REDEFINIÇÃO DE PROPRIEDADE, E Os Efeitos na Usucapião

Por Gabriel Afonso Carvalho Fonseca | 30/05/2016 | Direito

Gabriel Afonso Carvalho Fonseca[1]

Ricardo Albuquerque Ferro Alves²

Ítalo Gabriel Pereira dos Santos²

                                                                                                                          Viviane Brito[2]

Sumário: Introdução; 1. Considerações acerca dos conceitos de Propriedade; 2. Função Social da Propriedade (dimensões civilistas e constitucionais); 3. Efeitos na usucapião e uma possível redefinição do conceito;  4 Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

 

Com base nos estudos feitos a respeito de propriedade, percebe-se que a mesma, muito por conta da função social da propriedade, sofre alterações. Torna-se imprescindível para o âmbito acadêmico expressar de forma clara os novos panoramas da propriedade juntamente com sua função social, utilizando para isso diversas teorias de doutrinadores para conceituar não só a propriedade mas também como sua função social para que por fim possa chegar a essa redefinição do conceito analisando toda influencia dos efeitos do usucapião.

Palavras-chave: Função Social da propriedade; Efeitos na Usucapião 

                                                                                    

INTRODUÇÃO:

 

Neste breve resumo do que será a introdução para o projeto que segue, tornar-se necessário abordar de forma breve, conceitos acerca da função social da propriedade e da própria propriedade em si. Determinar um conceito mais sucinto de propriedade é algo que muitos doutrinadores do ramo civil procuram efetivar, porém sempre há divergências, principalmente devido às atualizações quanto a forma que o direito de propriedade é desempenhado na sociedade. De acordo com Flávio Tartuce (2013), um conceito antigo, porém ainda válido para que se possa demonstrar uma noção de propriedade é o expresso por caracterizar propriedade como um direito de um determinado grupo social de dispor dos bens físicos e morais.

Há como se perceber o porquê deste conceito apresentado não valer tanto para os dias atuais, pois segundo Bernardo Fernandes (2012), a propriedade, hoje, deve ser desempenhada e só será considerada se cumprir com sua função social (esta sempre expressa no Plano diretor da cidade dentre outras fontes). Algo que será bem evidenciado, é o quanto vários autores definem algo diferente por conta dessa função social, o que leva a entender que o próprio conceito de propriedade sofrera uma redefinição.

Quanto a questão do usucapião, torna-se a se ressaltar que a propriedade, aquele que a possui, segunda Lei n° 1228, deve cumprir com todas as disposições previstas na própria, incluindo interesses econômicos e ecológicos. A sociedade evoluiu e o conceito de propriedade também, hoje não se têm mais a propriedade como algo apenas do indivíduo e sim algo com dimensões sociais. Porém caso o individuo não cumpra com a função social de propriedade, a mesma não vêm a ser considerada, perdendo o indivíduo a propriedade sobre aquele determinado bem. Com isso, segundo o que se têm por usucapião (posse com animus de dono, sob determinada coisa que se prolongue por determinado lapso temporal, de forma pacífica e que observe todos os requisitos previstos em Lei) entende-se que há possibilidades de ser usucapida, porém isso é algo a ser analisado mais à frente, com base em tudo que se couber falar a respeito da Posse e posse trabalho.

  1. 1.      Considerações acerca dos Conceitos de Propriedade:

 

Neste presente tópico, será abordado os conceitos acerca da propriedade, bem como expressar (de certa forma) a falta de precisão ao definir conceito da propriedade aliando à sua função social, porém, essa questão só poderá ser expressa com o segundo tópico o qual abordará essa função social. Muitos são os conceitos acerca da propriedade, um ramo dos direitos reais muito focado pelos doutrinadores e justamente por conta deste ramo do direito que envolve a propriedade, torna-se necessário primeiramente abordar o que vêm a ser os direitos reais para que assim se possa abordar a propriedade com mais precisão.

Segundo Tartuce (2013), os direitos reais são um ramo do direito civil brasileiro disciplinado no livro II em se tratando da parte especial do próprio código civil. Em se tratando de um conceito preciso para os direitos reais, conceitua Tartuce como ‘’A partir das lições dos doutrinadores clássicos e contemporâneos aqui utilizados como referência, pode-se conceituar os Direitos Reais como sendo as relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis’’ (TARTUCE, 2013, p. 4). Prosseguindo no raciocínio do mesmo (2013), afirma que o fundamento principal para esse relacionamento entre pessoas e coisas (determinadas ou determináveis) é no caso a propriedade.

