QUIMIOTERAPIA: OS AGENTES ANTINEOPLÁSICOS
Por José Ossian Gadelha de Lima | 23/04/2011 | Arte1. INTRODUÇÃO O câncer é um conjunto de doenças causadas pela multiplicação descontrolada de células anormais, sendo a segunda maior causa de morte nos países industrializados, seguida das doenças cardiovasculares. Nesses países, uma em cada quatro pessoas adquire o câncer, e uma em cada cinco doentes, morrerá (Fontes et al. 2005). Os três principais tipos de tratamento do câncer são a radioterapia, a cirurgia, e a quimioterapia, sendo esse último o mais estudado nas últimas quatro décadas. Atualmente a quimioterapia do câncer utiliza-se tanto de compostos orgânicos, quanto de compostos metálicos, podendo ser indicada antes ou após a cirurgia, ou ainda isoladamente, sem que haja intervenção cirúrgica. Pode ainda, dependendo de outros fatores como o tipo de tumor, a localização e o estágio da doença, ser feita em conjunto com outro tipo de tratamento (UFSC, 2006). Os quimioterápicos não atuam exclusivamente sobre as células tumorais. As estruturas normais que se renovam constantemente, como a medula óssea, os pêlos, e a mucosa do tubo digestivo, são também atingidas pela sua ação. Além disso, células normais também sofrem efeitos desses quimioterápicos, podendo provocar alguns sintomas chamados de efeitos colaterais (Sasse, 2006). Esses efeitos não são, obrigatoriamente, apresentados por todas as pessoas que fazem quimioterapia, uma vez que dependem tanto do tipo de drogas utilizadas, quanto da forma que o organismo responde ao tratamento. Assim, alguns pacientes podem apresentar efeitos colaterais mais severos, enquanto outros podem mesmo não apresentar sintomas algum (INCA, 2006). Pesquisas comprovam que compostos derivados da cisplatina, ou melhor, novos complexos de platina têm sido direcionados para o desenvolvimento de compostos mais eficazes e menos tóxicos. Dessa maneira, cerca de 300 complexos já foram sintetizados e testados, mas somente três são usados hoje em dia: a carboplatina, a oxaloplatina e a nedaplatina (Guerra et al. 2005). Enquanto esses complexos são mantidos reservados para a utilização nesses tratamentos, outras drogas estão sendo aplicadas. Dentre elas se destacam os alquilantes polifuncionais, os inibidores mitóticos, os antimetabólitos e os antibióticos antitumorais. Esses constituem hoje as principais drogas utilizadas no tratamento do câncer. No entanto, elas causam várias resistências no organismo. Tais resistências ocorrem, ou porque as populações celulares desenvolvem nova codificação genética (mutação) ou porque são estimuladas, ao serem expostas às drogas, a desenvolver tipos celulares resistentes, o que lhes permite enveredar por vias metabólicas alternativas, através da síntese de novas enzimas (Sasse, 2006). O interessante é que há possibilidade de se reverter o mecanismo de resistência a partir do uso de compostos que inativem a 170-P (uma glicoproteína de grande concentração intracelular, ligada à membrana plasmática e que estimula a resistência aos quimioterápicos). Estudos realizados em laboratório mostraram um tipo de resistência cruzada apresentada por linguagens celulares entre quimioterápicos diversos, cuja característica comum é serem derivadas de produtos naturais. Este tipo de fenômeno passou a ser denominado "resistência das múltiplas drogas" e está relacionado à diminuição da concentração intracelular do quimioterápico e à presença da glicoproteína 170-P. Alguns desses mecanismos já são conhecidos. Porém, ainda encontram-se sob estudos clínicos (Controle do câncer, 1993). Então, enquanto se esperam os resultados desses estudos clínicos, o que se pode fazer para amenizar o sofrimento daquelas pessoas que tendem a passar pelo tratamento quimioterápico? Quais alterações possíveis podem ocorrer nas composições químicas dos agentes quimioterápicos, para que possam diminuir o sofrimento nas etapas do tratamento, eliminando ou reduzindo os efeitos colaterais? A eliminação ou redução desses efeitos podem ajudar na recuperação dos pacientes que tendem a passar por esse tipo de tratamento, podendo se submeter a uma recuperação menos depressiva. Este trabalho tem por objetivo geral estudar os principais agentes antineoplásicos empregados no tratamento quimioterápico do câncer. Os objetivos específicos relacionados são: conhecer a composição química e as propriedades quimioterápicas dos agentes antineoplásicos utilizados no tratamento do câncer; verificar seu mecanismo de ação e conhecer as reações promovidas nas células cancerígenas e não cancerígenas. 