Regime de participação final nos aquestos
Por raissa ribeiro | 02/06/2011 | DireitoINTRODUÇÃO
O casamento é um instituto de suma importância para o Estado, e que produz inúmeros efeitos que causam conseqüências no âmbito social, nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges e entre esses e seus filhos.
Para disciplinar as relações econômicas dos cônjuges, deve ser estipulado um regime de bem, que consiste em um conjunto de regras, estabelecidas antes do casamento, que objetivam disciplinar as relações econômicas dos cônjuges, entre si, e também no tocante a terceiros, durante o casamento.
No Brasil, até 1977, existia um único regime de bens, o denominado regime de comunhão universal de bens. Hodiernamente, o Código Civil Brasileiro prevê 4 modalidades de regime de bens: o da comunhão parcial de bens (arts. 1658 a 1.666); o da comunhão universal de bens (arts. 1.667 a 1.671); o da participação final nos aquestos (arts. 1.672 a 1.686) e o da separação (arts. 1.687 a 1.688).
Além das modalidades de regime expressas, o Código Civil, através de seu art. 1.639, faculta aos cônjuges fazer combinações entre os aludidos regimes, criando, assim, um regime misto, bem como elegendo um novo e distinto, excetuado as hipóteses do art. 1.641, I a III, para regulamentarem as suas relações econômicas.
A liberdade de estruturação do regime de bens, no entanto, é limitada ao passo que os nubentes não podem estipular cláusulas que atentem contra os princípios da ordem econômica ou contrariem a natureza e os fins do casamento, conforme reza art. 1.655 do C.C.
Cumpre salientar que, no silêncio das partes, ou no caso de nulidade de convenção ou ineficácia da mesma, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial, por expressa determinação do art. 1.640 do C.C.
Sobre o assunto, Pontes de Miranda (tratado de direito de família, v. II, § 124, p. 135), esclarece que "a instituição de regime, qualquer que seja, é de tão relevante interesse público e particular, que se tornou necessário presumir-se a existência de pacto tácito, a fim de submeter os bens dos cônjuges a um dos sistemas cardiais".
O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e, de acordo com o art. 1.639, § 2º C.C., é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Carlos Roberto Gonçalves leciona que "as relações econômicas entre os cônjuges, e entre estes e terceiros, no casamento, submetem-se a 3 princípios básicos: a) imutabilidade ou irrevogabilidade; b) variedade de regimes; c) livre estipulação" (GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 8ª ed. rev. e atual. ? São Paulo: Saraiva, 2011, p. 438).
REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
O Código Civil brasileiro trata do regime de participação final nos aquestos nos arts. 1.672 a 1.686. Nesse regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a Título oneroso, na constância do casamento.
O art. 1.673 estabelece que "integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer Título, na constância do casamento", sendo que a administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.
Sobre o tema, o renomado doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 8ª ed. rev. e atual. ? São Paulo: Saraiva, 2011, p. 487) ensina que, "trata-se de um regime híbrido, pois durante o casamento aplicam-se as regras da separação total e, após a sua dissolução, as da comunhão parcial".
Desta forma, enquanto durar a sociedade conjugal, cada cônjuge possui administração exclusiva de seu patrimônio pessoal, integrado pelos que possuía ao casar e pelos que adquirir a qualquer título na constância do casamento, podendo livremente dispor dos móveis e dependendo da autorização do outro para os imóveis (art. 1.673, parágrafo único).
Somente após a dissolução da sociedade conjugal é que serão apurados os bens de cada cônjuge, cabendo a cada um deles, ou a seus herdeiros, em caso de morte, a metade dos adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
A apuração do montante nos aquestos se fará excluindo-se da soma dos patrimônios próprios; os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; e, as dívidas relativas a esses bens (Art. 1.674 e incisos).
O legislado estipulou que, "em relação aos próprios cônjuges os bens móveis pertencem àquele que os adquirir na constância do casamento. Já em relação a terceiros, presumem-se adquiridos pelo cônjuge devedor os que forem na constância do casamento, salvo se comprovada a aquisição pelo outro" (GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 8ª ed. rev. e atual. ? São Paulo: Saraiva, 2011, p. 488).
Estatui a norma que ao se cuidar da determinação do montante dos aquestos, fixando o patrimônio comum a ser partilhado, deverão ser computados os valores das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro, assegurando-se, ademais, a reivindicação do bem irregularmente doado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou, ainda, que se venha a declarar tais bens, no monte partilhável, o valor equivalente ao da época da dissolução (art.1.675).
É importante observar que se deve incorporar ao monte o valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar (art. 1.676). Entretanto, se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, ter-se-á que calcular o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário (art. 1.684). Não se tornando possível realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem (parágrafo único).
Quando a dissolução do regime de bens é por separação judicial ou por divórcio, deve ser verificado o montante dos aquestos à data em que cessou a convivência entre os cônjuges (art. 1.683). É mister destacar que a apuração do acervo partilhável será feita levando-se em conta a data em que cessou a convivência, e não a da decretação ou homologação judicial.
Sendo a dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código (art. 1.685).
