RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA - A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO

Por Rachelly Clécya Brandão de Castro | 07/12/2016 | Direito

 

Rachelly Clécya Brandão De Castro

Determinada empresa que possui diversos estabelecimentos em várias cidades do país enfrenta um processo de recuperação judicial, através do qual foi possível a aquisição de máquinas para confecções de tecidos e peças de roupas por um morador da cidade de Belo Horizonte, João Feitosa.

O contrato social que constituiu esta empresa estabeleceu como sua sede estatutária o Acre, especificamente a cidade de Rio Branco. Entretanto, é na capital do Rio de Janeiro que são tomadas as decisões, tendo em vista que é lá onde se localizam a direção da empresa e os órgãos de gestão. Já seu principal parque fabril  encontra-se situado em Bacabal, Maranhão.

Tempos após João Feitosa ter adquirido o maquinário, surgiu uma determinação judicial para que fosse feita a constrição judicial com a finalidade de satisfação de créditos de natureza trabalhista. 

  • QUESTIONAMENTOS ENVOLVIDOS 

2.1 QUESTÃO CENTRAL 

  • É possível identificar algum referencial teleológico/axiológico na Lei 11.101/05?Qual é esse referencial e seu fundamento? 

Interpretação teleológica axiológica segundo Ferraz Júnior, é um tipo de interpretação que consiste na produção de sentido. Da análise seguinte, concluiremos portanto qual o referencial teleológico/axiológico, ou seja, o sentido da nova Lei.

A Lei 11.101/05 não objetiva decretar a falência e extinguir a empresa em decorrência de suas dívidas, ao contrário, seu sentido é dar prosseguimento às suas atividades, evitando que dezenas ou centenas de trabalhadores fiquem desempregados, fato que não seria benéfico nem para a empresa, nem para a sociedade no geral. Seu sentido, portanto, é perpetuar a atividade econômica, gerando renda aos seus empregados e aos empregadores e possibilitando que através da recuperação judicial, os credores tenham também seus interesses satisfeitos. 

“O objetivo do plano de recuperação de empresa é sanear a crise econômico-financeira do empresário ou da sociedade empresária, equacionando o evento que gera dificuldade para a manutenção da atividade tal como originalmente organizada a fim de preservar os negócios sociais, a manutenção dos empregos e, igualmente, satisfazer os direitos e interesses dos credores” (SZTAJN. FRANCO apud PICOLO)

A partir da análise do artigo 47 da referida lei, podemos apontar como sendo sua alma, seu espírito, a função social a qual a empresa se destina. Esta função social consiste no “poder-dever de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados deveres positivos e negativos” (FILHO, 2003 apud MACEDO, 2012). 

2.2 QUESTÕES SECUNDÁRIAS 

  1. a) Há diferença na alienação de bens provenientes de processo de recuperação judicial e de processo falimentar? 

No processo de recuperação judicial, conforme o disposto no artigo 60, parágrafo único e no artigo 141, inciso II da Lei 11.101/05 não recairá qualquer tipo de ônus sob o objeto alienado, seja em relação a alienação judicial de filiais de determinada empresa ou em relação a alienação de apenas algumas unidades produtivas isoladamente como por exemplo máquinas ou peças. Tal artigo diz ainda que o arrematante não irá se suceder nas obrigações do devedor. À luz da Lei 11.101, no processo de recuperação de empresas concluímos, portanto, que os ônus, ou seja, os débitos não seguem o patrimônio adquirido. De acordo com Fábio Ulhoa, esta não sucessão consiste em uma proteção aos credores da empresa. A sucessão que ocorre é apenas em relação aos créditos trabalhistas que não foram adimplidos pelo alienante.

No Decreto-lei n° 7.661, antiga Lei de Falência,  não há clareza quanto ao ônus e à sucessão ou não do arrematante do estabelecimento ou parte dele, ao contrário, havia certa supressão na antiga lei quanto a este assunto. Fábio Ulhoa afirma que a falta de norma explícita que regulamentasse esse assunto no decreto-lei prejudicava a obtenção de bens da massa falida e principalmente da própria empresa falida em si. Sem norma explícita, os potenciais compradores tinham dúvidas se iriam suceder o devedor em suas obrigações, adquirindo o ônus juntamente com o patrimônio, pois caso isso viesse a se concretizar posteriormente, seria desvantajoso a eles.