2. O CÂNCER E OS TRATAMENTOS QUIMIOTERÁPICOS A quimioterapia é o método que utiliza compostos químicos chamados quimioterápicos, no tratamento de doenças causadas por agentes bioquímicos. Quando aplicada ao câncer, a quimioterapia é chamada de quimioterapia antineoplásica ou quimioterapia antiblástica. Atualmente a quimioterapia do câncer utiliza-se tanto de compostos orgânicos quanto de complexos metálicos (Controle do Câncer, 2006). 2.1. Um pequeno histórico O primeiro quimioterápico antineoplásico foi desenvolvido a partir do gás mostarda, usado nas duas Grandes Guerras Mundiais como arma química. Após a exposição de soldados a este agente, observou-se que eles desenvolveram hipoplasia medular e linfóide, o que levou ao seu uso no tratamento dos linfomas malignos. A partir da publicação, em 1946, dos estudos clínicos feitos com o gás mostarda e das observações sobre os efeitos do ácido fólico em crianças com leucemias, verificou-se um avanço crescente da quimioterapia antineoplásica (Fontes et al, 2005). Atualmente alguns quimioterápicos mais ativos e menos tóxicos encontram-se disponíveis para uso na prática clínica. Os avanços verificados nas últimas décadas na área da quimioterapia antineoplásica, têm facilitado consideravelmente a aplicação de outros tipos de tratamento de câncer e permitido maior número de curas (Fontes et al, 2005). 2.2. Os principais grupos de drogas empregados no tratamento do câncer As principais drogas utilizadas no tratamento do câncer incluem os alquilantes polifuncionais (INCA, 2006). Os alquilantes são compostos capazes de substituir, em outra molécula, um átomo de hidrogênio por um radical alquil. Eles se ligam ao DNA de modo a impedir a separação dos seus dois filamentos da hélice dupla espiralar, fenômeno este indispensável para a replicação (Controle do câncer, 2006). Os alquilantes afetam as células em todas as fases do ciclo celular de modo não específico. Apesar de efetivos como agentes isolados para inúmeras formas de câncer, eles raramente produzem efeito clínico ótimo sem a combinação com outros agentes fase-específicos do ciclo celular. As principais drogas empregadas dessa categoria incluem a mostarda nitrogenada, a mostarda fenil-alanina, a ciclofosfamida, o bussulfam, as nitrossuréias, a cisplatina e o seu análogo carboplatina e a ifosfamida (Controle do câncer, 2006). Os antimetabólitos afetam as células inibindo a biossíntese dos componentes essenciais do DNA e do RNA. Deste modo, eles impedem a multiplicação e o funcionamento normais da célula. A inibição da biossíntese pode ser dirigida às purinas (como é a ação dos quimioterápicos 6?mercaptopurina e 6-tiogunina), à produção de ácido timidílico (5-fluoruracil e metrotexato) e a outras etapas da síntese de ácidos nucléicos (citosina?arabinasídeo C ou citarabina) (Controle do câncer, 2006). Os antimetabólicos são particularmente ativos contra células que se encontram na fase de síntese do ciclo celular (fase S). A duração da vida das células tumorais suscetíveis determina a média de destruição destas células, as quais são impedidas de entrar em mitose pela ação dos agentes metabólicos que atuam na fase S. Como pode ser deduzido, as diferenças entre a cinética celular de cada tipo de tumor podem ter considerável efeito na clínica, tanto na indicação quanto no esquema de administração desses agentes (Controle do câncer, 2006). Os antibióticos são um grupo de substâncias com estrutura química variada que, embora interajam com o DNA e inibam a síntese deste ácido ou de proteínas, não atuam especificamente sobre uma determinada fase do ciclo celular. Apesar de apresentarem tal variação, possuem, em comum, anéis insaturados que permitem a incorporação de excesso de elétrons e a conseqüente produção de radicais livres reativos. Podem apresentar outro grupo funcional que lhes acrescenta novos mecanismos de ação, como alquilação (mitomicina C), inibição enzimática (actinomicina-D e mitramicina), ou inibição da função do DNA por intercalação (bleomicina, daunorrubicina e adriamicina e seu análogo mitroxantona). Como todos os quimioterápicos, os antibióticos atuam tanto sobre as células malignas como sobre as normais. Por isso, também apresentam os chamados efeitos colaterais indesejáveis (Controle do câncer, 2006). Os inibidores mitóticos podem paralisar a mitose na metáfase, devido à sua ação sobre a proteína tubulina, formadora dos microtúbulos que constituem o fuso espiralar, pelo qual migram os cromossomos. Deste modo, os cromossomos, durante a metáfase, ficam impedidos de migrar, ocorrendo a interrupção da divisão celular (Controle do câncer, 2006). Esta função tem sido útil na "sincronização" das células quando os inibidores mitóticos são combinados com agentes específicos da fase S do ciclo. Devido ao seu modo de ação específico, os inibidores mitóticos devem ser associados a outros agentes para maior efetividade da quimioterapia Neste grupo de drogas estão incluídos os alcalóides da vinca rósea (vincristina, vimblastina e vindesina) e os derivados da podofilotoxina (OV-16, etoposídeo; e o VM-26, teniposídeo) (Controle do câncer, 2006). 