RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL: ANÁLISE DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Por Guilherme Lima Bacelar | 23/01/2025 | Direito

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO

RECUPERAÇÕES E FALÊNCIAS - DC0145

 

GUILHERME LIMA BACELAR

 

RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL: ANÁLISE DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


 

FORTALEZA-CE

2023

 

Trabalho acadêmico para a disciplina de Recuperações e Falências do departamento de Direito Privado, turno noturno, da Universidade Federal do Ceará, como parte do requisito para conclusão da disciplina.

 

RESUMO

Este trabalho tem como objeto o instituto da recuperação extrajudicial, estabelecido pelos artigos 161 a 167 da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, e visa explicar a abrangência de tal, que foi incorporado ao sistema jurídico brasileiro como um mecanismo alternativo para a resolução do estado de insolvência do devedor fora da via judicial. Essa abordagem se materializa como uma tentativa de solução amigável das obrigações financeiras do empresário em situação econômico-financeira precária, envolvendo seus respectivos credores. Além disso, ressalta-se que a opção pela recuperação extrajudicial tornou-se uma das alternativas disponíveis para empresas em crise, com o objetivo de preservar a entidade, suas fontes de receita, obrigações tributárias e seus objetivos econômicos.

PALAVRAS CHAVE: Recuperação Extrajudicial; Empresa; Preservação
 

ABSTRACT

This work has as its object the institute of extrajudicial recovery, established by articles 161 to 167 of Law 11,101, of February 9, 2005, and aims to explain the scope of this, which was incorporated into the Brazilian legal system as an alternative mechanism for resolution of the debtor's state of insolvency outside the judicial system. This approach materializes as an attempt to reach an amicable solution to the financial obligations of businesspeople in a precarious economic and financial situation, involving their respective creditors. Furthermore, it should be noted that the option for extrajudicial recovery has become one of the alternatives available to companies in crisis, with the aim of preserving the entity, its sources of revenue, tax obligations and its economic objectives.

KEYWORDS: Extrajudicial Recovery; Company; Preservation

 

INTRODUÇÃO

A Recuperação Extrajudicial é um instituto jurídico previsto na legislação brasileira, mais especificamente na Lei 11.101, datada de 9 de fevereiro de 2005, para substituir a antiga Lei de Falências (Decreto-lei 7.661/45) com algumas alterações feitas pela Lei 14.112, de 24 de Dezembro de 2022, que oferece uma alternativa ao empresário em situação financeira delicada, visando à reestruturação de suas dívidas de forma amigável, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Uma peculiaridade que vale a pena citar relacionada à Legislação Brasileira sobre Recuperação Extrajudicial é evidenciada pelo autor André Luiz Santa Cruz Ramos (2016, pg. 822):

Uma das provas mais inequívocas de que a legislação falimentar brasileira era obsoleta e necessitava urgentemente de reformulação era a regra do art. 2.º, III, do Decreto-lei 7.661/1945, que punia o devedor comerciante que convocava seus credores, propondo-lhes dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, com a possibilidade de decretação de sua falência. A convocação extrajudicial de credores era, pois, considerada um ato de falência pela lei anterior. 

Nesse processo, o devedor busca negociar diretamente com seus credores para estabelecer condições de pagamento mais favoráveis, prazos adequados e eventuais descontos nas dívidas. Diferentemente da recuperação judicial, que demanda aprovação judicial e segue um procedimento mais formal, a recuperação extrajudicial depende da anuência da maioria dos credores envolvidos.

A autonomia das partes nesse tipo de recuperação é um traço distintivo, permitindo flexibilidade na elaboração dos termos do acordo. Essa flexibilidade pode abranger a possibilidade de acordos diferenciados com distintos credores, possibilitando uma abordagem personalizada conforme a situação financeira específica de cada um.

Ao ser efetivada com sucesso, a recuperação extrajudicial proporciona a continuidade das atividades empresariais, a preservação de empregos e a viabilização do pagamento das dívidas, promovendo uma solução mais rápida e menos onerosa em comparação com processos judiciais mais formais. Vale ressaltar que a regulamentação detalhada desse processo está disposta nos artigos 161 a 167 da Lei 11.101/2005.

