REFLEXÕES SOBRE O FRACASSO ESCOLAR: SEUS ASPECTOS E SUA RELAÇÃO COM A EVASÃO ESCOLAR

Por Nathalia Bernardo Romão | 16/12/2019 | Educação

RESUMO

Esta pesquisa busca fazer um panorama acerca do fracasso escolar, assim como as explicações dadas e as ideologias presentes nestas explicações, e diante disso, entender qual o caminho que o aluno percorre até chegar à evasão escolar. O fracasso escolar caracteriza-se por vários fatores, e se constata que existe não apenas um único “culpado”, mas vários. Com o caráter de pesquisa histórico-bibliográfica, busca-se apresentar possíveis soluções para este desafio enfrentado pela educação formal visto que os índices de fracasso escolar continuam alarmantes entre as escolas públicas brasileiras. O trabalho oferece uma reflexão acerca dos métodos atuais utilizados para identificação dos alunos com baixo rendimento, considerando a opinião apresentada na pesquisa de campo. Assim, propõe discutir também o fracasso escolar e sua implicação na evasão escolar. 

Palavras- chave: Evasão; Fracasso escolar; Educação Básica

 

ABSTRACT


This research seeks to make a scenery about the school failure, as well as the explanations given and the ideologies present in these explanations, and in the face of this, to understand the path that the student goes through to school dropout. The school failure is characterized by several factors, and it is found that there is not only one "guilty" but several. With the character of historical-bibliographic research, it is sought to present possible solutions to this challenge faced by formal education since the rates of school failure remain alarming among Brazilian public schools. The research offers a reflection about the current methods used to identify the students with low income, considering the field research. Therefore, it proposes to also discuss school failure and the implication in school dropout.

Key words: Dropout; School Failure; Basic Education.

 

1 INTRODUÇÃO  

O fracasso escolar apresenta-se por uma problemática que é abordada, questionada e estudada durante anos. O tema mostra-se intrigante, justamente por se tratar da instituição escolar, âmbito de múltiplas culturas e histórias de vida.

Este trabalho tem caráter bibliográfico. O intuito é obter através da literatura, informações sobre os aspectos políticos e pedagógicos que contribuíram e contribuem diariamente para a formação do fracasso escolar, e como a falta de identidade que o aluno tem para com a escola, pode resultar em desmotivação, desinteresse e evasão escolar.

Temos como objetivo geral do estudo contribuir para o aprofundamento das discussões sobre o fracasso escolar no sentido de levantar possibilidades de enfrentamento e temos como objetivos específicos apontar as principais causas do fracasso escolar no contexto brasileiro, assim como compreender o caminho percorrido pelo aluno até a evasão escolar. E também mostrar como a avaliação pode influenciar no rendimento escolar e apresentar como a relação de afetividade entre o professor e seus alunos pode contribuir para a redução do fracasso escolar.

O fracasso escolar tem sido tema em artigos, discutido em jornais, dentro e fora das escolas.        No entanto, pouco tem sido apresentado maneiras de amenizar este problema educacional. O relacionamento afetivo entre educadores e alunos pode ser visto como uma saída, porém, as escolas preocupam-se apenas com conteúdo, métodos avaliativos somatórios e técnicas.

Um tema ainda preocupante e sujeito a várias análises e pesquisas por envolver processos amplos de real importância no papel da escola no desenvolvimento da aprendizagem. Sendo caracterizado por vários fatores, e que se constata que existe não apenas um único culpado, mas vários.

O fracasso e a evasão escolar vêm se expandindo dentro do âmbito educacional desde seu processo histórico e durante um período buscam-se através de pesquisas e análises identificar quais os meios e atitudes que profissionais e os envolvidos direta ou indiretamente podem utilizar para se ter um ambiente propício de aprendizagem significativa e com desempenho escolar esperado para aquele nível de ensino.

É de extrema importância buscar minimizar o fracasso nas instituições escolares, pois com isso o ensino se torna prazeroso e significativo para quem aprende e com qualidade para quem o transmite, deixando de se subordinar por meios avaliativos de caráter somatório e priorizando através das tentativas o aprendizado com o erro, sendo visto como uma forma de construção do aprendizado auxiliando o professor nas suas metodologias aplicadas.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP, 2007) mostram que 41% dos alunos que ingressam na 1ª série do Ensino Fundamental não conseguem terminar a 8ª série. Segundo a mesma pesquisa, 26% dos alunos que iniciam o Ensino Médio não o concluem e levam em torno de 10,2 anos e 3,7 anos respectivamente para o concluírem. Ao analisar o Ensino Fundamental e Médio, apenas 40% dos que ingressam no nível obrigatório concluem a 3ª série do Ensino Médio, precisando de aproximadamente 13,9 anos para isso. Esses dados evidenciam uma distorção série/idade que continua sendo um problema para a educação brasileira.

Ao longo de dois anos atuando como estagiária na rede municipal de ensino foi possível constatar que o fracasso escolar tem provocado diversos problemas na escola, gerados por indisciplina da turma, desmotivação dos alunos, a falta de identificação deles com o currículo apresentado e a falta de comprometimento dos docentes para uma educação de qualidade, talvez por uma deficiência metodológica. Esses mesmos fatores podem de uma maneira negativa causar na vida escolar do aluno o fracasso escolar.

Foram feitas leituras que permitissem o embasamento adequado para o conhecimento do conteúdo a ser trabalhado, através de uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se de vários livros e artigos. Esta pesquisa se mostra importante no sentido de contribuir como fonte de conhecimento sobre práticas que auxiliam no processo de ensino-aprendizagem.

São questões norteadoras do estudo se o professor e o orientador são capazes de conseguir, através de uma boa relação com seus alunos diminuir o índice de fracasso escolar, assim como identificar as causas e as condições que implicam a manifestação do fracasso escolar percebendo seu contexto histórico na educação brasileira e sendo um problema que percorre décadas. É também questionado se é possível conceber um âmbito escolar onde os alunos se identifiquem e sintam o prazer em aprender os conceitos exigidos no currículo.

