RECREAÇÃO: QUALIDADE DE VIDA ATRAVÉS DAS BRINCADEIRAS EM EDUCAÇÃO FÍSICA!
Por alex vieira | 26/10/2009 | SociedadeINTRODUÇÃO
Este estudo pretende responder questionamentos que
fizemos no decorrer de nossa vida como professor de educação física escolar,
mais precisamente na educação infantil. Constatamos durante 1 ano de
experiência na educação infantil, em escolas da rede pública de ensino, que
grande parte dos objetivos de uma consecução de qualidade de vidaentre crianças escolares se dá através da
atividade lúdica, dos jogos e das brincadeiras (prática da educação física
infantil).
A revisão de literatura nos confirmou que existe uma
grande escassez de pesquisas envolvendo qualidade de vida na infância (SABEH
e VERDUGO, 2000), pois os títulos, quando encontrados, são superficiais e não
englobam a percepção de qualidade de vida dentro do ponto de vista das
próprias crianças. Segundo Verdugo e Sabeh {2002}, citando Gerhaz (1997),
isso se deve ao fato do estudo de qualidade de vida com crianças ser muito
mais complexo do que com adultos.
Em recente pesquisa realizada por Dantas et al.
(2003), observou-se que, de 53 estudos envolvendo dissertações de mestrado,
teses de doutorado e livre-docência de universidades públicas de São Paulo
envolvendo o tema qualidade de vida, somente um destes envolvia crianças.
Também foi afirmado que apenas dezesseis pesquisas investigaram qualidade de
vida com indivíduos saudáveis.
As pesquisas sobre qualidade de vida com adultos têm
progredido, porém os estudos com crianças ainda não. Prebianchi (2003) cita
que em uma revisão de literatura internacional, Schmitt e Koot (2001)
identificaram que dos 20.000 artigos sobre qualidade de vida publicados nos
anos de 1980 à 1994, apenas 3.050 reportavam-se à crianças.
Como foi afirmado por Prebianchi (2003: 59):
é um direito da criança ter padrões de qualidade de vida adequados as suas
necessidades físicas, mentais e de desenvolvimento social, o respeito a esse
direito é fundamental, pois contribui com o bem estar do indivíduo na vida
adulta. Quando os padrões de vida supracitados são desrespeitados ou
desconhecidos devem ser realizadas pesquisas que se interessem pelas medidas
da população infantil.
Mas, como podemos afirmar que, ao brincar a criança pode estar contribuindo para a aquisição de uma boa qualidade de vida? Para tal questionamento, devemos esclarecer o que vem a ser qualidade de vida.
SAÚDE, EDUCAÇÃO
FÍSICA E QUALIDADE DE VIDA.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998,b: 36):
As relações que se estabelecem entre Saúde e Educação
Física são perceptíveis ao considerar-se a similaridade de objetos de
conhecimento envolvidos e relevantes em ambas às abordagens. Dessa forma, a
preocupação e a responsabilidade na valorização de conhecimentos relativos à construção
da auto-estima e da identidade pessoal, ao cuidado do corpo, à consecução de
amplitudes gestuais, à valorização dos vínculos afetivos e a negociação de
atitudes e todas as implicações relativas à saúde da coletividade, são
compartilhadas e constituem um campo de interação na atuação escolar.
Assim é correta a afirmação que ambas as abordagens
possuem objetivo comum: promover uma qualidade de vida favorável.
A Educação Física é um processo de Educação em Saúde,
seja por vias formais ou não formais, pois ao promover uma educação efetiva
para a saúde e uma ocupação saudável do tempo livre de lazer, constitui-se em
um meio efetivo para a conquista de um estilo de vida ativo e em conseqüência
favorece a obtenção de qualidade de vida.
Segundo o Conselho Federal de Educação Física
(CONFEF, 2002), o profissional de Educação Física é um especialista em
atividades físicas, nas suas mais diversas manifestações, tendo como
propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da
saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis
adequados de desempenho e condicionamento fisiocorporal dos seus
beneficiários, visando à consecução do bem estar, da consciência, da
expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de problemas
posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda para a
consecução da autonomia, auto-estima, da solidariedade, da integração, da
cidadania, das relações pessoais, da preservação do meio ambiente, visando
enfim a consecução da qualidade de vida.