Embora tenha uma breve semelhança com a recuperação judicial, há certos elementos que não podem ser abarcados, como os de cunho trabalhista, além da não interrupção de ações e prevenções contra o devedor, os quais não são contemplados por este instituto. Todas essas considerações estão delineadas pela Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/2005). Esses processos se diferenciam substancialmente em termos de procedimento, abordagem e requisitos.

O processo de Recuperação Judicial se inicia com o ajuizamento de um pedido perante o Poder Judiciário. Se aceito, o tribunal desempenha um papel ativo em todas as fases, desde a homologação do plano de recuperação até a execução do mesmo. Este procedimento é formal, seguindo prazos legais e requerimentos específicos.

Por outro lado, a Recuperação Extrajudicial pode ser iniciada extrajudicialmente, sem a necessidade de intervenção judicial inicial. O devedor busca negociar diretamente com seus credores, resultando em um processo menos formal e mais flexível em comparação com a Recuperação Judicial. A intervenção judicial nesse caso é mínima, limitando-se à homologação do acordo.

Ademais, na Recuperação Judicial, o plano de recuperação deve ser aprovado pela assembleia geral de credores, envolvendo todas as classes de credores. Por outro lado, na Recuperação Extrajudicial, o acordo pode ser direcionado a uma parte específica dos credores, sem a necessidade de aprovação unânime, desde que haja concordância da maioria em cada classe afetada.

Ambos os processos visam à preservação da empresa e à satisfação dos credores, sendo a escolha entre Recuperação Judicial e Extrajudicial determinada pelas circunstâncias específicas de cada caso.

Esse estudo tem por objetivo dissecar o instituto da Recuperação Extrajudicial e demonstrar as diferenças, vantagens e peculiaridades desse procedimento.

  1. Requisitos da Recuperação Extrajudicial

Ao abordarmos os critérios necessários para a Recuperação Extrajudicial, referimo-nos apenas aos requisitos essenciais para a homologação do plano de recuperação em juízo, conforme enfatizado pelo autor Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 433):

“Quando a lei estabelece requisitos para a recuperação extrajudicial, ela está se referindo apenas ao devedor que pretende, oportunamente, levar o acordo à homologação judicial. Se essa não é necessária (porque todos os atingidos aderiram ao plano) nem conveniente (porque não tem interesse o devedor em arcar com as despesas do processo), é irrelevante o preenchimento ou não das condições legalmente referidas.”

Dito isso, sobre os requisitos legais para a homologação do plano de recuperação extrajudicial, é observada a existência de duas ordens, a subjetiva, que diz respeito ao devedor requerente, e a objetiva, que trata do plano de recuperação em si.

O devedor que busca a homologação da recuperação extrajudicial deve atender a diversos requisitos, delineados tanto pelas condições gerais estabelecidas pela lei para o acesso à recuperação judicial quanto por critérios específicos. Primeiramente, é imperativo que o devedor cumpra as mesmas condições previstas na legislação para a recuperação judicial. Adicionalmente, não deve haver nenhum pedido de recuperação judicial em tramitação em seu nome, conforme estabelecido pelo artigo 161, § 3º, primeira parte da Lei de Falências. Outro requisito crucial é que o devedor não tenha obtido recuperação judicial ou extrajudicial nos últimos dois anos, conforme especificado na segunda parte do artigo 161, § 3º. Estes critérios visam garantir a adequada utilização do processo de recuperação extrajudicial e evitar situações de abuso ou uso indevido do mecanismo.

Quanto aos requisitos objetivos, há cinco considerações essenciais. Primeiramente, o plano não pode prever o pagamento antecipado de qualquer dívida, como indicado na primeira parte do artigo 161, § 2º. Em seguida, todos os credores sujeitos ao plano devem receber tratamento igualitário, sendo vedado qualquer favorecimento ou desfavorecimento seletivo, conforme estabelecido pela segunda parte do mesmo dispositivo.

Ademais, o plano só pode abranger créditos constituídos até a data do pedido de homologação, conforme disposto no artigo 163, § 1º, in fine. Além disso, a alienação de bens gravados ou a supressão ou substituição de garantia real só podem constar no plano se houver consentimento expresso do credor garantido, conforme previsto no artigo 163, § 4º. Por fim, o afastamento da variação cambial nos créditos em moeda estrangeira só é permitido no plano de recuperação com a anuência expressa do respectivo credor, conforme estabelecido pelo artigo 163, § 5º. Esses requisitos objetivos visam garantir a integridade e a justiça no processo de recuperação extrajudicial.

