RECURSOS EXCEPCIONAIS E PREQUESIONAMENTO

Por Jayane Antônia Alves | 30/11/2015 | Direito

RECURSOS EXCEPCIONAIS E PREQUESIONAMENTO: análise do posicionamento dos tribunais superiores acerca do tema e sua inclusão do novo CPC

 

Jayane Antônia Alves

 

Sumário: Introdução; 1. Apanhado geral sobre recursos excepcionais; 2. O que é prequestionamento?; 3. A diferença na aplicação do prequestionamento para o STF e para o STJ; 4. O prequestionamento no projeto do novo CPC; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

O presente artigo tem o intuito de oferecer um breve comentário a respeito dos recursos no processo civil, dando ênfase aos recursos excepcionais, considerando o requisito do prequestionamento. A partir disso, se faz importante frisar a diferença de tratamento que este requisito recebe diante das Cortes Superiores que traz como conseqüência uma certa insegurança jurídica quanto à sua aplicabilidade. Por fim, o estudo buscará apresentar as principais alterações propostas ao tema com o advento do projeto do novo CPC, na tentativa de ponderar as possíveis vantagens que essas inovações promoverão ao ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE

Recursos Excepcionais. Prequestionamento para STF e STJ. Projeto do Novo CPC.

 

INTRODUÇÃO

Sabe-se, e não é de agora, que o ordenamento jurídico brasileiro sempre apresentou obstáculos para poder oferecer uma prestação jurisdicional rápida e eficaz, que entre em conformidade com os princípios da celeridade e economia processual. Contudo, ao passo que a sociedade evoluía, buscou-se encontrar meios para contornar tais obstáculos.

Um exemplo disso na história do judiciário brasileiro foi a criação do Superior Tribunal de Justiça que, tendo previsão constitucional, surgiu com a finalidade de auxiliar o já existente Supremo Tribunal Federal que padecia com o excesso de demandas em sua guarda. Assim, houve uma distribuição de competências entre os referidos tribunais, de forma que cada um se encarregava da matéria que lhe foi conferida.

Esta divisão envolveu também os recursos. Os então chamados de recursos excepcionais, divididos em extraordinários e especiais, foram distribuídos entre os tribunais, de modo que; os extraordinários, que versam sobre matéria constitucional, permaneceram sob a guarda do STF; enquanto os especiais, que versam sobre lei federal, se destinaram para o STJ.

Contudo, após essas modificações, percebeu-se que o entendimento desses tribunais a respeito do requisito do prequestionamento era divergente, o que pode ser verificado inclusive pelas súmulas editadas por ambos.

O prequestionamento é um requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais e, uma vez não observado, resulta no desprovimento deste. Com essa falta de consenso na jurisprudência defendida pelos Tribunais Superiores, fica difícil perceber quando este requisito resta satisfeito para o acolhimento do recurso. Esta discussão se arrasta no tempo e contamina a seriedade, transparência e segurança jurídica da justiça brasileira.

Entretanto, a esperança parece surgir com o advento do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL 166/2010), que propõe trazer explicitamente em seus dispositivos como se dará a verificação do requisito do prequestionamento, na tentativa de sanar, ou pelo menos diminuir, os problemas oriundos dessa incompatibilidade oferecida pelos supracitados tribunais.

Desta forma, o presente estudo se dispõe a analisar os recursos excepcionais sob a ótica do requisito do prequestionamento, passando pelo então posicionamento dos tribunais superiores e por fim, discorrer sobre as vantagens prometidas pelo projeto do novo CPC para o ordenamento jurídico brasileiro.

1 APANHADO GERAL SOBRE RECURSOS EXCEPCIONAIS

O Código de Processo Civil, de acordo com José Carlos Barbosa Moreira (2011, p. 232), não traz uma definição acerca de recursos. Entretanto, com base no que dispõe sobre o mesmo, “pode-se conceituar recurso, [...] como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna” (MOREIRA, 2011, p. 233).

“O conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo. Trata-se de conceito jurídico-positivo, que depende, pois, do exame de um dado ordenamento jurídico. A teoria geral do processo tem por objeto o estudo da decisão judicial, mas a criação dos meios de impugnação dessa decisão e o delineamento de suas características são tarefas do direito positivo. [...] O direito de recorrer é um direito potestativo processual, tendo em vista que objetiva alterar situações jurídicas, invalidando, revisando ou integrando uma decisão judicial” (JR. DIDIER; DA CUNHA, 2012, p. 19-20).

