Redondilhas soltas
Por António Lourenço Marques Gonçalves | 18/02/2014 | PoesiasAS PALAVRAS DAS IMAGENS 12
REDONDILHAS SOLTAS – TEMA VÁRIO
(ilustraram algumas das minhas fotografias, em particular sobre os sítios, publicadas no facebook, durante os últimos quatro meses)
I
Amigo
Chegou, por fim, um amigo.
Amigo certo, augusto.
O meu segredo, partido,
Oh se ficou mais robusto!
Amor
Tens um nome que é sozinho;
Na mesma, o sol não tem par.
Mas, amor, sem par és sonho!
E ó Sol: é sonho o luar?
Ser rico
Dizias que eras rico!
E tinha razão de ser:
Não é pobreza, se chega,
Mas querer de mais a haver!
Rosa do Natal
E quando brota o botão
No inverno que inicia
Prepara-se a dar a flor
No Natal, no próprio dia.
Palavras trazem palavras
Gosto, que querem, de ver
Nascer sentido insuspeito.
Palavras trazem palavras…
Palavras trazem o jeito.
Agosto
Porque é que o verde saiu
Suavemente do prado?!
Vieram cores esplendentes;
E o talo vai ser cortado!
Outono
Não te entristeças. Sossega!
Como se o ocaso enganasse!
A sua luz desafia: morre
P’ra outro dia que nasce.
Foi assim que eu nasci
Fenda, golpe, explosão!
Gelo inciso derretido.
Rio que corre e se afunda...
Dedilhava o coração.
Biombos (hospitais)
Que fortaleza concreta!
O biombo bem aberto
Isola - há mais seguro? –
A morte que anda perto.
Dou-te o destino mais certo
Dou-te o destino mais certo:
Se vais buscar a riqueza
De ouro ou coisa que o valha,
Vai longe, mas vai de surpresa.
Se procuras outro bem,
Fortuna maior que aquela,
E o coração te diz chega,
Tu tem-lo perto. Cautela!
Árvores outonais
São de amarelo brilhante.
Excedem-se. Estão no seu trono!
E vejam como modulam
Este trilhar do outono.
P’los campos
Volta e volta, vou passando.
Entro nos campos. Que alma!
Anos já foram e se eu fui…
E os campos novos. Que calma!
Efemeridade
Efémera, sim, é a vida
Se mesmo longa ou pesada
É vê-la correr perdida
Só porque tem abalada.
Donzela que vai pr’á Sé
É tarde. Vai para a Sé,
Adornada. Dentro dela
Vai o sol que lá só entra
Rendilhado p'la janela.
II
Souto da Casa
Vê-se entre as árvores o burgo
Mais um destino que rasa.
Tem rente abrigo e vigor.
Sinto-me em Souto da Casa.
Basta-me uma janela:
O sol a acende e desvenda;
E à noite até o luar
Me prende a ela de renda!
A praia fluvial do Souto da Casa
Vêm da Gardunha as águas
Frescas, rumorosas e cheias.
Milheirais, cascatas, azenhas…
E como afagam as areias!
Capela do Senhor da Saúde
Saúde, Nosso Senhor,
Aqui vos pedem aflitos.
Uns vão à tua capela;
Não creem ser favoritos!
Senhor da Saúde, aos aflitos
Valei. Ó é tão linda a capela.
Tens santuário infinito
Mas basta ver-Te à janela.
Eu vou, confio, à capela
Do Senhor da Saúde
Sei que levando mazela
Encontro lá a virtude!
Quando chega a romaria,
Nosso Senhor, quem lá vem?
Uns vêm rogar saúde;
Todos pedem o teu bem.
Senhor da Saúde valei-me;
Curai as minhas mazelas.
Trago-te o cheiro mais fino
Neste ramo de marcelas.
Azeitonas
Azeite, luz, lamparina;
Namoro, amuo, capricho.
Nem sempre a bela azeitona
É desprovida de bicho.
Azeite, luz, lamparina;
Namoro amuo, tineta.
Escolhe bem a azeitona:
P'ra mais luzir é a preta!”
Trova sobre o Fundão
Serra da Estrela à beira
Duma cidade regaço.
A neve, tocando a lã,
Declara-se: o meu abraço!
O seminário entra a Gardunha e a Estrela
Não resisto a comparar
Uma grandeza mundana:
Montanha nobre que eleva,
E escola que de tal se ufana!
Vê-se a Estrela e a Gardunha.
Não nego a educação.
E posso ser testemunha:
Que fundo e que amplidão!
Porto seguro – Cova da Beira
A folha tombou, cansada.
Teve a sorte de o futuro,
Vigilante do apuro,
Lhe dar um porto seguro.
O entardecer, no Alcambar
Sombra ou luz, qual a medida?
Ah como elas se dão bem!
O brilho passa e volta
P’ra sombra viver também!
