Ratos
Por José Ronaldo Piza | 09/08/2010 | CrônicasRatos
É engraçado como a natureza tem força.
Não fazia sequer um mês que gastei quase um milhão de calorias limpando um terreno baldio que fica ao lado de minha casa e, para minha surpresa o mato já estava novamente alto. Pensei em fazer a limpeza novamente, mas, não deu coragem. Fui até uma loja, destas especializadas em produtos agrícolas e, sem nenhum pingo de remorso comprei um famoso mata-mato.
Com toda a frieza do mundo, preparei a solução de veneno, estava prestes a me tornar um assassino de matos; e em pouco tempo estava eu me embrenhando em meio àquela verdadeira selva que se fazia ao lado de minha casa.
O estranho é que as pessoas pensam que um terreno baldio e mal arrumado é sinônimo de lixão, cada um que passa joga um pouco de lixo, por certo pensam que só um papel de sorvete não irá fazer diferença. Mas faz! O que eu encontrei de porcaria no meio daquele matagal não está escrito no gibi. Mas isso não me impediu de concluir com louvou minha missão. Em três dias o mato já estava amarelado e seco.
Agora era a hora de dar cabo do trabalho, um palito de fósforo foi o suficiente e logo o fogo devastava todo o mato, deixando apenas fuligem e fazendo com que o terreno ficasse limpo.
Ciente de que havia feito um bom trabalho voltei para casa tranqüilo, porém meus problemas começaram dois dias depois. Aquele terreno era o habitat de uma enorme família de ratos, mas a família era grande mesmo e eu, pensando apenas em limpeza os deixei totalmente desamparados e sem teto. Eles, no entanto, como forma de retaliação, não tiveram dúvidas, invadiram minha casa. Sim, tomaram conta como se aquele fosse o seu lar durante toda a vida.
Vocês podem imaginar o que aconteceu, minha mulher passou uma noite em claro e por tabela me fez ficar acordado também. As crianças eram as únicas que se divertiam: eram pedradas e chinelas para todos os lados. O mais velho até agora estava sendo o recordista absoluto, havia conseguido dar cabo de dez roedores.
Porém, mais uma vez estava eu com um problema nas mãos para ser resolvido, mas agora eu iria recorrer à ajuda profissional. Entrei em contato com algumas empresas especializadas em dedetização, mas todas me aconselharam a procurar por algum especialista em ratos. Fiquei surpreso, eu nunca tinha ouvido falar que existia tal profissão.
Procurei pelas páginas amarelas até que encontrei o que estava procurando, imediatamente entrei em contato com o homem, este muito simpático agendou um horário para me fazer uma visita.
Até então minha mulher já estava enlouquecida, dizia até que iria para casa da mãe enquanto a situação não se resolvesse, mas eu a lembrei do juramento que ela havia feito: na alegria e na dificuldade. Não surtiu muito efeito, mas mesmo assim ela decidiu ficar, porém sempre repetindo: "se você não tivesse morrendo de preguiça, teria limpando o terreno sem atear fogo e nós não teríamos esse problema", o pior é que elas acham que gritando os homens entendem melhor.
No dia seguinte o "especialista em ratos" ? eu ainda não me acostumei com isso, veio até minha casa, fez um exame em todos os cômodos, coletou algumas amostras de fezes e urina, procurou por todas as reentrâncias da casa ? aliás, isso também me incomodou um pouco: um completo estranho entra em minha casa e a vasculha por completo, dá impressão que ele descobre todas nossas intimidades ? e em pouco mais de uma hora ele já estava dando o diagnóstico.
- Bem, sua casa realmente está infestada de roedores. Provavelmente eles perderam o local onde moravam e escolheram um lugar novo para morar.
Pelo canto dos olhos eu podia vislumbrar minha mulher me fuzilando com os olhos, mas limitei-me a balançar a cabeça afirmativamente.
- Mas acho que tenho uma solução que irá livrá-los deles de uma vez por todas.
- Bem ? eu disse ? hoje de manhã eu comprei um veneno e vou aplicá-lo à noite, o vendedor me disse que é tiro e queda, o bichinho come e morre na hora.
Nessa momento eu pude ver um grande sorriso de satisfação no rosto do especialista tem ratos, como se ele soubesse de um segredo milenar e estivesse prestes a revelar. E, digo a verdade, o que ele contou realmente me surpreendeu.