De acordo com o exposto acima, o direito de recorrer pode solicitar que a decisão seja modificada, para que com isso a mesma ajuste-se aos objetivos da parte que recorre. Entretanto, pode ocorrer também que a decisão seja anulada de forma que a mesma não mais terá validade, ou ainda, sendo esta decisão obscura ou contraditória, o recurso interposto vem com o objetivo de esclarecê-la. Em último caso, o recurso visa apenas a integração, que se dá quando existe omissão e por tal fato é possível que o resultado seja diverso.

Os recursos classificam-se quanto à extensão da matéria e quanto à fundamentação. No que tange à matéria, o recurso pode ser parcial, que consiste no fato de que o conteúdo impugnável não abrange a sua totalidade; ou total, que é o recurso que impugna toda a decisão. Já no que concerne à fundamentação, o recurso pode ser de fundamentação livre, que se dá quando o recorrente pode fundamentar da forma que achar conveniente, sem que tenha que estar em conformidade com o disposto em lei; ou de fundamentação vinculada, no qual o recorrente deve se ater ao que está expresso na lei para que com isso possa recorrer sobre a decisão (JR. DIDIER; DA CUNHA, 2012, p. 27-29).

Ainda a respeito da classificação, os recursos se dividem em principal, que consiste no fato de que cada uma das partes interpõe recurso de acordo com o disposto em lei e de forma separada; e adesivo, que é quando uma parte utiliza-se do recurso da outra, sendo assim um recurso subordinado ao principal. Além dessas classificações, os recursos ainda podem ser ordinários, que é o recurso que visa tutelar o direito subjetivo de quem recorre sendo possível atender matérias de fato e de direito; e excepcionais, que de forma imediata tutela-se o direito objetivo, apenas subsidiariamente atenderá direito subjetivo (CÂMARA, 2012, p. 55-57).

Conforme preceitua Cassio Scarpinella Bueno (2003, p. 01-02) em seu texto ‘quem tem medo de prequestionamento?’, houve um tempo em que o Supremo Tribunal Federal era alvo de inúmeras críticas em decorrência da sobrecarga atinente às suas demandas. Com a denominada Crise do Supremo Tribunal Federal, era necessária a concepção de outro Tribunal Superior, visando diluir tais demandas. Vislumbrando essa necessidade, a Constituição Federal de 1988 surge trazendo em seus dispositivos a instituição do Superior Tribunal de Justiça, como forma de desafogar o judiciário.

Com o advento da criação do STJ, dividiu-se entre este e o STF as hipóteses em que serão interpostos os recursos excepcionais. Para tanto, “o recurso especial, na verdade, é fruto da divisão das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário para o STF (antes da CF/88), que servia como meio de impugnação da decisão judicial por violação à Constituição e à legislação federal” (JR. DIDIER; DA CUNHA, 2012, p. 269).

Em conformidade com esta assertiva, alega-se que os recursos excepcionais apresentam duas espécies, o recurso extraordinário e o especial. O recurso extraordinário é interposto perante o Supremo Tribunal Federal, enquanto o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça. Tais recursos estão previstos na Constituição Federal, nos seguintes dispositivos:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal” (grifo nosso)

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

[...]

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

 c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal” (grifo nosso) (BRASIL, 1988).

Referente ao cabimento dos recursos mencionados deve-se observar o disposto nos artigos 102, III e 105, III da Constituição Federal supracitados. Tais recursos são caracterizados como de fundamentação vinculada, por isso, deve-se atentar para os dispositivos constitucionais no momento de aplicá-los (JR. DIDIER; DA CUNHA, 2012, p. 270). Tanto os recursos extraordinários quanto os especiais são cabíveis apenas após o esgotamento de todas as demais formas de impugnação.

À semelhança do que sucede com a admissibilidade da ação, também a admissibilidade dos recursos está sujeita a certos requisitos, formais e substanciais. [...] No caso dos recursos, os requisitos são mais rigorosos em se tratando dos apelos de caráter excepcional, ditos de direito estrito, em comparação com os recursos de tipo comum (MANCUSO, 2010, p. 111).