A monografia está assim organizada: no capítulo um abordaremos um breve panorama do fracasso escolar no Brasil e sua relação com a evasão do aluno. No segundo capítulo apresentamos as causas do fracasso escolar e no terceiro capítulo analisamos as informações coletadas na pesquisa de campo e as contribuições que os profissionais da educação e a família podem ter para a redução da evasão escolar.

 

2 FRACASSO ESCOLAR: CONCEITOS E CONCEPÇÕES

2.1 UM BREVE PANORAMA DO FRACASSO ESCOLAR NO BRASIL

Collares (1989) afirma que o fracasso escolar é um problema social e é politicamente produzido. Segundo a autora, é preciso desmitificar as famosas causas externas do fracasso escolar. A escola surge com o objetivo de promover melhoria nas condições de vida da sociedade moderna, porém acaba por produzir a marginalização e o fracasso de milhões de jovens. E do ponto de vista social, podemos dizer que, ainda que muito se tenha estudado e discutido os problemas da educação brasileira, o fracasso escolar ainda se impõe de forma alarmante e inflexível.

Nesse contexto, Bossa cita que:

 

No Brasil, a escola tona-se cada vez mais o palco de fracassos e de formação precária, impedindo os jovens de se apossarem da herança cultural, dos conhecimentos acumulados pela humanidade e, consequentemente, de compreenderem melhor o mundo que os rodeia. A escola, que deveria formar jovens capazes de analisar criticamente a realidade, a fim de perceber como agir no sentido de transformá-la e, ao mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças sociais que sempre fizeram parte da história do povo brasileiro. É curioso observar o modo como os educadores, sentindo-se oprimidos pelo sistema, acabam por reproduzir essa opressão na relação com os alunos. (BOSSA, 2008)

 

Parafraseando, vivemos num país no qual a distribuição do conhecimento como fonte de poder social é feita privilegiando alguns e discriminando outros. Faz-se necessário buscar soluções para que a escola seja ativa no sentido de promover o conhecimento e, assim, vencer problemas enraizados do nosso sistema educacional. Para isso, é necessária a produção de mais conhecimento acerca desse assunto que nos permitam compreender este fenômeno que nos desafia e nos preocupa. Patto (1996) também tem essa visão da problemática social que envolve o fracasso escolar e diz que “é nas tramas do fazer e do viver o pedagógico cotidianamente nas escolas, que se pode perceber as reais razões do fracasso escolar das crianças advindas de meios socioculturais mais pobres”.

Ao analisarmos o fracasso escolar, contextualizando-o historicamente, é possível observar que sua causa tem sido atribuída apenas aos fatores internos – psicológicos – da criança, colocando em segundo plano os fatores externos, como a escola e a família.

Diante dos altos índices de evasão e de repetência que ainda alcança a escola pública, entende-se a necessidade de se empregar maiores esforços e recursos para possibilitar o enfrentamento dessa situação. Entretanto, o enfrentamento do fracasso escolar e dos problemas educacionais, não se dará “do dia para a noite”. Este fenômeno caracteriza-se também, na aprovação, porém, com baixo índice de aprendizagem. É preciso que os envolvidos no processo pedagógico reflitam sobre os elementos históricos que ajudam a compreender esse fenômeno e as relações existentes economicamente, politicamente e socialmente.

Resenthal e Jacobson (1968) fizeram um experimento no qual induziram os professores a acreditarem que seus alunos tinham boas condições financeiras e, portanto, deveriam progredir nos estudos naquele ano. Este estudo mostrou o progresso destes e concluiu-se que com a crença de uma possibilidade de desempenho os professores se sentiram estimulados a interagirem mais com os alunos. Os autores ressaltam a diferença no tom de voz, na postura, e na expressão facial, de maneira involuntariamente, mas que possibilitou o professor comunicar‐se com os alunos auxiliando‐os na construção ou reconstrução da concepção de si. A pesquisa mostrou que, por vezes, o mau desempenho do aluno está presente na falta de expectativa dos próprios professores, ou melhor, na “não espera” por parte do professor de um sucesso escolar.

Nesta linha de raciocínio, Nakayama diz que as expectativas negativas, em parte, construídas no ambiente escolar, tendem a se confirmar, reforçando uma escassa autoestima e estabelecendo um círculo difícil de romper. O aluno com experiência repetida de fracasso acabará considerando esse fato responsabilidade sua, podendo chegar a atribuir seus eventuais êxitos a fatores que não controla.

 

2.2 EVASÃO E REPETÊNCIA: FRACASSO ESCOLAR

A evasão escolar é um assunto pouco abordado na escola e é vista como algo normal do cotidiano, principalmente para alguns pais que abandonaram a escola cedo, como os meus. Infelizmente faz parte da realidade de muitas famílias brasileiras a necessidade dos adolescentes, e até as crianças de abandonar a escola para trabalhar e ajudar no sustento da casa. Por outro lado, também é possível presenciar casos de jovens que abandonam a escola por falta de interesse, porque não gostam de estudar ou até devido à quantidade de regras neste ambiente. Coloca-se a culpa da evasão destes jovens nos professores e na escola, não sabendo eles que a comunidade que ele se encontra também possui responsabilidades e deveres a serem cumpridos, pois sabe-se que a escola sozinha não consegue realizar sua função plenamente.

A evasão escolar é um problema enfrentado em todas as escolas que afetará o futuro desse jovem que será excluído do mercado de trabalho. O caminho percorrido por quem opta por evadir a escola se dá de forma cumulativa. Por exemplo, há crianças que não têm o incentivo da família, ou os pais não são presentes em sua vida acadêmica, muitas crianças frequentam a escola apenas para realizar as refeições diárias ou para manter o dinheiro do benefício bolsa família. O fracasso escolar é algo que esse jovem enfrenta por não acompanhar a média exigida, e que muitas vezes passa despercebido pelo professor que não identifica essas dificuldades do aluno, que consequentemente resultará na reprovação e possivelmente a repetência. Esse aluno que já está cansado de estudar, de não ter suas dúvidas sanadas, de não se sentir representado naquele meio, de suas atividades não corresponderem com a sua realidade e da consecutiva repetência, acaba por desistir do aprendizado e escolhe evadir a escola.

