da libertação.

           

3.2 Religião e Política nas terras do Bico

O termo coronelismo é bem empregado em regiões como a do Bico do Papagaio, comum nas bocas raras, de cabeças que se colocam como “socialistas” numa região historicamente dominada por oligarquias aristocráticas. A Guerrilha do Araguaia (1972-1974) potencializou tensões fundadas desde a década de 50, tensões estas ligadas as ocupações, povoamento de migrantes, na maioria do Nordeste que entrarão em conflito com latifundiários e seu sistema de grilagens.

A primeira reação camponesa de repercussão contra a grilagem foi o conflito Trombetas-Formoso. Iniciado no final da década de 40 expandiu-se a partir de 1953, sendo destruído pela repressão em 1964. Os camponeses foram expulsos ou presos e suas lideranças incluídas nas listas dos políticos desaparecidos. (FERRAZ, 2000, p.66).

Assim a região foi sendo minada de movimentos que derramaram muito sangue, em suma maioria dos camponeses. A Guerrilha neste contexto de poderosos, políticos e econômicos contra simples trabalhadores rurais implicaram na criação de uma cultura anticomunista na região e de fácil associação de pretensos comunistas aqueles que tinham tendências ou desempenham com afinco a defesa dos pequenos.

            Não são realidades bem firmadas o estabelecimento e hegemonia de partidos considerados de esquerda na região do Bico do Papagaio, ao menos no referencial histórico e teórico, já que na atualidade, estas classificações tem se perdido devido às fisiologias partidárias. Salve algumas exceções, à esquerda, muito ligada à reforma agrária, ao MST, não tem muito sucesso nos pleitos, o novo coronelismo e a pobreza das populações contribuem para a manutenção das oligarquias e a vitória nas urnas dos latifundiários e aos grupos a eles ligados, nem sempre sendo de partidos considerados de direita, a ideologia partidária parece ser algo mais próprio e acessível dos camponeses e seus lideres, não todos, pois estes geralmente surgem do âmbito religioso, como o Padre Josimo.

            Fazemos observações e reflexões nos quadros atuais de domínio partidário no Brasil e na região norte a partir destes fragmentos de reportagens e de pesquisa com fontes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as últimas eleições em 2012, onde em matéria da Agência Brasil no site da revista eletrônica da Revista Exame que mostra o PMDB como a sigla que conquistou mais prefeituras (1.041 dos 5.568 municípios que houve eleição), seguido do PSDB com 718 cidades e em terceiro o PT, com 566 prefeitos eleitos. (RICHARD; CHAGAS, 2012)

            Embora o PT tivesse conquistado o maior numero de prefeituras em cidades grandes, o Partido dos Trabalhadores além de perder eleitos em comparação com a última eleição, perdeu mais nos municípios com mais de 200 mil habitantes, onde das 83 cidades com essas características, a sigla ganhou a disputa em 16, entre elas a maior que foi São Paulo na vitória de Fernando Haddad. Já o PMDB foi vitorioso nas cidades com menos de 200 mil habitantes seguido do PSDB e em terceiro o PT. (D'AGOSTINO, 2012)

Sobre a região Norte vejamos que a região Norte é atualmente liderada por representantes de partidos que para as populações mais carentes e menores passam por tradicionais em dados extraídos de um portal da internet com fontes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em “raio-X” das últimas eleições de 2008 e 2012. O PMDB aparece em 1º com 121 prefeituras em 2008 e baixando para 91 em 2012 seguido do PSDB que teve em 2008 44 municípios saltando para 69 em 2012, em 3º lugar temos o PSD que surge com 68 em 2012 e na 4ª colocação aparece o PT que teve 65 em 2008 e baixou para 52 cidades nortistas em 2012. (VEJA O DESEMPENHO DOS PARTIDOS NAS ELEIÇÕES DE 2012, 2012)

             O Padre Josimo atuou junto a CPT e militou sobre a bandeira ainda recém-gestada do PT em meados dos anos 80 e pelo seu posicionamento critico, político fez muitos inimigos e antipatias até mesmo no âmbito da igreja católica na região, depois de várias ameaças e um atentado com tiros cravados em sua caminhonete quando o padre passava pela cidade de Augustinópolis – TO, vindo a falecer em 1986, assassinado por um pistoleiro quando subia as escadarias do escritório da CPT em Imperatriz no Maranhão.

            Em pesquisa de campo, na cidade de Buriti do Tocantins, diversos depoimentos a favor e contra o padre surgiram, entre os que eram contrários, são notáveis os ranços e falas de ódio e discordância do seu modo de vida simples e sem consonância com churrascos nas terras e casas dos grandes fazendeiros e suas posições políticas criticas e agudas dentro e fora da igreja.