Em se tratando de questões mais didáticas, em meio a esse raciocínio de definir um conceito mais preciso para direitos reais, o referido autor efetua uma diferenciação entre os termos direitos reais e direitos das coisas. Afirma o mesmo que ‘’A diferença substancial em relação ao Direito das coisas é que este constitui um ramo do Direito Civil, um campo metodológico. Já os Direitos Reais constituem as relações jurídicas em si, em cunho subjetivo.’’ (TARTUCE, 2013, p. 4). Prosseguindo com o raciocínio, segue o referido autor efetuando distinções entre direitos reais e direitos obrigacionais.

Com isso, remete essa diferenciação a duas teorias que segundo o referido autor (2013), são duas: A teoria personalista e a teoria clássica. Prosseguindo com a explanação do mesmo (2013), a primeira teoria definida como personalista, afirma um conceito de direitos reais que diverge um pouco com o que fora apresentado logo acima, pois afirma que direitos reais é um ramo do direito civil que trata das relações entre pessoas porém são intermediadas por coisas (fazendo, portanto, juiz ao nome que recebe). Para esta teoria que está sendo apresentada a diferença dos direitos reais com os obrigacionais se dá pelo sujeito passivo, enquanto nas relações de direito obrigacional o sujeito passivo é determinado, sendo ele o devedor, nas relações de direitos reais o sujeito passivo é indeterminado. Isso significa dizer que o sujeito passivo é universal, ou seja, essa relação de direitos reais se estende para todos em primeiro momento, impõe que todos a respeitem. Apenas passará a deter um sujeito passivo determinado quando alguém invadir essa esfera criada pela relação.

Em relação à segunda teoria (2013), a chamada teoria clássica, esta vêm a inferir que os direitos reais se baseiam em um poder. Poder este que a pessoa (titular deste direito) exerce sobre a coisa de forma imediata, possuindo eficácia contra todos. Para esta teoria a diferença entre direitos reais e obrigacionais se baseia em afirmar que nas relações de direitos obrigacionais se tratam de relações entre pessoas, as quais são impostas determinadas regras que devem ser cumpridas por ambas as partes, para que a relação possa ser levada adiante, enquanto as relações originadas dos direitos reais se tratam dos poderes que a pessoa exerce sobre a coisa. O referido autor (2013), após trazer todas essas distinções, bem como as conceituações acerca das duas teorias, o mesmo aborda também que há preferência pela teoria clássica também denominada como realista.

Após toda essa explanação acerca dos direitos reais, suas distinções didáticas em relação ao direito das coisas bem como a abordagem das teorias justificativas que diferem direitos reais dos obrigacionais, torna-se possível a abordagem da propriedade, seus conceitos e questões relevantes para o determinado tópico.

Definir uma conceituação precisa para a propriedade não é nada fácil assim como afirma Flávio Tartuce ‘’O conceito de propriedade sempre foi objeto de estudo dos civilistas das mais diversas gerações que se dedicaram ao Direito Privado. ‘’(TARTUCE, 2013, p. 99). Essa é uma ‘’luta’’ travada desde os períodos clássicos, tanto que uma conceituação que apresenta o referido autor (2013) em sua obra (bem ultrapassada) em relação à propriedade é que a mesma consiste em um poder assegurado aos indivíduos pertencentes há um grupo social, o qual se destina a utilização dos bens da vida física e moral. Essa definição de propriedade como sendo um poder, destinado a um grupo, faz menção à teoria clássica especificada acima que tratava o próprio direito real como um poder. Isso de certa forma demonstra a influência dessa teoria clássica na doutrina clássica.

Em relação a essa doutrina clássica (2013), há uma discussão gerada com base na mesma se referir aos bem corpóreos e incorpóreos, quando alguns autores divergem desse tipo de posicionamento. Isso pode ser constado quando Tartuce argumenta em sua obra que (2013), alguns autores da doutrina nacional afirmam que esse conceito de propriedade apenas pode ser destinado aos bens corpóreos. Prosseguindo nas diversas tentativas de conceituação desse direito de propriedade, apresenta Tartuce um posicionamento (2013) o qual afirma que o direito de propriedade recai sobre todos aqueles direitos que podem vir a possui algum valor pecuniário. No decorrer desta discussão de qual conceito seria o mais adequado a definir esse direito real que é a propriedade, Tartuce apresenta um conceito bastante sucinto e que se aproxima do papel que desempenha a propriedade quando afirma que a propriedade (2013), viria a ser um direito de usar, dispor da coisa e tirar proveito da mesma, isso sem falar na possibilidade de reavê-la nas mãos de quem quer que esteja, caso tenha sido retirada das mãos do proprietário de maneira indevida.

