Redução de Direitos Trabalhistas por Norma Coletiva de Trabalho

Por LETICIA DE LIMA FARIAS | 10/11/2017 | Direito

SINOPSE DE CASE: Redução de Direitos Trabalhistas por Norma Coletiva de Trabalho[1]

Letícia de Lima Farias[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

 Diante da crise financeira, a Montadora de Veículos WFFGM Ltda., em 2 de janeiro de 2016 celebrou acordo coletivo de trabalho com o sindicato profissional, respeitando todas as normas que regem o assunto. Ficando pactuada o que segue: estabilidade provisória dos empregados entre 02/01/2016 a 31/12/2016, havendo rescisão, todos os direitos trabalhistas seriam pagos em dobro, além disso ficou acordado que os trabalhadores prorrogariam sua jornada diária por duas horas remuneradas com adicional de 10% (dez por cento), bem como não receberam o décimo terceiro de 2016.

Pedro Correa de Castro fora dispensado em 30/09/2016, recebeu sua rescisão, com valores em dobro até 02/02/2017 (considerando 33 dias de aviso prévio), conforme previsto no acordo coletivo. Todas as verbas de rescisão foram pagas em dobro, inclusive 80% de indenização sobre o montante do FGTS. Porém, em 06/02/2017 ele ingressou com Reclamação Trabalhista na Justiça do Trabalhista na Justiça do Trabalho, alegando nulidade do acordo coletivo de trabalho, requerendo o pagamento do adicional de 40% sobre um total de 720 (setecentos e vinte) horas extras e do décimo terceiro do ano de 2016.

 Diante do exposto questiona-se: Como deve ser julgado o pedido de Pedro Correa de Castro? Com base em qual fundamentação? Para embasamento das questões deve-se responder as seguintes perguntas secundárias:

  • Quais os argumentos que podem ser utilizados por Pedro Correa de Castro sustentando a tese de nulidade do acordo coletivo de trabalho?
  • Quais argumentos podem ser utilizados pela Montadora de Veículos WFFGM Ltda sustentando a tese de validade do acordo coletivo de trabalho?

2 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA QUESTÃO

2.1 Argumentos que podem ser utilizados por Pedro Correa de Castro sustentando a tese de nulidade do acordo coletivo de trabalho

O princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas constitui uma forma de proteção ao trabalhador, assim, a classe profissional ser impossibilitada de “privar-se voluntariamente em caráter amplo e por antecipação, dos direitos concedidos pela legislação trabalhista” (Márquez, 1969 apud RODRIGUEZ, 2000, p.59). Ou seja, o trabalhador não pode renunciar uma ou mais vantagens trabalhistas previstas na legislação que venha a lhe favorecer.

De acordo com Samira Marques Henriques (2009) “O empregado não pode renunciar seus direitos, via de regra. Mas, se essa renúncia, por ventura, for favorável a ele, será permitida sua ocorrência desde que seja pela tutela jurisdicional” (HENRIQUES, 2009). No sentido de renúncia em prol de normas favoráveis ao trabalhador a Constituição Federal (1988) em seu artigo 7º dispõe que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social ” (BASIL, 1988).

Essa renúncia em casos que visam o favorecimento do trabalhador constitui uma flexibilização do Direito do Trabalho, segundo Antônio Álvares (2002):

O Direito do Trabalho sempre foi flexível e como direito protetor, evolui sempre no sentido de compensar a desigualdade social e econômica do trabalhador com vantagens e benefícios jurídicos. Neste sentido, sempre houve mudanças e adaptações, mas para melhorar a situação do trabalhador (ALVARES, 2002 apud RESENDE, 2014).

Porém, no caso em questão, não se vislumbra qualquer ganho favorável ao trabalhador, e sim uma falta de escolha, diante de uma crise econômica, o que o trabalhador evita é o desemprego, assim, aceita qualquer acordo imposto pelo empregador.

Observando as regras do acordo coletivo, pode-se afirmar que houve violação a outro princípio do Direito do Trabalho, o de Vedação ao Retrocesso, de acordo com Geraldo Magela Melo (2010) “após a implementação de direito fundamental, não poderá haver retrocesso, ou seja, não pode praticar ato que vulnere um direito que estava passível de fruição, sem que haja uma medida compensatória efetiva correspondente” (MELO, 2010).

No caso em questão, houve retrocesso ao realizar o acordo coletivo, apesar de promover a estabilidade dos trabalhadores, houve prorrogação de jornada, e pagamento de hora extra reduzido para 10%, caso evidente de indenização ao trabalhador.

Assim, em detrimento da perda econômica do empregado, a empresa realizou o acordo coletivo no intuito de melhoramento na produção e no lucro da empresa, e consequentemente o não desemprego dos 902 trabalhadores.

Porém, mesmo diante de uma crise econômica, não cabe ao trabalhador suportar os riscos do negócio, além disso, deve-se levar em conta, que o trabalhador corresponde a parte hipossuficiente da relação, sendo válido o questionamento a respeito dos limites que o acordo coletivo deve respeitar em face dos direitos trabalhistas já estabelecidos.