Como podemos ver na citação de Collares e Moyses(1996):

A explicação para o fracasso escolar recai sobre o aluno e os seus pais: Crianças não aprendem porque são pobres, porque são negras, porque são nordestinas, ou provenientes de zona rural; são imaturas, são preguiçosas; não aprendem porque seus pais são analfabetos, são alcoólatras, as mães trabalham fora, não ensinam aos filhos... Pelo discurso dos professores e diretores, a sensação é de que estamos diante de um sistema educacional perfeito, desde que as crianças vivam uma vida artificial, sem nenhum tipo de problemas, enfim, crianças que provavelmente não precisariam da escola para aprender. Para a criança concreta, que vive neste mundo real, os professores parecem considerar muito difícil, se não impossível, ensinar (COLLARES & MOYSÉS, 1996, p. 26).

 

Segundo Collares e Moyses, há um pré-conceito da própria equipe pedagógica da escola em relação às crianças advindas de classes populares comparando o rendimento escolar deles com os alunos de situação financeira superior. Quando esse aluno acaba por reprovar uma vez ele é rotulado de incapaz por alguns professores e pela sociedade. É mais pertinente para estes profissionais colocarem a culpa do fracasso dessas crianças nos pais ao invés dos profissionais incapacitados presente na instituição.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,4% dos jovens de 11 a 14 anos estão em séries atrasadas em relação a suas idades. Na faixa de 15 a 17 anos, um terço dos adolescentes ainda está no ensino fundamental ou já abandonou a escola. A comunidade escolar e a família tem sua participação no sucesso da vida escolar do aluno. A escola é capaz de trazer a sabedoria e aprendizagem buscando sempre trazer a realidade desse aluno pra sala de aula, a família de orientar, educar e dar suporte à escola, o aluno de sempre buscar por sabedoria e compreensão.

 

3 DETERMINANTES DO FRACASSO ESCOLAR

O assunto fracasso escolar é comumente discutido no meio acadêmico, onde busca-se arduamente encontrar o principais responsáveis  por este fenômeno, ao invés de encontrar meios de amenizar este problema. Alguns apontam a criança como culpada de seu próprio fracasso, outros encontram motivos para culpar a família do aluno e tem o último caso que aponta as disfunções do sistema educacional brasileiro como responsável pelo atual caos educacional.

O nosso objetivo é nos aprofundar sobre cada possível responsável e assim sermos capazes de identificar quem realmente é o causador do fenômeno do fracasso escolar e formular as estratégias adequadas que contribuam para sua redução.

Arroyo (2004 p.364) nos ensina que:                                                                                                                                                                                          

Não atentos às trajetórias humanas, sociais de cada educando e de cada coletivo podemos deixar de reconhecer e estar atentos à diversidade de contextos de aprendizagem, estar racial, social, porém não interpretaremos essa diversidade como alunos-problema, como lentos, burrinhos, ignorantes, menos-capazes de aprendizagem e de formação. Planejaremos com profissionalismo políticas e estratégias afirmativas que dêem conta dessas diversidades de contextos de aprendizagem, de socialização de trajetórias humanas. Que dêem conta do trato perverso dado por séculos a determinados coletivos sociais. (ARROYO, 2004 p.364)

 

Neste contexto, a diversidade que nossos alunos são submetidos em seu dia a dia se torna um desafio para nós como profissionais educadores. Classificar ou hierarquizar os alunos faz parte da nossa cultura, prática docente e social. E infelizmente isto está enraizado na cultura educacional brasileira. O desafio é este. Os primeiros passos para educar justamente ricos e pobres é nos libertar das amarras de automaticamente classificar o aluno pobre como menos capaz de alcançar o sucesso escolar. Afinal, o que se denomina sucesso e o que vem a ser fracasso? Precisamos repensar estes termos primeiramente porque demonstra que o aluno fracassado não obteve nenhum progresso durante todos os seus anos de estudo tanto no âmbito do conhecimento como no desenvolvimento social e pessoal.

Seguindo esta lógica, podemos caracterizar uma escola com alto índice de alunos evadidos como uma escola fracassada? Este é o ponto. Isso proporciona uma imagem negativa do aluno, acarretando uma série de problemas como sua autoestima afetada e sua perda de confiança para melhorar no futuro. Os estudantes somente aprenderão melhor quando os professores e as escolas também o fizerem.

Arroyo enfatiza resumidamente a fala do parágrafo anterior na seguinte citação:

Assim torna-se comum o surgimento em todas as instituições educativas de “crianças problemas”, ”crianças fracassadas” disléxicas, hiperativas, agressivas, etc. Esses problemas tornam-se parte da identidade da criança. Desta forma ao passar pelo portão da escola, a criança assume o papel que lhe foi atribuído e tende a correspondê-lo. Porém ao conceder este rótulo à criança, não se observa em quais circunstâncias ela apresenta tais dificuldades, (ela está assim e não é assim). “Não sou eu que classifico os alunos, eles são diferentes, chegam às escolas diferentes”. (ARROYO, 2004, p.352).

 

Vale lembrar que a educação também fracassa quando um aluno consegue terminar o ensino médio e mesmo tendo permanência na escola não alcançaram os conhecimentos e as habilidades necessárias para desempenhar-se de uma forma satisfatória na vida social, profissional ou prosseguir seus estudos.

 

3.1 FATORES FAMILIARES

Começamos esse subcapítulo com o seguinte pensamento: por melhor que seja a escola, por melhor preparados que sejam os professores, a escola nunca suprirá a ausência da família. A preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser são responsabilidade da família. A família se encontra no cenário escolar como primordial para o êxito dos educandos.