“Art. 163. O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial. 

§ 1º O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos 

§ 2º Não serão considerados para fins de apuração do percentual previsto no caput deste artigo os créditos não incluídos no plano de recuperação extrajudicial, os quais não poderão ter seu valor ou condições originais de pagamento alteradas.

§ 3º Para fins exclusivos de apuração do percentual previsto no caput deste artigo:

I – o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de assinatura do plano; e

II – não serão computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43 deste artigo.”

  1. Pedidos de Homologação

Visto os requisitos para a homologação, devemos observar que a legislação traz duas formas distintas de homologação do plano de recuperação sendo essa a homologação facultativa, disposta no artigo 162 da LRE, e a homologação obrigatória, disposta no artigo 163 da mesma lei. 

A Homologação facultativa, refere-se à homologação do plano que recebe a adesão integral de todos os credores afetados pelas medidas nele estipuladas, conforme disposto no art. 162 da LRE: 

“Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.”

Quando todos os credores, cujos créditos são afetados pelo plano, expressam sua concordância com suas disposições — que podem alterar valores, prazos, condições de pagamento, garantias, entre outros aspectos — a homologação judicial não se torna mandatória para sua efetivação.

Caso o plano de recuperação extrajudicial contenha a assinatura de todos os credores abrangidos por suas disposições, a homologação não se configura como uma condição necessária para vinculá-los. Sua obrigação decorre diretamente da adesão ao plano, resultante de sua manifestação de vontade. Nesse cenário, a intervenção judicial não se faz essencial para a alteração do crédito em sua amplitude ou condições, uma vez que a adesão unânime dos credores já estabelece as obrigações conforme delineadas no plano.

Mesmo que a homologação do plano de recuperação não seja essencial no caso de todos os credores aderirem ao plano, existem motivos para que a mesma aconteça. Um dos principais motivos para a homologação facultativa seria revestir o ato de maior solenidade, uma forma de trazer mais confiança ao acordo celebrado. Outro motivo pela qual a homologação facultativa se torna benéfica é que, uma vez homologado o plano de recuperação,  abre-se a possibilidade de alienação por hasta pública de filiais e outras unidades, como previsto no art. 166:

“Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.”

Ao solicitar a homologação facultativa, o devedor deve apresentar a justificativa e o instrumento de recuperação extrajudicial assinado por todos os credores. O juiz, ao receber a petição instruída, ordena a publicação de um edital convocando os credores a impugnarem, se desejarem, o plano de recuperação extrajudicial no prazo de 30 dias. Durante esse período, o devedor deve comprovar que notificou todos os credores no Brasil sobre o pedido de homologação e as condições do plano. Após o prazo de impugnação, se houver, o juiz decide homologar ou negar a homologação do plano de recuperação extrajudicial.

Já a Homologação Obrigatória refere-se ao procedimento disposto no art. 163 da Lei de Recuperações e Falências: 

Art. 163. O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial. 

É relevante destacar que esse dispositivo passou por uma reformulação com a promulgação da Lei 14.112/2020. Em sua versão original, o número de assinaturas requeridas para a homologação do plano era de 3/5 dos credores, ao invés de metade. Assim, a alteração no texto legal tornou o dispositivo mais acessível e atrativo para o devedor e os credores interessados em efetivamente impulsionar a recuperação da atividade empresarial e a negociação dos créditos.

A Homologação obrigatória possui essa denominação pois, o devedor é obrigado a fazer o pedido de homologação do plano se quiser obrigar os credores que não aderiram ao seu cumprimento.

Agora, consideramos a situação em que o devedor conquistou a adesão significativa de seus credores ao plano de recuperação, porém uma pequena minoria resiste a aceitar suas implicações. Nesse cenário, é injusto que a oportunidade de revitalização da empresa do devedor seja perdida devido à recusa de adesão por parte de uma parcela minoritária dos credores. A homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial resolve esse impasse, estendendo os efeitos do plano aos credores minoritários mencionados e eliminando a necessidade de adesão voluntária por parte deles.

