REFLEXÕES ACERCA DA BOA-FÉ OBJETIVA PROCESSUAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Por Dion Leno Gomes Martins | 09/06/2020 | DireitoREFLEXÕES ACERCA DA BOA-FÉ OBJETIVA PROCESSUAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
DION LENO GOMES MARTINS¹
EDVAN SILVA SANTOS²
MURILO MOREIRA MARTINS³
Resumo
O presente estudo foi realizado tendo como objetivo analisar os reflexos acerca da boa-fé objetiva processual no novo código de processo civil. A boa-fé objetiva diz que os comportamentos de todos os sujeitos processuais no processo devem ser pautados em padrões éticos de conduta processual, ou seja, exige-se uma conduta ética no processo civil impondo-se comportamentos considerados objetivamente como devidos, ou seja, pouco importa, se o sujeito está ou não de boa-fé intima ou crença de agir licitamente, inexistindo assim, uma relação com a crença interior. Assim, pode-se afirmar que a boa-fé objetiva processual está ligada ao procedimento e não a crença íntima do indivíduo, ressaltando a inexistência de princípio referente à boa-fé subjetiva.
O objetivo do Legislador com a instituição do princípio da boa-fé objetiva processual além de outros como o princípio do devido processo legal e o princípio do contraditório no novo Código de Processo Civil era a promoção de um processo mais cooperativo entre os sujeitos processuais para assim buscar um processo mais célere e justo.
Palavras-chave: Constituição, Princípios, Boa-fé objetiva processual
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¹Aluno 7º Período da Faculdade de Direito da Unifasc, Itumbiara/Go
²Aluno 7º Período da Faculdade de Direito da Unifasc, Itumbiara/Go
³Graduado em Direito, especialista em direito público e mestrando pela Universidade Federal de Uberlândia-Mg, Professor 7º Período da Faculdade de Direito da Unifasc, Itumbiara/Go
Abstract
The present study was carried out with the objective of analyzing the reflexes about objective good faith in the new civil process code. Objective good faith states that the behavior of all procedural subjects in the process must be based on ethical standards of procedural conduct, ie, ethical conduct is required in the civil process by imposing objectively considered duties , that is, it does not matter whether the subject is in good faith or intimate belief in acting lawfully, thus not having a relationship with inner belief. Thus, one can affirm that objective procedural good faith is linked to the process and not to the intimate belief of the individual, emphasizing the inexistence of principle concerning subjective good faith.
Already in article 5 of the new code of civil procedure, it brings the (objective) good faith process, as a fundamental principle, stating that "Anyone who participates in the process must behave in accordance with good faith ".
The objective of the Legislator with the institution of the principle of objective good faith as well as others as the principle of due process and the principle of the contradictory in the new Code of Civil Procedure was the promotion of a more cooperative process between the procedural subjects to seek a speedier and fairer process.
Key words: Constitution, Principles, objective good faith process
Introdução
A Lei 13.105/15 que instituiu o Novo Código de Processo Civil teve como objetivo norteador o devido processo legal, o contraditório adequadamente redimensionado e a boa-fé objetiva processual.
A Boa-fé objetiva processual foi instituída para impedir comportamentos abusivos que prejudiquem o bom andamento processual esse princípio é um dos mais importantes do novo código, pois visa estimular a cooperação entre os sujeitos processuais, garantindo assim a celeridade e resolução dos litígios.
Esse modelo cooperativo instituído pelo novo código exige dos sujeitos processuais uma atuação pautada com a Boa-fé objetiva.
Nesse sentido, vale ressaltar, que, por muitas vezes, confundem-se a boa-fé procedimental objetiva, com boa-fé subjetiva. Pode-se se dizer, em linhas gerais, que a boa-fé subjetiva é aquela que analisa a intenção do agente, se contrapondo à má-fé, já a boa-fé objetiva a um comportamento, ao respeito à intenção do pactuado ou da promessa, ao agir com lealdade jurídica no processo.