Concernente aos requisitos, conforme o exposto acima, os recursos excepcionais apresentam um maior grau de rigorosidade comparado aos recursos ordinários. Tal rigor é justificado pelo fato dos mesmos serem tidos como a última possibilidade de alterar a decisão descontente, isso pelo fato de ser a última instância para recorrer. Além disso, há outro fator importante, que é a grande quantidade de trabalho concentrada nos Tribunais Superiores. “Em ambos os casos [recursos extraordinário e especial], por óbvio, a possibilidade de impugnação nas instâncias inferiores deverá estar esgotada” (NETO, 2007, p. 441).

Ainda acerca da admissibilidade, “estão eles sujeitos a um requisito específico de admissibilidade, que é o prequestionamento. A ausência deste requisito [...], levará a um juízo negativo de admissibilidade, impedindo-se, assim, a realização do juízo de mérito” (CÂMARA, 2012, p. 127). O prequestionamento consiste na exigência de que a questão que deu ensejo ao recurso excepcional deve ter sido ponderada anteriormente, ou seja, na instância inferior. (JR. DIDIER; DA CUNHA, 2012, p. 274).

2 O QUE É PREQUESTIONAMENTO?

O prequestionamento, conforme exposto no tópico anterior, é um requisito de admissibilidade, portanto, é possível afirmar que caso o recurso interposto não apresente tal característica, o mesmo não será admitido. Nos recursos excepcionais, a questão trazida deverá sempre ter sido avaliada, ou seja, não havendo sequer outra possibilidade de resolução que não seja por meio destes. Por isso, “não se admite que, no recurso especial ou extraordinário, se ventile questão inédita, a qual não tenha sido apreciada pelo órgão a quo” (CÂMARA, 2012, p. 127).

Conforme assevera Vito Antônio Buccuzzi Neto (2007, p. 442) a exigência do referido requisito – prequestionamento – tem sua origem no entendimento jurisprudencial. Esse entendimento se firma da concepção de que a parte tem o dever de provocar o ensejo das questões federal ou constitucional em instâncias inferiores para que com isso possibilite a interposição dos recursos extraordinário ou especial, além da interposição, visa-se a admissibilidade dos mesmos.

A respeito da conceituação de prequestionamento, hoje existem três correntes. A primeira delas parte da idéia de que o mesmo nasce da oportuna questão que foi recorrida, isso, quando na mesma aborda-se as possíveis questões federal ou constitucional. A segunda utiliza-se como parâmetro, para conceituar presquestionamento, que as questões federal ou constitucional tenham sido abordadas de forma anterior à decisão recorrida. Por fim, a terceira vertente consiste em um misto das duas outras, na qual advoga acerca da necessidade de um debate prévio referente às questões federal ou constitucional sem que deixe de evidenciá-las de forma expressa na decisão (NETO, 2007, p. 442).

O fato é que, como os pressupostos de cabimento do recurso extraordinário e o recurso especial estão previstos expressamente na Constituição Federal, cumpre analisar seu texto para verificar se nela autoriza-se ou exige-se o tal do prequestionamento para fins de acesso ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. [...] Leitura que se faça destes dispositivos é suficiente para demonstrar que o texto constitucional não faz referência a prequestionamento como requisito de cabimento de recurso extraordinário ou de recurso especial, [...] não está escrito prequestionamento em lugar algum. [...] Não que seja uma interpretação errada mas sua imediatidade e sua literalidade parecem ser um sinal de alerta ou de redobrado cuidado para análise do tema (BUENO, 2003, p. 10-11).

Com base no exposto acima, o prequestionamento é um dos aspectos que culminam em um enorme pavor. Tal fato decorre de que muitos não compreendem em que o mesmo consiste e, por isso, acabam sofrendo com a inadmissibilidade de seus recursos interpostos. Diante disso, muitos indivíduos apelam para a análise pormenorizada desse requisito, de forma que busca-se, para melhor entendê-lo, examinar acerca do cabimento para a interposição de tais recursos. Ocorre que, a Constituição Federal, ao dispor acerca do cabimento, não utilizou de forma expressa a palavra prequestionamento. No entanto, analisar o texto normativo de tal forma não é aconselhável, pois acaba considerando restritivamente.