Sobre a evasão e repetência na escola, Fitzpatrick e Yoles (2002) salientam que a alicerce familiar possui uma condição impactante quando se trata da permanência do discente na escola, sendo a influência da família essencial e capaz de evitar ou acentuar a evasão e a repetência. Dentre os aspectos que reforçam tais argumentos estão a falta do hábito de estudo entre os membros, os comportamentos familiares, a irregularidade de frequência às aulas por parte do aluno e os problemas de vivência entre os familiares.

Ainda sobre o papel da família na formação escolar do discente, Marques cita que:

 

Como os pais têm um importante papel instrucional, pois são os agentes primários do desenvolvimento infantil, a importância e a influência da família como agente educativo é inquestionável. O estabelecimento de um vínculo afetivo saudável entre os pais e seus filhos pode desencadear o desenvolvimento de padrões interacionais positivos e de repertórios salutares para enfrentar as situações cotidianas, o que permite um ajustamento do indivíduo aos diferentes ambientes em que ele participa, incluindo a própria escola (MARQUES, 2001, p.88).

 

Pais e filhos que vivem num ambiente conturbado, com brigas frequentes e grande desestabilidade emocional tendem a agir de forma reclusa quando em meio social. Dessa forma, fica claro que a vida familiar é provedora de parte considerável do comportamento do jovem dentro da escola e na sociedade. Neste contexto, Patto diz que:

O ambiente familiar geralmente é descrito como pobre ou precário em termos das condições que oferece ao desenvolvimento psicológico da criança; barulhento, desorganizado, superpopuloso e austero são termos frequentes usados para qualificá-lo. Além disso, é constante a referência à falta de artefatos culturais e de estímulos perceptivos que favoreçam o desenvolvimento da prontidão para a aprendizagem escolar, destacando-se a pobreza e a desorganização dos estímulos sensoriais presentes. Outro capítulo importante deste mesmo tema – o ambiente familiar – tem sido a inadequação dos pais enquanto modelos adultos e enquanto provedores das necessidades cognitivas dos filhos. (PATTO, 1997, p. 260).

 

Nessa leitura, o adulto responsável pela criança é considerado nocivo,  mais agressivo, relapso, desinteressado pelos filhos, inconstante e imoral, ou seja, psicologicamente não saudável, localizando-se nesse ambiente familiar precário a causa do fracasso escolar. Supõe, por exemplo, que uma das causas responsáveis pelas dificuldades que a criança tem de estabelecer relacionamentos no ambiente escolar é a falta de um convívio contínuo com a figura materna na primeira infância. Haveria, nesse sentido, uma pobreza de estimulação na relação mãe-criança. Toda essa inadequação é traduzida em termos escolares como aprendizagem lenta e pobre, apatia e desinteresse em sala de aula, dificuldades de abstração e de verbalização, desajustamento diante das regras e exigências disciplinares da escola.

Parolin (2008) diz que os familiares devem ter uma participação ativa na educação de seus filhos, envolvendo-se nas decisões. É preciso que cada instituição, conjuntamente com os pais, encontre formas próprias de relacionamento que façam parte da realidade da família, alunos e equipe pedagógica, com a finalidade de transformar o espaço físico e psicológico em intervenção de envolvimento para o bem da aprendizagem do aluno. 

No momento em que a participação dos pais no meio escolar se intensifica, como parte da vida do aluno, a família se torna aliada da escola.  Quando a equipe pedagógica sente os efeitos da parceria que se forma entre família e escola, estratégias são desenvolvidas, levando os pais a uma missão, a qual eles, em grande parte desconheciam e passam a ter uma maior interação com a instituição educacional e com o potencial que ela possui na melhor formação dos alunos (MARQUES, 2001).

A parceria entre família e escola deveria partir dos professores, com ações que visem aproximar os pais da instituição, não apenas através de reuniões de pais e mestres. Faz-se necessário conscientizá-los da importância do seu envolvimento na vida escolar de seus filhos, tornando-os responsáveis na sua missão de educador da formação básica dessas crianças e jovens no meio social. Através dessa relação espera-se que os educadores possam tornar-se pessoas mais humanas, capazes de construir laços de afeto, considerando a família como base. No entanto, percebe-se que a família está transferindo sua função social, em termos de formação dos filhos, para a escola. Com isso a própria escola chega a perder o seu foco e a família a sua função. A família deve então perceber a influência que possui no processo ensino aprendizagem, para que ambas possam se planejar, assumindo dessa forma o compromisso para com a educação de seus filhos e educandos.

 

3.2 FATORES INDIVIDUAIS

Chauí (1980) fala que a ideologia tem como função camuflar a realidade ocultando as contradições do real. Ou seja, muita das vezes o fracasso escolar é atribuído somente à criança, como sendo ela unicamente a responsável por isso.

A expectativa do professor de que a criança preste atenção à aula inteira produz o conceito de criança distraída. Se a criança distrair por um momento o fracasso escolar como um problema psíquico culpabiliza a criança como a responsável do mesmo, pois o fracasso escolar é visto como resultado de prejuízo da capacidade intelectual do aluno, decorrente muita das vezes de problemas emocionais gerados em ambientes familiares que veremos nos próximos subcapítulos. Para essa categoria a escola é vista como um lugar harmônico onde a criança encontra as condições necessárias para o seu desenvolvimento acadêmico. Sabemos que esta não é a realidade.

Muitas vezes o fracasso se repete e o aluno novamente não passa de ano até ficar muito velho e evadir a escola. O que se ouve dos pais é “esse menino tem miolo mole”, “esse aluno não tem jeito para estudar” quantas vezes já se ouviram essas frases familiares, ditas por até mesmo aqueles que deveriam ensinar. Não há apenas um culpado que leve o educando ao fracasso escolar.