Em uma primeira aproximação, o artigo 5º do novo código de processo civil, traz a boa-fé (objetiva) processual, como princípio fundamental, estabelecendo que “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.
A novidade do CPC atual, portanto, é elevar a exigência da boa-fé à categoria principiológica, de norma fundamental do processo civil. Isso mostra a preocupação ainda maior do legislador com a observância da boa-fé, por parte de todos que participam do processo. Para dar maior força ao dispositivo, o art. 77 enumera outros deveres daqueles que participam no processo, e o art. 80 enumera as hipóteses em que haverá litigância de má-fé. Além do princípio geral, há outros dispositivos no CPC que dão maior atenção a boa-fé. É o caso dos arts. 322, § 2º, e 489, § 3º, que mandam que o pedido e a sentença sejam interpretados de acordo com o princípio da boa-fé. Tal como dizia o art. 14, III, do CPC anterior, a boa-fé está associada à lealdade processual e a necessidade de respeito a todos aqueles que participam do processo.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é verificar, como a Boa-fé objetiva processual refletiu na construção do novo Código de Processo Civil e analisar qual o propósito do legislador ao instituir esse princípio.
O presente trabalho está dividido da seguinte forma: na seção 1 será abordado o modelo processual constitucional, na próxima seção será explorado o Princípio da Boa-fé Objetiva Processual e por fim na última irá apresentar Boa-fé Objetiva processual no Novo Código de Processo Civil.
1. Modelo Processual Constitucional
Nesse capítulo será abordado o modelo processual sob a luz da Constituição Federal de 1988 fundado em princípios que foram seguidos pela Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil).
Pode-se verificar que o Novo Processo Civil de 2015, fundou-se em princípios constitucionais, como do devido processo legal (art.5º, inciso LIV, CF/1988), o princípio da ampla defesa e do contraditório (art.5º, inciso LV, CF/1988), a garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII, CF/1988), a garantia do juiz competente (art. 5º, LIII, CF/1988) e a boa-fé objetiva processual implicitamente presente na Constituição (art. 5º, inciso LVI).
Para Marino (2014), os direitos e garantias fundamentais funcionam como um sistema de pesos e contrapesos, em que o próprio Estado institui direitos aos cidadãos e, ao mesmo tempo, estabelece limites:
- Nas relações entre os cidadãos (eficácia horizontal) e;
- Entre o Estado e o cidadão (eficácia vertical).
Primeiramente a respeito do Princípio do Devido processo Legal elencado no art.5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988:
“Art.5º “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV _ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. ”
Esse princípio, é garantia de liberdade, é um direito fundamental do homem consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Art.8º “Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. ”
E ainda na Convenção de São José da Costa Rica, o devido processo legal é assegurado no art. 8º:
Art. 8o – “Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
(...)”
O Princípio do devido processo legal é uma das garantias constitucionais mais importantes, pois dele derivam todos os outros princípios e garantias constitucionais. Esse princípio é a base legal para aplicação de todos os demais princípios, independente do ramo do direito processual, inclusive no âmbito do direito material ou administrativo. (SALOMÃO, 2008).
Esse princípio garante a eficácia dos direitos garantidos ao cidadão pela nossa Constituição Federal, pois seriam insuficientes as demais garantias sem o direito a um processo regular, com regras para a prática dos atos processuais e administrativos. Portanto, realiza a função de um superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo como o procedimento.
O devido processo legal, no Estado Democrático de Direito, jamais poderá ser visto como simples procedimento desenvolvido em juízo. Seu papel é o de atuar sobre os mecanismos procedimentais de modo a preparar e proporcionar provimento jurisdicional compatível com a supremacia da Constituição e a garantia de efetividade dos direitos fundamentais. Verifica-se ainda que esse princípio possibilita o maior e mais amplo controle dos atos jurídico-estatais, nos quais se incluem os atos administrativos, gerando uma ampla eficácia do princípio do Estado Democrático de Direito, no qual o povo não só sujeita-se a imposição de decisões como participa ativamente delas.