            Assim, o padre que lutava ao lado dos humildes sofreu toda sorte de estereótipos e taxações a partir dos olhos da repressão ou das visões adestradas a verem personagens como o do padre como uma ameaça, a ditadura, ao poder do latifúndio, isso era vivo mesmo em 1986, em um país democrático, mas não livre de reflexos dos 21 anos de repressão.

            Vejamos este trecho de um documento de 18 de abril de 1986 enviado ao Ministério da Justiça com o titulo de Mutirão Contra a Violência, pela CPT – Araguaia Tocantins.

Está lhe sendo enviada, em anexo, declaração por instrumento particular firmada pelo Pe. JOSIMO MORAES TAVARES, onde estão relatados os acontecimentos do dia 15 de abril próximo passado. O contexto social da região, ali descrito, pode ser identificado como causa última do atentado sofrido pelo Pe. Josimo. Deve-se ressaltar, entretanto, o surgimento de várias entidades de proprietários rurais, que visam explicitamente a impedir a aplicação do Plano Nacional de Reforma Agrária do Governo Federal, e que na região do Bico do Papagaio (extremo-norte goiano), estão articuladas, particularmente, com o Sindicato Rural de Araguaína-GO, e Sindicato Rural de Augustinópolis-GO. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 1986, p. 58)

            Através de registros da época é visível a tensão, o sistema de manutenção do poder oligárquico que criou tal separação, fazendeiros, as elites empenharam-se em destruir estes focos de resistências naquele contexto ainda da ditadura vistos como traços comunistas, o povo envolvido em meio aos acontecimentos, foi tomando um partido, muitos, mesmos os fracos e aparentemente com mais motivos de estarem do lado da CPT ou de homens como Josimo, penderam passiva ou ativamente para o lado dos poderosos.

            Na cidade de Esperantina, última cidade ao norte do Tocantins, uma pequena Mesopotâmia banhada pelos rios Tocantins e Araguaia, tendo no mapa o formato que dá nome a região, um bico de papagaio, foi durante as décadas de 70 e 80, um dos lugares mais quentes do antigo norte goiano referentes aos conflitos agrários, raio de ação da CPT, do Padre Josimo e em meados dos anos 80, o PT surgia na região.

            Em 2008 o Padre Ramildo José foi candidato pelo PT e perdeu a disputa, historicamente, antes e após o regime, estes municípios do Bico do Papagaio na porção que abrange hoje o estado do Tocantins são de domínio das elites rurais que nunca deram muito espaço para partidos políticos que costumam ter uma identidade mais camponesa ou popular.

            No caso de Esperantina, só agora na última eleição em 2012, o PT conseguiu vencer com um professor, o Bina que durante a campanha incorporou a ideia não pioneira de ser o candidato do povo contra os poderosos, no calor da corrida eleitoral, chegou a ser desdenhado pela oposição de “tirador de açaí”, um camponês.

Caio Fábio, um ex-pastor evangélico em uma palestra intitulada de Breve História da “Igreja Evangélica”, postada no Site You Tube em 25/12/2009, fala sobre a sua experiência como pastor e sua visão das igrejas evangélicas no Brasil e sua evolução até os dias atuais, na questão política ele coloca que no Regime Militar, os evangélicos apontavam uma complacência a ditadura expressa em Romanos 13 que era a justificativa bíblica da moda para se referir, falar sobre a ditadura no meio evangélico, ou seja, todos os governos na terra seria vontade de Deus, por isso da aceitação e até o apoio aos militares quase que geral.

            Somente poucos exemplos e registros mostram que assim como a igreja católica os evangélicos tiveram setores, grupos que de oposição ao regime militar, mesmo assim tal representação evangélica contra a ditadura partiu da Igreja Católica em face de um ecumenismo liderado pela CNBB e CPT.

No período da ditadura, o reconhecimento do vinculo com a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) ajudou a CPT a realizar o seu trabalho e se manter. Mas já nos primeiros anos, a entidade adquiriu um caráter ecumênico, tanto no sentido dos trabalhadores que eram apoiados quanto na incorporação de agentes de outras igrejas cristãs destacadamente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB. (AGUIAR, 2010, p. 38)

Há de deixar destacada morte do Padre Josimo em 1986, a plenos trilhos da democracia depois de 21 anos de regime militar e de associação compulsória de tudo que a favor dos direitos pela terra, pelos pobres, como comunista no pior sentido, como comunista e todos os seus estereótipos mais malignos e de muita absorção no imaginário popular. O padre morto virou um mártir pela luta pela terra, um mártir da reforma agrária, isso veio com muita força e essa vitalidade dos movimentos camponeses trouxe e ainda traz novos elementos políticos para a região.