Portanto a Educação Física deverá ser conduzida como
um caminho de desenvolvimento de estilos de vida ativos pelos brasileiros,
para que possa contribuir para a qualidade de vida da população.
Na educação infantil, a educação física utiliza-se de
jogos e brincadeiras como um poderoso instrumento para auxiliar o
desenvolvimento das crianças, seja no plano motor, afetivo ou cognitivo com a
finalidade de promover um estilo de vida ativo e saudável, conduzindo a uma qualidade
de vida satisfatória.
QUALIDADE DE VIDA.
A idéia que compartilhamos é a de que qualidade de
vida é um termo que representa uma forma de explicar subjetivamente o que é
viver bem, estar satisfeito ou feliz consigo mesmo e com o mundo ao seu redor.
O fator principal que a determina é sem sombra de dúvidas o bem estar físico,
mental e social.
Porém não é fácil conceituar qualidade de vida, pois
este termo ainda não foi estabelecido e também não tem sido empregado
corretamente (Silva, 1998, apud Silva et al, 2000). Além disto, a definição
de qualidade de vida não é aceita universalmente, gerando discussões acerca
desta temática.
Seidl e Zannon (2004: 581) citam Campbell (1976, apud Awad & Voruganti,
2000: 558), que na década de 70, explicitou as dificuldades de conceituar o
tema qualidade de vida: "qualidade de vida é uma vaga e etérea entidade,
algo sobre a qual muita gente fala, mas que ninguém necessariamente sabe o
que é". Esta citação feita há mais de 34 anos nos demonstra às controvérsias
sobre o conceito do tema em questão.
Concordamos com Minayo e colaboradores (2000: 8),
quando atesta que qualidade de vida é:
uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação
encontrada na vida familiar, amorosa, social e na própria estética
existência. Pressupõe a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos
os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e
bem-estar. O termo abrange muitos significados, que refletem conhecimentos,
experiências e valores de indivíduos e coletividades que a eles se reportam
em variadas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo portanto uma
construção social com a marca da relatividade cultural.
Segundo o Grupo para
Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL, 1993), a percepção
do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto sócio-cultural
em que vive é condição sine qua non para o alcance da qualidade de vida.
Assumpção e colaboradores (2000) citam que Shin &
Johnson (1978), afirmam que a qualidade de vida para ser atingida, depende da
satisfação de desejos individuais, auto-realização e uma compensação
satisfatória consigo mesmo e com os outros.
Ainda destacam Jenney & Campbel (1977), que
criticam a falta de definições no meio acadêmico e científico para a
qualidade de vida.
Os mesmos autores também utilizam as idéias de
Bradlyn et al. (1996) que define qualidade de vida como multidimensional, não
se resumindo ao aspecto social, físico e emocional, mas também que estes
aspectos sirvam de parâmetro às alterações que ocorram durante o
desenvolvimento. Também fazem referência a Eiser (1997), que observa a grande
diferença entre o que é qualidade de vida "infantil" dentro da
visão de um adulto e de uma criança.
Uma definição bem clássica é de 1974, onde Seidl e
Zannon (2004: 582) mencionam Andrews (apud Bowling, p. 1448): "qualidade
de vida é a extensão em que prazer e satisfação têm sido alcançados".
A QUALIDADE DE VIDA
E O BRINCAR.
A respeito do assunto, MASLOW (1973), citado por
APPLEY & COFER (1976) hierarquiza as necessidades do homem, afirmando que
a necessidade posterior só é realizada quando a anterior estiver satisfeita.
Os tipos de necessidades citados pelo referido autor são por ordem de importância:
necessidades fisiológicas, de segurança, de afeição, de auto-estima e de
auto-realização.
Seguindo a idéia de MASLOW (1973), a criança deve
primeiramente satisfazer suas necessidades fisiológicas e de segurança, pra a
partir daí satisfazer suas necessidades relacionadas com a afetividade, a
estima e a realização de objetivos. Portanto, para as crianças, após
cumprirem suas necessidades fisiológicas básicas (respirar, locomoção,
alimentação, entre outras) e suas necessidades de segurança (aqui é incluído
a moradia), os outros fatores de necessidades podem ser adquiridos através da
brincadeira.