A seguir apresentamos as conclusões de um estudo da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), feito em parceria com o Inep (Instituto de Pesquisa ligado ao Ministério da Educação) chamado
"Repensando a Escola: Um Estudo Sobre os Desafios de Aprender, Ler e Escrever"[1] é fruto de entrevistas realizadas em 2005 com cerca de 20 mil alunos da 4ª série, pais e professores de dez Estados do país, inclusive São Paulo.
O trabalho aponta que o professor culpa a "falta de vontade" do aluno e a participação insuficiente de seus pais no processo de aprendizado pelo mau desempenho. Um dado revelador disso é que 76,7% dos docentes dizem acreditar que os alunos não fazem lição por preguiça.
A pesquisa aponta ainda que a instituição não é a que mais ajuda o aluno. Embora 82,3% digam que, quando têm problemas, a professora os auxilia, 47,8% respondam que é em casa que encontram mais ajuda.

Este estudo apenas reforça a culpa que o aluno carrega em relação ao fracasso escolar, ignorando o fato de que estas estudam em escolas que não oferecem o suporte educacional necessário para o desenvolvimento adequado do aluno, e tenta-se encontrar nestas crianças uma causa orgânica, inerente a elas, que justifique seu mau rendimento.

 

3.3 FATORES DO CONTEXTO SOCIAL E ECONÔMICO

A alta porcentagem de fracasso escolar tem sua origem direta nas carências econômicas, sociais e culturais. Os indicadores sociais revelam uma realidade perversa que milhões de brasileiros de 0 a 14 anos na extrema pobreza – o equivalente a quase reflete a desigualdade social no Brasil: 12,5% da população brasileira de 0 a 14 anos vivem na extrema pobreza e 43,4% na pobreza, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[2]. Em números absolutos, são 5,2 milhões de brasileiros de 0 a 14 anos na extrema pobreza – o equivalente a quase toda a população da Dinamarca – e 18,2 milhões na pobreza – pouco mais do que o número de habitantes do Chile. Isso fica exemplificado na seguinte imagem:

 

Fonte: IBGE – Síntese de Indicadores Sociais de 2018[3]

 

A seguir apresentamos um gráfico comparativo de famílias chefiadas por homens brancos, com pelo menos escolaridade média completa, alta renda, residentes na área urbana representada por barras na cor azul escuro e famílias chefiadas por mulheres negras, analfabetas, pobres, residentes na área rural representada por barras azul claro e mais finas.

 

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, (IBGE).[4]

Este gráfico é de fácil análise e também chocante. Ao observá-lo, vemos a desigualdade do nosso país em números. É evidente a influência social no acesso a educação. Estes dados demonstram que os alunos que vivem em piores condições sociais têm mais probabilidades de estar situados em grupos de alunos com baixa probabilidade de frequentar a escola. Portanto, a alta porcentagem de fracasso escolar nestas regiões tem sua origem direta nas carências econômicas, sociais e culturais. Nesse caso vê-se claramente a impotência da escola para tornar iguais aqueles na qual a realidade social e econômica tornou distinto. Porém nem sempre a pobreza significa menor desenvolvimento escolar. Há um background nestas famílias de apoio e a dedicação dos profissionais da escola para manter e incentivar a permanência deste aluno no ambiente escolar.

A oposição que se estabelece entre o sistema privado e o sistema público de educação está diretamente relacionada às diferenças de rendimento escolar decorrentes das diferenças econômicas. Neste contexto os dados trazidos por Batista (2005, p. 47) salienta que segundo o SAEB, somente no 3º ano de ensino médio um aluno de escola pública atinge os mesmos níveis de rendimento de alunos da 8ª série do ensino fundamental privado. Isso pode ser explicado pela diferença da experiência escolar vivida por estes dois grupos, visto que estes grupos constroem modo de relação diferenciada com a instituição escolar.

Damiani (1999) observou que o risco de fracasso escolar entre filhos de famílias com renda mensal inferior a um salário mínimo era 2,9 vezes maior em relação àqueles com renda superior. O nível de escolaridade dos pais tem sido associado ao desempenho escolar dos filhos. “O risco de ocorrer fracasso escolar foi 2,3 vezes maior entre crianças com mães analfabetas ou com até dois anos de escolaridade”. (DAMIANI, 1999 p.21). Em outro estudo, Carvalho (2004) constatou que a renda familiar parece estar associada a reforço escolar, oportunizando o fracasso escolar. No mesmo artigo, é relatado que alunos cuja renda familiar atingia até cinco salários mínimos compunham 36% do grupo de alunos indicados para reforço, apesar das crianças de diferentes faixas de renda estudarem sob as mesmas boas condições.

Portanto, podemos agrupar esta experiência no quadro das desigualdades sociais. A Escola encontra-se como ponto de encontro entre alunos que nela se insere e a sociedade em torno dela. É triste termos que aceitar que a desigualdade social está presente até na escola, mas isso pode ser explicado pelas limitações salariais dos profissionais de educação que desmotiva e desvaloriza seu trabalho, as políticas de formação continuada, assim como a precariedade da formação inicial dos professores e o baixo investimento em escolas e equipamentos. Apesar destas medidas explicarem a presença das desigualdades na escola, não as justificam.

A Escola é um dos instrumentos da sociedade para promover a socialização além de ser uma essencial fonte de informação, desenvolve uma tarefa pedagógica com a preocupação de construir uma sociedade menos injusta e excludente.

O resultado do sistema educacional brasileiro está muito abaixo das expectativas e a Escola deve se concentrar em estratégias para enfrentar o desafio de diminuir a desigualdade. Uma das ações seria investir mais no atendimento extraclasse com alunos com menor renda e que apresentam dificuldade em sala de aula, como no horário de educação integral permitindo ao aluno mais uma refeição ao longo do dia e estimulando de forma diferenciada e possuindo um atendimento num grupo menor.

 

3.4 FATORES PEDAGÓGICOS E ESCOLARES

Dentre estes fatores são salientados o sistema educacional num todo: o currículo, os programas sem manutenção, o trabalho desenvolvido pelos professores e sua formação, e as avaliações de desempenho dos alunos.

