Rastreabilidade: da vaca louca ao biodiesel
Por Romão Miranda Vidal | 06/02/2010 | SociedadeRastreabilidade: da vaca louca ao biodiesel
Interessante como as situações adversas muitas vezes proporcionam resultados os mais estranhos possíveis.
A Europa como um todo, viu-se de frente com uma situação do Mal da Vaca Louca, o que de certa forma lhes impeliu a se policiar melhor em termos de Vigilância Animal e rever seus procedimentos de manejo, nutrição, alimentação e, lógico, sanitário-animal, em relação aos seus plantéis.
O que chama a atenção é que a cultura européia sempre foi um tanto, digamos, bicuda, sempre se entenderam como sendo os melhores, os mais avançados e de certa forma a razão lhes é dada, mas ainda se consideram como ponto de referência para a ciência mundial, e em especial para a Medicina Veterinária. Países como Portugal, Espanha, Itália, Polônia, Grécia, França, não se apresentam tão adiantados em termos de pecuária de corte, e aqui englobamos a avicultura e a suinocultura. Lógico que a Alemanha e a França pontuam com avanços significativos em termos de pesquisas na nobre arte de evoluir tecnologicamente, no que diz respeito a Medicina Veterinária.
Em termos de RASTREABILIDADE ainda estão discutindo a cor da asa da borboleta azul, mas no seu pedantismo europeu, exigem que se faça da RASTREABILIDADE uma âncora da qual até a digestão da carne importada e consumida pelos europeus seja fornecida com um Certificado que ateste que não haverá nenhum dano ao sistema hepático.
A RASTREABILIDADE européia, em que pese as empresas fabricantes de identificadores plásticos terem neste continente suas matrizes, se encontra diante de mais de um dilema causado pelo Mal da Vaca Louca, Qual seja, estes dispositivos já não estão sendo aceitos com muita facilidade, não só pelos pecuaristas, mas também pelas indústrias e pelos consumidores, que agora passam a exigir também informações sobre o meio físico e ou eletrônico que se está usando em Sistemas de Rastreabilidade.
Os europeus por sua vez, advogam em causa própria. Estão solicitando uma nova avaliação junto a O.I. E. para rever o sistema de pontuação por caso clinicamente e laboratorialmente comprovado de B.S.E., e se tal ocorrer haverá uma corrida mundial para que todos os países onde foram positivamente encontrados casos de B.S.E., como é o caso do Canadá, solicitem sua inclusão nesta nova classificação.
O outro problema relacionado com a B.S.E. relaciona-se com os produtos de origem animal, menos nobres, como sebo, gorduras, ossos, vísceras, sangue, que eram utilizados na alimentação animal e, nos dias atuais não podem mais ser usados. O custo da incineração destes produtos, nos dias atuais é da ordem de 300 Euros por tonelada, o que de certa forma interfere nos custos dos frigoríficos e influencia diretamente nos custos de fabrico de ração para animais domésticos. Estes produtos, ossos, cartilagens, vísceras, sangue, sebo e gordura animal, são considerados perigosos, razão pela qual a sua incineração é obrigatória.
Mas como do couro sai a cinta, a sola de sapato, a bolsa e outros mais, os europeus, em especial os espanhóis, ante uma produção de 21.600 toneladas anuais destes resíduos, em vez de pagarem para que estes produtos sejam incinerados, resolveram investir em uma planta industrial de biodiesel, só que de origem animal. E com esta situação firmada, reduziram os custos de incineração de 300 para 180 Euros por tonelada.
É a vida nos ensinando a gemer sem sentir dor.
Este exemplo, produtos de origem animal transformados em biodiesel, é algo deveras interessante, pois se formos analisar o que se produz no BRASIL, juntando como se pode usar a produção de oleaginosas - mamona, babaçu, buriti, dendê, soja, algodão, amendoim, e etc, - praticamente o BRASIL se tornaria auto-suficiente em combustíveis orgânicos, sem contar ainda com a cana-de-açúcar.
Foge um pouco este artigo em relação ao que costumamos abordar. Mas vejamos só. Aprendem-se lições incríveis em situações inusitadas. Se nós já temos o biodiesel, já temos carros com opção de uso de combustíveis (gás automotivo, álcool, biodiesel (álcool + diesel), por que não enveredarmos para o aproveitamento de resíduos de frigoríficos de aves, suínos e bovinos?
Na Espanha, mais precisamente na Galícia, opera um sistema em que 21 sócios proprietários de frigoríficos faturam algo como 150.000.000 de Euros e empregam algo como 400 empregados. Se permanecessem com a situação de pagar 300 Euros por tonelada incinerada, haveria a possibilidade de dispensar alguns funcionários. Com esta invenção e iniciativa, atingiram dois objetivos importantes. Não dispensaram mão-de-obra e passaram a lucrar com um resíduo, que em termos ecológicos é viável.
Mas esta é uma realidade espanhola que será copiada por outros países, em especial os europeus que ainda amargam os problemas resultantes do Mal da Vaca Louca. E por falar em copiar este exemplo de uso de resíduos orgânicos de bovinos abatidos, quem sabe no Canadá a Bombardier não se habilita a fazer uso de agora em diante de tais resíduos, pois até que se prove o contrário eles já tem a sua Vaca Louca, e os espanhóis com sua Vaca Louca deram um passo importante rumo ao combustível de origem animal.
Pois é, quem tanto nos detratou, quem tanto infernizou a nossa vida, hoje amarga uma realidade de difícil administração. Já os espanhóis ainda terão muito o que aprender. Não é operando Sistemas de Certificação que serão os expoentes da RASTREABILIDADE. Serão um dia passíveis de crédito, em termos de RASTREABILIDADE, no dia em que o BEM ESTAR ANIMAL se fizer presente na sua pecuária. A barbárie com que matam seus animais nas arenas de corrida de touros é tão cruenta e tão besta, que eu até entendo que não é só Deus que castiga, eles também devem estar pagando algo, com a presença do Mal da Vaca Louca.
Mas Deus também dá uma oportunidade, como é o caso do biodiesel de origem animal.
Médico Veterinário Romão Miranda Vidal