Refugiados, entre o humanitário e o econômico

Por Luiz Antônio Ribeiro | 01/06/2016 | Direito

Refugiados, entre o humanitário e o econômico

Luiz Antônio Ribeiro *

Resumo

A mais clara percepção que sobressai de qualquer reflexão ao se tratar o tema dos refugiados é predominantemente a humanitária. Nas legislações, convenções, tratados e outras fontes de direito internacional, também esse é o tom. No entanto, há outros fatores que são os que realmente orientam a conduta de países que concedem refúgio. Este artigo objetiva, longe de aprofundar, apenas instalar algumas interrogações quanto a um desses fatores, o econômico. Como há grande ausência de literatura sobre esse viés, a reflexão se dará pela análise de alguns artigos de dispositivos normalizadores do tema, contrapostos a  fatos atuais, notadamente ou subliminarmente revestidos da conotação econômica. Será demonstrado que pode haver muito mais de interesses econômicos motivando ações cujo discurso oficial as traveste de humanitárias. Serão lançadas apenas as dúvidas, com o fito de instigar a busca por respostas futuras.

 PALAVRAS CHAVE: Economia, Refugiados, Humanitário, Direito Internacional.

 

Abstract

               The clearest perception that stands out from any reflection when addressing the issue of refugees is predominantly humanitarian. The laws, conventions, treaties and other sources of international law, this is also the tone. However, there are other factors that are the ones that actually guide the conduct of countries that grant refuge. This article aims, far from deepening, just install some questions about one of these factors, the economic. As there is a great lack of literature on this bias , the reflection will the analysis of some articles of standard-setting devices theme, opposed to current events , especially coated or subliminally economic connotation. It will be shown that there may be much more than economic interests motivating actions whose official discourse the travesties humanitarian. They will only be released doubts, with the aim of instigating the search for future responses.

 KEYWORDS : Economy, Refugees, Humanitarian International Law.

1 RÁPIDA VISITA AO HISTÓRICO E CONCEITUAL DE REFUGIADOS

  

            Desde a antiguidade da raça humana passando pelos tempos do antigo testamento, do oriente ao ocidente os refugiados se fazem presentes. Não nas acepções conceituais atuais, que fique claro, mas apenas para exemplo recorde-se a fuga dos hebreus do Egito. }E ainda, consoante  Miguel Daladier Barros, “O drama dos refugiados se confunde com a própria História da Humanidade, mas, somente a partir do século XV, eles despontaram de forma sistemática”, citado por Gustavo Catunda Mendes  (MENDES, [201-?]).

            Face ao objeto deste trabalho é suficiente fazer o corte sobre a situação e o consequente arcabouço conceitual dos refugiados partindo do final da 2ª. Guerra Mundial. Os horrores daquele evento obrigaram milhões a deixarem seus países, notadamente na região europeia e entorno, buscando fugir da violência instaurada no continente. A título de exemplo, considerados apenas dois países, Alemanha e Áustria, entre 1933 e 1945 tiveram cerca de mais de 340.000 judeus de lá saindo em busca de refúgio, conforme artigo da Enciclopédia do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto nos Estados Unidos(ENCICLOPÉDIA DO HOLOCAUSTO, [20--?]). Há estimativas de que  os maiores deslocamentos humanos da modernidade, de cerca de 40 milhões de pessoas de toda a Europa, ocorreram durante a 2ª. Guerra Mundial, consoante Júlia Bertino Moreira citando dados da ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados de 2002 (MOREIRA, 2006).

            Para além dos números(que aqui não são o objetivo principal), consolida-se toda uma complexa teia psicológica, intelectual, espiritual e social condicionando os indivíduos que se encontrem como refugiados; sem mencionar as óbvias e na maior das vezes, degradantes alterações materiais de suas vidas(trabalho, moradia, saúde, alimentação...). A guisa disso, alguns elementos intrínsecos vivenciados pelas vítimas daquele momento(ainda a 2ª. grande guerra) nos são trazidos por Hannah Arendt, alemã de origem judia, que inclusive tornou-se apátrida entre 1937 e 1951 por ter sua nacionalidade sido tirada pelo regime nazista. Ela, no seu inscrito intitulado “Nós os Refugiados”, faz textualmente as seguintes narrativas:

[...] O sentido do termo “refugiado” mudou conosco. Agora, “refugiados” são aqueles de nós que chegaram à infelicidade de chegar a um novo país sem meios e tiveram que ser ajudados por comitês de refugiados. [...](ARENDT, 1943, p. 7)

[...] Somos os primeiros judeus não-religiosos perseguidos – e somos os primeiros que, não apenas in extremis, respondemos com o suicídio. Talvez os filósofos, que ensinam que o suicídio é garantia suprema e melhor da liberdade humana, estejam corretos: não estando livre para criar nossos vidas ou o mundo em que vivemos, no entanto estamos livres para jogar fora a vida e para deixar o mundo. [...](ARENDT, 1943, p.12)

           

[...] Quanto menos livres somos para decidir quem somos ou para viver como gostamos, mais tentamos levantar uma fachada, para esconder factos e representar papéis. Fomos expulsos da Alemanha porque éramos judeus. Mas tendo dificilmente passado a fronteira francesa, fomos mudados para boches. Disseram-nos mesmo que tínhamos que aceitar essa designação se fossemos realmente contra as teorias raciais de Hitler. Durante sete anos representamos o papel ridículo de tentar ser franceses – pelo menos, cidadãos prospectivos; mas no início da guerra fomos mesmo assim internados como boches. [...](ARENDT, 1943, p. 14)

            As citações acima não deixam dúvidas quanto à complexidade daquilo que é vivenciado pelos refugiados. No entanto, este trabalho alerta para o aspecto econômico, que nos discursos pouco aparece, mas que possui fundamental importância nos bastidores das decisões governamentais relativas aos deslocados.

 1.1 O CONCEITUAL CLÁSSICO

  

            Na Convenção de Genebra em 1951, no pós 2ª. grande guerra mundial as nações unidas atermaram no documento “Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados” em seu artigo 1º., 2  o que se fixou a partir de então, como sendo a  definição para o termo refugiado. Seria assim, a pessoa:

Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. (GENEBRA, 1951)

            Ocorre que, este documento não estendia seus parâmetros para o tempo posterior à data de 1º. de janeiro de 1951. Dessa forma as pessoas, nas mesmas condições, mas cujos fatos geradores da situação tivessem acontecido após essa data não seriam consideradas refugiadas. Por isso, em 1967 firmou-se no “Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados” a extensão do mesmo conceito já citado, para todos os fatos posteriores a 1º. de janeiro de 51, e consequentemente abarcando como refugiados, todas as pessoas por estes fatos vitimadas.

 2 O HUMANITÁRIO E O ECONÔMICO

  

            Para se tomar apenas uma fonte, mas que é aquela de indubitável referência na temática em apreciação, a Convenção de Genebra, vejam-se os “considerandos” ali expressos e que dão a exata noção do caráter humanitário da questão dos refugiados. Eles firmam:

[...]o princípio de que os seres humanos, sem distinção, devem gozar dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;

[...]a Organização das Nações Unidas tem repetidamente manifestado a sua profunda preocupação pelos refugiados e que ela tem se esforçado por assegurar a estes o exercício mais amplo possível dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;

[...]exprimindo o desejo de que todos os Estados, reconhecendo o caráter social e humanitário do problema dos refugiados, façam tudo o que esteja ao seu alcance para evitar que esse problema se torne causa de tensão entre os Estados;(GENEBRA, 1951)

  

            Tal é então a tônica adotada pelos países em suas regulações nacionais e o discurso preponderante em tudo que se faça ou diga relativamente a refugiados. Sem estender essa vertente discursiva, pois não visa a isso o presente trabalho, passa-se à visita da questão econômica relativa ao tema.

            Na atualidade vive-se a grave crise de refugiados da síria, que ocupa há meses as manchetes da imprensa de todo o mundo. Tentam a todo custo refugiar-se em diversos países europeus. Paralelamente, este continente como um todo é também local para onde inúmeras outras correntes migratórias de refugiados das mais diversificadas ordens se deslocam. Muito se fala portanto, das agruras vividas pelas vítimas desses acontecimentos. Porém veja-se há umas poucas reportagens de cunho econômico onde, com um olhar mais atento se pode perceber que elas significam bem mais nos bastidores da problemática em tela, do que se possa parecer à primeira vista.

