REFLETINDO SOBRE QUESTÕES RELEVANTES NA RAPSÓDIA “MACUNAÍMA O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER” DE (MÁRIO DE ANDRADE, 1928)

Por Queila Francisca de Souza | 29/11/2017 | Literatura

            Ao decorrer da nossa leitura da obra Macunaíma de (Mario de Andrade, 1928) podemos perceber a importância desta narrativa, bem como, a dimensão que esta ocupou (ocupa) na literatura brasileira por reunir diversas lendas e mitos indígenas para elucidar a história do então personagem Macunaíma “o herói sem nenhum caráter”, que sai da mata virgem para a cidade de São Paulo onde começa sua trajetória. Dessa forma, é possível identificar em Macunaíma que há uma miscigenação no Brasil, em que os valores de nacionalidade estão inseridos no homem rural, percebemos também que há um sincretismo religioso uma mistura de muitas crenças ao longo da narrativa.

            É importante ressaltar, que o próprio Mário de Andrade quando escreveu Macunaíma, de acordo com alguns críticos não sabia num primeiro momento em que gênero poderia classificar seu livro, sendo assim, acabou classificando- o como sendo uma rapsódia. Entendemos rapsódia como sendo um texto fragmentado, em que, os assuntos dos capítulos são aleatórios e não possuem uma seqüência temporal específica, dessa forma, podemos observar que todos os capítulos do livro são independentes, na qual, cabe ao leitor no decorrer da leitura fazer a amarração entre os capítulos para chegar à compreensão.

            Um ponto ao qual é necessário chamar atenção em Macunaíma, diz respeito ao seu IX capítulo intitulado “Carta pras icamiabas”, capítulo este que em nossa opinião é um dos mais importantes da obra por ser uma carta que mostra de forma riquíssima e detalhada as descobertas do personagem, como também, tudo que estava acontecendo em nosso país naquele momento específico.

            Na carta, Macunaíma descreve o comportamento do homem da cidade para suas amigas Icamiabas, suas novas descobertas, sua descrição dos objetos que ia tomando conhecimento e que os nomeou como sendo “máquinas”. Para Macunaíma, todos os objetos eram máquinas, tais como: automóvel, elevador, apitos, buzinas, relógios, motocicletas, telefone, bondes, entre outros.

            Podemos observar no capítulo IX “Carta pras icamiabas”, que há uma relação muito grande com “A Carta” de (Pero Vaz de Caminha, 1963), uma paródia propriamente dita, porém Macunaíma na descrição de sua carta faz o contrário de Caminha, ou seja, ironiza suas novas descobertas. Constatamos também, que a linguagem deste capítulo é semelhante com a linguagem usada na “Carta de Caminha”, salientamos então que Macunaíma descobre e descreve o Brasil do não civilizado para o civilizado.

            A partir dessas reflexões, Macunaíma em sua condição de índio vindo do interior da mata virgem, relata ao longo da “Carta pras icamiabas” de forma bem irônica aquilo que estava vigente e nosso país, de modo que, com seu estilo pomposo, “o herói” anuncia os problemas encontrados no Brasil.

            Dentre os problemas encontrados no Brasil segundo os relatos irônicos de Macunaíma, podemos constatar a valorização daquilo que é do exterior, como por exemplo, as “francesas” (termo designado às prostitutas).  A ironia se enriquece e é muito válida a partir do momento em que o personagem descreve que as “francesas” não “brincam por brincar” e que nada é gratuito tudo tem um preço, logo, estas, gostam de coisas boas e caras e para os nativos do Brasil “brincar” com elas têm-se que gastar muito dinheiro para suas iguarias.

            Relata também que as mulheres paulistanas são muito formosas, sábias, viajadas e educadíssimas e que aprendem tudo com as “francesas” e que gastam seu tempo em teatros, fazendo as unhas, comprando produtos da Europa, Rubis da Índia e muitos outros produtos importados. Logo, faz questão de enfatizar que as mulheres de São Paulo diferem das “icamiabas” não só no físico, como também, no modo de vida e nos ideais.