Com isso, após todas essas questões e conceitos levantados em relação a definição de um conceito próprio, preciso que possa expressar com precisão aquilo que vêm a ser propriedade, Flávio Tartuce ainda faz ressalva à uma questão interessante. Isso quando afirma que ‘’A propriedade deve ser entendida como um dos direitos basilares do ser humano. Basta lembrar que ‘’é meu’’ constitui uma das primeiras locuções ditas pelo ser humano, nos seus primeiros anos de vida.’’ (TARTUCE, 2013, p. 102).

Prossegue o mesmo afirmando que ‘’Concretamente, é por meio da propriedade que a pessoa se sente realizada, principalmente quando têm um bem próprio para sua residência.’’ (TARTUCE, 2013, p. 103). De todo modo definir um conceito propriamente dito de propriedade, sem gerar discussões é algo difícil assim como fora alertado no começo deste tópico. Pode-se ainda remeter a questão conceitual aquilo previsto no artigo 1228 do Código Civil brasileiro o qual afirma a propriedade como sendo aquilo já relatado acima, pois este dispositivo põe o proprietário como um sujeito que possui direito de usar, gozar e dispor da coisa e reavê-la nas mãos de quem quer que esteja.

Porém, definir um conceito propriamente dito de propriedade não é o único obstáculo a ser superado. Isso porquê ainda deve-se associar o conceito de propriedade à sua função social. Mas então, eis que surge o questionamento: O que viria a ser essa função social que a propriedade possui? (ou melhor deve possuir). Pergunta esta que será devidamente respondida a seguir.

2.Função Social da Propriedade (dimensões civilistas e constitucionais)

 

Para que o objeto principal deste tópico possa ser devidamente abordado, torna-se necessário fazer uma ressalva ao que afirma Flávio Tartuce em sua obra ‘’DIREITO CIVIL, Direito das Coisas’’ quando relata que ‘’Percebe-se, portanto, que a função social é íntima à própria construção do conceito’’ (TARTUCE, 2013, p. 102). Prosseguindo no raciocínio do mesmo, afirma ‘’Como direito complexo que é, a propriedade não pode sobrelevar outros direitos, particularmente aqueles que estão em prol dos interesses da coletividade.’’ (TARTUCE, 2013, p.102).

Com isso, têm-se, mesmo que de modo inicial, uma noção de que a função social da propriedade expressa aquilo que ao pé da letra este nome ‘’função social’’ vêm a inferir, ou seja, deve ser algo voltado à coletividade. Essa questão de ser voltada a própria sociedade, faz com que o autor já referido acima (2013), faça uma análise ao que afirma o parágrafo primeiro do artigo 1228 do Código Civil brasileiro e este por sua vez afirma que (2002) o direito de propriedade é aquele que deve ser realizado de forma compatível com as finalidades econômicas (ou comerciais), isso muito em questão do local ou interesses sociais, e em relação às próprias finalidades sociais estabelecidas, isso, tendo que se adequar também ao que está previsto em legislação especial, preservando, portanto, a fauna, flora, enfim, todas as belezas ecológicas diga-se de passagem, entrando nesse rol também, das questões exigidas em lei, os patrimônios históricos e artísticos.

Com isso, pode-se afirmar, tendo como base uma visão civilista que ‘’A norma codificada passa a consagrar expressamente a função social, em um sentido de finalidade, como princípio orientador da propriedade; além de representar a principal limitação a esse direito, como reconhecem doutrina e jurisprudência, ‘’ (TARTUCE, 2013, p. 111). Prosseguindo no mesmo raciocínio do já referido autor (2013) percebe-se (segundo o autor) que esse conceito de propriedade que está no Código Civil e também na Constituição Federal sofrera uma notória influência da doutrina clássica, ao tratar a propriedade não mais como algo subjetivo, de apenas interesse individual, mas sim como algo voltado para a própria sociedade em si.