Sobre as “espécies” de crédito citadas no art 163, afirmou o autor Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 436):

“Por “espécies” de crédito se deve entender, para os fins de aplicação desse dispositivo, as classes referidas nos incisos II, IV, V, VI e VIII do art. 83, a saber: a) crédito com garantia real; b) crédito com privilégio especial; c) crédito com privilégio geral; d) crédito quirografário; e) crédito subordinado. São essas cinco as espécies de crédito a serem consideradas na recuperação extrajudicial.

O procedimento para a homologação obrigatória segue, em grande parte, o mesmo padrão da homologação facultativa, exceto no que diz respeito à instrução da petição inicial. Para a homologação facultativa, a lei exige uma instrução simples, composta pela justificativa e pelo plano. Isso se justifica pela natureza mais modesta dos efeitos dessa homologação, já que o plano conta com a adesão de todos os credores envolvidos e não impacta significativamente seus direitos creditórios.

Em contrapartida, devido aos efeitos mais abrangentes da homologação obrigatória, o processo de instrução para solicitar essa homologação é mais amplo. Além da justificativa e do plano, com a assinatura da maioria aderente, o devedor deve apresentar em juízo: a) uma exposição detalhada de sua situação patrimonial; b) demonstrações contábeis referentes ao último exercício; c) demonstrações contábeis relativas ao período desde o fim do último exercício até a data do plano, preparadas especialmente para o pedido; d) documento que comprove a outorga de poder para novar ou transigir em nome dos credores; e) uma relação nominal de todos os credores, incluindo endereço, classificação e valor atualizado do crédito, juntamente com informações sobre a origem, vencimento e remissão ao registro contábil (conforme disposto no art. 163, § 6º da Lei de Falências). Essas exigências visam garantir uma análise mais abrangente e precisa diante dos efeitos mais substanciais da homologação obrigatória.

163. O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.

§ 6º Para a homologação do plano de que trata este artigo, além dos documentos previstos no caput do art. 162 desta Lei, o devedor deverá juntar:

I – exposição da situação patrimonial do devedor;

II – as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadas especialmente para instruir o pedido, na forma do inciso II do caput do art. 51 desta Lei; e

III – os documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir, relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.

  1. Processamento e Efeitos da Homologação

O procedimento de impugnação à homologação do plano de recuperação extrajudicial está previsto na Lei de Recuperação de Empresas (LRE) no artigo 165, § 4º. Nesse dispositivo, o texto estabelece que, após o recebimento da petição inicial de homologação, o juiz ordenará a publicação de edital para convocar os credores a apresentarem eventuais impugnações no prazo de 30 dias.

Durante esse período, os credores têm a oportunidade de examinar o plano proposto, questionar eventuais irregularidades e expressar suas objeções. As impugnações podem abordar diversos aspectos, incluindo a conformidade do plano com as normas legais, a equidade no tratamento dos credores, entre outros pontos que possam comprometer a validade ou eficácia do plano de recuperação extrajudicial.

Após o término do prazo para impugnação, o juiz analisa as objeções apresentadas pelos credores. Se acolher as impugnações, poderá indeferir a homologação ou solicitar alterações no plano. Caso as impugnações sejam rejeitadas, o juiz procede com a homologação do plano.

Após o cumprimento do trâmite legal, o juiz emite uma sentença judicial homologando ou indeferindo o plano de Recuperação Extrajudicial. Ambas as decisões podem ser objeto de recurso de apelação, disponível tanto para os devedores quanto para os credores. Importante notar que a apelação não tem efeito suspensivo, pois a sentença confere ao plano status de título executivo judicial, conforme o §6° do artigo 161:

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 6º A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Se o plano não for homologado, o devedor tem a possibilidade de apresentar um novo pedido de homologação, conforme o §8° do artigo 164, dessa vez atendendo a todos os requisitos legais exigidos:

Art. 164. Recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial previsto nos arts. 162 e 163 desta Lei, o juiz ordenará a publicação de edital eletrônico com vistas a convocar os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao plano de recuperação extrajudicial, observado o disposto no § 3º deste artigo.  

§ 8º Na hipótese de não homologação do plano o devedor poderá, cumpridas as formalidades, apresentar novo pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial.

