Questões Incidentais

Por Luana Domingues Campos | 20/08/2009 | Direito

1. INTRODUÇÃO

No decorrer do processo podem surgir questões controvérsias, tais questões devem ser solucionadas antes da questão principal, são elas: questões e processos incidentes, controvérsias relacionadas com o crime ou com o processo quer deverão ser sanadas antes da decisão da questão principal. Deve ser apreciada em processo a parte, apensado ao principal. Sua resolução se dá por meio de decisões interlocutórias, podendo ser mistas ou simples, e não apreciando o meritum causae.

Essas questões incidentais são as questões prejudiciais (arts. 92 a 94), as exce­ções (arts. 95 a 111), as incompatibilidades e impedimentos (art. 112), o conflito de jurisdição (arts. 113 a 117), a restituição de coisas apreendidas (arts. 118 a 124), as medidas assecuratórias (arts. 125 a 144), a argüição de falsidade documental (arts. 145 a 148) e a insanidade mental do imputado (arts. 149 a 154).

2. DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

Toda questão de valoração jurídica, seja de Direito Penal, seja extrapenal são questões prejudiciais, que devem ser resolvidas antes da questão principal, ou prejudicada, pois é antecedente desta, podendo acarretar a sua paralisação, o que pode perdurar até não serem solucionadas. A questão prejudicial será sempre de valoração jurídica, sendo que sua solução irá influir na existência ou inexistência do crime que é objeto do processo principal.

2.1. Questões prejudiciais e questões preliminares

As questões preliminares ou prévias são aquelas que devem ser decididas previamente, antes da decisão da causa principal, sem, contudo, revestirem-se de caráter de prejudicialidade.

As questões prejudiciais e as questões preliminares assemelham-se apenas no julgamento prévio. São várias as diferenças.

As prejudiciais são sempre de Direito Material, enquanto as pre­liminares, sempre questões processuais, de Direito Processual. As prejudiciais abrangem o mérito da principal, e as prelimi­nares dizem respeito a alguns pressupostos processuais, como, por exemplo, Juiz compe­tente e não suspeito, capacidade das partes, não litispendência nem coisa julgada. As questões prejudiciais gozam de autonomia, ou seja, podem existir sem que haja a questão principal. Mas, em se tratando de ques­tões preliminares, não há aquela autonomia, aquela independência, para que ela exista, é indispensável uma questão principal. Não havendo a principal, não haverá a preliminar. As questões preliminares ou prévias são sempre deci­didas no juízo penal, enquanto as prejudiciais podem ser solucionadas tanto na jurisdição penal, quanto na jurisdição extrapenal, conforme sua natureza.

As questões prejudiciais se classificam em homogêneas e hetero­gêneas. Homogêneas, também conhecida por prejudicialidade comum ou imperfeita, quando a questão prejudicial pertencer ao mesmo ramo de Direito da prejudicada ou principal. Heterogênea se a questão prejudicial for de Direito extrapenal, isto é, disser respeito a um ramo de Direito diverso do Direito Penal.

Existe um nexo entre a questão principal e a prejudicial, pois se deve solucionar a prejudicial antes da principal. Devido a esse nexo existe grande divergência em relação ao Juiz competente para solucionar a prejudicial, existindo vários sistemas defendendo uma solução. São eles:

a)Sistema do predomínio da jurisdição penal: entendem que as prejudiciais devem ser solucionadas pelo Órgão Jurisdicional Penal competente para deci­dir a questão principal, devido o caráter de acessoriedade da prejudicial em face da prejudicada, de acordo com a máxima: "quem conhece da ação conhece também da exceção".

b)Sistema da separação jurisdicional absoluta: as questões prejudiciais devem ser solucionadas pelo Órgão Jurisdicional "a quien correspondría en el caso de no tener el carácter de perjudicial", em conformidade com a norma material que serve de fundamento jurídico à questão prejudicial. Tal sistema subdividiu-se em: separação jurisdicional relativa facultativa (o Juiz penal tem a faculdade de remeter ou não remeter, ao Órgão Jurisdicional competente para a devida solução) e sistema de separação jurisdicional relativa obrigatória (algumas questões prejudiciais são resolvidas pelo Juiz não penal, e outras, pelo próprio Juiz penal, de acordo com lei).

