RAPOSO, O IDOSO ODIOSO (Segundo dia dos 65)

Por Fabiana Guaranho | 02/06/2009 | Crônicas

(Segundo dia dos 65)


Raposo hoje acordou disposto a "abalar geral".
Era o grande dia de ir ao Banco Bradesco.
O dia de colocar seu "poder de idoso odioso" a prova.
Queria ver quem ousaria atrapalhar seus planos.
Colocou sua melhor bermuda e seu inseparável tênis Nike Air.
Não iria nem a praia encontrar os amigos de rede de võlei, hoje era dia de furar fila.
De posse de seu cartão, pegou o ônibus até Botafogo,uma viagem completa pela orla carioca.
Trânsito.
Trânsito.
E Mais...
Trânsito.
Mas hoje era dia de experiências novas, e foi direto aos submundos do metrô.
Furou logo de cara sua primeira fila na bilheteria, fingindo não reparar os olhares indignados dos outros seres pagantes normais.
Passou pela roleta, se dirigiu como um bom atleta a passarela do metrô sentido Centro, com ar de aristrocata entrou no vagão , olhou o interior lotado de gente saindo pelo teto, e parou ao lado de um garotão sentado nos bancos reservados a idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Parou com aquele olhar de cachorro em frente aos frangos fritos da padaria, o garotão nada, com seu MP3 aos berros, parecia que nem via Raposo.
"Ai garotão, por obséquio me ceda o lugar."
"Ob o quê dotô?"
"Deixa de palhaçada, você tá sentado em lugar reservado a idosos e etc."
"Ah, tá, e você por acaso é Etc??? Porque idoso tu num pode sê"
"Não, o filhote de cruz-credo eu sou idoso, Sarta fora."
"Ai, tio, dá um tempo, vai enganar outro otário."
"Não sou tio de muleque burro e grosso."
Raposo com seu olhar de John Wayne carioca, sacou de seu cartão de idoso, e provou sua idade.
"Tá aqui o malandro, 65 primaveras."
"Putisgrila tio, tu tá no formol então, tá bom pode sentar ai vovô"
Vovô também era demais, Raposo adorava usufruir de seus diretos mas não suportava ser chamado de vovô.
Deu um pescoção no muleque abusado e botou ele pra fora.
Contrariado sentou-se, mas pensou que sempre existia o outro lado da moeda.
"Que pena"
"Vovô é a vovozinha."
Enfim depois de vários túneis intermináveis chegou a estação Carioca.
Esquecendo o infortúnio do metrô, renovou suas energias ao pensar na sua triunfal entrada na agência.
Atravessou a rua com passos seguros, driblou umas três senhoras que passavam com suas bengalas e sacas de compras das Lojas Mademoiselle Modas, enfim parou a frente da porta giratória do banco.
Gelou:
"Detesto estas portas."
Mas foi, enfrentou seus medos, e quando estava a apenas um quarto de volta do interior da agência...
Pipipipipi, a porta travou e Raposo deu de cara no blindex gelado da mesma.
"Senhor deposite seus pertences na janelinha e volte a entrar na porta de novo, senhor.
"Lá foram para a caixinha, moedas de 5 e 10 centavos, o chaveiro do flamengo, a medalha de São Jorge e pronto, entrar de novo.
Pipipipipi.
"Droga."
"Senhor, a fivela do cinto, senhor.
Deposite por favor na caixinha, senhor."
Lá foi Raposo contrariado, segurando as calças para não dar show na agência.
Fez o que a figura de uniforme pediu.
Passou de novo e ...
Pipipipipi.
"Senhor, o senhor deve estar portando mais algum objeto metálico, coloque-o na caixinha, por favor, senhor"
Raposo não aguentava mais ouvir, senhor, senhor, senhor.
"Meu querido agora o único objeto metálico que eu posso estar carregando é a prótese no meu pipipipipi....
Quer dar uma olhada????".
Pronto lá foi Raposo carregado banco a dentro pelo segurança com toda delicadeza que lhes é peculiar.
Não era essa a entrada triunfal que ele pretendia, porém, estava dentro da agência.
"O dotô, o senhor está desacatando minha autoridade, vou ter que deter o senhor."
"Então dete, dete se tú é macho. Você num sabe com quem tá falando."
Raposo já estava sendo arrastado para a salinha da segurança, quando Silveira apareceu.
"Mas que é isso ô Silva, larga o Raposo ai ele é meu amigo do carteado"
"Sim senhor-dotô-capitão Silveira, copiado senhor."
Amarrotado Raposo foi largado por aquelas mãos irritantes.
Que sorte do Raposo, encontrar o Silveira seu amigo logo na hora que mais precisava.
Bateu um papinho com seu salvador,afinal não via Silveira desde o dia que perdera toda sua poupança na rodada de carteado.
Voltou a caixinha pra recuperar seus pertences,moedas, chaveiro e principalmente seu cinto, porque suas bermudas insistiam em deixá-lo numa situação constrangedora.
Estava recebendo iclusive vários olhares e assobios de senhoras mais animadinhas.
Agora sim, estava na hora de triunfar em sua fila especial.
Olhou para a caixa e...
Procurou seus óculos, no bolso.
"XII, porisso a porta apitou, os óculos estavam no bolso, a que se dane."
Olhou para o caixa de novo.
"Ué cadê todo mundo?"
As caixas estavam todas vazias, mas como pode?
O banco já estava fechado, afinal, sair do Recreio, pegar ônibus, metrô lotado, passar pela porta giratória, ser detido, encontrar o Silveira, bater papo, apertar as calças e achar os óculos para encontrar a fila, não cabiam num dia de horário bancário.
E agora Raposo, como pagar o cinema e o jantarzinho prometido a Patroa?
"Dona Encrenca vai me matar."
Dona Encrenca era Matilda, a esposa odiosa de Raposo.
A última palavra sempre era dela.
Ela era a chefe.
Mas Matilda é outra estória...