Portanto, para que se conclua esse ponto de vista civilista em relação a propriedade, o já referido autor Flávio Tartuce afirma que (2013), o conceito de função social da propriedade, se confunde com a propriedade em si, devido ao fato de só se considerar a propriedade caso esteja cumprindo sua função social. Isso tudo, devido ao que o autor chama de ‘’acompanhamento’’ da função social com o próprio conceito de propriedade em si, demonstrando que tudo está voltado para a finalidade social que a propriedade possui.

Em relação a uma visão mais constitucional da função social da propriedade, pode-se remeter as palavras de Bernardo Gonçalves Fernandes o qual afirma que ‘’nossa Constituição retira a noção individualista de propriedade típica do século XVIII.’’ (FERNANDES, 2012, p. 404). ‘’Compreendemos a propriedade, agora, como socializada, o que não significa a negação ou abolição de tal direito, mas antes a afirmação do mesmo como algo maior que a esfera privada do seu sujeito titular. ‘’(FERNANDES, 2012, p. 404). Com isso, pode-se concluir essa visão constitucionalista da função social com as seguintes palavras ‘’Nesse sentido, a função social da propriedade é elemento integrador do conceito de propriedade como objeto constitutivo do mesmo, não se confundindo com os elementos limitadores do direito de propriedade.’’ (FERNANDES, 2012, p. 404).

3. Efeitos na Usucapião e uma possível redefinição do conceito de Propriedade

Como já se pôde ressaltar nos capítulos anteriores, a propriedade não tem somente uma função privada/civilista, em que a propriedade serve ao seu dono da forma que o mesmo aprouver, mas com a evolução do direito e a teorização sobre os direitos fundamentais de terceiro grau, ou seja, os de solidariedade, os quais fomentam os direitos sociais, aqueles que preservam a coletividade (Mendes; Branco, pag. 368- 370, 2012). Vê-se, desta forma, que uma das principais características dos direitos reais foi relativizada, que é o absolutismo, ou seja, o detentor do direito real (no caso, a propriedade) pode opor o seu direito contra todos, não podendo ser turbado em seu uso; com a relativização, pode-se ver casos em que o direito do propriedade cede em face dos direitos coletivos/sociais, o que comprova a força normativa de tais direitos mesmo dentro do âmbito civilista, que é predominantemente privado, isto ocorre em decorrência  da Eficácia Irradiante da Constituição, que deve ter seus preceitos inseridos em todos os “Códigos” do Ordenamento, neste caso específico, o artigo 5º, XXIII, CF (Tartuce; Simão, pag. 7-8; 111-112, 2013).

Assim, o constituinte e o legislador devem conseguir garantir a proteção ao interesse privado da propriedade, defendendo o direito de poder usar da forma que lhe desejar o seu bem (respeitando as “relativizações”), construindo casas, piscina, cultivando plantas, dentre outras formas; poder vender ou doar (etc) o bem para quem quiser, sem ser sofrer perturbação quanto a este direito também, ou seja, pode alienar para quem quiser sem que ninguém possa se intrometer na relação; poder retirar os “lucros” advindos da propriedade, como os frutos de uma árvore, o pagamento do aluguel que realizar a terceiro, dentre outros; e, por fim, o direito de tomar a sua propriedade de quem injustamente a tenha tomado (Tartuce; Simão, pag. 103-104, 2013; Mendes; Branco, pag. 383-384, 2012).

 Entrementes, os mesmos, legislador e constituinte, devem conseguir preservar também a força normativa do interesse social da propriedade que também é de muita importância para o Ordenamento Jurídico pátrio. Desta forma, devem proteger o Meio Ambiente contra o uso da propriedade pelo titular, devem erigir hipóteses em que o interesse público social deva prevalecer sobre o privado, elencar hipóteses também em que o não uso do proprietário acarreta a perca do seu direito de propriedade em face de quem a estava usando produtivamente (Usucapião), dentre outras hipóteses (Tartuce; Simão, pag. 111-120, 2013; Mendes; Branco, pag. 383-384, 2012). Concluindo, saber relacionar e ponderar estes dois viés do direito de propriedade é função do Estado, como forma de garantir um conceito de propriedade sempre em construção, assegurando a existência, funcionalidade e utilidade de tal direito, através das relativizações do viés civilista, mas também não podendo suprimir absolutamente ou ilimitada tal viés em preponderância do viés social: “Ele (o legislador) deve, portanto, considerar a liberdade individual constitucionalmente garantida e o princípio de um ordem de propriedade socialmente justa... para o fim de, mediante adequada ponderação, consolidar relações equilibradas e justas” (Mendes; Branco, pag. 383-384, 2012).