Em relação ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório pode-se afirmar que esse princípio (cláusula pétrea) possibilita a igualdade entre as partes, conforme elencado, no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988, dispõe o seguinte texto acerca desses dois princípios:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;(...)"
Conforme Torres (2014), a ampla defesa gera diversos direitos ao réu, como proteção contra toda alegação fática ou apresentação de prova feita por uma das partes no processo, pois pode o adversário se manifestar, dando um perfeito equilíbrio entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado.
Assim, pode-se verificar que a vontade do legislador, é que as partes consigam reproduzir a verdade através de todos os meios necessários, ou seja, que consigam dialogar entre si para obtenção do alcance verdade.
Já o princípio do juiz natural, elencado na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”) refere-se ao juízo adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de fixação de competência e a proibição de juízos extraordinários ou tribunais de exceção (ex post facto), ou seja, constituídos após os fatos. Assim, só pode exercer a jurisdição aquele órgão a que a Constituição atribui o poder jurisdicional.
Nesse sentido, a garantia do juiz natural consiste na exigência da imparcialidade e da independência dos juízes. Portanto, não basta o juízo competente, objetivamente capaz, é necessário que seja imparcial, subjetivamente capaz. (DIDIER JÚNIOR, 2009).
Esse princípio objetiva a proteção da ordem democrática, pois ao impedir os tribunais de exceção, entende-se que o órgão judiciário responsável pelo julgamento deve preexistir aos fatos, o que impede a arbitrariedade do Estado. (MARINO, 2014).
Portanto, o juízo competente é a autoridade definida pela Constituição Federal ou pela lei que tem a competência de processar e julgar determinada causa. A imparcialidade significa que o julgador nada tem de conflito de interesses entre com as partes, visto que é necessário para se obter um julgamento justo e demonstra a igualdade entre as partes da relação processual. (MARINO, 2014).
O princípio do juiz natural é aquele contido no inciso LIII, do artigo 5º da Constituição Federal, onde prevê a garantia de julgamento por juiz competente, isto é, somente o Juiz investido (concurso público) do poder estatal pode aplicar o direito ao caso concreto, a Jurisdição.
Este princípio é de garantia ampla, já que se impede, tanto o processar como o sentenciar. Assim, demonstra-se a garantia constitucional de que o cidadão será processado e julgado por um juiz competente. (AMARAL, 2000).
2. A Boa-fé Objetiva Processual no Código de Processo Civil
Em uma primeira aproximação, o artigo 5º do novo código de processo civil, traz a boa-fé objetiva processual, como princípio fundamental, estabelecendo que “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. A má-fé subjetiva (conduta dolosa, com o propósito de lesar a outra parte) sempre foi rigorosamente punida, tanto no âmbito do direito público como no privado.
Gonçalves (2017) aduz que a novidade do CPC atual é elevar a exigência da boa-fé à categoria principiológica, de norma fundamental do processo civil. O art. 77 enumera outros deveres daqueles que participam no processo, e o art. 80 enumera as hipóteses em que haverá litigância de má-fé. Assim, mostra-se a preocupação do legislador acerca da boa-fé objetiva no andamento do processo. Há outros dispositivos no CPC evidenciam à exigência da boa-fé. É o caso dos arts. 322, § 2º, e 489, § 3º, que mandam que o pedido e a sentença sejam interpretados de acordo com o princípio da boa-fé. Tal como dizia o art. 14, III, do CPC anterior, a boa-fé está associada à lealdade processual e a necessidade de respeito a todos aqueles que participam do processo.
Preliminarmente faz-se necessário distinguir a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva. A boa-fé objetiva funda-se a um comportamento, ao respeito à intenção do pactuado ou da promessa, ao agir com lealdade jurídica e a a boa-fé subjetiva é aquela que analisa a intenção do agente, se contrapondo à má-fé.