A diferença na alienação dos bens em processo de recuperação judicial e em processo falimentar consiste na segurança que os compradores/arrematadores possuem ao realizá-la. Consequentemente há maior probabilidade de compras de bens ou de empresas inteiras no processo de recuperação que no processo falimentar, fato decorrente da clareza expressada pela Nova Lei, que colabora ainda mais para o cumprimento da função social da empresa, pois quanto mais seguros estiverem os compradores em relação a não sucessão dos ônus, mais pessoas comprarão os bens por acreditarem ser mais vantajoso e mais capital será gerado, possibilitando a recuperação da empresa de forma mais rápida e eficiente. Já na antiga lei de falência, a supressão causava prejuízos aos credores e não possibilitava que a empresa cumprisse sua função social pois por medo de realizarem negócio desvantajoso, não o realizavam, consequentemente a empresa falida dificilmente adquiria fundos para pagar seus credores, conforme apontado por Fábio Ulhoa.  

a.1) Quais as interpretações possíveis, inclusive sob o aspecto linguístico?

Analisando a palavra ônus em seu aspecto lingüístico de acordo com o significado atribuído pelo dicionário podemos entendê-lo como incumbência. Não sendo uma mera obrigação, tendo em vista que quem arca com o ônus não possui sanção caso não cumpra o que lhe foi incumbido.

Sucessão conforme o dicionário, se configura como ato ou efeito de suceder, dando sequência a algo sem interrupção ou pequeno intervalo, no caso, às obrigações do devedor.

 a.2) Como os tribunais tem se posicionado a respeito deste tema?

O STJ vem decidindo questões a respeito desse tema deixando claro que não há sucessão no caso de recuperação judicial, exceto em alguns casos nos quais é aceitável apenas a sucessão trabalhista. Como exemplo: o caso da Varig, processo CC 112637.

Neste caso houve reconhecimento de sucessão trabalhista e em decorrência disso deveria a Varig Linhas Aéreas S.A se responsabilizar solidariamente pelos créditos devidos a um antigo funcionário da Varig Logística S.A.


  1. b) Quais os sentidos apresentados pela doutrina para a expressão “principal estabelecimento”? 

Há diversas controvérsias quanto ao tema principal estabelecimento. A doutrina e a jurisprudência chegaram a um consenso sobre como definir o principal estabelecimento. Por este motivo, é possível apresentar 4 correntes se posicionando a respeito do tema:

1ª Corrente: STF e STJ - O principal estabelecimento a ser considerado deve ser aquele no qual esteja localizado o “centro vital” das principais atividades.

2ª Corrente: Rubens Requião – Principal estabelecimento é o local de onde as ordens emanam, onde está situada a chefia da empresa, onde são feitas as operações financeiras em maior volume. Figurativamente podemos compará-lo ao “cérebro” da empresa.

3ª Corrente: Fábio Ulhoa Coelho – Principal estabelecimento é o local mais importante economicamente para a empresa, ou seja, o local onde são realizados a maior parte dos negócios da empresa.

4ª Corrente: Ricardo Negrão - Principal estabelecimento é o “local de onde emanam as ordens e se realizam as atividades mais intensas da empresa” 

b.1) Quais os efeitos práticos da adoção de cada um? 

O efeito prático consiste em que é a definição do estabelecimento principal que irá definir qual juízo será competente para deferir a recuperação judicial, decretar a falência ou homologar o plano de recuperação extra-judicial, conforme estabelece o artigo 3° da Lei 11.101/05. 

b.2) Como os tribunais se posicionaram a respeito desse tema?

O STJ entende que o principal estabelecimento localiza-se onde se encontrar o parque industrial da empresa, ou seja, na área de maior atividade, onde se concentram os trabalhadores. Uma clara decisão a respeito disso é melhor explicado na decisão do caso da Sharp, no qual o processo de falência da referida empresa foi julgada pelo juízo de Manaus, local onde se concentrava as atividades desenvolvidas, bem como os trabalhadores e credores. 

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