Por estar razões é que se diz que os reflexos da opção desse regime, só surgem quando o casal resolve se separar, com a efetiva dissolução da sociedade conjugal.
No caso de um dos cônjuges solver uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge. Aplica-se, à solução de dívida, o princípio geral do pagamento com sub-rogação (art. 1.678).
O art. 1.686 estabelece a regra de que as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros. Assim, como bem explica Washington de Barros Monteiro, "o pagamento das dívidas do falecido sujeita-se às forças da herança, de modo que, se o valor ultrapassar a sua meação, não poderá obrigar o outro cônjuge ou os herdeiros" (MONTEIRO, Washington de Barros. Direito Civil - Família. Brasília: Fortium, 2005, p. 60).
No caso de a dívida ser posterior ao casamento, e contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro (art. 1.677).
E síntese: "em relação às dívidas posteriores ao casamento e que tenham sido contraídas por apenas um dos cônjuges, impõe-se a este, como regra, a responsabilidade exclusiva, afirmando-se que somente este por elas responderá, embora se admita a demonstração de que tenham revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro, quando, então, passarão a constituir encargo comum". O mesmo critério é adotado em caso de morte de um dos cônjuges (art. 1.686).
No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido. E, como já dito, às coisas móveis presumem-se, em face de terceiros, do domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro.
Em princípio, segundo dispõe o art. 1.681 do C.C., "os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro. O parágrafo único, no entanto, ressalva, que "impugnada a titularidade, caberá ao cônjuge proprietário provar a aquisição regular dos bens".
"Tendo em vista que o registro do título no Registro Imobiliário gera a presunção de propriedade, cabe a quem impugna tal presunção o ônus de promover, pela via própria, o cancelamento ou anulação do aludido registro. No entanto, para os fins do regime matrimonial não é bastante a regularidade formal ou extrínseca do título de aquisição ou do registro imobiliário. Terá o cônjuge proprietário, respondendo à impugnação, de provar que adquiriu o imóvel com recursos próprios e exclusivos, sem participação do outro. De qualquer modo, para fins de participação final nos aquestos, a titularidade exclusiva perde importância, pois os bens particulares integram o monte partilhável".
Com o objetivo de preservar o direito à meação, e o interesse de ambos os cônjuges, o legislador, no art. 1.682, determinou que o direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial (art. 1.682). Como bem explica Carlos Roberto Gonçalves (GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 8ª ed. rev. e atual. ? São Paulo: Saraiva, 2011, p. 489), trata-se de um princípio de ordem pública que não pode ser contrariado pela vontade das partes e que tem a finalidade de sustentar economicamente o casamento e a família e de não inviabilizar o seu regular desenvolvimento.
CONCLUSÃO
O regime de participação final nos aquestos constitui inovação no Código Civil Brasileiro de 2002, no entanto, já era previsto em diversos países, a exemplo da Alemanha, Portugal, Espanha. Esse regime é ideal para as pessoas que exercem atividades empresárias, por conferir liberdade aos cônjuges, de administrar livremente o seu patrimônio, sem, no entanto, afastar a participação nos aquestos por ocasião da dissolução da aludida sociedade.
Diante do exposto, tem-se que na participação final nos aquestos cada cônjuge possui patrimônio próprio. Além do mais, enquanto durar o casamento, aplicam-se as regras da separação de bens, e, ao dar-se a extinção da sociedade conjugal, ter-se-á apuração dos aquestos, aplicando-se as regras da comunhão parcial de bens.
Embora o regime em questão apresente vantagens, como, por exemplo, a independência patrimonial dos cônjuges, a proteção econômica àquele que acompanhou evolução patrimonial, na condição de parceiro, sem ter os bens em seu nome, apresenta também desvantagens, no que se refere às dificuldades de liquidação dos aquestos por ocasião da dissolução da sociedade conjugal.
Preleciona Silvio Rodrigues, citado na obra de Carlos Roberto Gonçalves, a propósito que, "superadas as questões próprias da dissolução do casamento, a apuração da participação se faz em etapas: 1ª- com a verificação do acréscimo patrimonial de cada um dos cônjuges; 2ª- a apuração do respectivo valor para a compensação e identificação do saldo em favor de um ou de outro; e por fim; 3ª ? a execução do crédito. Esse caminho pode ser tortuoso diante da morosidade da Justiça, considerando, também, a expressiva quantidade de incidentes e recursos que podem surgir nas três fases distintas. Daí por que o regime da participação final nos aquestos, embora simpático na sua essência, acaba por vir a ser uma opção problemática".
BIBLIOGRAFIA:
GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 8ª ed. rev. e atual. ? São Paulo: Saraiva, 2011.
MONTEIRO, Washington de Barros. Direito Civil - Família. Brasília: Fortium, 2005.
www.anobrega.adv.br/artepublicacoes/artigospdf/Do%20Regime%20da%20Participa%C3%A7%C3%A3o%20Final%20de%20Aquestos.pdf - acesso em 31 de maio de 2011.
http://www.pegoraroadv.com.br/artigos/geral/O_regime_de_participacao_nos_aquestos.php - acesso em 23 de maio de 2011.