Reflexões sobre agressividade na Educação Infantil

Por Ronize Siqueira da Silva | 01/09/2023 | Educação

Agressividade e Educação Infantil

Autoras: Ronize Siqueira da Silva

               Débora Machado Ribeiro Lima

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RESUMO 

O presente artigo é recorte do meu Dossiê onde desenvolvi um estudo de caso de um aluno da Educação Infantil II da Escola Municipal de Educação Básica Padre “Raimundo Conceição Pombo Moreira da Cruz”, localizada no Bairro: Parque Cuiabá, na cidade de Cuiabá.  O estudo surgiu perante o estranhamento do comportamento do referido aluno no ambiente escolar. Um comportamento agressivo com os colegas e demais pessoas dentro da instituição.

O artigo é uma reflexão e narrativa sobre o aluno fundamentada por teóricos da pedagogia e psicologia: Wallon, Winnicott e pesquisa na internet.

Para preservar a identidade dos sujeitos envolvidos nesse trabalho utilizaremos nomes fictícios de “José” para o aluno, as professoras “Ana” (professora efetiva) e “Maria” (professora substituta/contrato) e a coordenadora “Jane”.

Com esse trabalho pretendo apresentar uma situação que pode ocorrer com os professores e demais funcionários em um ambiente escolar. Não apresentarei solução ou um diagnóstico do problema, mas narrar uma situação-problema que afeta toda uma comunidade escolar.

PALAVRAS-CHAVES: Afetividade. Agressividade. Comportamento.

 

 

 

 

 

AFETIVIDADE, INFÂNCIA E AGRESSIVIDADE

 

(...) As crianças emergem socialmente de maneira paradoxal porque são, ao mesmo tempo, a representação do corpo fraco, indócil e débil, fase inferior ao desenvolvimento humano e por isso mesmo representam maior possibilidade de intervenção, de gerência e de educação. “(ABRAMOWICZ; MORUZZI. 2013, p. 101)

 

            Uma questão a ser salientada diz respeito a considerar o cotidiano escolar; as relações não são unilaterais, ou seja, do adulto para criança, mas sim, relações dialógicas entre adulto-criança e criança-criança.

Antes de narrar o processo vivenciado durante o Estágio irei apontar algumas reflexões a respeito da infância, afetividade e agressividade, pois é necessário para continuar a desenvolver a narrativa do caso “José”.

O ser humano desenvolve sua maturidade aos dois anos e seu crescimento quanto ao afeto se dá de maneira gradual. “Em todos os estágios do desenvolvimento segundo a teoria de Wallon a afetividade está presente em maior ou menor grau, haja vista a interação indispensável a esse processo, para a formação desse indivíduo como ser social, cultural e inserido de fato no meio em que vive.” (BARBOSA, 2019).

O afeto é um sentimento que muitos pensam estar relacionado com o amor e carinho, temos a percepção de não enxergar o lado negativo do sentimento, porém Beraldi nos apresenta:

 

Vygotsky (1984) também demonstra que o papel da linguagem, da comunicação e da instrução no desenvolvimento do conhecimento e da compreensão. Conforme Vygotsky (2003), em psicologia, os afetos se classificam em positivos e negativos. Os afetos positivos estão relacionados a emoções positivas de alta energia, como o entusiasmo e a excitação, e de baixa energia, como a calma e a tranquilidade. Os afetos negativos, por sua vez, estão ligados às emoções negativas, como a ansiedade, a raiva, a culpa e a tristeza. Embora a psicologia tradicional trate cognição e afetividade de modo separado, as emoções e os sentimentos dos alunos não se dissociam no desenvolvimento cognitivo. (Beraldi, 2013, p. 15).

 

A Infância trata de um período que vivemos entre sonhos e realidade, baseada nas relações e que segundo Kuhlmann Jr. & Fernandes “[...] seria a história da relação das crianças entre si e com os adultos, com a cultura e a sociedade.” (2004, p. 15). Fase ou momento da vida que desenvolvemos o aprender, compreender e assimilar regras, normas habilidades que servirão para vivermos bem em sociedade.

Muitos autores atribui tempo às fases da vida humana, focando em especial a infância. Kuhlmann Jr. e Fernandes ressaltam: “A ideia de que a infância é um ciclo bem determinado na vida humana, o que implica o reconhecimento de sua especificidade.” (2004, p.  20). Para alguns a infância vai de 0 a 7 anos, outros determinam esse período até 12 anos.