O limite do acordo coletivo são os próprios princípios do Direito do Trabalho, a Constituição Federal, bem como o que está disposto na Consolidação das Leis Trabalhistas (1943), especificamente no artigo 9º dispõe que: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” (BRASIL, 1943).

Com relação aos limites Constitucionais, Maurício Godinho afirma que 

A Constituição sufragou o caráter imperativo do Direito do Trabalho, como regra geral; por sabedoria e coerência, permitiu-lhe certos caminhos de adequação, sem perda de sua essência e de seus objetivos cardeais, e sempre por meio da negociação coletiva trabalhista (GODINHO, 2009 apud  RESENDE, 2014).

Sendo assim, o acordo coletivo celebrado entre a Montadora de Veículos WFFGM Ltda e o sindicato profissional deve ser considerado nulo, por não respeitar os limites constitucionais, e previstos na CLT.

2.2 Argumentos podem ser utilizados pela Montadora de Veículos WFFGM Ltda sustentando a tese de validade do acordo coletivo de trabalho

É válido afirmar que o Brasil tem enfrentado crise em diversos setores da economia, entre eles, o setor de montadoras de veículos. A principal medida tomada pelas empresas é a redução do número de empregados, visando diminuição de despesas. Porém esse período de crise econômico-financeira traz um conflito entre dois princípios: o de proteção ao emprego e o de preservação da empresa (MAIA, 2016).

O princípio da preservação da empresa é de fundamental importância no âmbito econômico-financeiro, de acordo com Andressa Retori Maia (2016)

As empresas a base da economia nos países capitalistas, afinal, são elas que geram emprego, possibilitam a inovação tecnológica e recolhem os tributos mais expressivos, os quais, por sua vez, são essenciais ao Estado, para que este, possa, a seu turno, desempenhar suas funções, inclusive sociais (MAIA, 2016).

Frisando também a importância das empresas no setor econômico do país, Carlos Farracha de Castro (2007) afirma que “não se pode falar em busca do pleno emprego, sem propiciar a preservação da empresa (...). Afinal, o exercício da atividade empresarial é a fonte de tributos e empregos” (CASTRO, 2007 apud VARELLA, 2009).

O princípio da preservação da empresa deve ser entendido conjuntamente com a função social da empresa, ou seja, aquelas em que o seu fechamento geraria efeitos graves a sociedade,

Como é o exemplo das montadoras de veículos em razão de sua atividade fim, da geração de empregos diretos e indiretos, no recolhimento de tributos e demais interações com a sociedade, não seria interessante a liquidação imediata de uma dessas fábricas, de modo que, na maioria das vezes, o Estado aplica capital público, na qualidade de empréstimos e ressalvas legais, com o intuito da preservação daquela entidade privada (VARELLA, 2009).

Diante da crise econômico-financeira é legitima a flexibilização da regra de normas coletivas somente para ampliar direitos, como exceção pode haver uma diminuição de direitos, desde que esteja previsto em norma coletiva. No caso em questão, a Montadora de Veículos WFFGM Ltda primou pela transparência e boa-fé ao celebrar a norma coletiva com o sindicato dos trabalhadores, esses que concordaram com todas as questões abarcadas pelo acordo.

Desta forma, não há que se falar em nulidade do acordo coletivo, não existindo também fundamentos para a reclamação trabalhista apresentada por Pedro Correa de Castro, uma vez que seus direitos foram pagos conforme o estabelecido no acordo coletivo.

REFERENCIAS

BRASIL. CLT (1943). Consolidação de Leis Trabalhistas. Vade Mecum. 16 ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. 16 ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

HENRIQUES, Samira Marques. O princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. 2009. Disponível em: < http://revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a149.pdf>. Acesso em 06 maio. 2017

MAIA, Andressa Retori Teixeira. Flexibilização das normas trabalhistas em tempos de crise. 2016. Disponível em: . Acesso em: 07 maio. 2017.

MELO, Geraldo Magela. A vedação ao retrocesso e o direito do trabalho. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.52, n.82, p.65-74, jul./dez.2010. Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/handle/11103/13045>. Acesso em 06 maio. 2017.

RESENDE, Júlia Mendonça de. LIMITES JURÍDICOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA. 2014. Disponível em:< http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=98>. Acesso em: 07 maio. 2017.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª edição atualizada, Tradução e Revisão Técnica de Wagner D. Giglio. 200. Disponível em: <https://fiquesursis.files.wordpress.com/2012/04/livro-princc3adpios-do-direito-do-trabalho-amc3a9rico-plc3a1.pdf>. Acesso em 06 maio. 2017.

VARELLA, Emerson dos Santos. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL NÃO ESCRITO. 2009. Disponível em: . Acesso em: 07 maio. 2017.

 

[1] Sinopse de Case apresenta a Disciplina de Direito Coletivo do Trabalho, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Aluna do 8 período, vespertino da UNDB.

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