2.3. O desenvolvimento de Fármacos Do ponto de vista clínico, é importante o desenvolvimento de fármacos com ações sobre o metabolismo intermediário das células em proliferação, pois estes agentes são muito estudados e clinicamente empregados. Embora não se tenha ainda descoberto qualquer propriedade bioquímica peculiar compartilhada por todas as células cancerosas, as células neoplásicas possuem várias diferenças metabólicas quantitativas em comparação com as células normais, tornando-as mais suscetíveis aos diversos antimetabólitos ou análogos estruturais das bases nitrogenadas (Beraldo, 2004). Muitos fármacos eficazes contra o câncer exercem sua ação sobre as células que se encontram no ciclo celular, sendo denominados fármacos ciclo-celular específicos (CCS). Um segundo grupo de agentes, denominados fármacos ciclo-celular não específico (CCNS), tem a capacidade de exterminar as células tumorais independentemente de estarem atravessando o ciclo ou de estarem em repouso no compartimento Go (Graebin e Lima, 2006). Apesar de até agora ter-se postulado que a atividade de fármacos anti-cancerígenos pode ser classificada somente em agentes ciclo-celular específico (CCS) ou ciclo celular não específico (CCNS), observou-se mais recentemente que, dentre estes últimos, o fator mais importante, para a atividade antitumoral e potencialidade para seu uso no tratamento das diferentes neoplasias, é que os antitumorais mais usados e estudados são agentes que geralmente atuam como eletrófilos sobre macromoléculas nucleofílicas, particularmente o DNA (Hahn e Weinberg, 2002). Contudo, apesar de se admitir que estes agentes não são ciclo-celular específicos, já se observou que as células são mais sensíveis à alquilação nas fases G e S do ciclo celular, apresentando bloqueio em G2. Estes agentes antitumorais formam comprovadamente ligações cruzadas com as fitas ou filamentos de DNA, podendo-se observar, os diferentes tipos de ligações cruzadas que podem ocorrer (Hahn e Weinberg, 2002). Todas estas ligações produzem lesões no DNA, sendo que as provocadas pelas ligações cruzadas interfilamentares são as mais citotóxicas, pois a alquilação de um único filamento de DNA pode até ser reparada facilmente, mas as ligações cruzadas interfilamentares, com as produzidas por agentes alquilantes bifuncionais, exigem mecanismos mais complexos de reparação, podendo até inibir sua replicação (Almeida et al., 2005). Há diversas classes de agentes antineoplásicos que têm este tipo de mecanismo de ação: mostardas nitrogenadas, nitrossuréias, triazeno, alquilsulfonatos, complexos de coordenação de platina e outros. Cabe ressaltar, primeiramente, que esses agentes alquilantes são fortes reagentes eletrofílicos, formando ligações cruzadas covalentes por reação de alquilação com centros nucleofílicos do DNA, principalmente as bases purínicas e pirimidínicas (Rajski e Williams, 1998). A eficiência da ação de agentes alquilantes já foi estudada por modelagem molecular e outros estudos de planejamento racional. Estes estudos evidenciam a correlação entre a distância intramolecular dos centros eletrofílicos destes agentes alquilantes e a distância dos centros nucleofílicos nucleotídicos nitrogenados. Contudo, apesar desta correlação estrutural, a presença de outros grupos nucleofílicos como amina (−NH2), sulfidrila (−SH) e hidroxila (−OH) em outras moléculas biológicas, também alquilável, explica os efeitos tóxicos destes agentes (Almeida et al., 2005). Os agentes alquilantes são antineoplásicos pioneiros, pois, em 1942, o agente alquilante tipo mostarda nitrogenada (mecloretamina) foi utilizado com sucesso para induzir remissão tumoral transitória em um paciente portador de linfomas. Este acontecimento marcou o início da era moderna de quimioterapia do câncer (Rajski e Williams, 1998). 