É de conhecimento geral que grande parte das escolas públicas no Brasil encontram-se em situação precária, consequência de um sistema educacional falho, que por vezes cria projetos com o objetivo de superar as falhas, porém são ineficazes. Quando a escola não oferece condições adequadas de trabalho fica difícil exigir bons resultados dos profissionais que nela trabalham, visto algumas exceções onde este desafio é visto como incentivo por alguns profissionais que dedicam seu tempo e dinheiro investindo em atividades prazerosas para seus alunos. Apesar de tudo:

[...] A questão da qualidade do ensino é, pois, uma questão institucional. São as escolas que precisam ser melhoradas. Sem este esforço institucional, o aperfeiçoamento isolado docente não garante que essa eventual melhoria do professor encontre na prática as condições propícias para uma melhoria do ensino. (AZANHA, 1990, p. 52).

 A organização escolar pode contribuir de diferentes formas para o fracasso dos alunos. Em alguns casos, é o modelo de gestão do diretor, expectativas baixas dos professores e dos alunos em relação à escola e o clima organizacional. O clima organizacional afeta a todos, logo, quando os professores se veem oprimidos e desmotivados, sua frustração é refletida na relação com os alunos. Todos esses são sintomas de uma escola propícia a gerar abandono e desinteresse por parte dos alunos e profissionais da educação, respectivamente.

Existem algumas teorias que colocam a escola como causa do fracasso escolar. Para Costa (2003), a realidade mostra um cenário totalmente diferente onde a escola, principal instrumento para a veiculação de conhecimento, não permite que crianças pobres se apropriem deste conhecimento, já que não criam as condições mínimas necessárias para que isto ocorra.

A precariedade das condições estruturais e de trabalho em escolas públicas contribuem diretamente para o fracasso escolar, pois desta forma a escola não consegue cumprir seu papel devidamente. Sabemos que a escola possui o importante papel de levar a cultura e inserir na sociedade aquele aluno que não tem acesso a tal informação, tão quanto àquele aluno que pensa que não faz parte daquela sociedade simplesmente pelo fato de não se identificar com a mesma. É um espaço onde o conhecimento é expandido e compartilhado, com a missão de criar alunos reflexivos capazes de ter uma visão crítica da sociedade na qual está inserida. Este é o ambiente em que os alunos aprendem a formar opiniões e como expressá-las. A escola é um dos ambientes formadores de cidadãos. Uma escola incapaz de fazer o que foi citado contribui para a produção do fracasso escolar. Neste contexto, Perrenoud cita que:

Os aborrecimentos começam quando pressentimos ou sabemos que o fracasso escolar não é uma fatalidade, que o fracasso escolar é o fracasso da escola, que as crianças não estão naturalmente destinadas a serem bons ou maus alunos, mas que assim os tornam devido a um funcionamento particular do sistema escolar. (…) Ao tratar todas as crianças como iguais, em direitos e deveres, a escola transforma diversas diferenças e desigualdades em fracassos e sucessos escolares. (Perrenoud, 2001, p.18.)

 

Compreende-se que o insucesso do estudante deve ser entendido como o fracasso da escola em lidar com as individualidades de seus alunos e as diversas formas de aprendizagem. Visto isso, cabe à escola ter a capacidade de saber lidar com as várias facetas e com os vários ritmos da aprendizagem. Reconhecer que o aluno não é um sujeito passivo, que suas capacidades vão além de um mero reprodutor do conhecimento que lhe é imposto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) lei 8.069 de de 13 de Julho de 1990, artigo 56, Subseção IV define que tanto faltas escolares constantes quanto a evasão escolar ferem o direito da criança e do adolescente, sendo o Estado, através da escola, responsável por garantir a permanência dos alunos utilizando os recursos dos que esta disponha, e\ou, tais recursos esgotados deve-se recorrer ao Conselho Tutelar Municipal. O artigo 57 cita que “o poder público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório”. Porém, na prática, observa-se que as escolas, majoritariamente, ainda trabalham com metodologias afastadas da realidade de seus alunos utilizando o livro didático como único instrumento para formação.

Para concluir este subcapítulo, acreditamos que a melhoria da qualidade do ensino poderia ser impulsionada por pesquisas que informassem a elaboração de políticas educacionais mais abrangentes, cujas medidas possibilitassem o encaminhamento de ações realmente capazes de envolver os diversos aspectos citados anteriormente: condições concretas de trabalho nas escolas, relações interpessoais entre os vários agentes escolares, cultura escolar e docente, melhoria na gestão do sistema escolar e na formação do educador.

 

4 A EVASÃO ESCOLAR: SUAS DIVERSAS FACES E IMPLICAÇÕES

Da educação básica à educação superior, em todas as modalidades de ensino, a evasão está presente. Neste sentido, Dore (2011) considera que a evasão pode se referir à retenção e repetência do aluno na escola; à saída do aluno da instituição, do sistema de ensino, da escola e posterior retorno; ou à não conclusão de um determinado nível de ensino. Portanto, para a pesquisadora a evasão ou abandono escolar é um processo que tem natureza multiforme.

A escolha de abandonar ou permanecer na escola é fortemente condicionada por características individuais, por fatores sociais e familiares, por características do sistema escolar e pelo grau de atração que outras modalidades de socialização, fora do ambiente escolar, exercem sobre o estudante (DORE, 2013, p. 5)

Ao revisar a literatura, podemos determinar duas principais causas da evasão: uma que reflete no contexto social, ou seja, fatores externos como principal causa dessa conjuntura como citado anteriormente neste trabalho; e a deficiência metodológica dos professores, advindo de uma falha na formação inicial e\ou formação continuada destes profissionais.

O estudo de Brandão (1983) analisa que a saída do aluno da escola não é um ato voluntário, e sim uma imposição sofrida pelo estudante, em razão de condições adversas e hostis do meio estudantil. Já Arroyo (1993), entende a evasão escolar como sendo a exclusão da participação de cidadãos da sociedade. A evasão pode ser justificada pelas condições sociais enfrentadas pelo aluno no decorrer de sua vida estudantil, como estabelece o autor.