No Brasil há hipóteses em que o julgamento da prejudicial é da exclusiva competência do Juiz penal, em outros casos a decisão é do Juiz extrapenal (art. 93), e, há ainda, casos em que o julgamento da prejudicial é da exclusiva competência do Juiz extrapenal, isto quando a prejudicial versar sobre o estado civil das pessoas (art. 92). É preciso que a questão seja séria e fundada, se não for o Juiz penal nem toma conhecimento. Se o Juiz penal considerar a questão suscitada não séria nem fundada, deverá dar andamento normal ao Processo Penal.

 

2.2. Classificação das questões prejudiciais

Classificam-se em:

a)Devolutivas: são as prejudi­ciais que, em princípio, devem ser solucionadas por Órgãos Jurisdicionais extrapenal, podem ser abso­lutas e relativas.

b)Prejudiciais devolutivas absolutas: são aquelas sempre solu­cionadas por Órgãos Jurisdicionais Civis. O Juiz penal é obrigado a remeter a prejudicial à jurisdição cível e somente dará prosseguimento à ação penal depois que a questão tenha sido resolvida em caráter definitivo.

c)Devolutivas relativas: são aquelas que podem ser solucionadas no juízo extrapenal, de acordo com a discricionariedade do Juiz penal (art. 93).

d)Não devolutivas: são as prejudiciais que devem ser solucionadas pelo próprio Juiz penal.

No Brasil as questões prejudiciais podem ser classificadas em devolutivas absolutas, devolutivas relativas e não devolutivas, de acordo com análise dos arts. 92 e 93 do CPP.

Certas questões prejudiciais devem ser solucionadas na sede civil, como é o caso das prejudiciais devolutivas absolutas. São pressupostos: é preciso que a decisão sobre a existência da infração dependa da solução da questão prejudicial; a questão prejudicial tem que ser séria e fundada; a controvérsia tem que dizer respeito ao estado civil das pessoas. Havendo esses pressupostos o Juiz penal determinará, ex officio, ou a requerimento das partes, a suspensão do curso do processo penal, nos termos do art. 94 do CPP, e remeterá as partes ao juízo cível para solucionarem a questão, ficando o processo penal imóvel. Poderá produzir prova mesmo com a ação penal suspensa, de acordo com o art. 92.

O art. 116 do CP diz que não corre o prazo prescricional. Mas pode acontecer que as partes se desinteressem pelo andamen­to da ação no juízo cível, paralisando o processo penal por bastante tempo, contrariando princípios de política criminal, por isso o CPP dis­põe no parágrafo único do art. 92: "Se for o crime de ação pública, o Ministério Público, quando necessário, promoverá a ação civil ou pros­seguirá na que tiver sido iniciada, com a citação dos interessados".Em se tratando de crime de exclusiva ação penal privada, somente a parte interessada é que poderá propor ação no cível e dar-lhe o anda­mento devido.

Não cabe recurso no caso de o Juiz penal não acolher o pedido de suspensão do curso da ação penal. Cabe, porém, o despacho que determinar a suspensão (art. 581, XVI, do CPP).

As prejudiciais devolutivas relativas (art. 93) tem como pressupostos: que a questão levantada afete a qualificação jurídico ­penal do fato objeto do processo; que a questão não verse sobre o estado civil das pes­soas; que seja da competência do juízo cível; que a ação já tenha sido proposta no cível; que a questão seja de difícil solução; que a questão não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite. É necessário a existência de todos os pressupostos, assim poderá o Juiz penal suspender o curso da ação penal para aguardar a decisão do seu cole­ga do cível. Por outro lado, faltando um pressuposto apenas, é o suficiente para nem se cogitar da suspensão do processo-crime, e, se o Juiz penal, nessa hipótese, determinar a suspensão, a parte interessada poderá interpor o recurso stricto sensu, com fundamento no art. 581, XVI, do CPP, com­binado com o art. 93 do mesmo estatuto processual.