Na Revista EXAME, reportagem em setembro 2015, referindo-se aos países do golfo pérsico:

[...]Esses países preferiram doar dinheiro ao invés de abrir suas fronteiras. O Kuwait é o quinto maior doador entre 2012 e 2015, mas nenhum deles aceitou sequer abrigar um refugiado em seu território.[...]  

[...] A Alemanha tem sido a líder e o laboratório na busca por soluções para a crise dos refugiados. A proposta alemã, para a União Europeia, foi a criação de um sistema de quotas distribuindo os imigrantes de acordo com uma fórmula que soma o tamanho do país (1/3 do peso) e sua capacidade econômica (2/3 do peso representado na forma de receita de impostos). Esse é o modelo vigente dentro da Alemanha e explica a origem da proposta. Dentro desse modelo, por exemplo, a população alemã com 16.1% do total europeu e gerando 20.6% do PIB do bloco, teria uma quota de 19.1% dos imigrantes. A Romênia com uma população de apenas 4.2% teria uma quota de 2.1% devido à sua capacidade financeira. [...](CUKIER, 2015)

Já no site Sputniknews, na edição regional Sputnik Brasil, em abril de 2016 se lê:

As autoridades norueguesas estão oferecendo um "bônus" de 10.000 coroas (cerca de US$ 1.220) para os refugiados requerentes de asilo que se disponham a deixar o país voluntariamente.

De acordo com o jornal britânico The Telegraph, para a Direção de Imigração da Noruega esta medida é menos onerosa do que manter os refugiados nos abrigos existentes para imigrantes no país escandinavo.[...](NORUEGA..., 2016)

No jornal on line Diário da Manhã, caderno cotidiano, publica-se em janeiro de 2016, reportagem que relaciona avaliação do FMI sobre impacto econômico da crise de refugiados na Europa, como se lê a seguir:

Refugiados podem ajudar economia europeia, diz FMI

WASHINGTON — Além da questão humanitária, o recebimento de refugiados pela Europa pode, no fim das contas, ser uma vantagem econômica para os países receptores. O estudo “Onda de refugiados na Europa – desafios econômicos”, publicado na manhã desta quarta-feira pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma, contudo, que os benefícios somente serão sentidos se os refugiados forem rapidamente integrados à sociedade e ao mercado de trabalho.[...]

[...]“Em 2020, o nível do PIB ficaria 0,25% maior na União Europeia como um todo, e o incremento pode ser de 0,5% a 1,1% nos três países que mais recebem refugiados (Áustria, Alemanha, Suécia)”, diz o documento.

Além do impacto na demanda de produtos e serviços, como habitação, a chegada dos imigrantes pode rejuvenescer a força de trabalho de diversos países e trazer novas criatividades para as nações europeias.[...](REFUGIADOS..., 2016)

            As reportagens falam por si, mas é interessante notar o quão periféricas são, se for considerado o quantum de noticias cujo caráter ressalta os aspectos humanísticos do fenômeno dos refugiados, numa simples busca mental, em nível de senso comum. Ora, no entanto, verifica-se pelos textos expostos que está pesando sobremaneira o aspecto econômico relativamente à questão.

            Não se trata aqui, da defesa de uma postura purista e ingênua que negue a realidade dos impactos financeiros e econômicos da aceitação de refugiados nas economias já combalidas da Europa e mesmo em outros continentes prósperos. Antes, se ressalta que por trás da perspectiva humanitária, muito mais que ela mesma de per si, pode-se estar caminhando a passos largos para preponderarem elementos de vantagens aos países recebedores de refugiados, sob o manto da solidariedade. E esta possibilidade solapa, desvirtua, obscurece a motivação última que deve reger as políticas e a postura dos Estados e organismos internacionais quanto aos refugiados.

Nesta constatação, não se quer por outrossim, nublar a realidade com um manto também ingênuo, de romantismo.  Antes se quer deixar claro e demarcar, como se depreende nas letras iniciais desse artigo e relembrando a multifacetada e complexa realidade dos refugiados trazida por Arendt, que relegar aquela complexidade a um segundo plano e sobrepor a ela parâmetros apenas ou preferencialmente econômicos significa negligenciar a essencialidade e natureza última do problema vivido pelos refugiados: - Que, ainda que necessitem de todo aparato econômico para se reerguerem, e que se o mesmo for à disposição deles colocado, mas exemplificativamente forem tratados como páreas no dado país que economicamente os acudiu, esse país não terá sido para eles, refúgio.