Através do ato de brincar a criança pode satisfazer
seus desejos, sejam de ordem afetiva, relacionada à estima ou a realização de
objetivos e finalidades. Durante a prática lúdica, a criança exercita suas
capacidades de relacionamento, aprende a ganhar, a perder, opor-se, expressar
suas vontades e desejos, negociar, pedir, recusar, compreende que não é um
ser único e que precisa viver em grupo respeitando regras e opiniões
contrárias; enfim, adquire afeição. Brincando educa
sua sensibilidade para apreciar seus esforços e tentativas, o prazer que
atinge quando consegue finalizar uma tarefa (montar um quebra-cabeça ou pegar
o colega) faz com que se sinta realizada por atingir uma meta, levando-a a
auto-estima. A brincadeira desafia a criança e a leva a tingir níveis de
realização acima daquilo que ela pode conseguir normalmente.
Para reforçar este entendimento, AUSUBEL, NOVAK &
HANESIAN (1980, p. 217) colocam como fatores primordiais para uma boa
qualidade de vida os seguintes fatores (em ordem de aquisição):
Conservar a vida (subsistência);
Manter a segurança (conforto);
Conseguir o prazer (humor e diversão);
Experimentar mudanças e novidades;
Expandir o ego;
Sentir auto-respeito.
Mais uma vez observa-se
que, a criança somente após atingir as condições de subsistência
(necessidades fisiológicas) e de segurança, conseguirá partir para os outros
fatores; e, novamente através da brincadeira, todos os outros itens podem ser
atingidos, pois o prazer em brincar é indiscutível, a experimentação do novo
vem com os desafios envolvidos nos jogos e brincadeiras infantis, a
auto-estima e o auto-respeito também são facilmente realizáveis através do
ato de brincar, pois como já foi citado, ao brincar a criança descobre seus
limites, atinge metas e se realiza.
A qualidade de vida pode ser conceituada como o grau
maior ou menor de satisfação das carências pessoais, observando que a busca
pela boa qualidade de vida consiste mais claramente em visar situações
prazerosas, e menos em evitar aborrecimentos ou vivências problemáticas, e é
isso o que a brincadeira reflete aos pequenos.
Sabeh e Verdugo (2002) em sua busca de encontrar um
instrumento de avaliação da percepção de qualidade de vida na infância
realizaram uma categorização para detectar dimensões, baseado em modelos de
qualidade de vida já construídos, especialmente o de Schalock (1997). As
categorias são:
1. Ócio e atividade recreativa: experiências de
ócio, recreativas e de tempo livre como jogos, esportes, atividade física,
televisão, vídeos, realizadas de forma individual ou em grupo;
2. Rendimento: relacionado ao desempenho e aos resultados alcançados em
atividades escolares ou esportivas;
3. Relações inter-pessoais: interação positiva ou negativa com e entre
pessoas de seu meio. Aqui se inclui o vínculo com animais;
4. Bem-estar físico e emocional: estado físico e saúde da criança, de
familiares e amigos;
5. Bem-estar coletivo e valores: situações sociais, econômicas, políticas que
a criança percebe de seu meio sócio-cultural, assim como em relação à valores
humanos;
6. Bem-estar material: consecução e relação com objetos, e a característica
física dos ambientes em que vivem.
Desta forma, a percepção
infantil sobre qualidade de vida requer muitos fatores. As crianças são
sujeitas à mudanças, sendo influenciadas por eventos cotidianos e problemas
crônicos. Para as crianças bem estar pode significar o quanto seus desejos e
esperanças estão próximos do que acontece.
O contexto sócio-econômico, o grau de instrução
escolar, a participação dos pais, sua importância dentro do seu grupo de
amigos, suas potencialidades física e mental são fatores que interferem
claramente na definição de qualidade de vida pelas próprias crianças. Outro
fato muito importante é o material, na infância os brinquedos e outros
materiais lúdicos adquirem um fator condicionante à felicidade e, por
conseguinte, a consecução da qualidade de vida.
Observamos que nas categorias acima expostas de Sabeh
e Verdugo (2002), o ócio e a atividade recreativa, é a dimensão onde o
brincar está incluso, sendo, portanto, um dos fatores para a aquisição da boa
qualidade de vida infantil.