Os reflexos dessa morte, para uns produziram vida, sobretudo, na ótica da igreja que precisava manter e fortalecer a memória do mártir. Para outros, os camponeses, visibilidade ao seu rosário de tragédias e, por um breve período a esperança de soluções. Para outros ainda, os fazendeiros e as empresas agrícolas, ante a postura adotada pelo poder público, a constatação de que tinham força suficiente para manipular os rumos da história agrária no Brasil. (SILVA, 2011, p.168)

4 ALGUNS REFLEXOS E REFLEXÕES

           

Durante os vinte e um anos de duração do ciclo militar, sucederam-se períodos de maior ou menor racionalidade no trato das questões políticas. Foram duas décadas de avanços e recuos, ou, como se dizia na época, ‘aberturas’ e ‘endurecimentos’. De 1964 a 1967 o presidente Castello Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967 a 1968 o marechal Costa e Silva tentou governar dentro de um sistema constitucional, e de 1968 a 1974, o país esteve sob um regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a 1979, debaixo da mesma ditadura, dela começou-se a sair (GASPARI. 2002)

 

Uma celebre frase de D. Helder Câmara citado por Arruda (2009): “quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista”. Assim há um reflexo claro no que tange a mitificação tanto quanto à demonização de padres como Josimo, como da CPT, das CEB’s e da própria Igreja Católica em certo contexto e proporcionalidade na região do Bico do Papagaio.

             No âmbito sócio religioso, há reflexos na educação e na formação da atual juventude, filha de país ou avós, de gerações que viveram o regime militar onde segundo alguns populares o período não aplicou forte repressão de uma moral ou conduta basilar dentro da filosofia militar nas cidades que na época já contavam com estrutura urbana como Tocantinópolis, Araguatins, Imperatriz, nem era necessário, o ritmo e dinâmica do cotidiano a época eram bem rurais e provincianos, regrados por uma religiosidade conformista da situação política que o Brasil vivia.

            Em conversa com o atual padre e diretor do Colégio Católico Dom Orione (conveniado ao estado) de Tocantinópolis, que inclusive foi espaço de docência do Padre Josimo, o Pe. Paulo Reis deixou uma visão de reflexo interessante no âmbito escolar, ele argumentou que há uma permissividade do errado, não há uma cultura da denuncia, os meninos veem o outro fazer coisas erradas e não denunciam aos professores, a coordenação ou a direção, o regime militar teria deixado para as gerações anteriores, depois passando, mesmo que subconsciente aos seus filhos que denunciar pode ser perigoso e pode acarretar em prejuízos aos denunciadores como os denunciados.

Outro Reflexo bem aparente é o medo até de opinar, se expressar sobre o regime, principalmente quando há critica aos governos militares, fato expressado no insucesso de uma entrevista com um octogenário pároco atual de Tocantinópolis que não se sentiu a vontade para deixar suas impressões sobre a época ditatorial na região, se limitando a falar apenas que não foi boa, deixando bem aparente seu desconforto em desenterrar algo que através de algumas lembranças possam causar mal estar.

Uma personagem destacada da pesquisa de campo, um senhor que fora preso e torturado entre 1972 e 1975 na cidade de Araguanã, depois de ter sido repreendido e enquadrado pelos militares na cidade de Xambioá, um dos focos da Guerrilha do Araguaia. Trata-se do artista plástico Osório Rodrigues, católico apostólico romano, como bem fez questão de se apresentar em uma casinha simples na cidade de Tocantinópolis.

            Osório é um reflexo que trazia outros reflexos, reflexos do corpo torturado, com marcas perenes e a visão quase ausente, frutos das sessões de tortura, reflexos na mente, na memória e suas visões criticas do presente. Osório que tinha estudado para ser padre em um seminário Vestibular Paulo VI em São Gonçalo, Niterói-RJ, resolveu desistir do sacerdócio e ganhou o mundo, parando nas terras do Araguaia, em plena ditadura, já se sentia em conflito interno, pois o reitor do seu seminário era um polonês capelão do exercito e anticomunista.

            Atento aos rebuliços e tensões provocadas na região, pela ação da CPT e das CEB’s concomitante com a voz sapiente de Dom Casaldáliga, envolveu-se na defesa dos oprimidos, mesmo que com a boca somente, sofreu as consequências que vinham marchando com truculência e sem nenhuma continência ao artista plástico.