A partir da leitura deste trabalho, observamos que temos uma lista de indicadores para identificar e evitar a evasão escolar, os quais sintetizamos aqui a partir das leituras compreendidas ao longo deste estudo:

  • Condição e fatores socioeconômicos;
  • Desinteresse;
  • Dificuldade de acesso às instituições;
  • Dificuldades de relacionamento do estudante (com professores, diretores e colegas de sala);
  • Distância entre o currículo teórico e o conhecimento prático requerido na vida real;
  • Enfraquecimento dos vínculos com a escola;
  • Exigência dos professores;
  • Fatores escolares (currículo, horários e didática);
  • Inserção do estudante no mercado de trabalho, em particular a necessidade de trabalhar;
  • Modelo de ensino escolar e seu método de avaliação de desempenho;
  • Perfil do corpo docente;
  • Problemas de aprendizagem ou dificuldades nas disciplinas;
  • Repetência ou desempenho acadêmico insuficiente;
  • Distância entre a unidade de ensino e a residência;
  • Dificuldade de adaptação do estudante à metodologia do educador.

 

Podemos observar que uma vez identificados estes indicadores, a gestão escolar deve pensar em formas de superar esse desafio juntamente com o corpo docente e a família dos discentes buscando contribuir para a redução do abandono escolar.

 4.1 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO

   A metodologia desenvolvida para a realização deste estudo baseia-se numa roda de conversa mediada com indivíduos que por necessidade ou por opção evadiram a escola. Buscamos com essa conversa mediada entender o caminho percorrido pelo aluno até a evasão identificando em que momento a escola falhou.

O desenvolvimento do estudo ocorreu em duas etapas. Tendo como primeira a coleta de dados por meio da aplicação de um questionário, que continha 10 questões, para entender a relação de cada indivíduo com a escola. O grupo se caracterizou por 19 adultos entre 20 e 56 anos, sendo quinze do sexo feminino e quatro do sexo masculino. Na segunda etapa da pesquisa foi realizada uma roda de conversa para os participantes pudessem compartilhar suas experiências no ambiente escolar.

Durante a conversa foi questionado o motivo de terem abandonado os estudos e cinco participantes do sexo feminino responderam que foram motivadas pela necessidade de cuidar de seus filhos. Neste ponto, podemos identificar a ineficácia do ECA (LEI Nº 8.069, 1990) Art. 54, IV, que diz que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, entre outras "atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade". Dentre as respostas dos demais participantes, também foram citados os seguintes motivos: necessidade de acompanhar os pais no trabalho, distância entre a escola e a residência do ex-aluno, necessidade de trabalhar para ajudar a família, falta de interesse e dificuldades financeiras.

Durante a roda de conversa os participantes citaram que conhecem muitas pessoas que tiveram como motivadores da evasão escolar a necessidade de trabalhar, ainda em idade escolar, constatando que muitos estudantes deixam a escola para dar subsistência as suas famílias. E sobre essa temática, Meksenas (1988), aponta que a evasão destes alunos se dá em virtude de serem "obrigados a trabalhar para sustento próprio e da família, exaustos da maratona diária e desmotivados pela baixa qualidade do ensino, muitos adolescentes desistem dos estudos sem completar o curso secundário".

Conversamos sobre as crianças e adolescente que são prejudicados pelo distancia ou dificuldades de percurso de casa até a escola. Esses alunos possuem interesse, porém com essas dificuldades decidem se afastar da escola. Ressaltamos que conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI Nº 8.069, 1990), Artigo 53, "o adolescente e a criança têm direito ao acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência".

Buscando resolver essa questão, o Governo Federal criou o programa "Caminho da Escola" em 2007, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Seu objetivo é renovar a frota de veículos escolares, garantir segurança e qualidade ao transporte dos estudantes e contribuir para a redução da evasão escolar. Com base nos resultados apresentados na pesquisa desenvolvida em parceria com a Universidade Federal de Goiás, em relação especificamente ao Programa Caminho da Escola, observa-se no período de 2007 a 2014, uma redução de 0,28% de evasão de estudantes. Considerando alguns outros fatores o impacto passa a ser de 0,49%, ou seja, no Brasil a cada 1 mil alunos, aproximadamente 5 deixaram de evadir das escolas graças à suficiência de veículos escolares, em especial os ônibus escolares do Programa Caminho da Escola. Contudo, este programa não abrange todas as cidades que apresentam condições precárias de locomoção apresentando necessidade de atualização de seu mapa de cobertura.

Uma das questões contida no questionário distribuído antes da roda de conversa perguntava se havia pretensão de voltar a estudar e por qual motivo. Dentre as respostas, sete participantes disseram não haver interesse em retornar a escola por não ter paciência ou por falta de tempo, enquanto doze informaram que pretendem retornar os estudos em busca de melhores oportunidades de emprego e o sonho de cursar o ensino superior.

Outra questão presente no formulário foi se a forma que eles foram avaliados durante o ensino incentivou, de alguma forma, a evasão. 75% dos participantes responderam que sim, pois as provas eram muito difíceis e professores desinteressados em tirar dúvidas. Luckesi (2011) cita que as provas, muitas vezes, não condizem com o processo de ensino e de aprendizagem. As notas finais da avaliação são deferidas por meio de soma ou pelas médias, mas, segundo este autor, as médias consideram os números e não o aprendizado e desenvolvimento do aluno. Essa desarticulação entre as avaliações e a aprendizagem significativa promove descontentamento por parte dos alunos, que implica na evasão escolar.

Na sétima pergunta foi questionado se o participante tinha apoio familiar para permanecer na escola e 80% dos evadidos responderam que não. Sobre isso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394\96) diz:

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Na roda de conversa foi levantado o assunto repetência. Os participantes citaram suas dificuldades na época da escola em matemática e português e a falta de apoio para realização e entendimento das tarefas. Um deles falou na roda que algumas atividades falavam sobre cinema e praia, mas que nunca havia visitado esses lugares, sequer havia visto uma foto. Aqui nos defrontamos com um assunto já visto neste estudo onde ressaltamos a dificuldade do aluno em interpretar conceitos que contradizem com sua realidade.