Na própria decisão que determinar a suspensão, o Juiz estabelecerá um prazo dentro do qual deverá o processo ficar paralisado. Se dentro desse prazo a controvérsia não for dirimida no cível, o Juiz penal, discricionariamente, poderá prorrogar razoavelmente o prazo da suspensão do processo. O Juiz penal só poderá suspender o curso da ação penal, na hipótese do art. 93, depois de inquiridas as testemunhas e de realizadas as outras provas, de natureza urgente. Também não corre a prescrição durante o lapso de tempo em que o processo penal permanecer paralisado, à espera da decisão do cível.

O próprio órgão do Ministério Público que estiver funcionando no pro­cesso-crime tem atribuição para intervir imediatamente na causa cível.

O § 2º do art. 93 do CPP dispõe que, do despacho que denegar a suspensão do processo, não caberá recurso. Do despacho dene­gatório da suspensão, na hipótese do art. 92, caberá recurso. Na verda­de, o referido parágrafo é inútil, uma vez que os despachos que denegarem a suspensão, na hipótese dos arts. 92 ou 93, são sempre irrecorríveis.

Quando, nas hipóteses dos arts. 92 e 93 do CPP, o Juiz extrapenal soluciona a questão em definitivo, tal decisão se impõe na Justiça Penal. Se, entretanto, na hipótese do art. 93, o Juiz penal chamar a si a solução da prejudicial e vier a proferir sentença condenatória, e, posteriormen­te, a mesma questão for solucionada na sede própria, em sentido con­trário deve-se impetrar habeas corpus ou pro­mover uma ação de revisão criminal.

3. DAS EXCEÇÕES

A exceção é um meio de defesa indireto com o objetivo de extinguir a ação ou dilatar simplesmente o seu exercício; no sentido mais restrito, a palavra exceção corresponde à alegação de ausência de uma das condições da ação ou de pressupostos processuais, é a defesa contra a ação e contra o processo. A palavra exceção,no art. 95 do CPP, significa a alegação de au­sência dos pressupostos processuais e condição da ação ali referidos.

Esta defesa pode dirigir-se contra a ação ou contra o processo. Na primeira hipótese, pode ser direta ou indireta. Diretaquando o réu se opõe à pretensão deduzida, negando o fato, ne­gando a autoria ou, então, invocando um álibi para tornar impos­sível o acolhimento da pretensão deduzida. Indireta quando o réu, sem negar o fato ou autoria, evoca, em seu prol, uma circunstância que neutraliza a pretensão: argüição de extinção da punibilidade, de uma causa que o isente de pena ou exclua o crime etc.

A defesa pode dirigir-se, também, contra o processo. As exceções processuais são as alegações da presença de uma das circunstâncias elencadas no art. 95, podem ser dilatórias ou peremptórias. Por intermédio das primeiras, visa-se à procrastinação do processo: exceção de incompetência relativa, exceção de suspeição. Por meio dessas exceções, o processo não se extingue, apenas se alon­ga e se prolonga no tempo. Por meio das peremptórias, procura-se ex­tinguir o processo: exceção de coisa julgada, exceção de litispendência.

As circunstâncias previstas no art. 95 são circunstâncias que devem ser alegadas e julgadas em momento e em forma especiais. No Processo Penal, todas as "exceções processuais" podem ser alegadas pelo réu e, também, ser conhecidas ex officio. Por essas razões, devem ser chamadas objeções processuais, como quer Bolaffi, ou impedimentos processuais, como pretende Tornaghi.

São cinco as exceções elencadas no art. 95 do CPP: suspeição; incompetência; litispendência; ilegitimidade de parte; coisa julgada. Contudo o art. 112 refere-se, também, ao impedimento e à incom­patibilidade.

A suspeição consiste na falta de imparcialidade do Juiz, que deverá ser afastado, pois como órgão que proclama o Direito, não se poderia aceitar como justa a decisão proferida por Juiz não imparcial. A matéria das causas de suspeição é de direito estrito, e somente podem ser invocadas as hipóteses previstas em lei. O CPP as enumera no art. 254. A argüição de suspeição precederá a qual­quer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente. Se a parte quiser alegar duas ou mais exceções, inclusive a de suspeição, deverá argüir, por primeiro, a de suspeição. Se ele é suspei­to, não pode conhecer da outra eventual exceção.