            Outro dado importante que podemos constatar na “Carta pras icamiabas” diz respeito à denúncia da exploração no Brasil e que cada vez mais pessoas ilustres de outros lugares aqui chegavam para usufruir da nossa riqueza, fato este bem representado no capítulo VI da narrativa “a francesa e o gigante”, na qual aqui podemos tomar o “gigante” como sendo o estrangeiro, o conquistador e que Macunaíma tenta com veemência defender aquilo que é dele por direito.

            Podemos observar também que a descrição que o personagem faz da cidade de São Paulo é muito importante para entendermos que estávamos vivendo o crescimento e desenvolvimento do Brasil. A sociedade parecia bastante mudada e havia muitas fábricas, principalmente em São Paulo, grandes aglomerados urbanos, na qual, o comércio e a indústria prosperavam rapidamente, devido à grande aglomeração de consumidores brasileiros, bem com, de colonos estrangeiros. Sendo assim, Macunaíma descreve a cidade de São Paulo como sendo agitada, com seus arranha- céus, ruas cheias de gente, cinemas, teatros, casas de moda, ônibus, muita polícia, enfim, critica o capitalismo paulistano e enfatiza um ponto muito curioso ao dizer que “falam numa língua e escrevem noutra”.

            Retomando um fator aqui já mencionado, é muito curiosa a abordagem em que o autor faz da miscigenação no Brasil e esse fato se torna evidente quando o associamos com a leitura do capítulo V Piaimã, momento em que Macunaíma cansado de caminhar e muito suado resolve tomar banho no rio. Logo, por ser uma água encantada “o herói” quando saiu do banho estava branco, loiro e com os olhos azuis, vendo sua transformação seus irmãos também fizeram o mesmo.  

            Porém, quando Jiguê irmão de Macunaíma se atirou na água ficou com uma cor de bronze, pois a água já estava suja da negrura do herói e por mais que ele se esfregasse não adiantaria. O mesmo aconteceu com Maanape, como Jiguê se mexeu muito acabou derramando quase toda a água do buraco e Maanape só conseguiu molhar a palma dos pés e das mãos e com isso continuou negro. Diante disso, é possível identificar através dessa mudança de cor dos personagens que o autor quer mostrar que o significado desse banho é para evidenciar as três etnias presentes no Brasil, são elas: o branco, o negro e o índio.

            Outro fator que nos chama muita atenção em Macunaíma diz respeito à forma minuciosa e detalhada em que Mario de Andrade descreve todos os capítulos, ou seja, tanto os mitos quanto a descrição minuciosa das crenças indígenas, há uma riqueza muito grande de detalhes tanto dos personagens quanto das variadas espécies de bichos, plantas, etc.

            Por fim, um fato que não poderíamos deixar de abordar em nosso ensaio diz respeito ao epílogo da narrativa, na qual é o momento em que nós leitores nos deparamos com a descoberta de que quem narra à história de Macunaíma é um papagaio, uma vez que com o passar dos anos a tribo dos Tapanhumas e os filhos destas se acabaram e junto com eles foi-se também a língua da tribo.

            Assim sendo, fica a cargo do papagaio dar continuidade aos relatos de Macunaíma, haja vista que, ninguém sabia falar na língua da tribo Tapanhumas. Logo, a perpetuação dos fatos é contada diretamente ao escritor do livro Mário de Andrade através do papagaio como bem coloca o ultimo parágrafo do epílogo.  

            Em suma, concluímos que nosso ensaio não conseguiu dar fim as reflexões sobre a rapsódia Macunaíma e nem seria essa nossa pretensão dado a grande relevância da obra para a literatura brasileira, porém nosso objetivo foi de tentarmos colaborar mesmo que minimamente para que os principais fatos fossem aqui apontados e analisados.

Referências

ANDRADE, Mario de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Ed.30ª, Belo Horizonte: Villa Rica, 1997.