REDUÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR NORMA COLETIVA DE TRABALHO
Por Karla Alessandra Salim Magluf Marques | 29/06/2017 | DireitoSINOPSE DE CASE: REDUÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR NORMA COLETIVA DE TRABALHO [1]
Karla Alessandra Salim Magluf Marques[2]
Hélio Antônio Bittencourt Santos[3]
1 DESCRIÇÃO DO CASO
Com a crise financeira a montadora de veículos WFFGM LTDA, resolveu celebrar um acordo coletivo com o sindicato profissional, estipulando que haveria a estabilidade de todos os 902 funcionários empregados no período de 02.01.2015 a 31.12.2015. e caso houvesse alguma rescisão todos os direitos trabalhistas seriam pagos em dobro. Dito isso, a empresa, exigiria dos seus funcionários que prorrogassem a hora de trabalho, para duas horas a mais, sendo remunerada com 10% e não receberam o valor do décimo terceiro de 2015.
Pedro Correa de Castro, funcionário da empresa WFFGM, foi dispensado em 30.09.2015. Após a homologação da sua rescisão o mesmo recebeu todos os valores refletidos em dobro até 02.02.2016, conforme exposto no acordo coletivo criado pela montadora. Porém em 04.02.2016 alegando a nulidade do acordo coletivo de trabalho, Pedro, peticionou uma Reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho, requerendo o pagamento do adicional de 40% sobre um total de 720 horas extras e do décimo terceiro do ano de 2015.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1. Quais os argumentos que podem ser utilizados por Pedro Correa de Castro sustentando a tese de nulidade do acordo coletivo de trabalho?
O Direito do Trabalho, tem um caráter rígido, uma estrutura sólida de maneira com que as leis que o regem não dê brechas para possíveis lacunas que possam a vir prejudicar o trabalhador. A partir da análise do caso concreto, pode-se ser utilizado como forma de sustentação em um primeiro momento, sobre a tese de nulidade do acordo coletivo de trabalho, apresentado pela Montadora WFFGM para os seus funcionários, o princípio da irrenunciabilidade.
O princípio da indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas, por sua vez garante que os direitos não sejam renunciados pelos empregados, de maneira unilateral nem que sejam pactuados em acordo bilateral, ou seja, não cabe aos empregados ou empregadores dizerem se querem ou não, fazerem jus aquele determinado direito trabalhista.
Assim, dentro do caso concreto, pode-se utilizá-lo de forma que, não cabe ao Pedro Correa, renunciar o direito de receber seu décimo terceiro salário, conforme exposto no art. 7º, inciso VIII e também não cabe a ele renunciar o pagamento de hora adicional de 50% , conforme o mesmo artigo no seu inciso XVI, dentro de um acordo coletivo. Uma vez que tais direitos trabalhistas não estão expostos tão somente na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), como também está na Constituição Federal, como direito fundamental para a melhor condição social, fazendo assim parte do rol dos direitos a serem garantidos para todos os trabalhadores.
Outro aspecto que também pode ser levado em conta para a sustentação da tese de nulidade do acordo coletivo, é o princípio da imperatividade das normas, que conforme o autor Maurício Delgado expõem, “As regras justrabalhistas são, desse modo, essencialmente imperativas, não podendo, de maneira geral, ter sua regência contratual afastada pela simples manifestação de vontade das partes” (2015, p. 204). Tal princípio tem como função garantir a eficácia do respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Outro argumento que pode ser utilizado em defesa da nulidade do acordo coletivo, é respeito da teoria da flexibilização. De acordo com essa teoria, é preciso buscar mecanismos que flexibilizem o Direito do Trabalho, que seja capaz de retirar o mínimo que seja a rigidez que envolve esse conjunto de normas, de maneira que se encaixe na realidade política, econômica e social que a população vive.
É inquestionável, a necessidade do Direito como um todo andar conjuntamente com a evolução da sociedade, porém, não pode ser admitido que para que haja essa sincrônica, princípios básicos, sofram violações, independe de qual ramo do Direito for. Sendo importante expor que é preciso utilizar essa teoria da flexibilização, sem ferir ou violar direitos fundamentais para uma boa condição de trabalho, como também uma condição digna de vida.
Vide o posicionamento do autora Dayane Souza Cunico na sua obra “Os limites da flexibilização no Direito do Trabalho sob uma perspectiva constitucional”, a respeito da aplicabilidade da flexibilização dentro do Direito Trabalhista:
“Se, do ponto de vista econômico, as mudanças impostas pelas leis do mercado no campo das relações entre o capital e o trabalho, visando à manutenção da empresa e do emprego, são inevitáveis, urge que seja preservado o homem. Ele é detentor de direitos fundamentais, amparado por normas que não são afastadas ou eliminadas. (CUNICO, Dayane Souza. Os limites da Flexiblização no Direito do Trabalho sob uma perspectiva constitucional. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, nº 27, p. 119 a 138, 2010).
Analisando o caso concreto, pode-se observar que conforme esses princípios anteriormente mencionados, nota-se que o acordo coletivo selado pela Montadora WFFGM LTDA com seus funcionários, viola os princípios básicos do Direito do Trabalho, como também a própria constituição. Uma vez que os direitos que protegem os funcionários são irrenunciáveis não cabendo possibilidade de acordo em relação a renúncia total ou parcial deles.