Conforme Americo (2016), a boa-fé objetiva funda-se no comportamento que merece de fé, não frustrando a confiança do outro, assim, age com comportamento adequado aquele que não abusa de suas posições jurídicas. Já a boa-fé subjetiva, consiste em um fato da vida, de alguém acreditar que está agindo licitamente.
Já para Theodoro Júnior (2018) o princípio da boa-fé tem como objetivo exigir do agente que pratique o ato jurídico sempre pautado em valores acatados pelos costumes, identificados com a ideia de lealdade e lisura. Assim, institui-se segurança às relações jurídicas, permitindo-se aos respectivos sujeitos confiar nos seus efeitos programados e esperados.
Para Donizetti (2018) a boa-fé objetiva constitui regra de conduta, relacionada aos padrões sociais ou legais de lisura e honestidade. Já a boa-fé subjetiva expressa um estado psicológico do sujeito, que pode variar conforme a sua interpretação, percepção e conhecimento. Em termos simples, o exame da boa-fé objetiva é externo e tem por objeto a conduta das partes (contratantes, litigantes). O exame da boa-fé subjetiva, por outro lado, é internalizado, porque busca a intenção do sujeito.
A boa-fé processual, orienta a conduta das pessoas que, de qualquer forma, participam do processo. Como exemplo cite-se a situação em que o juiz verifica a existência de propósito protelatório do réu e, consequentemente, aplica-lhe a pena por litigância de má-fé (arts. 80, VII, e 81 do CPC/2015). (DONIZETTI, 2018).
A boa-fé processual também deve orientar a atuação jurisdicional, ou seja, tanto as partes, como o juiz, devem atuar conforme os princípios éticos, de forma a propiciar a rápida e efetiva solução da lide. (DONIZETTI, 2018).
Como segurança jurídica é de suma importância para o bom andamento do Estado Democrático de Direito a boa-fé objetiva está em todos os campos do direito sendo um princípio geral.
A origem do princípio da boa-fé objetiva, encontra-se na declaração dos direitos e garantias fundamentais, a qual prevê que estes não são apenas os literalmente arrolados nos incisos do art. 5º, pois compreendem implicitamente, também, todos os outros que decorram do regime e dos princípios adotados pela Constituição (CF/88, art. 5º, § 2º). (THEODORO JÚNIOR, 2018).
O princípio da boa-fé, assim, adquire a categoria constitucional, pois a Constituição baseia-se na proteção à dignidade humana (art. 1º, III) e se estrutura, ainda, em largos e explícitos princípios éticos, como o da moralidade em todos os serviços públicos (art. 37) e o da construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I), isto é, não há como negar que o valor ético constitutivo da essência da boa-fé não esteja implicitamente contido nas regras e nos princípios com que a Constituição organiza o Estado Democrático de Direito e protege os direitos fundamentais, sempre a partir de valores éticos e morais. Portanto, o dever de comportamento, segundo a boa-fé imposto a todos os que participam do processo civil, é inerente à própria garantia do devido processo legal outorgada pela Constituição. (THEODORO JÚNIOR, 2018).
Entre as variantes de aplicação da teoria da boa-fé objetiva, por exemplo, tem sido observada pela jurisprudência, com adequação, a interdição da conduta incoerente no processo (venire contra factum proprium).
A infração ao princípio da boa-fé pode, por exemplo, gerar tanto a preclusão de um poder processual (supressio), como o dever de indenizar (em caso de dano), ou, ainda, a imposição de medida inibitória, de sanção disciplinar, de nulidade do ato processual etc. A par disso, a boa-fé, no sentido positivo, pode inovar nos direitos e obrigações originários, criando para quem confiou no comportamento da outra parte uma nova situação jurídica (surrectio).
Nelson Nery Junior (2015), classifica o abordado art. 5º, como cláusula geral, uma regra geral de boa conduta explícita na legislação. Conforme as lições do autor em apreço, ultrapassar os limites ou violar os deveres da boa-fé objetiva, caracteriza um abuso de direito processual, análogo ao disposto no art. 187 do Código Civil, respondendo o sujeito processual (incluindo o órgão jurisdicional), nas regras dos arts. 79 e 81 do CPC.