Em seguida, conforme o art. 165 da Lei de Recuperação de Empresas (LRE), o plano de recuperação extrajudicial, em princípio, começa a produzir efeitos após sua homologação judicial. Em geral, o plano não pode retroagir uma vez homologado, exceto se especificamente previsto no § 1.º do mesmo artigo, permitindo que o plano estabeleça efeitos anteriores à homologação, mas exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários.

Dessa forma, certas medidas do plano, relacionadas ao valor ou à forma de pagamento de créditos de credores que aderiram a ele, podem ser implementadas antes da homologação judicial. Entretanto, se o plano for posteriormente indeferido pelo juiz, o § 2.º do art. 165 estabelece:

Art. 165. O plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial.

§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, caso o plano seja posteriormente rejeitado pelo juiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente pagos.

No que diz respeito aos efeitos da homologação do plano, o art. 166 da LRE estipula que, se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver a alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará sua realização, observando, quando aplicável, o disposto no art. 142 da mesma Lei.

  1. Credores na Recuperação Extrajudicial

Alguns credores permanecem imunes aos efeitos da recuperação extrajudicial, mesmo quando homologada judicialmente. A recuperação extrajudicial não afeta de maneira alguma os direitos dessas categorias de credores, que são considerados sujeitos de direito incapazes de renegociar seus créditos junto à sociedade empresária através deste processo. A renegociação só pode ocorrer seguindo as normas específicas da disciplina legal do crédito em questão ou, na ausência destas, pelas disposições do direito das obrigações.

Os credores preservados da recuperação extrajudicial incluem: a) titulares de créditos derivados da relação empregatícia ou de acidente de trabalho; b) credores tributários; c) proprietário fiduciário, arrendador mercantil, vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável e vendedor titular de reserva de domínio; d) instituição financeira credora por adiantamento ao exportador (ACC). 

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 1º Estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza tributária e aqueles previstos no § 3º do art. 49 e no inciso II do caput do art. 86 desta Lei, e a sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

 

Todos os demais credores estão sujeitos aos efeitos da recuperação extrajudicial homologada. Se o plano obtiver a adesão da maioria (50%+1 do valor do passivo de cada categoria afetada), a extensão de seus efeitos aos minoritários renitentes ocorre como consequência da homologação judicial.

Após a distribuição do pedido de homologação, o credor que aderiu ao plano de recuperação extrajudicial não pode desistir sem o consentimento dos demais signatários. A concordância do devedor e de todos os credores é essencial para a existência, validade e eficácia da desistência, pois o plano deve ser considerado em sua totalidade. A falta de qualquer elemento pode comprometer o objetivo desejado, que é a recuperação da empresa do devedor. Portanto, a desistência de um credor afeta os interesses dos demais, sendo exigida a concordância tanto do devedor quanto dos outros credores aderentes para que a desistência seja efetivada de acordo com o plano previsto.

  1. Vantagens da Recuperação Extrajudicial

Como vimos, a recuperação extrajudicial é um procedimento que oferece diversas vantagens tanto para o devedor quanto para os credores, proporcionando um ambiente mais flexível e menos litigioso em comparação com processos judiciais. Uma das principais vantagens desse procedimento é a menor intervenção judicial. Diferentemente da recuperação judicial, a recuperação extrajudicial não exige uma intervenção intensa do poder judiciário, tornando o processo mais ágil e menos oneroso.

Nas palavras do doutrinador Carlos Alberto Farracha Castro (2012, p. s. n):

“É fato que a conciliação extrajudicial revela uma tendência (para alguns, extremamente perigosa) de minorar a intervenção estatal, aumentando, pois, a liberdade das partes - credores e devedor - para renegociação, em que pese a desfavorável econômico-financeira que se encontra o devedor perante seus pares. Sem embargo, a recuperação extrajudicial - inclusive as negociações preliminares - deve ser conduzida com transparência e boa-fé de ambas as partes, mediante a partilha de informações confidenciais, de modo a obter um plano de recuperação com credibilidade e viabilidade, ou seja, que propicie a unidade produtiva (empresa) - gradativa e progressivamente – gerar fluxo de caixa necessário à liquidação das obrigações para com os seus credores”

Além disso, a autonomia contratual é uma característica importante desse procedimento. As partes envolvidas têm mais liberdade para negociar e estabelecer termos mutuamente acordados, sem a necessidade de conformidade estrita com as regras processuais e formais do sistema judicial. A agilidade e eficiência também são notáveis, já que a ausência de trâmites judiciais complexos muitas vezes resulta em um processo mais rápido, permitindo uma recuperação mais ágil do devedor.