Após esta breve introdução sobre a relação social/civilista da propriedade, pode-se analisar com mais fundamento a questão da Usucapião, que é um instituto de extrema importância no Ordenamento Jurídico. Como de costume, é sempre bom começar com uma explanação sobre o conceito do Instituto. A Usucapião poderia ser descrita como uma prescrição aquisitiva, ou seja, adquirir algo em virtude de um lapso temporal concluído, o que definiria muito bem a Usucapião.

A Usucapião é um Instituto que consagra os direitos fundamentais de Solidariedade, destinado a zelar pelo social/coletivo, como forma de “punição” ao proprietário que deixa de destinar a sua propriedade para fins idôneos, como a produção ou moradia etc. Desta forma, pode ser conceituado também como a aquisição da Propriedade (também pode ser de outros direitos reais, como a Superfície e Servidão) em virtude do decurso de um prazo temporal e cumprindo os requisitos legais; concluindo, a Usucapião estabiliza a “presunção” de dono da propriedade, através dos requisitos, que se cumpridos, não se pode mais obstar vícios sobre tal direito real adquirido (Tartuce; Simão, pag. 158-160, 2013).

A Usucapião tem diversos tipos, com requisitos variados, mas além do tempo, pode-se citar alguns que irão ajudar a entender melhor o Instituto: A Posse com intenção de Dono, ou seja, como exceção do Código Civil, o Instituto se baseia na teoria subjetivista de Savigny que o possuidor é aquele que dispõem da coisa com intenção de dono (Tartuce; Simão, pag. 28-29, 2013); Posse Mansa e Pacífica: é uma posse sem ser turbada ou oposta por terceiro ou o proprietário; Posse Duradoura: o lapso temporal não pode ser fracionado, deve ser ininterrupto (porém, conta-se a “soma” de posses em caso de ascendente que “deixa” a posse para descendente) e pode ser completado no curso de um processo em que seja discutida a usucapião; Posse Justa e de Boa-Fé: a posse não pode ser eivada dos vícios como a violência, clandestinidade e precariedade (Tartuce; Simão, pag. 162-163, 2013).

Seguido deste breve introito, cabe agora analisar os tipos de Usucapião e identificar mais especificamente a questão social presente nelas. O primeiro caso é o do Usucapião Ordinário (artigo 1242 do Código Civil), que afirma que a propriedade também é adquirida, do imóvel, por quem possuir, de forma continua e incontestada, com justo título e boa-fé, por 10 anos (Tartuce; Simão, pag. 164, 2013).  Aqui é a prova cabal da preocupação do legislador com a questão social e uma punição ao proprietário, pois presume que a propriedade tenha sido ocupada com boa-fé, ou seja, dificilmente alguém passará 10 anos em uma propriedade somente para adquiri-la de má-fé, seria um caso, geralmente, de pessoas sem propriedade (o que não deveria existir, pois a CF assegura a todos) que vê aquela terra como uma forma de viver, produzir seu próprio sustento etc.

O Parágrafo Único traz uma hipótese bem interessante, que é o caso, entre outros requisitos, que os possuidores utilizem a propriedade para moradia ou tenham realizado investimentos de interesse social e econômico (Tartuce; Simão, pag. 165, 2013). Tal hipótese traduz um conceito bastante atual dentro direitos reais, que é o da “posse trabalho”, que seria uma posse que é utilizada de alguma forma produtiva, que atende a uma finalidade social, o que se adequa perfeitamente ao caso da proteção dos direitos sociais/coletivos, como uma “nova” forma de proteção à Solidariedade Social, o que justifica a redução do prazo temporal da Usucapião Ordinária para 5 anos (Tartuce; Simão, pag. 31 e 165, 2013).

O próximo caso é do Usucapião Extraordinário (artigo 1238, CC), que prever a posse pacífica, ininterrupta, não necessita de título ou boa-fé (presunção absoluta) e por prazo de 15 anos, não podendo também possuir outro imóvel, o que representa uma característica que visa eminentemente o social, aquele que não possui propriedade; e no parágrafo único, se reduz em 5 anos o lapso temporal se for constatado a posse-trabalho, moradia habitual, ou obras/serviços de caráter produtivo (Tartuce; Simão, pag. 165-166, 2013). Segue o exemplo da anterior, mas o requisitos diminuem (entretanto o lapso temporal aumenta), bastando, praticamente, ter a posse deste imóvel e sendo este único.