            Osório ressaltou como reflexo a alienação política atual, ligada ao mandonismo político com berço na ditadura e a igual conformidade da população que mais do que antes vive um abaixar de cabeças e gritos de amém a todos os desejos dos coronéis atuais, ao modo dos coronéis reais do exército brasileiro a época do regime.

            Atentou por outro lado, a falência da família e da morte do civismo, este que era muito nutrido pela presença militar e o protagonismo jovem para algo que ele chama de “cultura do conhecimento” na região, em seu lugar, uma cultura alienada e banalizada, reflexo dentro um complexo referencial que parte da rigidez política da ditadura que envolvia laços de rigidez doméstica familiar anterior e no desabar da família interiorana da região que antes tinha como peculiar, uma harmonia e características de ordem advindas de um cristianismo prático, sendo a frouxidão dessa rigidez dos tempos da repressão que tiveram seu fim.

                         

CONCLUSÃO

 

            Em alguns lugares esse tal e multiverso direitismo assim como o esquerdismo ainda se preservam com mais originalidade em alguns lugares do Brasil, como o Bico do Papagaio, regiões ainda afastadas, isoladas econômica e socialmente, contudo nada puro, intacto, ou permeabilizado em relação ao tempo, as mudanças, as novas conjunturas. No entanto, certas particularidades fazem destas regiões peculiarmente interioranas do Brasil ainda guardadas em baús da historia, onde a mesma se meche de forma diferente dos grandes centros, é como se o passado ainda fosse o hoje às vezes.

            Assim a complexidade se faz constante nesse trabalho e em sua proposta, pois se trata de observação de um passado ainda vivo em várias manifestações, em espíritos e matérias de uma atualidade carregada de sentimentos, de símbolos, de recriações do modo de viver e pensar, de ser político, livre, religioso, crítico, cidadão, marginal. Sendo o aspecto político conjuntamente com o religioso uma matriz dos reflexos no Bico do Papagaio.

            Uma realidade pobre, miserável de uma região marcada pela pistolagem, pela luta por terra, das injustiças, do neocoronelismo, da velha violência nos novos tempos da republica. Quase que um regime da miséria e da injustiça, ao lado disso tudo, a fé católica, evangélica e nuances de religiões afrodescendentes ou indígenas, mas ainda sim a fé, sustento primordial na falta de comida, placebo na forma de programas assistencialistas governamentais, a ingenuidade de continuar acreditando como sempre na promessa dos bem nascidos das oligarquias de antes que se fazem as de sempre.

            Os governos militares ao ninar os grandes fazendeiros, a dar a eles ainda mais poder do quê o que eles já tinham, pela força, pelo fogo, institucionalizou a pobreza numa terra tão rica, seguindo parâmetros do resto do país, mas que no Bico foram potencializados.

            Os reflexos políticos da corrupção, os socioculturais das falências de uma sociedade pobre, despolitizada que agarrou a redemocratização desprotegida contra as novas conjunturas, dos aliciamentos das falsas esquerdas, das direitas aparentemente boazinhas, a cultura da alienação, do desrespeito às autoridades policiais, militares, eclesiásticas, políticas, da banalização do processo formativo educacional da juventude dos medos de denunciar, mas não o de ser denunciado, a libertinagem que come liberdades.

Os Reflexos sócios religiosos que se mostram no enfraquecimento das Comunidades Eclesiais de Base, da Comissão Pastoral da Terra em face ao crescimento da nova ordem carismática da Igreja Católica como também pelo avanço de igrejas protestantes mais propensas a aceitação das potestades e não menos mantenedoras das desigualdades com seus sistemas de conformidade presentes nos dízimos e na incapacidade de um maior nível de politização por este ser obstáculo dos dogmas e da vida “correta”. A terra que ainda ameaça padres de morte, que ainda olha torto para sacerdotes ou missionários que façam um trabalho evangélico e político ao mesmo tempo, como no passado a ideia fixa de que religião e politica não andam juntas.

            Todas essas peças da atualidade, feitas nas dinâmicas que reagem aos reflexos do passado do regime militar na região do Bico do Papagaio criam realidades moldadas nas devidas proporções e contextos as realidades políticas e sócios religiosas, sendo assim, há muito para se estabelecer como reflexos, para entender como tais e esses desdobramentos podem trazer a tona verdades e espelhos que possam fazer o povo do Bico se enxergar e talvez não gostar do que vê, e assim, as novas gerações, armadas dos poderes da história, mudarem a sua própria.

REFERÊNCIAS

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 http://www.vermelho.org.br/am/noticia.php?id_noticia=47709&id_secao=61. Acesso em: 02 abr. 2013.

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[1] drghistoria@hotmail.com, Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Pernambuco - UPE.