REFLEXÕES A RESPEITO DA DISLEXIA
Por Tauana Nunes Paixão | 30/01/2011 | EducaçãoNeste trabalho apresentamos uma reflexão a respeito da dislexia com a finalidade de chamar a atenção para equívocos em seu diagnóstico. Já que, após estudos, percebe-se que, muitas vezes, crianças são rotuladas como disléxicas sem realmente apresentarem essa patologia. Tal rotulação apresenta sérias consequências na vida da criança dita disléxica, pois essa passa a duvidar de sua capacidade de aprendizado.
Parte-se de um estudo de revisão bibliográfica. Dessa forma, buscamos textos relevantes sobre a temática "dislexia, seu diagnóstico e tratamento". Foram selecionados, lidos e fichados textos principalmente de duas disciplinas de fronteira da Linguística, a saber: Neurolinguística e Aquisição da linguagem, e alguns textos de áreas correlatas.
De acordo com Massi e Gregolin (2005), "(...) a dislexia não se sustenta como um distúrbio vinculado à aquisição da escrita, mas (...) evidencia a concretização da aprendizagem dessa modalidade de língua." Antes de mais nada é preciso entender que muitos dos ditos "sintomas" de dislexia podem ser observados em crianças na fase de aquisição da escrita. Isso não quer dizer, em hipótese alguma, que toda criança com dificuldades na leitura e escrita seja disléxica. Massi e Gregolin (2005) apresentam algumas das prováveis manifestações patológicas da dislexia, partindo de Ianhez e Nico (2002) e Cuba dos Santos (1987), com o intuito de compará-las com as características do aluno em fase de aquisição da escrita, quais sejam: confusão entre letras com sons semelhantes: tinta / tinda; omissão de letras ou sílabas: guiado/ giado; adição de letras e/ ou sílabas: muito/ muimto; união de uma ou mais palavras e/ ou divisão inadequada de vocábulos: era uma vez um homem/ eraumavezumhomem. E ainda: trocas de fonemas e grafemas: modo/moto; alteração na ordem das letras ou sílabas: azedo/adezo; trocas de palavras por outras semelhantes: infância/infâmia.
Massi e Gregolin (2005) destacam que os indícios de dificuldade na aprendizagem, como os apresentados acima, "(...) quando investigados lingüisticamente, não apontam para um distúrbio, mas desvendam o próprio processo de aquisição da linguagem escrita".
Para entender melhor essa questão, passemos a verificar o processo de desenvolvimento da escrita. Segundo Kato (2002), os padrões evolutivos no desenvolvimento da escrita apresentam quatro níveis: Pré-Silábico, Silábico, Silábico-Alfabético e Alfabético. (Kato, 2002).
No nível Pré-silábico encontram-se escritas que não apresentam nenhum tipo de correspondência sonora, isto é não fazem a correspondência entre grafia e som. (...) O nível silábico se evidência quando a criança ?compreende que as diferenças das representações escritas se relacionam com as diferenças na pauta sonora das palavras?. Neste nível a criança procura efetuar uma correspondência entre grafia e sílaba, caracterizando o nível silábico- alfabético, a sistematicidade da tarefa executada pela criança se dá no sentido de
que cada grafia corresponde a um som e no nível alfabético, a escrita é organizada com base na correspondência entre grafias e fonemas. (KATO, 2002, p.55)
Certos contextos ortográficos são mais simples que outros, existindo, assim, uma hierarquia, por parte dos alunos, na aprendizagem dentro das regras ortográficas (Cf. MEIRELES e CORREIA, 2008). Evidenciando, uma aprendizagem de forma parcial. Desta forma, o percurso para a aquisição da ortografia apresenta variações de acordo com o padrão ortográfico.
A criança passa por três momentos críticos: no primeiro uma escrita fonética (escreve da maneira que fala), no segundo momento trata-se de generalizações (aplicação parcial das regras ortográficas) e, por fim, a criança consegue assimilar a regra adequadamente.