A Usucapião Especial Rural (artigo 1239, CC) ou pro labore se caracteriza pelo possuidor não ser ter outro imóvel rural ou urbano; tem que ter a posse por 5 anos ininterruptos; sem oposição; de área rural; não superior a 50 hectares; usando a propriedade de forma produtiva ou de forma a servir de sua moradia, vai adquirir a propriedade[3] (Tartuce; Simão, pag. 166, 2013). Esse é o caso em que o legislador e o constituinte (artigo 191 da CF) se preocuparam também com a questão das terras no meio rural que é sempre alvo de disputas de terras e a presença dos grandes latifúndios, mas uma vez o os o legislador e constituinte acertaram. Mais uma vez se vê presente a posse-trabalho juntamente com a presunção jure et de jure da boa-fé e justo título. Porém, um caso que merece críticas é o fato do STJ ter negado tal tipo de usucapião quando a área ocupada ultrapassa os 50 hectares, mesmo que o pedido somente tenha requerido os 50; defende o excelso tribunal que se o possuidor ocupa uma área maior que os 50º hectares ( o que poderia ser outro tipo de usucapião) e entra com uma ação pedindo somente os50 hectares, seria um “comportamento contraditório”, surpreendendo o proprietário, que pensava ter mais tempo, em virtude de não se encaixar na usucapião pro labore, para ingressar com a ação.

Tal argumento do Tribunal é rebatido, pois se se adotasse tal entendimento, estaria se presumindo a má-fé do possuidor, o que não ocorre em nosso Ordenamento Jurídico, que presume a boa-fé; e privilegia a relação boa-fé X má-fé em detrimento da questão social (atividade produtiva ou moradia) que deveria ser o cerne de tal tipo de usucapião, até por que o Instituto é criado para “servir” aos direitos sociais/coletivos, que são os fundamentos de tal Instituto (Tartuce; Simão, pag. 167-168, 2013).

A Usucapião Especial Urbano (artigo 1240, CC) ou pro misero apresenta as seguintes características: não ter outro imóvel rural ou urbano; limite de até 250m2; prazo ininterrupto de 5 anos; sem oposição; servir para moradia sua ou de sua família (Tartuce; Simão, pag. 169, 2013). Este é um tipo de usucapião que privilegia o direito social à Moradia, pois é seu único “fim especial”, servir como moradia do possuidor ou da família; além disso, as ressalvas dos outros tipos se aplicam aqui também (presunção absoluta de justo título e boa-fé etc.).

A Usucapião Familiar (artigo 1240-A) é bem recente (2011), prevendo casos de abandono de lar, caracterizando-se por: lapso temporal de 2 anos ininterruptos; sem oposição; posse direta e com exclusividade; imóvel urbano de até 250m2; o imóvel era propriedade do ex-cônjuge ou companheiro, o qual abandonou o lar; utilização familiar; adquire a propriedade integral[4] (Tartuce; Simão; pag. 170, 2013). O novo tipo em voga veio, segundo Enunciados, defender a família, como forma de punição ao cônjuge que deixa de assistir a família; contribuir com educação dos filhos etc, pois não é somente a ausência do cônjuge que deve ser levado em consideração, mas sim a falta que este faz, onerando a família; além disso, não é necessário título judicial de divórcio ou dissolução da união estável, basta a “separação” no campo prático para poder ser configurada (Tartuce; Simão, pag. 171-172, 2013).

O último tipo apresentado neste trabalho, a Usucapião Especial Urbana Coletiva (artigo 10, lei 10257/2001) que é a proteção das pessoas de baixa renda que não tem sua “casa própria” e que o Ordenamento Jurídico confere a elas a possibilidade de obter por meio de usucapião, defendendo assim os que não tem condições: áreas urbanas maior que 250m2; ocupadas por pessoas de baixa renda (requisito) para moradia; ausência de oposição, ininterruptos e lapso temporal de 5 anos; não é possível identificar os terrenos de forma individualizada (Tartuce; Simão, pag. 173, 2013).

