Redes, atores e processos políticos: reflexões sobre categorias e análises em campo

Por Érika Catarina de Melo Alves | 12/08/2019 | Sociedade

O conceito de rede ganhou um lugar comum nas analises das chamadas sociedades contemporâneas, sendo acionado para definir as formas de socialização, fluxo de informações e interações entre os grupos humanos. Este tipo de aparelho conceitual oferecido pela concepção de rede é utilizado de diversas maneiras pelas Ciências Sociais, em especial pela Antropologia. Neste trabalho, apresentarei como o texto clássico de J. A. Barnes, escrito em pleno contexto das mudanças sociais ocorridas na África Central, proporcionou uma série de estudos articulados pelo Rhodes-Livingstone Institute em meados dos anos 1940 do século passado.

No texto, "Redes sociais e processo político”, Barnes (2010) procura ampliar e refinar o conceito de rede já utilizado em seu trabalho anterior sobre uma comunidade norueguesa[1]. Ali, o autor se propõe a analisar os indivíduos e as suas estratégias, a partir de suas interações a partir da rede. Neste sentido, Barnes pode ser considerado como precursor no uso do conceito de rede. Trata-se de uma tentativa de instrumentar o conceito de rede – utilizado até ali de maneira simbólico – primeiramente utilizado por Radcliffe-Brown como um meio metodológico, de compreensão das relações sociais entre indivíduos. Posto que, Radcliffe-Brown usou a noção de rede como um tipo de simbologia para entender a estrutura social, assim este conceito estaria ligado de certa forma a situações de permanência, e não nas articulações temporárias.

Barnes (2010) realiza uma tentativa de refinamento do conceito de rede, conceptualização que ele remete à Radcliffe-Brown. No entanto, Barnes marca uma posição quanto à utilização de rede, pois para ele, conceitos são construções analíticas e como tais servem para ir além de uma reflexão cognitiva sobre estruturas sociais. Se para Radcliffe-Brown a estrutura de uma dada realidade social é apresentada como uma rede de relações que existem efetivamente, e que há nessas uma relação com simetria, para Barnes o importante é entender que membros impigem um no outro. Quem são os seguidores e quem são os líderes? Quais relações se irradiam?

Rede como categoria de análise nada mais é na conceituação do autor, um conjunto de relações interpessoais concretas. Estes estudos fazem parte de uma conjuntura de transição na Antropologia, que até então se detinha aos estudos de sociedades e culturas particulares, parte então, para o estudo de sociedades contemporâneas. Construindo no seio da disciplina questões tais como, quais problemas as sociedades complexas apresentam?

Para tanto, este trabalho também tem a pretensão de delinear de maneira sintética o conceito de rede esboçado por Barnes (2010) em outros autores. Pontuando aproximações e distanciamento, concluindo que este conceito se tornou caro para as etnografias que refletiam principalmente as transformações sociais de grupos e contextos atravessados por intensas mudanças nas relações humanas.

 

Refinamento de conceitos, rede social, análise situacional e campos sociais.

 

Adrian Mayer (2010) destaca que Radcliffe-Brown usou a noção de rede para descrever metaforicamente o que enxergava na realidade social, cabendo a Barnes o esboço do termo e uma definição mais precisa sobre. Em seu texto sobre os processos sociais e as redes, Barnes (2010) anota duas definições do conceito, rede total e rede parcial. Sendo esta última, a extração de uma rede total, como “a rede cognática de parentesco forma uma rede parcial facilmente identificável” (op. cit. p.179). Para este autor, rede deve ser utilizada para visualizar um campo social. Propõe termos específicos, posto que o conceito de rede pudesse em sua visão, seccionar a rede total de diversas maneiras, servindo para examinar posições, formas e conteúdos das relações sociais.

Assim, as “conexões na rede total são relações entre pessoas, e uma maneira óbvia de isolar uma posição ou localidade social na rede, para um estudo detalhado, é tomar qualquer pessoa Alfa e examinar a rede a partir de seu ponto de vista” (op. cit. p.180). Posto que, a rede é vista de distintas maneiras por seus membros, esta vincula indivíduos, e é em síntese um conjunto de relações interpessoais concretas. O estudo das redes parciais levaria o pesquisador a uma melhor compreensão da rede total.

Mayer (2010), ao usar as formulações de rede de Barnes (2010), percebe que tal conceito deveria ser considerado de forma mais abrangente, sem limitações e que corresponderia à estrutura social, tal como tinha proposto Radcliffe-Brown. A Rede se apresenta na concepção de Mayer como um instrumento utilizado para pensar situações de contato. Neste caso, estes contatos seriam perpassados por uma série de relações entre indivíduos que, posteriormente, poderiam formular grupos tais como, partidos políticos, por exemplo.

Deste modo, gera-se para o autor o conceito de quase-grupos, que seria a própria classificação do que poderia ser realizada em função de interesses comuns. Em algumas situações alguns desses interesses que correlaciona as pessoas umas as outras, podem ficar subjacentes, contexto referido como grupo potencial. Quando Mayer (2010) anota que o conceito de rede proposto por Barnes tinha apenas serventia para situações permanentes, não para contextos de conjunções momentâneas este esboça outro tipo de quase grupos, que nomeia de interativos, que são aqueles que apresentam um conjunto de indivíduos em interação. É preciso destacar que a conceptualização de quase grupos, refere-se a conjuntos das ações, as action-set. 