Nesse sentido, faria uma significativa mudança a aproximação do currículo escolar à realidade do aluno, assim como propiciar ao discente atividades de interesse particular como garante o ECA (LEI Nº 8.069,1990), no artigo 59 que diz: "Os municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude".

Por fim, a última questão do formulário apresenta uma série de opções que os participantes marcam quais delas, em suas opiniões, são os principais fatores que levam ao abandono da escola. Observe a tabela abaixo:

Tabela 1: Demonstrativo considerando a opinião dos respondentes do questionário quantos aos motivos da evasão escolar

A falta de motivação e interesse – 50%                          

A dificuldade de conciliar o trabalho e a escola – 50%

Falta de meio de transporte – 18,8%

Fatores sociais como: uso de drogas, trabalho na infância, violência doméstica – 31,3%

Problemas com bullying – 31,3%

Falta de professores – 18,8%

Gravidez na adolescência – 18,8%

Falta de vaga nos colégios próximos a sua residência – 25%

Renda insuficiente para manter os estudos (ônibus, materiais escolares, entre outros) – 50%

Falta de apoio dos pais e familiares – 37,5%

Dificuldade na compreensão dos conteúdos – 50%

Desmotivação – 31,3%

Professores despreparados – 6,3%

 

De acordo com as alternativas mais marcadas, os principais determinantes para a evasão escolar são, respectivamente: a falta de motivação e interesse, a dificuldade de conciliar o trabalho e a escola e a dificuldade na compreensão dos conteúdos. Essa pesquisa traz informações significativas, assim como importantes indicadores para a continuidade desse estudo atribuindo a visão do aluno.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho não é criticar, mas apresentar a situação do atual cenário de educação brasileiro e assim propor sugestões para incentivar profissionais a descobrir novas formas de inserir seus alunos de forma integral na escola transformando suas aulas em algo agradável aos olhos do discente e que ele possa se identificar. Ao longo do estudo, ações como revisão de metodologias utilizadas pelos professores e melhor acompanhamento da vida educacional dos educandos foram apontadas como possíveis intervenções. Nosso objetivo é sensibilizar os profissionais da educação para que apresentem melhores condições para seus alunos e professores.

Esperamos que por meio desse estudo o entendimento das causas do fracasso escolar foi facilitado. Entendemos que suas causas são complexas e tem suas origens em fatores internos e externos à escola, com forte reflexo da situação social, econômica e cultural do contexto atual. E que se não identificado na vida acadêmica do discente, têm grandes chances de se configurar uma Evasão Escolar.

Podemos compreender que o fracasso escolar não é consequência de uma causa isolada, mas de diversos fatores que associados à sociedade fazem da escola e seu sistema educacional, mais uma peça de um complexo mecanismo. 

Nesse sentido, sugerimos a elaboração de um Plano Estratégico de Intervenção e Monitoramento para Superação da Evasão Escolar. Se faz necessário para o sucesso deste plano estratégico o acompanhamento das ações implementadas e a evolução das taxas de evasão, retenção e conclusão de cada nível.

Por fim, consideramos algumas ações de intervenção para reduzir o índice de evasão e fracasso escolar nas escolas, levando-se em conta a pauta apresentada ao longo do estudo:

  • Realização de reuniões quinzenais com a participação efetiva dos professores e da equipe pedagógica, para discussão e verificação da situação de cada turma, com vistas à análise da quantidade de alunos evadidos e à reavaliação permanente do trabalho pedagógico;
  • Realização de reuniões com alunos em situação iminente de desistência para identificação do problema e estabelecimento de estratégias para que o aluno não abandone a escola;
  • Formações com diretores de ensino, equipe pedagógica e professores, tendo como temática central a questão da permanência e do sucesso escolar;
  • Legitimação de conselhos escolares para envolvimento dos diversos segmentos da comunidade escolar;
  • Formação de uma equipe pedagógica para estabelecimento do trabalho de acompanhamento;
  • Desenvolver ações sistematizadas de suporte à aprendizagem, com atenção especial aos alunos que apresentam menor desempenho acadêmico, tais como: monitoria, grupos de estudo, aulas de reforço e recuperação paralela;
  • Criação de uma planilha, por turma, de acompanhamento de faltas com motivo da falta;
  • Contato com os alunos com faltas consecutivas em duas semanas;
  • Aproximação das famílias ao percurso escolar dos filhos;
  • Acompanhamento em tempo real da frequência dos alunos no intuito de identificar os motivos das faltas;
  • Acompanhamento dos alunos que estão nas etapas finais de ensino, 9º ano do Ensino Fundamente e 3º ano do Ensino Médio, com o intuito de que estes consigam concluir a educação básica;
  • Sensibilização das famílias dos alunos quanto a importância do incentivo a permanência na escola;
  • Acompanhar os estudantes com problemas recorrentes de assiduidade ou pontualidade;
  • Adequar a infraestrutura física e tecnológica necessárias às atividades de ensino e aprendizagem;
  • Adquirir equipamentos e materiais necessários à realização de atividades lúdicas;
  • Apoio pedagógico qualificado aos docentes;
  • Buscar parcerias com o município no sentido de transportar os estudantes que residem distante da instituição de ensino.

 

Ressaltamos que na situação atual é impossível uma solução imediata, porém é possível sensibilizar cada vez mais para a construção de uma sociedade que valorize a educação e tornar notório os direitos e deveres dos responsáveis, dos alunos e da escola para que assim seja possível cobrar a execução das políticas públicas vigentes e exigir sua manutenção.

Por fim, o presente estudo tem a função de iniciar uma série de questionamentos sobre a perspectiva da Evasão e o Fracasso Escolar, apontando caminhos para novas pesquisas e futuras melhorias para a conjuntura educacional brasileira.

 

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4Disponível em:

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