E, por fim, refletir a respeito da agressividade fui em busca de autores que desenvolvem suas teorias a respeito do assunto um deles é Winnicott que expõe “Em poucas palavras, a agressão tem dois significados. Por um lado, constitui direta ou indiretamente uma reação à frustação. Por outro lado, é uma das muitas fontes de energia do indivíduo.” (WINNICOTT, 262). O autor ainda ressalta “Se tentarmos observar o início da agressividade, num indivíduo, o que encontraremos é o fato de um movimento infantil.” (WINNICOTT, P. 263). Portanto cabe dizer que tal sentimento ou movimento tem raízes na infância, e que deve ser tratada para não evoluir na vida adulta do indivíduo.

Vários fatos e situações aconteceram durante o período do estágio que chamou minha atenção com relação ao aluno José.

 

O menino “José” e sua relação com a escola

 

O Dossiê teve como metodologia principal entrevistas com os principais atores envolvidos no estudo de caso, sendo eles: pais do aluno José, professoras e coordenadora. As professoras apesar de receptivas não aceitaram responder a entrevista, as mesmas apenas concordaram em conversar a respeito do caso José. A coordenadora foi mais atuante e receptiva, inclusive sanando todas os meus questionamentos.

Ao iniciar o processo do Estágio Obrigatório Supervisionado um aluno em especial chamou a atenção: José cuja ações e comportamentos são diferentes e estranhas para uma criança de 5 anos. Comportamento esse agressivo para com os colegas da sala onde estuda e com os adultos que o cercam na escola. Além do comportamento agressivo, o referido aluno tem dificuldades ao pronunciar as palavras (notei que para uma criança de 5 anos sua maneira de falar parece com uma criança de 2 anos). Observei também que tem muita dificuldade ao manipular a tesoura para executar as atividades em sala de aula. O referido aluno observado é inquieto, e prefere passar a maior parte do tempo andando ou correndo na escola. Dentro da sala de aula são raros os momentos em que fica concentrado em uma atividade específica. José foca atento aos movimentos da sala principalmente, quando um dos colegas de sala pede para ir ao banheiro, José sai da sala e acompanha o colega, o mesmo não atende a professora e muito menos as estagiárias. Gosta de passar a maior parte do tempo fora da sala de aula.

Quando contrariado “José” fica muito irritado e age de forma agressiva com quem o contraria. Expressa sua agressividade com mordidas e desfere palavrões em quem age de forma que ele não aceite ou goste. Presenciei muitos desses momentos durante o Estágio, inclusive fui uma das suas vítimas, sendo atingida por um tapa no meu rosto desferido por José. Após o episódio a coordenadora da escola ligou para o pai do aluno, que compareceu na escola para buscá-lo.

Quando narramos o ocorrido ao pai e perguntamos da relação do aluno com a mãe o pai responde “que é normal e que quando estou ausente o homem da casa é José”. Winnicott defende “Os próprios filhos poderão bem esperar que a mãe saiba o que realmente quer, e aquilo em que acredita, e eles serão ajudados pela crença dela, baseando, em maior ou menor grau, suas próprias normas nas dela.” (WINNICOTT, p. 137).

As situações de agressividade envolvendo José foram constante durante o Estágio. Causando inquietação e até um certo medo. O relato de episódios de conflitos entre José com as pessoas ao seu redor eram corriqueiras conforme relato da professora regente da turma de José, onde a professora usava de artifícios para acalmar o mesmo, como de ligar a televisão na sala de aula e colocar o vídeo “A verdadeira história da páscoa”. Com o mecanismo do vídeo a professora conseguia manter o José em sala e quieto.

Durante o estágio os momentos em que José estava concentrado em alguma atividade era na hora do brinquedo. Observamos que José gosta muito de brincar com peças de montar e durante esse momento interage de maneira cordial com os colegas. Quando José estava entretido em brincar notávamos que sua atenção era voltada somente ao ato de brincar, dificilmente voltava-se a prestar atenção as coisas que aconteciam ao redor.  Para Wallon define e faz uma reflexão sobre o brincar:

A atividade própria da criança, como se diz, é o brincar, e, como muitas vezes ela brinca com extrema dedicação, alguns autores, entre os quais W. Stern, atribuíram-lhe o que chamam de brincadeiras sérias. O brincar seria, segundo Ch. Bühler, uma etapa de sua evolução total, ela mesma composta de períodos sucessivos. Efetivamente, ele se confunde com toda a sua atividade enquanto está permanecer espontânea e não receber seus objetos das disciplinas educativas. (WALLON, 1941. p. 54)

 

 

Foto: Arquivo pessoal

 

 

Foto: Arquivo pessoal

 

No meu entendimento José só consegue ficar calmo quando está brincando, o ato de brincar o faz sair do real para o imaginário, tirando sua atenção das coisas que acontecem ao seu redor, busco em Wallon o sentido do brincar para José: “ O brincar é sem dúvida uma infração às disciplinas ou às tarefas que impõem a todo homem as necessidades práticas de sua existência, [...]” (Wallon, 1941, p. 16).