2.4. Complexos metálicos O estudo de complexos metálicos para uso na quimioterapia teve grande impulso depois da descoberta das propriedades antitumorais do cis-diaminodicloroplatina (II), cis[Pt(NH3)2Cl2], comumente chamado "cisplatina" e que é um dos compostos mais utilizados no tratamento do câncer hoje em dia. Esse complexo foi primeiramente descrito por Reiset em 1844 e, um ano após, Peyrone descreveu um outro composto com a mesma fórmula molecular, sendo que apenas em 1893 Werner propôs serem os dois compostos isômeros: o complexo de Reiset correspondia ao isômero trans e o de Peyrone à forma cis (Fontes et al, 2005). Entretanto, as propriedades antitumorais de compostos contendo platina só foram descobertas mais de um século após a descrição dos compostos de Reiset e Peyrone. No final da década de 60, Barnet Rosenberg, um físico, então trabalhando na Universidade do Estado de Michigam, nos Estados Unidos, procurava estudar os efeitos do campo elétrico em uma cultura de bactérias Escherichia coli (Fontes et al, 1997). Rosenberg observou que a divisão celular era inibida, e durante o processo, as células de E. coli, como não podiam se dividir, cresciam formando filamentos alongados. Iniciou-se então uma busca pelos possíveis agentes responsáveis pelo fenômeno, e as pesquisas mostraram que a platina do eletrodo se dissolvia no meio de cultura que continha sais de amônio, para formar espécies complexas do metal (Fontes et al, 2005). Levou-se em consideração a hipótese de formação do sal (NH4)2[PtCl], que foi então sintetizado e testado nas mesmas condições da experiência inicial. Com as soluções recém-preparadas o fenômeno não se repetia, mas após alguns dias em repouso e expostas à luz, ao serem novamente testadas, as soluções causaram a filamentação das bactérias (Guerra et al., 2005). Mais tarde mostrou-se que ocorria uma reação fotoquímica ocasionando a troca de Cl por NH3 na esfera de coordenação da platina. Foram então sintetizados os complexos trans[Pt(NH3)2Cl2] e cis[Pt(NH3)2Cl2], sendo que com o composto cis repetiam-se os resultados biológicos iniciais e o composto trans se mostrou inativo (Guerra et al., 2005). A partir desses resultados, uma série de complexos de platina foi sintetizada e submetida a testes em camundongos portadores de sarcoma-180, um modelo de tumor usado para ensaios farmacológicos. Os compostos que se mostraram mais eficazes eram todos neutros e de configuração cis e, dentre eles, o que apresentou maior atividade foi o cis?diaminodicloraplatina(II), provocando a regressão total do tumor em 36 dias. O seu isômero, trans-diaminodicloraplatina(II), se mostrou inativo (Fontes et al., 2005). Já no início da década de 1970, o cisplatina começou a ser submetido a testes clínicos, inicialmente em pacientes terminais e posteriormente em tumores localizados, como o câncer de testículo e o de ovário, tendo sido lançado no mercado americano em 1979 (Guerra et al., 2005). O carcinoma testicular, que era quase letal, tornou-se curável em cerca de 80% dos casos, quando submetido ao tratamento com esse composto. Atualmente, o cisplatina é usado em vários outros tipos de neoplasias, como câncer de pulmão, cabeça, esôfago, estômago, linfomas, melanoma, osteossarcoma, de mama e cérvix, sobretudo em associação com outras drogas, em vários esquemas terapêuticos (Barreiro et al., 2002). A descoberta das propriedades antitumorais do cisplatina constitui um marco na história da Química Medicinal, a qual, inicialmente, dedicava-se principalmente ao estudo de composto orgânicos e produtos naturais. Depois dessa descoberta pode-se dizer que se abriu uma nova perspectiva, com a inclusão de complexos metálicos como possíveis agentes terapêuticos (Barreiro et al., 2002). Desde então vários trabalhos se dedicaram a investigar o mecanismo de ação do cisplatina e compostos correlatos no organismo. Esses estudos mostraram que, antes de alcançar as células, os complexos passam por reações de substituição, sendo a mais importante a reação de hidrólise. Uma das questões a ser respondida agora era: após sofrer hidrólise no meio intracelular, qual seria o alvo biológico do complexo, já que muitos componentes celulares, como o DNA, o RNA e as proteínas podem interagir com a platina? (Guerra et al., 2005). Os antineoplásicos formados por composto de coordenação com platina, como o cisplatina e a carboplatina, alquilam o DNA. O mecanismo de ação está relacionado com a inibição seletiva da síntese do DNA. As propriedades citotóxicas destes compostos, assim como de numerosos análogos, têm sido atribuídas a sua habilidade de formar ligações cruzadas do tipo interfilamentares como também intrafilamentares. Mais recentemente, tem-se dado particular ênfase à capacidade do cisplatina em provocar mutações no DNA e alterar a ligação DNA-proteína. Os complexos de platina parecem