Por fim, a teoria da flexibilização que vem sendo muito discutida na atualidade, de forma a buscar uma maior flexibilização na hora de se interpretar as leis mais rígidas, ela é claro uma ótima forma de garantir que haja uma conexão entre o desenvolvimento da sociedade e o próprio direito, uma vez que o mesmo não consegue abarcar todas as inúmeras situações que englobam o ser humano. Porém é preciso garantir que certos fundamentos axiológicos, como o caso dos direitos fundamentais, os próprios princípios básicos que estruturam o Direito do Trabalho, recebam caráter absoluto. Até porque não se pode colocar com premissa máxima o desenvolvimento econômico de uma sociedade é preciso em primeiro garantir uma melhor qualidade de vida, emprego, alimento, lazer e educação para o ser humano.
2.2. Quais os argumentos que podem ser utilizados pela Montadora de Veículos WFFGM LTDA, sustentando a validade do acordo coletivo de trabalho?
Em um primeiro momento é preciso compreender a realidade que o país se encontra atualmente. Levando-se em consideração a crise financeira que o Brasil vem passando, a dificuldade que as empresas de grande, médio e pequeno porte estão tendo para manter não só a produção, como também seus funcionários e claro sua lucratividade, é preciso se discutir a respeito sobre essa imperatividade do Direito do trabalho quando se trata de acordos coletivos.
Dentro do caso concreto, a montadora WFFGM LTDA, buscou fazer um acordo coletivo com seus funcionários de modo a garantir que não houvesse uma demissão em massa dos seus funcionários, dito isso buscou dentro do estudo financeiro da própria empresa buscar soluções para se evitar o prejuízo de perder seus funcionários, como os mesmos de perder seus empregos.
A partir disso, pode-se utilizar de argumento para a validade do acordo coletivo o princípio da boa-fé, que vem a ser um princípio que esta interligado a inúmeros ramos do direito, não sendo diferente ao se tratar dos acordos coletivos.
Vide posicionamento do autor Otavio Pinto da Silva “Toda negociação coletiva deve partir do pressuposto básico de que as partes se comprometem a negociar de boa-fé e a proceder com lealdade em todos os seus entendimentos, assim como na execução do que vier a ser acordado” (SILVA, Otaviano Pinto. A contratação coletiva como fonte do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 105)
Dito isso, a Montadora WFFGM LTADA, agiu de boa-fé ao garantir o pagamento total do que foi acordado pelo acordo coletivo, quando houve a demissão do funcionário Pedro Correa, o que por sua vez não manteve a boa-fé, uma vez que após receber todos os seus direitos trabalhistas, entrou com um pedido de reclamação no Ministério do Trabalho, exigindo direitos que não foram colocados dentro do acordo coletivo.
Vale ressaltar que no processo de criação de um acordo coletivo, para que haja validade do mesmo é preciso que certos princípios sejam estruturados conforme a autora Suzana Martins na sua obra O princípio da boa- fé na negociação coletiva trabalhista: “o primeiro deles é o dever formal de negociar, mediante o qual as partes se obrigam a examinar as propostas recíprocas e a formular contrapropostas convergentes, substitutivas, modificativas ou supressivas, de maneira que a rejeição de uma determinada proposta deve levar à discussão dos motivos que justificam a recusa.” (2006, p.175, 176).
Ou seja, cabia ao funcionário Pedro Correa, no decorrer do processo de desenvolvimento do acordo coletivo, expressar suas ideias e indignações as respeito das cláusulas que estruturavam o mesmo, a fim de confrontar direitos que o mesmo achava correto a ser respeitados.
Outro argumento a ser levado em consideração é a Teoria do conglobamento, tal teoria conforme o autor Maurício Delgado, “propugna pela organização instrumental normativo em função da matéria tratada, para se extrair o instrumental mais favorável, encarado este sob um ângulo unitário, do conjunto” (2015, p. 187). Dito isso, é possível analisar o caso concreto, da seguinte maneira, a intenção do empregador ao fazer o acordo coletivo foi manter os empregados dos funcionários, garantindo que recebessem seus direitos trabalhistas de maneira dobrada, porém estipulando o cumprimento de duas horas extras com adicional de 10% e sem o recebimento de décimo terceiro.
Sendo assim, o manter o emprego dos funcionários, além de garantir caso houvesse demissão o recebimento dobrado dos direitos trabalhistas é uma forma de garantir o melhor parâmetro coletivo, dando oportunidade para o recebimento dos seus respectivos salários, com isso, os funcionários poderiam manter suas condições dignas de sustentar suas famílias e a si como também continuaria a produção da empresa de forma a alimentar a máquina financeira do país.
Desse modo, é possível concluir que o empregador ao realizar o acordo coletivo estava tentando unir suas condições financeiras com os direitos trabalhistas, de forma a construir um instrumento normativo que mantivesse as condições dignas de trabalho do empregado, como seus direitos trabalhistas, mas também de forma a garantir que e a produção da sua empresa pudesse ser mantido.
REFERÊNCIAS
CUNICO, Dayane Souza. Os limites da Flexiblização no Direito do Trabalho sob uma perspectiva constitucional. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, nº 27, p. 119 a 138, 2010
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14.ed. São Paulo: LTr, 2015.
MARTINS, Suzana Leonel. O princípio da boa-fé na negociação coletiva trabalhista. PUC, 2006. Disponível em: < www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp011981.pdf > acesso em: 26 de março de 2016
SILVA, Otaviano Pinto. A contratação coletiva como fonte do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998