O veredicto da mãe de José

Após o término do Estágio entrei contato com a mãe de José para uma conversa informal sobre o comportamento do aluno. A mãe se mostrou distante e evasiva. E relatou que: “Ele é uma criança normal. Ele até está passando pela psicóloga de tanto a escola pedir. Mas a própria psicóloga disse que ele não tem nada de anormal. Ele é uma criança normal, só com muita energia. E o que a escola está querendo é crianças robô.” E, por fim, afirmou que a escola é a responsável pelo comportamento do filho. Então surgiu alguns questionamentos: será que a escola é a única responsável do comportamento inadequado da criança? Será que o aluno está refletindo atitudes de algum familiar?

Os questionamentos foram muitos, mas devido várias situações ocorridas não consegui obter respostas significativas  O presenti é que de uma forma geral a família esquiva em detalhar o cotidiano da criança em casa e por fim a culpa do comportamento da criança na escola segundo a família é de “responsabilidade da escola.”

 

Relatos das professoras de José 

 

Ao buscar mais informações a respeito de José fui ao encontro das professoras de José, as mesmas relataram algumas informações sobre o aluno.

A professora titular da sala de José demonstra medo e angústia com a presença do mesmo em sala de aula, relata que durante sua regência procurou várias formas de contornar as crises de José, em uma dessas abordagens o aluno José mordeu a mão da professora efetiva Ana. De acordo com as palavras dela, causou-lhe profundo traumas e sentimento de incapacidade. A professora efetiva da turma trabalhou de fevereiro a abril de 2019, quando entrou de licença Premium, sendo substituída pela Maria.

O aluno José continuou com o mesmo comportamento com a nova professora. Conforme relato da mesma, fez todo o possível para manter a tranquilidade da turma e manter o aluno José em sala, obtendo sucesso algumas vezes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O estudo de caso do aluno José é complexo, pois a mãe do mesmo está sempre na defensiva quando questionada a respeito do filho, poucas informações foram adquiridas sobre a família de José. 

Quanto as professoras poucas informações foram possíveis de coletar, no final demonstraram pouco interesse com o caso.

A principal intenção com o presente Dossiê é chamar a atenção para as dificuldades que podemos enfrentar no ambiente escolar, onde encontraremos alunos com muitos problemas.

O relato do caso José vem de encontro com a angústia que senti ao deparar com a dificuldade de manter o aluno José presente em sala de aula, evitar o confronto do mesmo com os colegas de sala. O medo das professoras de José.

Por fim a agressividade vindo por parte dos alunos no ambiente escolar é assunto que deve ser discutido e aprofundado, para que no futuro termos uma relação com menos conflito entre alunos e equipe escolar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABRAMOWICZ, Anete; MORUZZI, Andrea Braga. A emergência da infância. In: MONTEIRO, Filomena Maria de Arruda; PALMA, Rute Cristina Domingos da; CARVALHO, Sandra Pavoeiro Tavares (Organizadoras). Processos e práticas na formaçao de professores da Educação Infantil. – Cuiabá: Edufmt, 2013.

BARBOSA, Iraci Pereira. A importância da afettividade para uma aprendizagem significativa. Disponível em: http://www.brasilescolar.uol.com.br. Acesso em 15 dez. 2019.

BERALDI, Elzita de Moraes. Importância da afetividade no processo ensinoaprendizagem nos anos finais do ensino fundamental. (Monografia de Especialização). 2013. Universidade Técnologica do Paraná.Google. Acesso em 18 dez 2019.

 

FERNANDES, Rogério; KUHLMANN JR Moysés;. Sobre a história da infância. In: FILHO, Luciano Mendes de Faria (organizador). A infância e sua educação – materias, práticas e representações (Portugal e Brasil). Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. Revisão técnica José Cerchi Fusari, - São Paulo: Cortez, 2004. – (Coleção docência em formação. Série saberes pedagógicos).

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança /Henri Wallon; com introdução de Émile Jalley; tradução Claudia Berliner; revisão técnica Izabel Galvão. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.

WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. 6. ed. LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. Rio de Janeiro, 1982.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] Pedagoga formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).