ter efeito sinérgico com outros agentes antitumorais (Fontes et al., 2005). A cisplatina, apesar de ter sido descrita há mais de 150 anos, só nos últimos 30 anos é que tem sido reconhecida como um potente agente antitumoral. O principal sítio de ligação é o nitrogênio 7 da guanina (N-7), embora também ocorra interação covalente com a adenosina e a citosina. Ressalta-se que a cisplatina exerce acentuada atividade antitumoral nos cânceres genitourinários, particularmente o testicular, o ovariano e o vesical. Também é usado no tratamento de carcinomas escamosos, como de pescoço e vários outros já citados (Fontes et al., 2005). A carboplatina um análogo da cisplatina, apresenta em sua molécula o grupo dicarboxilato, que é mais estável. A sua ligação com as proteínas plasmáticas é menos irreversível que a da cisplatina, e sua excreção também é mais rápida. É uma alternativa útil para a cisplatina, uma vez que apresenta menor toxidez gastrointestinal e renal, porém com toxidez mielossupressiva. Seu espectro de ação é semelhante ao da cisplatina, excetuando-se talvez os sarcomas e os tumores trofoblásticos para os quais parece ser menos eficaz. Mas recentemente têm-se desenvolvido complexos diméricos análogos à cisplatina, mas, apesar de muito promissores, ainda estão em fase inicial de investigação (Almeida et al., 2006). 3. MECANISMO DE AÇÂO DOS QUIMIOTERÁPICOS A importância clínica dos agentes antineoplásicos induz à necessidade de estudo sistemático, o que primeiramente deveria ser feito com o uso de classificações químicas, levando-se em conta os diferentes grupos funcionais presentes nas estruturas das moléculas dos agentes anticancerígenos (Almeida et al., 2006). Contudo a variedade de tipos de compostos utilizados em quimioterapia oncológica é tão grande, que tal classificação só pode ser feita indiretamente. Calabresi e Chabner (1996), em texto clássico, descreveram uma classificação comum dos fármacos antineoplásicos na qual o critério classificatório baseia-se no ponto de interferência do mecanismo de ações das diferentes etapas da síntese do DNA, transcrição e transdução. Entretanto, os autores consideram esta classificação arbitrária, pois, por exemplo, os agentes hormonais, entre outros, não são classificáveis desta forma (Martins et al., 2002). De fato, existem diversos mecanismos que estão envolvidos na evolução de uma célula normal para uma célula potencialmente maligna, mas a maior parte deles interfere na divisão celular e, assim, o conhecimento do ciclo celular ou dos seus mecanismos é importante para que haja a compreensão da etiologia do câncer (Fontes et al., 2005). Os alquilantes que comprovadamente interagem quimicamente com o DNA e não são ativos somente no processo de divisão celular, são os mais antigos e mais usados como agentes antineoplásicos. O DNA também apresenta variações estruturais (isoformas) dependendo do meio onde se encontra (Almeida et al, 2005). A B-DNA é a isoforma fisiológica mais encontrada, onde as interações com as bases nitrogenadas promovem a formação da hélice dupla com rotação para a direita e das fendas menor e maior, seu diâmetro é de aproximadamente 20 Å, com espaçamento entre os pares de base de 3,4 Å. A isoforma A-DNA está presente em meio com baixa concentração de água, apresentando diâmetro de aproximadamente 26 Å e espaçamento entre os pares de base de 2,7 Å. A Z-DNA é a isoforma que possui a rotação da hélice para a esquerda, sendo bem diferente das outras duas isoformas (Almeida et al., 2006). Os antineoplásicos são fármacos quase tão heterogêneos, quanto os tumores evoluídos. De fato, diversos antitumorais muito utilizados clinicamente são substâncias que apresentam mecanismos de ação ciclo-celular não-específico e relacionados ao DNA (tipo como produtos naturais, complexos de coordenação de platina, agentes alquilantes e agentes intarcalantes). Mas, mesmo dentro desta subclasse tem-se grande heterogeneidade e é possível fazer uma subclassificação dos antitumorais em relação ao mecanismo de ação do DNA (Korolkovas e Ferreira, 1988). 3.1. Os agentes antimetabólitos Os agentes antimetabólitos exercem seus efeitos principalmente bloqueando bioquimicamente a síntese do DNA e, portanto, são restritos à fase S do ciclo celular (Calabresi e Chabiner, 1996). Podem-se citar alguns exemplos de antimetabólitos utilizados clinicamente no tratamento do câncer por meio das subclasses (Almeida et al., 2006): a) Análogo do ácido fólico: metrotexato (MXT). b) Análogos das purinas: Mercaptopurina (6-mercaptopurina; 6?MP); Tioguanina (6-Tiogunina; TG) Pentostatina (2?