- Os ratos ? começou dando uma pigarreada, como se estivesse preparando um honroso discurso ? são, de fato, criaturas interessantes. Tenho me dedicado a estudá-los durante anos. Minhas conclusões foram as de que esses animais são muito inteligentes, porém, possuem uma memória muito curta. Eles sempre procuram manter-se próximos uns aos outros, formando uma espécie de comunidade.
"Quando o senhor me disse que comprou um veneno poderoso eu logo vi que havia procedido como a maioria das pessoas, porém com os ratos isso não serve. Veja só como eles são espertos: quando uma comida nova é descoberta pelos ratos, o grupo inteiro fica apenas observando, primeiro eles mandam um membro do grupo, de preferência um adolescente para averiguar se não há nenhuma armadilha.
Depois vai um outro membro do grupo para provar a comida. Enquanto isso, ao longe todos os outros ficam apenas observando. Vamos supor que a comida tenha um poderoso veneno, o que acontece? O ratinho morre na hora e o resto do grupo jamais comerá daquela comida. Isso por que eles conseguem entender a causa para aquele efeito, ou seja: a causa para o companheiro ter morrido. Por isso eu digo que eles são extremamente inteligentes.
Mas, como eu também já disse, a memória deles já não é tão boa, suponhamos que você coloque um veneno que só irá surtir efeito três dias depois de ingerida a comida, os ratos só verão o efeito, porém não saberão o que causou aquilo e então, continuarão a comer daquela comida e continuarão morrendo até acabarem-se todos ou então escolherem outro lugar para morar onde o número de mortes seja menor."
Quando parou de falar, estava extasiado, com a boca seca, parecia que havia discorrido sobre alguma teoria da conspiração. Mas o que ele disse até que poderia fazer algum sentido, de qualquer forma não custaria nada tentar.
Ele deu mais algumas dicas, dessa vez de como evitar que eles viessem pela primeira vez, mas sinceramente eu achei que essa dica estava um pouco tardia. Paguei sua visita e sua aula com um chequinho pré-datado, anotei o nome do veneno sugerido e imediatamente providenciei comida para todos os ratinhos daquela casa. Com certeza eles teriam um vasto banquete essa noite.
O problema era convencer minha mulher que aquilo iria acabar logo e que ela precisava ter um pouco mais de paciência.
No dia seguinte, levantei da cama ansioso para ver se haviam caído na armadilha e tive que dar o braço a torcer, o homem realmente era um profissional, não havia sequer cheiro da comida que eu havia deixado no dia anterior, os ratinhos devoraram tudo.
Dois dias depois, os corpos começaram a aparecer, era um verdadeiro ratocídio. O porão de casa então era um verdadeiro cemitério de ratos. O mais legal disso tudo é que a composição do veneno impedia o mau cheiro da decomposição, ou seja, eles iam morrendo e secando, depois era só avisar a empregada que ela estava sujeita a encontrar alguns corpos de pequenos roedores durante a faxina.
Em dez dias não havia sequer sinal de que a casa havia sofrido aquela terrível invasão e finalmente minha mulher pôde dormir tranqüila e eu também.
Mas todo esse episódio me fez pensar seriamente como nós, seres humanos, muitas vezes agimos de forma mais primitiva que nossos colegas roedores.
Eles sabem identificar um problema e o que aquilo irá causar e então, o evitam, pois sabem que não é bom.
E nós? Quantas vezes não temos inúmeros exemplos do que não presta e ainda assim insistimos?
Quantos jovens não morrem por causa das drogas e quantos outros, vendo o exemplo, ao invés de evitar, seguem atrás?
Quantas meninas não vêem as amigas engravidando precocemente e mesmo assim acabam do mesmo jeito?
Quantas pessoas sabem que o futuro do bandido é a prisão ou a morte e mesmo assim acabam apelando para o mundo do crime como se fosse a única forma de conseguirem sobreviver?
Quantas pessoas, na hora de escolher seu candidato, mesmo sabendo que ele é corrupto, ainda o apóiam?
Quantas pessoas não morreram por causa do sexo desenfreado e sem proteção e mesmo assim não servem de exemplo?
E são inúmeros os exemplos e situações que nos alertam, nos mostram, muitas vezes até mais claramente do que o veneno para o ratinho, mas parece que o consumismo, o prazer voluptuoso, o imediatismo nos vendam os olhos e quando caímos na real já estamos agonizando.
Será que eu devo concluir que o QI de um ratinho é maior do que o de um ser humano?
Não, isso seria muito radical, mas fica aqui um alerta: a você, que se acha esperto, que acha que nunca vai acontecer com você; que vive de acordo com suas próprias regras. Cuidado, alguém maior pode estar preparando uma comidinha envenenada para você.