Já Humberto Theodoro Junior (2018) leciona que a boa-fé objetiva “aparece no direito processual, sob a roupagem de uma cláusula geral, possuindo a norma que a veicula grande flexibilidade, cabendo ao juiz avaliar e determinar seus efeitos adequando-os às peculiaridades do caso concreto”.
Tereza Arruda Alvim Wambier (2015), comenta que o art. 5º é um reflexo de atitude cooperativa, em que não se investigará as intenções ocultas dos sujeitos processuais, tratando-se da verificação se a conduta está, ou não, de acordo com o ordenamento jurídico. Aduz ainda, que o comportamento em desacordo, traz a presunção de má intenção, espírito malicioso e intenção de dissimular, podendo ensejar em condenação por má-fé processual. Assim, para a citada autora, o processo fluirá melhor com a boa-fé processual, existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de boa-fé objetiva, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito.
Nesse diapasão, José Miguel Garcia Medina (2016), preleciona que, o sistema normativo estipulou este postulado ético de proteção a boa-fé objetiva, determinado uma conduta pautada na lealdade, sendo que, na discussão sobre a violação da boa-fé objetiva, não será necessário, entrar em pauta a prova da má-fé subjetiva. Noutro giro, este princípio fundamental, também deve ser observado pelo órgão jurisdicional, caso contrário, violaria a confiança, visto a quebra de sintonia com o procedimento até então manifesto.
Miguel Reale conceitua boa-fé objetiva como:
“A boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, “a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de ‘honestidade pública. ”
Exemplificando, ocorrendo a promoção de certo magistrado em determinada comarca, o novo magistrado não poderá romper a sintonia procedimental, violando a confiança, e praticando comportamentos contraditórios, a título exemplificativo, o primeiro magistrado indefere a produção de prova testemunhal requerida pela parte autora, ocorre a promoção do magistrado, e o novo julga o feito improcedente pela ausência de prova constitutiva do fato, não cumprido a parte autora, com seu ônus de provar. (AMERICO, 2016).
Não importa que, ao trair a confiança ou frustrar a expectativa, o agente tenha atuado com boa intenção. Se, apesar da boa intenção – ou da falta de má intenção –, a sua atitude não guardar harmonia com o que se pode razoavelmente esperar de uma pessoa média, naquele momento histórico, numa comunidade com aquelas características culturais, o agente terá atuado com violação ao princípio da boa-fé objetiva. (TARTUCE, 2015).
Um comportamento de acordo com a boa-fé objetiva, pois, é aquele que não trai a confiança razoavelmente depositada, revela a lealdade que se pode esperar da outra parte, mantém-se nos limites dos critérios de razoabilidade que, em dado momento, são os predominantes na comunidade integrada pelo agente e, por tudo isto, gera estabilidade e segurança. É a esta boa-fé, a boa-fé objetiva, que o legislador expressou, claramente, no novo CPC. E tal reverência exige que o enunciado esteja inserido em um dos dispositivos topologicamente integrantes do conjunto dos enunciados que proclamam as bases em que o intérprete deve se ancorar quando se debruçar sobre uma norma processual. (TARTUCE, 2015).
Portanto, em síntese são pressupostos para a boa-fé objetiva, entre outros:
a) dever de cuidado em relação à outra parte do processo;
b) dever de respeito;
c) dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio;
d) dever de agir conforme a confiança depositada;
e) dever de lealdade e probidade;
f) dever de colaboração ou cooperação, que passa a estar expresso no âmbito do processo, pela cooperação processual prevista no art. 6º do Novo CPC;
g) dever de agir com honestidade;
h) dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.