-desoxicoformicina); Fludarabina (monosfosfato de 2-fluoro-arabinofuranosiladenina) e Cladribina (2-clorodexoxiadenosina). c) Antagonistas das pirimidinas: Fluoracil (5-fluoracil; 5?FU), Citarabina (citosina arabinosídeo, ara-C) e Fluoxuridina (5- fluorodesoxiuridina; FUDR). 3.2. Mostardas nitrogenadas Os alquilantes são capazes de formar ligações interfilamentares com o DNA e necessitam ser metabolizados pelas fosfamidases (enzimas microssomais hepáticas), para que seus metabólitos possam exercer o efeito alquilante celular. O principal sítio de alquilação no DNA é a posição N-7 da guanina, porém outras bases podem ser menos extensivamente alquiladas, como a adenina nas posições N-1 e N-3, a citosina no N-3 e a guanina no N-6, assim como grupos fosfatos e proteínas associadas ao DNA. Dentro desta classe têm-se os fármacos mecloretamina (Mustargen) e clorambucil (Leukeran), além da ciclofosfamida (Cytoxan), a Ifosfamida e o melfalam (Alkuran) (Oliveira e Alves, 2002). 3.3. Nitrossuréias São agentes antitumorais que precisam ser biotransformados nos seus derivados alquilantes por decomposição não enzimática. Formam diferentes adultos de alquilação com o DNA, porém a formação da ligação cruzada interfilamentar entre a posição N-1 da deoxiguanosina e N-3 da deoxicitosina é a responsável pela atividade citotóxica. Também alquilam o RNA e inibem a auto-reparação do DNA. As nitrosuréias utilizadas clinicamente são a Carmustina (BCNU), Lomustina (CCNU) e Semustina (metil-CCNU). Estes agentes antineoplásicos são altamente lipossolúveis, tornando-os úteis no tratamento de tumores cerebrais (Oliveira e Alves, 2002). 3.4. Triazeno Inicialmente considerado um antimetabólito, o derivado triazeno dacarbazina (DTIC) funciona através de alquilação do DNA. A dacarbazina exige ativação inicial pelo citocromo P- 450 através de uma reação de N-desmetilação. Na célula alvo, a clivagem espontânea do metabólito libera um componente alquilante, o diazometano (Graebim e Lima, 2006). 3.5. Alquilsulfonatos São agentes alquilantes derivados dos ésteres alcanossulfônicos. Muitos destes compostos são ativos sobre numerosas células cancerosas, porém o mecanismo exato pelo qual exercem seu efeito citotóxico não está totalmente elucidado. O fármaco Bussulfan (Myleran) e seus homólogos congêneres são os únicos compostos dissulfonílicos que se têm mostrado capazes de formar ligações cruzadas interfilamentares com o DNA. Uma subclasse que deve ser citada é a dos 2-cloroetil-metanossulfonatos. O [(2-cloroetil-sulfonil)?metil] metanossulfonato (clomesona), apesar de apresentar atividade citotóxica menor que a do Bussulfan e congêneres, tem-se mostrado mais seletivo em relação ao DNA, quando comparada com as nitrossuréias (Tong e Lundlum, 1980). 3.6. Complexos de coordenação de platina Os antineoplásicos formados por compostos de coordenação com platina, como o cisplatina (cis-DDP, comercialmente Platinil ou Platinol) e a carboplatina (CBDCA, Paraplatin), alquilam o DNA (Najjar, 1992). O complexo de platina sofre reação de substituição de ligantes no organismo. Para isso, ele deve ter em sua estrutura um grupo denominado abandonador, que deve apresentar labilidade moderada, sendo o cloreto (Cl-) o mais amplamente utilizado. Complexos com ligantes fortemente coordenados, como NO2 e SCN são inativos. Uma exceção a essa última generalização são os complexos contendo ligantes bidentados dicarboxilatos, que mostram atividade e, devido à sua menor reatividade, causam menos efeitos colaterais (Hahn e Weinberg, 2002). Já complexos com ligantes muito lábeis, como o nitrato (NO3-), são muito tóxicos e não mostram atividade antitumoral. Os ligantes que permanecem na esfera de coordenação da platina, ou seja, aqueles que não são substituídos no organismo devem ser grupos relativamente inertes, como as aminas. Esses ligantes podem ser mono ou bidentados. Os bidentados formam preferencialmente, com a platina, anéis que são energicamente favoráveis, como os de cinco ou seis membros. Esses ligantes acompanham o átomo de platina até o seu alvo no interior da célula, e assim modelam a citotoxidez e o efeito antitumoral dos complexos (Hahn e Weinberg, 2002). O carboplatina apresenta basicamente o mesmo aspecto de atividade do cisplatina, porém com efeitos colaterais reduzidos. Infelizmente, apesar de ser melhor tolerado, o carboplatina não ativa em células resistentes ao cisplatina (Oliveira e Alves, 2002). Além dos complexos monometálicos, uma outra classe de compostos de platina bastante promissora é aquela em que os complexos apresentam duas unidades de