Ao cimo da rua da cale
Quem desce a rua da Cale,
Vendo o mercado estafado,
Admira - pois que fazer! -
Este gosto do passado!
Fonte das oito bicas
Efémera, sim, é a força
Que deu a alma ao lugar.
Se há alma vista na pedra,
Foi a pedra que a fez guardar.
Capela do Espirito Santo
Alguns mimos do passado,
Tão gastos, mas que luzidos!
Capelas, fontes, terreiros
Já não de terra. Polidos!
Escadaria da matriz de Aldeia de Joanes
Tanto as escadas bateu
De rocha velha e já gasta,
Onde a luz pica e desmaia
Com força, que disse - basta!
Casa em ruínas nos campos de Aldeia Nova
A casa cai. A folha velha
Também tomba nesta leva.
Triste a sina da casa.
A folha, breve, se eleva.
Campos de Castelo Branco
À beira de a Beira estreitar?
Tem o campo e a campanha,
Pomares, córregos, granito…
E gente antiga que estranha.
O castelo e a torre do relógio em fundo
O castelo e o relógio
Olham-se, mas são diferentes:
As ameias foram voga;
As horas, sempre correntes.
Museu Tavares Proença
Se o museu fosse meu,
Com este aviso conciso -
“Santo, troféu, mausoléu”,
Dava-o como um recanto
Da terra no paraíso.
Estátua da morte no jardim do Paço
Ah! Se a estátua fosse viva!
Ela, a morte, lá está.
Só viva guarda cativo
Quem à estátua se dá.
A teia de aranha suspensa no jardim do Paço
Como se a rima ruísse;
Como se o ritmo coubesse.
A teia hesita suspensa
Mas só a aranha é que a tece.
Pedras da Egitânia
Ó velhas pedras dizei-me,
Com esta paz, o segredo:
Tantas tormentas dobradas
E nem uma aresta de medo?!
Casa florida à beira da estrada romana, em Idanha-a-Velha
Galguei a estrada romana:
Que vigor! Nem passam horas!
Ó mulher, não me divides
Este recato onde moras?!
Monsanto
O encanto duma nave
De pedra alta, suave,
Que desliza como um manto,
É magia de Monsanto.
A lua no horizonte ao entardecer, em Monsanto
Como te prestas, ó lua,
A cobrir um tal lençol?
Olha que o sol já tresmalha
E tu sozinha... que rol!
Cais das colunas
Repara que o assento firme
Tem no limite as amarras
Que tanto podem soltar
Como na afronta ser garras.
Mosteiro dos Jerónimos
Escreveu na folha a bravura;
Deu fama ao sal nesta pedra
Por lhe crer ouro e ventura;
Oh! pedra, mostra-te dura!
Céu de sagres
O que te diz este céu?
Vestiu-se de cores lívidas -
Não fossem elas zangar-se.
Prefere alar sem dívidas.
Petra
Petra de pedra, primeiro;
Pedra tesoiro, segundo.
Rochas de Petra, que pasmo,
Cavadas em rosa profundo!
No anfiteatro de Segesta
Tanta pedrinha disposta!
Que idade? Quem lhe dá monta?!
Tão juntinhas se fizeram
Que duram tempo sem conta.
A luz, na Índia
...foi esta luz penetrante
Que a mente inundou, distante;
Ficaram firmes palavras
E o Homem cresceu...instante.
III
Se a solução são os cortes…
Aflitos com a carestia,
Como é que isto se melhora?
Se alguém tiver que sair,
Ficam os juízes de fora.
Hoje é dia de orçamento
P’ra cortes…cortes…e cortes…
Que ror! Nem lhe falta o cálculo
Dos velhos safos de sortes!
Fechar, fechar, eia, avante!
Que ritmo! Fogoso avanço!
Mas é impulso de instante?
Oh! Como legou o balanço!
A convergência…
Se é lucro, ganha o dinheiro,
É privado, Ruderico.
Se é reforma dos privados,
É tudo serviço público.
Implorando
Tudo perdido. Mentira?
Promessa... Peço favor…
Oh com meu joelho dobrado
Se me fizésseis senhor!
Lisboetas?
Lisboeta? Assim o valha.
Vestem de cores vivaças.
Garridos. E atrevidos?
Ah se lhes atiram mordaças!
O vulto de charles Chaplin na estante
Bengalim imaginário?
Depende como se avista.
Os livros ali ajudam.
E o bigode? Perfeito artista!
Cortes de facas
Tanto o Rossio se ergueu
De vozes maduras, cortadas,
Que as facas, voando alto,
Levavam golpes, pedradas!
Quibir
Quando armaram o Quibir
Obraram lá um messias
Jeitosinho para vir
A matar um rei Golias.
Se em Quibir sobrou messias
P’rá desgraça remendar,
Apanha-se cá o Golias.
Mau, mauzinho… Tiro ao ar!
António Lourenço Marques