Ao longo do tempo a doutrina e jurisprudência proporcionaram a existência de modalidades de prequestionamento, tais como o prequestionamento explícito, implícito e ficto. Entretanto há divergência no tocante a tais vertentes. Alguns entendem como prequestionamento explícito aquele que apresenta o referido dispositivo legal que foi violado. De outro modo, uma parte da jurisprudência discorda de tal concepção, para eles não há a necessidade de apresentar o dispositivo legal (BUENO, 2003, p. 6).

Ainda a respeito das modalidades, o prequestionamento implícito “não exige a expressa menção do artigo da Constituição ou da lei federal, mas que a matéria que os envolva tenha sido objeto de manifestação pelo tribunal de origem” (SCANDOLARA, 2011, p. 10). Já no que concerne ao prequestionamento ficto, este ocorre quando há a interposição de embargos de declaração, então considera-se prequestionada a matéria mesmo que os embargos não tenham obtido o resultado almejado (JR. DIDIER; DA CUNHA, 2012, p. 277).

3 A DIFERENÇA NA APLICAÇÃO DO PREQUESTIONAMENTO PARA O STF E PARA O STJ

Conforme dito anteriormente, o Supremo Tribunal Federal encontrava-se em uma sobrecarga de tarefas, o que prejudicava uma prestação jurisdicional eficaz. Percebendo essa situação, a Constituição Federal de 88 consagrou em seus dispositivos a criação de um novo Tribunal que viesse auxiliar o Supremo diluindo as competências em razão de determinadas matérias.

Atendendo à solicitação da Constituição, eis que surge o Superior Tribunal de Justiça, encarregando-se de matéria federal, enquanto que o Supremo Tribunal Federal permaneceria com as matérias de alta relevância jurídica e constitucional (MANCUSO, 2010, pág. 97).

A partir dessa divisão imposta ao STF e ao STJ, passou-se a perceber um afastamento entre os entendimentos defendidos pelos tribunais em relação ao requisito do prequestionamento, já que, conforme explica Cassio Scarpinella Bueno “gradativamente, o Superior Tribunal de Justiça começou a duvidar do acerto da configuração do prequestionamento para fins de recurso especial tal qual consagrado na mais que trintenária jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” (BUENO, 2003, p. 3).

Sendo assim, resta claro que o STJ exige maior formalismo no que toca à admissibilidade do recurso por conta do requisito do prequestionamento. Sobre isso, Bueno leciona ainda que:

aos poucos, houve uma completa migração da orientação constante da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal para uma orientação radicalmente diversa, que acabou sendo estampada na Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça e que, em certa medida, aproxima-se da Súmula nº 282 do Supremo Tribunal Federal lida sem conjugação com a Súmula nº 356 (BUENO, 2003, p. 3).

Analisando o disposto nas Súmulas, extrai-se que o posicionamento do STF declina para o chamado prequestionamento ficto, que, conforme dito anteriormente, é aquele no qual a matéria se considera prequestionada com a simples oposição de embargos de declaração, conforme anuncia a Súmula 356: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

Já o posicionamento do STJ declina para o prequestionamento explícito, no qual a matéria só adquire a característica de prequestionada quando efetivamente for apreciada pelo tribunal a quo e constar na decisão recorrida, conforme os ditames da Súmula 211: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.

Tratando dessa diferença quanto à acepção do prequestionamento para os Tribunais Superiores, Cassio Scarpinella Bueno complementa afirmando que:

O que é certo é que se, para a Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, prequestionamento parece ser o conteúdo da decisão da qual se recorre, para a Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal, prequestionamento pretende ser mais o material impugnado (ou questionado) pelo recorrente (daí a referência aos embargos de declaração) do que, propriamente, o que foi efetivamente decidido pela decisão recorrida. Para o enunciado do Superior Tribunal de Justiça é indiferente a iniciativa do recorrente quanto à tentativa de fazer com que a instância a quo decida sobre uma questão por ele levantada. Indispensável, para ele, não a iniciativa da parte, mas o que efetivamente foi decidido e, nestas condições, está apto para ser contrastado pela Corte Superior. (BUENO, 2003, p. 4).

