RAPOSO O IDOSO ODIOSO(APRESENTANDO, MATILDA)

Por Fabiana Guaranho | 18/06/2009 | Crônicas

(APRESENTANDO, MATILDA.)

Matilda era ímpar, brasileira, carioca, esperta, arquiteta, ioguista e com um humor variado.
Era uma pessoa fácil de se lidar, desde que você não pisasse no seu pé, o problema é que seu pé sempre estava embaixo de alguém ou de alguma coisa, então, sai de baixo, ela se transformava.
Mas nada fazia Matilda se transformar tanto quanto quando estava atrás do volante.
Toda aquela educação, fragilidade e ternura...
Iam embora.
Matilda era muito educada e correta dirigindo, este era o problema, pois se algo saia diferente, o sangue esquentava, a adrenalina subia, e boom, se transformava.
Um dia Matilda estava tranqüilamente parada ao sinal, com seu karmanguia amarelo , o mesmo abre, os carros vão aos poucos arrancando, ela espera sua vez pacientemente, acelera, coloca sua seta para a esquerda e pelo retrovisor avista um carro cortando pela contra-mão a sua esquerda.
“Esse cara não vai passar aqui nem que a Vaca tussa.”
O abusado vem e corta a frente do karmanguia amarelo e vira a direita, Matilda calmamente continua, até que seu pára-choque encosta no carro do dito-cujo.
“Num tô nem ai, já tá amassado mesmo.”-pensa Matilda.
Do carro sai um cara mauricinho, engravatado, com cara de nerd de colégio interno.
Ô minha querida, você num me viu convergindo na sua frente não, 'cê tava parada no farol e num me viu.”
Sotaque paulista, Matilda detestava sotaque paulissssta.
Nestas situações ela se fazia de lesada.
“Filhinho(este é pior do que xingamento), eu estou sem meus óculos e não enxergo nada sem eles.”
“Como assim, como pode dirigir sem óculos, 'cê é louca?”
“Pois é esqueci na ioga, enxergo tão mal que daqui não vejo nem seu bigodinho.”
“Ô Loco, eu num tenho bigode.
Eu vou é chamar o guarda pra tirar sua carteira, sua cega louca.”
“Isso mesmo meu filho, me faz esse favor, porque faz dois anos que a minha tá vencida e eu num consigo tirar uma nova.”
“Eu vou é embora, porque a senhora não bate bem, meu.”
E com isso Matilda se sentia realizada, mas uma luta urbana vencida no trânsito.
E quando Matilda via que quem estava no outro carro era outra mulher, ai ninguém segurava.
Perseguições estilo Miami Vice pelas ruas do Rio, freadas bruscas estilo Velozes e Furiosos, e batidas no vidro para intimidar estilo Kojak.
Ai de quem mexesse com ela nestas horas.
Mas hoje era dia de cinema, nada mais a iria irritar, depois do estressante dia de trabalho, aturando seus “colegas” e principalmente seu chefe (afffe), enfim um cineminha com Raposo.
Chegou em casa, tropeçou nos carinhos felinos e esfomeados de Jean Claude, colocou seu potinho de leite, e foi tomar seu banho.
Hoje, Raposo iria levá-la ao cinema, nem acreditava, pois era praticamente impossível para Raposo ir ao cinema durante a semana.
“Muito lotado o cinema durante a semana, cheio de perua encharcada de perfume francês, horroroso, eu num agüento nem respirar”.- dizia Raposo.
Mas ela o convenceu a levá-la pra ver o Antonio Banderas.
“Querido, vamos ver o novo filme do Antonio Bandeiras?”
“Tá bom Matilda, mas só porque tem a Zeta-Jones, porque esse clone do Ney Latorraca eu num agüento.”
Raposo era tão romântico...
Embaixo da água fervendo do chuveiro e praticando seus mantras de relaxamento Matilda ia aos poucos relaxando e se tornando outra mulher.
De repente a água vulcânica de seu escaldante banho se transforma em gotas de gelo infernais, sim, porque para ela o inferno era gelado, Matilda detestava frio.
Fecha correndo a torneira, ainda com sabão nos cabelos e corre para se enxugar, ao sair do banheiro, encontra Raposo entrando no quarto.
“Querido, que bom que você chegou, não sei o que houve com a água, virou um gelo.
Mas tudo bem, liga a TV ai pra ir assistindo enquanto eu me arrumo pra gente sair. Tô loca pra ir ao cinema.”
Raposo, liga a Tv e nada, não, não pode ser, mas uma vez, cadê a energia?
Com aquela confusão no banco também esqueceu de pagar a conta de luz.
E ainda tinha que contar pra Matilda que não pegou dinheiro pra ir ao cinema.
É Raposo, hoje você não sobrevive.
“Matilda, meu amorzinho, preciso te contar uma coisinha...”
Matilda verde:
“R-A-P-O-S-O, eu te maaatoooooooo.”
Essa era Matilda.