Através da análise dos vários tipos de usucapião pode-se ver como o legislador e o constituinte, como foi dito a princípio, tentam equilibrar a dinâmica da proteção do social X privado, sem restringir totalmente um, mas também sem “ilimitar” outro, tentando sempre equilibrar o conflito em torno do direito de propriedade. Neste caso, criando vários tipos de prescrição aquisitiva que servem tanto de punição ao proprietário como preservação de um Estado social, em que se privilegia os fins de moradia (artigo 6 da CF) e produtividade em detrimento do “abandono” da propriedade por seu dono. Desta forma, a dinâmica entre os viés da propriedade está em crescente mudança e transformação, espera-se que sempre para melhor, podendo o legislador sempre ter em mente a relação social X privado.

O legislador criou meios de proteger o coletivo/social em vários âmbitos, como no meio familiar (usucapião familiar), no meio rural (usucapião pro labore), em meio à coletividade (especial coletivo), protegendo as pessoas de baixa renda; além disso, estatuiu a posse-trabalho como forma de diminuir o tempo para usucapir. Tais atitudes são louváveis e preservam ainda mais o dinamismo da propriedade.

Para finalizar o presente trabalho, será apresentado uma “nova” perspectiva quanto direito de Propriedade, através da perspectiva do viés social da Propriedade.  A Propriedade é defendida há muito por vários autores pelo viés eminentemente civilista, sem margem para um conceito que reúna as características dinâmicas estudadas acima. Perpassando vários entendimentos, como a Propriedade como um direito que abrange todos os direitos que formam o patrimônio, logo, os que podem ser reduzidos a valor pecuniário (Rodrigues, Lafayette, Direito das Coisas, 1943, vol.1, pag. 97 apud Tartuce; Simão, pag. 100, 2013), também há os conceitos que praticamente copiam o disposto no Código Civil, como: “a propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindica-la de quem injustamente a detenha” (Pereira, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, 2004, v. IV, pag. 90 apud Tartuce; Simão, pag. 101, 2013), dá mesma forma, porém mais rebuscado, o direito de Propriedade seria: “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como reivindica-lo  de quem injustamente o detenha” (Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, v. 4, pag. 114 apud Tartuce; Simão, pag. 101, 2013).

Pode-se ver que o conceito de propriedade dos autores é eminentemente civilista, praticamente copiando os dizeres do Código Civil, entretanto, em uma formulação dinâmica do conceito de propriedade, como já visto quando falado da Usucapião e do pequeno introito, pois não se pode mais considerar um conceito assim, estático, mero reprodutor do Código Civil; a função social é inafastável do conceito de propriedade, fazendo com esta “um só conceito”, evidenciando uma preocupação social positiva, ou seja, conceder-lhe um fim último coletivo, como prescrito também na CF, podendo conceitua-la, como o direito de usar, gozar, dispor, destinar a um fim social positivo e reivindicar o bem... creio que tal conceito “genérico” englobe a dimensão dinâmica da propriedade[5].

Conclusão

O presente trabalho teve como fundamental função explanar sobre a propriedade, suas características, nuances, conceito, analisa-la em seus aspectos constitucionais e civis, além de trabalhar a função social, como uma destinação pertinente e sensata de tal direito tão importante.

Ver como a função social afeta não somente o conceito de propriedade, mas dos institutos que com ela se relacionam, como a Usucapião, que é de suma importância na questão social. Entretanto, a questão privada não pode ser deixada de lado, tendo que ser equilibrada com a social para garantir um direito e conceito de propriedade sempre em mudança, tornando-se cada vez mais próximo da realidade que nos cerca.

  

 

 

 

  

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 4.ed. Salvador-BA: Editora JusPODIVM, 2012.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. DIREITO CIVIL, vol.4: Direito das Coisas. 5.ed. Rio de Janeiro-RJ: Forense; São Paulo-SP: MÉTODO, 2013.



[1] Alunos do Curso de Direito da UNDB.

[2] Professora, orientadora.

[3] Há casos que é proibido esse tipo de usucapião: “áreas indispensáveis à segurança nacional; terras habitadas por silvícolas; áreas de interesse ecológico, como tais as reservas biológicas ou florestais...” (Tartuce; Simão, pag. 167, 2013).

[4] Não se encaixa a hipótese de disputa judicial pelo bem em caso de separação (Tartuce; Simão, pag. 171, 2013).

[5] O parágrafo 1º do artigo 1228 vem falando da função social também, conceituar em “Propriedade” tal destinação parece algo de reforço a tal função excelsa.