Ou seja, enquanto que para o STF basta a mera interposição de embargos declaratórios para que se presuma ser prequestionada a matéria do acórdão recorrido, para o STJ é necessário que esta matéria seja declarada expressamente e o conteúdo do acórdão tenha passado pela revisão do tribunal a quo.

Essa instabilidade que reside na divergência jurisprudencial travada entre o STF e o STJ em relação ao prequestionamento, acaba se configurando em um obstáculo jurídico, posto que os operadores do direito ficam sem saber como proceder de forma adequada perante tais tribunais diante de tal disparidade. Para confirmar esse posicionamento, Cassio Scarpinella Bueno se manifesta ao dizer que:

Enquanto estas questões não forem decididas com ânimo de definitividade parece curial, com o devido respeito dos que pensam diferentemente, que não só o alcance dos referidos arts. 102, III e 105, III, estará em cheque mas, também – senão principalmente –, o art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. O acesso à Justiça e o devido processo legal estão comprometidos por uma questão que, em última análise, é formal (BUENO, 2003, p. 31).

Ou seja, compreende-se que a Constituição Federal está sendo violada em uma série de dispositivos e que a justiça passa a sofrer com os obstáculos impostos pela ausência de unicidade entre os entendimentos dos principais Tribunais Superiores do país.

Diante dessa situação, o Projeto de Lei nº 166 de 2010 que versa sobre a instituição de um Novo Código de Processo Civil, insurge como uma possível resposta a essa celeuma, uma vez que apresenta propostas explícitas no que diz respeito ao prequestionamento, na tentativa de amenizar os problemas então existentes.

4 O PREQUESTIONAMENTO NO PROJETO DO NOVO CPC

 

Diante da instabilidade proporcionada pelos posicionamentos dissonantes dos Tribunais Superiores em relação ao prequestionamento, alvo de grande descontentamento por parte dos operadores do direito, o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL 166/2010) busca oferecer subsídios para coibir essa situação.

Dentre as inovações apresentada destaca-se uma em especial que corresponde à verificação do prequestionamento. Trata-se de um dispositivo da lei que diz considerar prequestionada a matéria mesmo quando opostos embargos declaratórios e estes não sejam admitidos, tal como relata Rodolfo Botelho Cursino:

Outra modificação de fundamental importância ao ordenamento jurídico brasileiro se encontra inserida no artigo 979 do referido Projeto de Lei:

Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade.

O aludido artigo admite a ocorrência do prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso entenda o tribunal superior pelo cabimento dos respectivos aclaratórios. (CURSINO, 2011).

Desta forma, percebe-se que o projeto de lei impõe em definitivo o acolhimento do prequestionamento ficto que, conforme mencionado anteriormente, satisfaz o referido requisito com a mera interposição dos embargos.

Em verdade, não se trata de uma inovação, posto que o STF já admitia essa modalidade, mas o mesmo não ocorria com o STJ, e é justamente nesse ponto que reside o conflito entre os entendimentos destes tribunais. Confirmando essa noção, Rodolfo Cursino alega que:

Embora tal normativo não corresponda a uma inovação por completo na prática processual brasileira, tendo em vista que o seu conteúdo já era, há muito, adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no chamado prequestionamento ficto, a sua aplicação, nos termos do Projeto de Lei, passa a interferir, também, nos recursos interpostos ao Superior Tribunal de Justiça. (CURSINO, 2011).

Em meio a essa inovação, um ponto que merece destaque é a função dos embargos declaratórios como forma de “validar” o requisito do prequestionamento. Conforme se vislumbra no artigo indicado pelo projeto do novo CPC, os embargos declaratórios são cruciais para a consolidação do prequestionamento, ainda que estes não sejam admitidos.

Por melhor que sejam as intenções dessa proposição, não há como desconsiderar um certo desvirtuamento da função dos embargos de declaratórios, uma vez que as partes se sentirão compelidas a apresentá-los mesmo que não haja omissão, contradição ou obscuridade na decisão recorrida, simplesmente para cumprir uma formalidade, segundo entende Rodolfo Cursino no qual:

observa-se que adotar tal posicionamento é concluir pela inutilidade dos embargos declaratórios opostos. Isto porque, ainda que julgados improcedentes os aclaratórios, caso o tribunal superior entenda pela existência de omissão, a questão será considerada prequestionada. (CURSINO, 2011).