 

O conjunto-de-ação existe em um contexto específico que dá as condições para o objetivo do ego, que é de estabelecer interconexões. Quando conjuntos-de-ação sucessivos estão centrados em contextos semelhantes de atividade, a população e as interconexões também poderão ser semelhantes. Portanto, superpondo uma série de conjuntos-de-ação, é possível identificar os indivíduos que os compõem com maior freqüência, e os que nele se envolvem apenas de vez em quando. Considerados em conjunto, esses indivíduos formam um aglomerado básico para os conjuntos-de-ação do ego baseados nesse tipo de contexto. (MAYER, 2010, p.164).

 

Outra autora, que realiza uma importante reflexão sobre o uso das redes é a antropóloga Elizabeth Bott (1976). Esta realiza uma historiografia sobre o conceito de rede, e neste processo ela destaca que a noção de quase grupos esboçada por Mayer seria um termo genérico para explicitar na visão da autora para explicitar qualquer tipo de coalizão recrutada/oriunda a partir da rede. Bott (op. cit) opta pelo conceito de rede de Barnes, para tratar as redes sociais – totais e parciais. Em sua tese sobre famílias e relações de parentesco a autora anota que “as famílias, como totalidades sociais, não estavam contidas em grupos organizados, mas somente em redes” (p.67).

Em outras palavras, para Bott (1976), o conceito de rede é fundamental em situações em que a categoria grupo não dá conta das mobilidades entre os sujeitos. 

 

“[...] a ideia de rede é necessária porque o conceito de familiar de grupo e de grupo coorporativo da antropologia tradicional não era inteiramente adequado para os dados de campo com os quais eu estava lidando. As famílias pesquisadas não viviam em grupos. Elas “viviam”em redes se é que podemos usar o termo “viviam em” para descrever a situação de estar em contato com um conjunto de pessoas e organizações, algumas das quais estavam em contato umas com as outras, ao passo que outras não estavam” (p. 294).

 

Os trabalhos de Bott (1957) influenciaram não somente a Antropologia como disciplina, como também causaram impacto nos estudos psicossociais. Cabe anotar que a pesquisa interdisciplinar que resultou na sua obra mais conhecida, Família e Rede Social (publicado originalmente em 1957), teve a participação de

 

 

Considerações finais

 

Assim sendo, destacamos que as pesquisas sociais tem exigido cada vez mais um esforço reflexivo sobre o “caráter situacional e dialógico do trabalho etnográfico, que constitui-se primariamente em um processo de comunicação” (OLIVEIRA, 2004, p. 15). Transformações acontecem e devem acontecer na situação etnográfica, pois o pesquisador (antropólogo ou sociólogo) causa impacto no campo e como parte da reflexividade do seu trabalho e da própria relação “pesquisador-informante” as demandas e as interações entre ambas as partes são constantemente contextualizadas e reformuladas.

Atentar para as categorias analíticas podem auxiliar neste processo de descobertas oriundos da pesquisa. Posto que, em campo e na escrita sobre as redes dos sujeitos pesquisados é preciso notar que certas dicotomias não fazem sentido real na vida diária dos indivíduos. O trabalho de Bruno Latour (1991) sobre as redes sociotécnicas pode nos oferecer substratos para entender a complexidade das relações das sociedades contemporâneas. Suas reflexões sobre a visão de mundo moderna põe em oposição – sem entorno analítico de uma maneira clássica – termos como natureza e cultura, humano e não-humano, conhecimento e artefatos. Para este autor, no mundo real essas dimensões estão integradas em redes sociotécnicas bastante complexas, onde não há como separar esses elementos que interpenetram. Assim, atores e objetos não existem entre si mesmos, mas surgem como partes de redes simultaneamente. Apresentam-se de maneira semiótica e social, nas práticas econômicas e políticas, tecnológicas e naturais. São elementos e agentes em constante interação, relações as quais estes são observados, nomeados, compreendidos e realizados.

 

Bibliografia

 

BARNES, J. A. Class and Committees in a Norwegian Island Parish. Human Relations, n° 7, 1964.

____________. Redes sociais e processo político. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

BOTT, Elisabeth. Família e rede social. RJ, Francisco Alves, 1976.

BOTT, Elizabeth. “Urban Families: Conjugal roles and social networks.” Human Relations 8:345-83, 1957.

MAYER, Adrian C. A importância dos quase grupos no estudo das sociedades complexas. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

LATOUR, Bruno. Nous n'avons jamais été modernes. Essai d'anthropologie symétrique, Paris, La Découverte, 2006 (ed. original, 1991).

OLIVEIRA, João Pacheco. “Pluralizando tradições etnográficas: Sobre um certo mal-estar na Antropologia”. Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 1, nº 1, p. 2 – 27. jan./jun. 2009.

 

[1] BARNES, J. A. Class and Committees in a Norwegian Island Parish. Human Relations, n° 7, 1964.

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