Assim, brincadeira ultrapassa de muito o prazer
sinestésico, oferecido pela prática do movimento. Possibilita, de forma
bastante eficaz, as diversas necessidades individuais, multiplicando assim,
as oportunidades de se obter prazer e, conseqüentemente, otimizar a qualidade
de vida.
CONCLUSÕES
Concluímos que o profissional de Educação Física deve
contribuir através das atividades lúdicas com a auto-estima o afeto e
auto-realização das crianças num programa de atividades lúdicas, envolvendo
aos jogos e brincadeiras em seu planejamento, não como um apoio auxiliar, mas
como meta principal, pois a soma de prazer que uma criança obtém durante as
atividades lúdicas em que exercita o corpo e a mente através da brincadeira,
aprimorará sua qualidade de vida, potencializando o otimismo e reduzindo o
nível de stress a que freqüentemente está submetida, independente de
situações agradáveis ou desprazerosas enfrentadas ao longo do seu cotidiano.
A bem das propostas defendidas neste trabalho,
recomenda-se também ao profissional de Educação Física que transcenda a
preocupação pelo excesso do tecnicismo nas aulas de educação física infantil,
que se despreocupe com a freqüência cardíaca ou com o volume e a tonicidade
muscular dos freqüentadores de atividades corporais orientadas.
Aconselha-se, ao contrário, que ele aspire,
sobretudo, a satisfazer as privações e as necessidades sócio-psicológicas de
seus discípulos: manter-se-á, portanto, atento, (como lhe convém), ao grau de
melhorias e renovações positivas concernentes à qualidade de vida dos membros
do grupo a que atende.
Ref. Bibliográfica:
1. ASSUMPÇÃO, F.D.Jr., et al. Escala de avaliação da qualidade de vida
(Autoquestionnaire qualité de vie enfant imagé - AUQEI): validade e
confiabilidade de uma escala de vida em crianças de 4 a 12 anos. Arq
Neuropsiquiatr 2000;58(10:119-127).
2. APPEY, M. H. & COFER, C.N. Psicologia de la motivación. Mexico: Trillas, 1976.
3. AUSUBEL, David p.; NOVAK, Joseph D. & HANESIAN, Helen. Psicologia
educacional. 2a ed. Rio de janeiro: Interamericana, 1980.
4. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Educação Física. SEF. Brasília, 1988.
5. CONFEF, Conselho Federal de Educação Física. Carta Brasileira de Educação
Física. Belo Horizonte, 2000.
6. DANTAS, R.A.S., SAWADA, N.O., MALERBO, M.B., Pesquisa sobre qualidade de
vida: revisão da produção científica das universidades públicas de São Paulo.
Rev. Latino-am Enfermagem 2003 julho-agosto; 11 (4): 523-8.
7. MINAYO, M.C.S., HARTZ, Z.M.A., BUSS, P.M. Qualidade de vida e saúde: um
debate necessário. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 5(1): 7-18,
2000.
8. PREBIANCHI, H.B. Medidas de qualidade de vida para crianças: aspectos
conceituais e metodológicos. Psicologia, Teoria e prática. Campinas, Ano
2003, v.5,n.1,55-70.
9. SABEH, E.N, VERDUGO, M.A., Evaluación de la percepción de calidad de vida
em la infancia. Psicothema, 2002, vol 14, n 1, pp. 86-91.
10. SABEH, E.N., VERDUGO, M.A., Revisión critica del uso del concepto de
calidad de vida em la infância. Manuscrito no publicado, Universidad de
Salamanca, 2000.
11. SEIDL, E.M.F; ZANNON, C.M.L.C. Qualidade de vida e saúde: aspectos
conceituais e metodológicos. Cad. Saúde pública, Rio de Janeiro,
20(2):580-588, mar-abr, 2004.
12. SILVA, M.G.N., NASPITZ, C.K., SALÉ, D. Qualidade de vida nas doenças
alérgicas: Por que é importante avaliar? Revista Brasileira de Alergia e
Imunopatologia. São Paulo, Vol 23, nº 6: 260-269, nov-dez, 2000.
13. WHOQOL Group. Measuring
quality of life: the development of the world Health Organization Quality of
Life Instrument (WHOQOL). Geneva: World Health Organization, 1993.