platina ligadas por uma diamina de comprimento de cadeia carbônica variável. Os primeiros complexos descritos desse tipo apresentaram o mesmo efeito citotóxico do cisplatina em células sensíveis e um efeito significativamente maior em células resistentes (Machado, 2000). Alguns complexos de platina e paládio com ligantes orgânicos como tiossemicarbazonas, têm-se mostrado ativo em células tumorais resistentes ao cisplatina (Fontes et al., 1997). Investigações a respeito do mecanismo de ação sugerem que esses compostos se ligam ao DNA através de coordenação interfitas, ao contrário do cisplatina, que se liga predominantemente a duas guaninas na mesma fita, ou seja, através de coordenação intrafita. Acredita-se que seja esta a razão pela qual os complexos de trassemicarbazona se mostram ativos nas células resistentes (Fontes et al., 1997). Entretanto, compostos contendo vários outros íons metálicos apresentam atividade antitumoral, e seus mecanismos de ação podem não envolver ligações direta ao DNA. Compostos de ródio, contendo ligantes carboxilatos, são muito estudados tendo apresentado atividade antitumoral relevante. Esse íon metálico tem grande afinidade pelo grupo sulfidrila (SH) presente em várias proteínas e enzimas que participam da síntese do DNA, podendo inibi-la (Beraldo, 2004). Complexos de rutênio contendo imidazol como, por exemplo, o trans[Ru(Im) Cl4], tem se mostrado efetivos contra o câncer de cólon, e seu mecanismo de ação poderia estar relacionado às espécies de rutênio (III) e rutênio (II), que podem provocar a quebra das fitas de DNA (Beraldo, 2004). Compostos de ouro, como a duranofina, têm sido utilizados há muito tempo para o tratamento de artrite reumatóide, mas têm sido também investigados quanto às suas propriedades antitumorais (Almeida et al. 2005). Vários compostos organoestânicos têm se mostrado mais ativos do que o cisplatina in vitro. Alguns compostos organoestânicos, como tiossemicarbazonas, mostram-se ativos como agentes citotóxicos em células de tumores mamários, renal e melanomas, em doses até cem vezes inferiores aquelas de algumas drogas orgânicas usadas nas clínicas (Almeida et al. 2005). O mecanismo de ação desses compostos encontra-se em fase de investigação. No caso das tiossemicarbazonas, a idéia seria a de reunir propriedades citotóxicas dos sais de estanho ao ligante orgânico, procurando-se obter efeitos sinergéticos, outros compostos inorgânicos têm sido investigados quanto às suas propriedades antitumorais. Dentre eles os de arsênio, antimônio, bismuto, ferro, titânio, vanádio, gálio, nióbio e molibdênio (Almeida et al. 2005). 3.7. Antibióticos naturais É um grupo de substâncias com estrutura química variada que, embora interajam com o DNA e inibam a síntese deste ácido ou de proteínas, não atuam especificamente sobre uma determinada fase do ciclo celular (INCA, 2006). As antraciclinas representam uma importante classe de antibióticos antitumorais. Evidências sugerem que as antraciclinas apresentam três mecanismos de ação. Um seria pela formação de ligações com os grupos fosfolipídeos (carregados negativamente) da membrana celular, alterando sua fluidez, assim como o transporte de íons. Também promoveriam a formação do radical livre do oxigênio e da semiquinona, através de um processo redutor enzimático. Um outro modo de ação seria a formação de ligações interfilamentares com o DNA, o que leva ao bloqueio da síntese do DNA e RNA e diminuição da atividade da topoisomerase II, promovendo a ruptura dos filamentos da macromolécula (DNA) (Cullinane et al., 1994). Apesar de usualmente estes antibióticos serem classificados como agentes intercalantes do DNA estudos mais recentes evidenciam que, além da intercalação, há a formação de adutos de estrutura complexa por ligações covalentes com o DNA42. Os seus congêneres, doxorrubicina e daunorrubicina foram aprovados pela "FDA ? Food and Drug Administration" para uso geral (Almeida et al. 2005). A mitomocina C é um antibiótico isolado de Streptomyces caespitosus. É um agente alquilante biorredutor, que sofre ativação redutora metabólica enzimática. Os metabólitos formados alquilam o DNA através de ligações cruzadas, similares às formadas com alcalóides pirazolidínicos (que serão mostrados posteriormente), mas de maior complexidade. Estes compostos favorecem a produção de superóxidos, que promovem danos de caráter oxidativo no DNA (Murad e Katz, 2000). A dactinomicina (Actinomicina D, Coesmegen) é um antibiótico antitumoral isolado de Streptomyces. Liga-se fortemente ao DNA, através de sua intercalação entre pares de bases