Sendo assim, é necessário que haja cautela em relação a esse ponto e um maior debate para averiguar como conciliar tal inovação sem prejudicar a função dos embargos antes de aprovar o projeto de lei.

Todavia, diante de uma ponderação entre as vantagens e desvantagens advindas do projeto do novo CPC, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro clama por essa unificação de entendimento dos Tribunais Superiores, no intuito de proporcionar um maior e melhor acesso à justiça, conforme sugere Cursino:

No entanto, deixando de lado a ótica formalista, é inegável a necessidade de pôr em prática a duração razoável do processo no contexto do judiciário atual. A universalização do prequestionamento ficto objetivada pelo Projeto do novo CPC trará, sem sombra de dúvida, maior celeridade, facilitando o acesso das partes aos superiores tribunais. (CURSINO, 2011).

Em suma, fica claro que o projeto do novo CPC será bem recepcionado na legislação brasileira se vier a ser aprovado, pois, mesmo que o ordenamento admita diversidade de entendimentos, a prestação jurisdicional se torna mais viável quando uma vertente é consolidada, de acordo com o que ensina Mancuso:

Como é sabido, o ordenamento jurídico admite a existência de dois ou mais entendimentos jurisprudenciais acerca de um mesmo tema. Não se pode dizer, contudo, que isso seja desejado pelo ordenamento jurídico. No máximo, há de se ter em vista que se trata de situação tolerada pelo sistema, e que, como tal, deve ser evitada”. (MANCUSO, pág. 314).

CONCLUSÃO

Diante do exposto, pôde-se verificar que a diferença de tratamento dada para o requisito do prequestionamento pelo STF e STJ implica no ordenamento brasileiro uma circunstância de insegurança jurídica, acabando por promover atitudes desnecessárias pelos operadores do direito, fato este que dificulta uma melhor prestação jurisdicional.

Como conseqüência desses obstáculos, percebe-se a contribuição para a morosidade da justiça e a redução de sua eficácia, uma vez que meras formalidades são impostas impedindo o prosseguimento dos processos, além da falta de consenso quanto da aplicabilidade de certos atos frente os tribunais superiores.

Pensando em contornar esses desafios e entrar em conformidade com os preceitos da Constituição de 88, o projeto do novo CPC (PL 166/2010) apresenta algumas inovações que prometem facilitar o acesso à justiça, impondo a ela uma maior celeridade e economia processual.

No que toca ao requisito do prequestionamento, a inovação mais significativa trata da universalização do prequestionamento ficto, que propõe reduzir a formalidade proveniente da apresentação da tese de direito visivelmente expressa no acórdão recorrido, poupando tempo e esforços.

Em suma, conclui-se que a aprovação do projeto do novo CPC em conformidade com os princípios processuais constitucionais promoveriam uma série de soluções que, quando aplicadas, propiciariam uma melhor prestação jurisdicional, como sugere o Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

BUENO, Cassio Scarpinella. De volta ao prequestionamento: duas reflexões sobre o Recurso Extraordinário n. 298.695/SP. Disponível em: < http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Prequestionamento%201-2004.pdf.> Acesso em: 28 ago. 2012.

BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento? Disponível em: <http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Prequestionamento%20e%20RE.pdf. >.Acesso em: 28 ago. 2012.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 31. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

CURSINO, Rodolfo Botelho. Breve análise das mudanças no requisito de prequestionamento com base no projeto do novo Código de Processo Civil (PL 166/2010). Conteudo Juridico, Brasília-DF: 12 nov. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,breve-analise-das-mudancas-no-requisito-de-prequestionamento-com-base-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo>. Acesso em: 22 set. 2012.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 11. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2011.

NETO, Vito Antônio Boccuzzi. Recursos excepcionais: o presquestionamento e a matéria de ordem pública. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coordenadores). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. cap. 35, p. 439-447.

SCANDOLARA, Rafael Pellenz. A impossibilidade do prequestionamento ficto como requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários lato sensu.  Disponível em: < http://www.ajufesc.org.br/arquivos/8513_Rafael_P._a_impossibilidade_de_prequestionamentopdf.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2012

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