2.1 Funções reativas da boa-fé objetiva.
Para Tartuce (2015) quando a boa-fé objetiva é violada, surge uma situação em que podem ser invocadas as chamadas figuras parcelares ou desdobramentos da boa-fé objetiva. O fato de a invocação de tais figuras se dar, no mais das vezes, quando a boa-fé objetiva é violada ou se encontra ameaçada de violação que faz com que elas também sejam conhecidas como funções reativas da boa-fé objetiva.
Essas figuras são:
- a vedação do venire contra factum proprium,
- a surrectio,
- a supressio e
- o tu quoque.
2.1.1 a vedação do venire contra factum proprium
A expressão "venire contra factum proprium" significa vedação do comportamento contraditório, ou seja, não é razoável que uma pessoa pratique determinado ato ou conjunto de atos e, em seguida, adote uma conduta absolutamente oposta.
Entende-se de que os sujeitos de uma relação jurídica, por consequência lógica da confiança depositada, devem agir de forma coerente, segundo a expectativa gerada por seus comportamentos.
De acordo com Tartuce (2015) se os contratantes estipularem em contrato que os pagamentos de uma determinada prestação de trato sucessivo deverão se dar em determinado lugar e, apesar disto, o pagamento, com a anuência tácita do credor, vier a ser repetidamente feito em outro local, não poderá o credor recusar-se a receber com base no argumento de que o pagamento deveria se dar no local contratualmente estipulado. Uma exigência desta ordem afrontaria o princípio da confiança, pois se trata de conduta contrária à que o próprio credor vinha adotando.
Conforme o art. 330 do Código Civil consta que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato:
“Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. ”
Em outro exemplo, quando alguém contraia uma dívida especificamente para a aquisição de um bem e não cumpre a obrigação de pagar a dívida que contraiu. Quando for executada a dívida e tendo sido penhorado exatamente o bem adquirido, não pode o devedor opor-se à penhora, alegando tratar-se de bem que a lei considera impenhorável. Uma conduta deste tipo desbordaria, por óbvio, os limites da lealdade. (TARTUCE, 2015).
Em suma, a vedação do venire contra factum proprium traduz uma regra proibitiva do comportamento contraditório.
E assim como a ninguém é dado agir contraditoriamente no âmbito das relações jurídicas de direito privado, também não é tolerável uma atuação contraditória no campo da relação jurídica processual.
2.1.2 A Surrectio
A Surrectio consiste no ensejo à ampliação do conteúdo obrigacional.
Na surrectio, a atitude de uma parte ao longo do tempo faz surgir para a outra um direito não pactuado originariamente.
Assim, significa o exercício continuado de uma situação jurídica em contradição ao que foi anteriormente convencionado, de modo a implicar o direito subjetivo, que se estabiliza para o futuro. (MANSUR, 2016).
Existem três requisitos para a ocorrência da surrectio:
- Certo lapso de tempo, por excelência variável, durante o qual se atua uma situação jurídica em tudo semelhante ao direito subjetivo que vai surgir,
- Conjunção objetiva de fatores que concitem a constituição do novo direito e
- Ausência de previsões negativas que impeçam a surrectio.
Um exemplo da surrectio refere à multa diária: se o credor teve suprimido o seu direito ao recebimento do valor da multa diária que incidiria no período em que se configurou a conduta omissiva, aquele a quem a multa foi imposta tornou-se a titular do direito de não ser compelido a pagar a quantia respectiva. (TARTUCE 2015).
2.1.3 A Supressio
A Supressio, significa a redução do conteúdo obrigacional.
Na Supressio, consiste na redução do conteúdo obrigacional em razão da decorrência de um longo período de tempo sem o exercício de um determinado direito ou da exigência de certa obrigação por uma das partes da relação obrigacional. (MANSUR, 2016).
Para Tartuce (2015) consiste num comportamento omissivo tal - no que se refere ao exercício de um direito - que um movimento posterior, tendente a exercitar aquele direito, soa incompatível com as legítimas expectativas até então geradas pelo silêncio.
O exercício desse direito representaria uma afronta ao princípio da boa-fé objetiva, tendo em vista a expectativa gerada no outro lado da relação jurídica de que tal direito não mais seria exercido ou que tal obrigação não será mais exigida. (MANSUR, 2016).