  

3 CONCLUSÃO

  

            Observa-se, através de um breve revisite histórico e conceitual da questão dos refugiados no mundo, que suas dimensões são multifacetadas e complexas; que a essencialidade das soluções buscadas por aqueles que os pretendem auxiliar deve levar em conta esta realidade sob pena de falsear o problema, de negligenciá-lo, apenas tangenciando-o com as prováveis alternativas assim levadas a cabo.

            Constata-se, por outro lado, que os discursos oficiais atinentes ao tema estão eivados de conteúdo humanitário, o que estaria indo ao encontro da consideração de sua complexidade, portanto sendo capaz de produzir soluções razoáveis, senão alvissareiras.

            No entanto, algumas outras constatações parecem sugerir que o que estaria realmente pautando as iniciativas últimas de vários países e até mesmo a opinião de um organismo internacional da estatura do FMI – Fundo Monetário Internacional, não seriam aquelas realidades na sua inteireza consideradas, mas antes a minimização dos impactos econômicos e financeiros dos países de acolhimento aos refugiados, bem como a possibilidade de, no médio e longo prazo estes países obterem sim, vantagens econômicas, tecnológicas e demográficas para si. Dessa maneira,  ao efetivarem ações de recepção e integração de refugiados estariam tendo como objetivos primeiros estas vantagens, e não aqueles elementos presentes em seus discursos humanitários, menos ainda os elementos realmente importantes para os refugiados.

            Mas como dito ao início, este artigo não objetiva fixar como definitiva essa reflexão. Antes se presta a lançar uma pergunta à busca de respostas. Afinal o que prepondera ou deve preponderar relativamente ao problema atual dos refugiados no mundo, o humanitário ou o econômico?

REFERÊNCIAS

  

MENDES, Gustavo Catunda. A tutela jurídica dos refugiados no direito brasileiro e internacional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 121, fev 2014. Disponível em <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14335&revista_caderno=16#_ftnref12>. Acesso em 26/05/2016.

“OS REFUGIADOS”. Holocaust Encyclopedia, United States Holocaust Memorial Museum. Disponível em <https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005139> Acesso em 26/05/2016.

MOREIRA, Júlia Bertino. A problemática dos refugiados no mundo: evolução do pós-guerra aos dias atuais. Anais da Abep Unicamp. São Paulo, 20--?. Disponível em <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_909.pdf>. Acesso em 26/05/2016

  

ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. Nova York: Menorah Association in The Menorah jornal, 1943. Disponível em <http://www.lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Aceso em 26/05/2016.

 GENEBRA, Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951. Anais Acnur.org, Nova York, 2016. Disponível em < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf?view=1>. Acesso em 26/05/2016.

  

NOVA YORK, Protocolo de 1967 relativo ao estatuto dos refugiados, de 31 de janeiro de 1967. Biblioteca virtual de direitos humanos da USP, São Paulo, 2016. Disponível em< http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Refugiados-Asilos-Nacionalidades-e-Ap%C3%A1tridas/protocolo-sobre-o-estatuto-dos-refugiados.html>. Acesso em 26/05/2016.

CUKIER, Heni Ozi,.O dilema dos refugiados na Europa. Revista Exame Online, 08 set. 2015. Disponível em <http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2015/09/08/o-dilema-dos-refugiados/>. Acesso em 26/05/2016.

  

NORUEGA oferece 'prêmio' para refugiados que deixarem o país. Sputniknews on line, 26 abr. 2016. Disponível em<http://br.sputniknews.com/mundo/20160426/4314497/noruega-premio-refugiados.html> Acesso em 26/05/2016

 

REFUGIADOS pode(sic) ajudar economia europeia, diz FMI. Diário da Manhã Online, 20 jan. 2016. Disponível em <http://www.dm.com.br/cotidiano/2016/01/refugiados-pode-ajudar-economia-europeia-diz-fmi.html> Acesso em 26/05/2016