A flexibilidade na negociação é outra vantagem significativa. O devedor tem a flexibilidade de negociar diretamente com os credores, adaptando o plano de recuperação às suas circunstâncias específicas e à realidade do mercado. Isso permite uma abordagem mais personalizada e adaptada à situação particular da empresa em dificuldades. Em termos de custos, a recuperação extrajudicial tende a ser mais econômica em comparação com processos judiciais, contribuindo para a preservação do valor dos ativos da empresa.

A manutenção do controle empresarial durante o processo de negociação é uma consideração crucial. O devedor pode manter o controle sobre suas operações e ativos, o que pode ser fundamental para a continuidade dos negócios. Além disso, o procedimento extrajudicial muitas vezes tem um impacto menor na imagem da empresa, já que não é tão público quanto um processo judicial, preservando assim sua reputação no mercado.

A possibilidade de acordos mais flexíveis, a evitar a insolvência judicial, a preservação de empregos e ativos, são outras vantagens importantes desse procedimento. No entanto, é crucial observar que a escolha entre recuperação extrajudicial e judicial depende das circunstâncias específicas de cada caso, e ambas as opções têm seus prós e contras. A consulta a profissionais jurídicos e financeiros especializados é fundamental para determinar a melhor abordagem em cada situação. Colaborando com a ideia do autor Daniel Oliveira Matos (2015, p.s.n.): 

“Os problemas combatidos extrapolavam o mundo das questões jurídicas e um plano extrajudicial permite a utilização das formas mais flexíveis de recuperação, com o potencial de ser mais efetivo no combate às causas da crise (MATOS, 2015, p.s.n.).”

  1. Considerações FInais

No desenrolar deste trabalho, empreendemos uma análise aprofundada sobre o instituto da Recuperação Extrajudicial, e a partir do que foi apresentado, torna-se evidente a relevância dessa abordagem, visto que ela proporciona uma nova perspectiva para o empresário insolvente superar suas dificuldades financeiras e reestruturar suas atividades empresariais.

A Lei 11.101/2005 busca realizar o possível, promovendo uma superação abrangente das condições críticas em que o empresário ou sociedade empresária se encontra, visando conservar a produção, os empregos e os interesses dos credores, tornando-se um estímulo à atividade empresarial.

A negociação entre devedor e seus credores é uma tradição que perdura desde tempos imemoriais, é reconhecida como um artifício continuamente aplicado à sombra da legislação. O legislador, sensível a essa realidade, optou por instituir normas legais que regulamentam a negociação entre o devedor e seus credores, um processo que permanece sujeito à supervisão da justiça, garantindo que os acordos sejam homologados judicialmente e orientados por princípios norteadores que resguardam os direitos das partes envolvidas.

Concluímos, então, que a Lei de Falências representa um notável avanço no panorama legislativo falimentar nacional, aproximando-nos das melhores práticas em vigor. Ela oferece um suporte legal vital para a elaboração e aceitação do processo extrajudicial de negociação coletiva, evitando que o devedor em frente a falência ou busque a recuperação judicial, com todos os ônus inerentes, principalmente com algumas alterações feitas através da lei 14.112/2020 que tornaram o instituto mais atrativo tanto para o devedor quanto para os credores. No entanto, a capacidade dos devedores e dos credores majoritários de realizar alterações no valor e na forma de pagamento dos credores remanescentes, sem que estes estejam expressamente contemplados no plano, destaca-se como uma das mudanças mais expressivas da Lei de Falências, exercendo impacto significativo na conduta de devedores e credores durante os procedimentos de negociação de débitos.

Ao concluir este trabalho dedicado ao intricado universo das Recuperações e Falências, gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos às pessoas e instituições que tornaram possível a realização desta pesquisa.

Primeiramente, expresso minha gratidão ao professor Luiz Eduardo, com seu conhecimento e orientações valiosas, foram fundamentais para o desenvolvimento deste estudo. Suas contribuições iluminaram o caminho e enriqueceram meu entendimento sobre o tema.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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