adjacentes de guanina-citosina. Inibe todas as formas de síntese de RNA DNA-dependentes, sendo a formação de RNA ribossômico mais sensível à ação do fármaco. A replicação do DNA não é tão reduzida, porém a síntese de proteínas é bloqueada (Almeida et al., 2005). A plicamicina (Mitramicina, Mithracin) é outro antibiótico natural usado no tratamento do câncer, cujo mecanismo de ação parece envolver a ligação do fármaco ao DNA através de um complexo antibiótico-Mg2+. Esta interação interrompe a síntese de RNA dirigida pelo DNA (Salmonm, 1998). A ação da bleomicina deve-se à ligação do fármaco ao DNA, produzindo quebras filamentares e inibição da sua síntese. Mesmo que o efeito citotóxico deste antibiótico esteja relacionado à formação de ligações com o DNA, este fármaco é classificado como CCS, uma vez que provoca um acúmulo de células em G2 (Almeida et al., 2005). Os alcalóides pirrolizidínicos apresentam-se como potentes antitumorais (pró-fármacos), uma vez que os produtos de seu metabolismo oxidativo promovem a formação de ligações cruzadas do tipo DNA-proteína. O N-óxido da Indicina possui potente atividade antitumoral. O grau de hepatoxicidade apresentado por este fármaco é mínimo, quando comparado com os outros alcalóides pirrolizidínicos. Isto se deve à preferência em formar ligações cruzadas do tipo DNA-proteínas, do que ligações cruzadas interfilamentares (após metabolismo oxidativo)10. Em geral, os alcalóides pirrolizidínicos cíclicos (de 12 membros) α, β-insaturados são mais potentes que seus análogos acíclicos. A presença da insaturação em α, β também é importante na diferença de potência observada. Não se conhece como a presença do ciclo e a insaturação influenciam na potência destes alcalóides (Kim et al., 1993). 4. TOXICIDADE DOS QUIMIOTERÁPICOS Os quimioterápicos não atuam exclusivamente sobre as células tumorais. As estruturas normais que se renovam constantemente, como a medula óssea, os pêlos e a mucosa do tubo digestivo, são também atingidas pela ação dos quimioterápicos. No entanto, como as células normais apresentam um tempo de recuperação previsível, ao contrário das células anaplásicas, é possível que a quimioterapia seja aplicada repetidamente, desde que observado o intervalo de tempo necessário para a recuperação da medula óssea e da mucosa do tubo digestivo em ciclos periódicos (Controle do Câncer. 1993). A cada dia, medicamentos novos são postos à disposição dos oncologistas visando à redução da toxicidade dos quimioterápicos (mesna por exemplo), à manutenção da quimioterapia (fatores de crescimento hematapoético e antiméticos, por exemplo), e a intensificação dos quimioterápicos (ácido folínico, por exemplo). O transplante de medula óssea também tem permitido superar o problema da toxidade de hematologia da quimioterapia como fator limitante do tratamento, a par de construir-se ele próprio em um método terapêutico de doenças hematológicas (Controle do Câncer. 1993). Porém, a maioria desses medicamentos e métodos tem se mostrado inacessível à maioria dos pacientes. Isso ocorre mais devido a seus custos do que à sua disponibilidade (comercial, institucional ou de doadores de órgãos), além do que eles também são acompanhados por efeitos tardios ainda não totalmente conhecidos nem bem controlados (INCA, 2006). Os efeitos terapêuticos e tóxicos dos quimioterápicos dependem do tempo de exposição e da concentração plasmática da droga. A toxidade é variável para os diversos tecidos e depende da droga utilizada (INCA, 2006). 4.1. Critérios para aplicação da quimioterapia Para evitar os efeitos tóxicos intoleráveis dos quimioterápicos e que eles ponham em risco a vida dos pacientes, são obedecidos critérios para a indicação da quimioterapia. Esses critérios são variados e dependem das condições clinicas do paciente e das drogas selecionadas para o tratamento. A seguir, são listados alguns requisitos ideais para a aplicação da quimioterapia (Controle do câncer, 1993): CONDIÇÕES GERAIS DO PACIENTE: ? menos de 10% de perda do peso corporal desde o início da doença; ? ausência de contraindicações clínicas para as drogas selecionadas; ? ausência de infecção ou infecção presente, mas sob controle; ? capacidade funcional correspondente aos três primeiros níveis, segundo os índices propostos por Zubrod e Karnosfsky ? Contagem das células do sangue e dosagem de hemoglobina. (Os valores exigidos para aplicação da quimioterapia em crianças são menores): Leucócitos > 4.000/mm³ Neutrófilos > 2.000 /mm³ Plaquetas > 150.000/mm³ Hemoglobina > 10 g/dL Dosagens Séricas: Ureia . Acesso em: 13 de maio de 2006.