Os estudos de Rego e Buarque (1999) apresentam um percurso comum no desenvolvimento de aspectos ortográficos. Inicialmente a criança escreve as palavras foneticamente, ou seja, a pronúncia da palavra é representada integralmente na escrita de acordo com as correspondências grafofônicas regulares aprendidas pelas crianças. Conforme a criança vai tendo contato com novas possibilidades de se grafar determinado contexto ortográfico, vai havendo uma reestruturação das hipóteses anteriores a partir das novas informações. Isto gera uma fase de generalizações indevidas, pois a criança ainda não sabe onde deve empregar a nova grafia, podendo inclusive cometer erros em palavras que antes escrevia corretamente. Gradualmente, a criança vai compreendendo as restrições implicadas naquele determinado padrão ortográfico. Por fim, a criança começa a utilizar adequadamente o contexto ortográfico, o que indica uma aprendizagem efetiva, com a aquisição de um conhecimento mais elaborado. A partir de então, podemos afirmar que a aquisição da escrita é um processo longo e complexo. É por esse motivo que crianças nessa fase não podem ser rotuladas como disléxicas.
É importante salientar que a escola tem papel fundamental nessa avaliação disléxico/ não-disléxico. Segundo Coudry e Sabinson (2001), a escola aparece como o lugar do não- sentido. O que se percebe é uma escrita automática e sem significação para quem escreve. Não há estímulos e nem identificação de um remetente para as produções escritas feitas na escola. Além disso, o que é mais comum em salas de aula são as cópias: tipo de atividade que não apresenta significado para o aluno e que o faz não gostar de escrever porque "dói a mão". Coudry e Sabinson (2001) apresentam dados do Caso BV que, segundo o neurologista, "não dava para estudar". Em seu caderno foi encontrado atividades de cópia. Como, por exemplo, "liste vinte nomes de aves" ou exercícios de repetição: "falar bem rápido pa-la, pa-la, pa-la, várias vezes, até conseguir falar ?plá? e escrever diversas vezes " outubro é o décimo mês do ano".
O que se constata é que as atividades propostas a BV eram exercícios mecânicos sem uma finalidade específica. Quando foi pedido a BV que ele escrevesse textos em que contasse fatos vividos e para um remetente específico, ou seja, que ele teria uma razão para escrever e um leitor previsto, verificou-se que os "problemas" encontrados nos textos produzidos por BV eram comuns àqueles que estavam aprendendo a escrever.
Coudry e Sabinson (2001) concluíram que "(...) as dificuldades de aprendizagem com que são rotuladas muitas crianças acabam por caracterizar um tipo de doença mental, que surge no contexto contraditório das instituições escolar e hospitalar e marca os indivíduos pela exclusão e o isolamento". Dessa forma, o próprio indivíduo passa a se julgar incapaz de realizar uma atividade específica e, mesmo não tendo uma patologia, mas sendo "julgado" como portador de uma, se limita e perde o gosto pelo aprendizado.
Massi et al. (2008) afirmam que situações próprias da vida escolar estão sendo tratadas, até mesmo por médicos e fonoaudiólogos, como sintomas patológicos. As autoras apresenta dois estudos de caso: LHM e GA.
LHM foi avaliada como disléxica aos sete anos, estando na 1ª série do ensino fundamental (estava em fase de aquisição da escrita). Ele "(...) foi encaminhado à avaliação clínica pela escola sob a queixa: ?dificuldade de aprendizagem, principalmente em língua portuguesa?. No relatório constava que LHM realizava cópias,
mas não estabelecia relação grafema-fonema diante de um ditado" (MASSI et al., 2008).
No caso GA, também dito como disléxico por fonoaudiólogos, o sujeito tinha dez anos de idade e estava cursando 4ª série do ensino fundamental. Em sua avaliação constava dificuldades na leitura e na escrita, troca de letras e leitura pausada. Quando ambos foram orientados a fazer construções conjuntas, textos com finalidades específicas, o que se percebeu foi, na verdade, características na escrita comuns a pessoas que estão em fase de aquisição.
Sendo assim Massi et al. (2008) afirmam que
Verificamos, nos dois casos, que os sujeitos manuseiam a escrita a partir de estratégias diversas: apoio na oralidade, uso ?indevido? de letras em função do próprio sistema ortográfico, transcrição fonética, segmentação por influência da oralidade ou pelo conhecimento já interiorizado acerca da própria escrita. Estas estratégias, pertinentes ao processo de apropriação da linguagem, cooperam para a compreensão da relação que se instaura entre as características gerais dos sujeitos e as diferentes manifestações de sua singularidade e, portanto, não podem ser tomadas como sinais de dislexia, mas como indícios da linguagem em uso e constituição. (MASSI et al., 2008: p.337)
O que seria então dislexia? De acordo com a Enciclopédia Encarta, a Dislexia seria a dificuldade específica para ler, escrever, soletrar ou enumerar. Os sujeitos disléxicos costumam ter problemas de coordenação e de auto-organização. Ainda de acordo com a Encarta, a pesquisa sobre as causas da dislexia revelou que a estrutura celular do cérebro disléxico é diferente. Ele tende a utilizar, quando está em processo de aquisição da linguagem, o lado direito do cérebro, quando, na verdade, deveria utilizar o esquerdo Existe, além disso, um fator hereditário e, segundo pesquisas mais recente, tem igual importância um componente genético.