Considera-se ocorrida a supressio quando determinadas relações jurídicas deixam de ser observadas com o passar do tempo e, em decorrência, surge para a outra parte da relação a expectativa de que aquele direito ou aquela obrigação originariamente acordado/acordada não será exercido ou cobrada na sua forma original. (MANSUR, 2016).
Importante mencionar os requisitos para a configuração da supressio:
- Decurso de prazo sem exercício do direito,
- Indícios objetivos de que o direito não mais seria exercido e
- Desequilíbrio, pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor.
Um exemplo de supressio é quando o titular do direito à percepção de uma quantia em dinheiro, devida em razão da incidência de uma multa diária, decorrente do descumprimento de determinada obrigação, pode ter o seu direito suprimido se, abusando do dever de mitigar o próprio prejuízo, permanecer inerte por prazo superior ao razoável, deixando que o valor da multa cresça. (TARTUCE 2015).
2.1.4 O tu quoque.
Para Tartuce (2015) tu quoque se dá nas situações em que se verifica um comportamento que, rompendo com o valor da confiança, surpreende uma das partes da relação jurídica, colocando-a em situação de injusta desvantagem.
Caracteriza-se tu quoque os atos abusivos em desacordo com a boa-fé objetiva. Entende-se que aquele que viola a norma convencionada, não pode se beneficiar desse ato, exigindo da outra parte que ela cumpra seus deveres e assuma as consequências resultantes. (ARAGÃO, 2016).
Consiste o tu quoque num comportamento inconsistente, contraditório com comportamento anterior, e, especificamente, que resulte em desequilíbrio entre os contratantes, na medida em que permita que contratantes igualmente faltosos sejam, não obstante, tratados de forma desigual. (ARAGÃO, 2016).
Assim como a supressio, o tu quoque proíbe o comportamento contraditório, o que se refere, mais uma vez, à vedação do venire contra factum proprium. Pretende-se evitar assim, surpresas numa relação jurídica. (TARTUCE 2015).
Um exemplo do que se dá quando, num contrato bilateral, um dos contratantes, antes de cumprir a sua obrigação, exige o adimplemento da do outro. (TARTUCE 2015).
Em suma, todos os sujeitos processuais, ao praticarem atos processuais, devem lealdade e lisura ao processo em conformidade com o princípio da boa-fé objetiva, que por ser uma cláusula geral, o artigo 5º do novo código de processo civil, é dotado de grande flexibilidade, devendo o magistrado adequá-lo ao caso concreto. O dever de comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva não é apenas das partes, mas de todo aquele que, de qualquer forma, participa do processo.
Em ritmo conclusivo, os operadores do direito devem ficar atentos, para reler o processo civil de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, no moderno processo civil cooperativo e democrático participativo.
Infere-se, portanto, que justiça deve vir de mãos e consciência limpas (equity must come with clean hands).
3. Considerações Finais
O foco principal desta pesquisa foi analisar o instituto da boa-fé objetiva. Assim, foram evidenciadas as diversas aplicações do princípio da boa-fé objetiva nas relações jurídicas. Também foram verificadas as várias possibilidades de restrição quanto aos atos dos indivíduos, em que se busca a melhor eficácia do contrato, sem que nenhuma das partes tenha prejuízo, por crer na conduta alheia.
Ao longo do presente trabalho foi demonstrado que o comportamento desleal entre celebrantes de negócios jurídicos é punido pelo nosso sistema judiciário, que busca sempre aplicar medidas justas e coibir condutas que se apresentem contraditórias ao direito.
Ao instituir o princípio da boa-fé objetiva o legislador objetivou repreender atos atentatórios à eficácia contratual, e buscar vedar comportamentos que atentem contra o Estado Democrático de Direito.
Neste sentido o princípio da boa-fé objetiva é de suma importância para o ordenamento jurídico.
4. Referências Bibliográficas
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