Já segundo Sônia Maria Pallaoro Moojen, que é fonoaudióloga e psicopedagoga, a dislexia é um transtorno que afeta principalmente as operações que envolvem a compreensão da leitura. Ela afirma que o nível de dislexia do sujeito deve ser medido clinicamente, com testes padronizados. É importante salientar que para a Moojen não é possível diagnosticar dislexia em crianças que ainda estejam na 2ª e na 3ª série. Ela salienta que a dislexia é um problema que persiste da infância até a vida adulta do indivíduo.
O fonoaudiólogo exerce, assim, um papel importante no tratamento da dislexia, não só na parte "prática" do tratamento, a fonologia, mas também na emocional. Estando ao lado e apoiando o disléxico nos momentos de leitura, incentivando-o e lendo textos que tragam sentimentos positivos para o mesmo.
O disléxico consegue aprender sim a ler e escrever, mas sempre com atraso mediante os demais e, é claro, enfrentam muito mais dificuldades. Mas esses problemas podem ser superados com o tratamento e acompanhamento corretos.
O que percebemos ao longo desse trabalho é o fato da dislexia não poder ser avaliada somente com testes que só levam em consideração observações feitas em salas de aula ou textos produzidos pelos alunos.
A dislexia é uma patologia da linguagem e merece ser tratada como tal. Um equívoco na avaliação dessa patologia pode representar um sério problema na vida das pessoas acreditadas como disléxicas. Posto que, como dito inicialmente, a criança diagnosticada como disléxica, mesmo sendo um diagnóstico equivocado, passa a duvidar de sua capacidade e se sente inferior em relação aos demais, o que afeta seu desenvolvimento diante da sociedade. Daí a importância de se discutir esse tema mais aprofundadamente.
Após essas reflexões o que percebemos é a necessidade de esclarecer mais e melhor as pessoas que lidam com prováveis sujeitos disléxicos, na tentativa de não cometer erros nos diagnósticos. A dislexia deve sim ser olhada de perto e a escola exerce papel fundamental nessa observação. Atividades que sejam apresentadas aos alunos de forma interativa, que não sejam cópias sem sentido, podem ajudar a diminuir quadros como os de BV, LHM e GA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COUDRY, M. Helena Hadler, SABINSON, M.L. Mayrink. Pobrema e Dificulidade. São Paulo, Unicamp, 18 de julho de 2001.
KATO, Mary Aizawa. A concepção do sistema alfabético por crianças em idade pré-escolar. In KATO, Mary Aizawa [org.]. A concepção da Escrita Pela Criança. Campinas, SP: Pontes, 2002.
MASSI, Giselle et al. Indícios do processo de apropriação da escrita versus sintomas disléxicos. In: Distúrb Comun, São Paulo, 20(3): 327-338, dezembro, 2008.
MASSI, Giselle. e GREGOLIN, R. Reflexões sobre o processo de aquisição da escrita. Curitiba, UFPR, 2005.
MEIRELES, Elisabet de Sousa; CORREA, Jane. Aquisição da ortografia da língua portuguesa por crianças. Disponível em: www.portaleducacao.com.br/ensinando/principal/conteudo.asp?id=6788. Acesso em: 4 de dezembro de 2009.
MOOJEN, Sônia Maria Pallaoro. O Papel do Fonoaudiólogo/Psicopedagogo e da escola na Dislexia. Disponível em: www.andislexia.org.br/artigo-AND-3.doc. Acesso em 07/12/10.
REGO, Lúcia Lins Broene; BUARQUE, Lair Levi. Consciência sintática, consciência
fonológica e aquisição de regras ortográficas. Psicol. Reflex. Crit. v.10 n.2 Porto Alegre ,1997.