O Juiz que, espontaneamente, afirmar suspeição deverá fazerpor escrito, nos próprios autos, declarando o motivo legal. No mes­mo despacho deverá ordenar a remessa do processo ao seu substituto legal, intimadas as partes. Qualquer das partes, sabendo que exista motivo legal de suspeição do Juiz, poderá argüi-la se o Juiz não a reconheceu espontaneamente. A argüição deverá ser feita em petição dirigida ao próprio Juiz que se pre­tende recusar, esclarecendo o motivo legal da recusa e juntando documen­tos e arrolando testemunhas para demonstrar a veracidade do alegado. Somente a par­tepoderá argüir exceptio suspicionis, tanto que a lei diz que a petição deverá ser assinada pela própria parte. Entretanto o art. 98 faz ressalva: poderá a suspeição ser argüida por procurador da parte, desde que na procuração outorgada haja poderes especiais, visando a responsabilidade do excipiente, pois, se ficar provada a malícia deste, o Órgão Jurisdicional competente para julgar a exceptio suspicionis impor-Ihe-á multa, nos termos do art. 101, in fine, do CPP.

Sendo a causa superveniente, isto é, ocorrendo depois de instaurada a instância penal, o Ministério Público poderá argüir. Mas, se o órgão do Mi­nistério Público tem conhecimento de qualquer motivo legal de suspeição, tornando possível a recusa do Juiz a quem deve ser dirigido a peça inicial da ação penal, poderá argüir a exceptio suspicionis no instante do oferecimento de denúncia. Poderá também o assistente de acusação argüir a exceptio suspicionis. Argüida a exceptio suspicionis, se o Juiz reconhecer a suspeição. sustará o andamento do processo, determinará a juntada da petição do excipiente aos autos, inclusive os documentos oferecidos, e, em despa­cho, declarar-se-á suspeito, ordenando, em seguida, a remessa dos au­tos ao seu substituto.

Ainda aqui nenhum recurso é permitido à parte contrária (art. 581, III, do CPP). Se, por acaso, o Juiz recipiente (substituto) entender que o motivo argüido pelo excipiente, e por este acolhido, não é legal, poderá comunicar tal fato ao Conselho Superior da Magistratura.

Se o Juiz que se pretende recusar não acolher a exceptio suspicionis, a petição do excipiente deverá ser autuada em apartado, e o Juiz exceto dará sua resposta dentro do prazo de 3 dias, alegando por que recusa a exceção, podendo alegar com documentos e arrolar tes­temunhas. Feito isso, determinará que sejam os autos da exceção remetidos dentro de 24 horas ao Juiz ou Tribunal a quem competir o julgamento. Segundo dispõe o art. 100 do CPP, o julgamento da exceção com­petirá ao Juiz ou Tribunal. Não poderá um Juiz de Direito julgar a alegada suspeição do seu colega.

A argüição de suspeição não acarreta a paralisação dos autos prin­cipais. Por isso mesmo determina o art. 100 do CPP que seja a exceção autuada em apartado, pois o réu poderia levantar maliciosamente a suspeição do Juiz e beneficiar-se com a demora. O Juiz tem a faculdade de deter­minar a paralisação dos autos principais, até que se decida o incidente, se a parte contrária o requerer, em virtude de haver reconhecido a pro­cedência da argüição. Remetidos os autos da exceção ao órgão competente para apreciá-la, depois de feita a distribuição ao Relator, se este entender a argüição manifesta­mente improcedente, rejeitá-la-á in limine (CPP, art. 100, § 2.°). Se, entretanto, for reconhecida a relevância da argüição, o Tribu­nal ou Câmara Especial determinará a citação das partes, designará dia e hora para a ouvida das testemunhas arrola­das pelo excipiente e pelo Juiz exceto, e, em seguida à inquirição, sem que as partes possam fazer outras alegações, terá lugar o julgamento.

Se o Tribunal entender que a argüição é procedente, ficarão nulos os atos do processo principal, desde o instante em que surgiu o motivo da suspeição (CPP, arts. 101 e 564, I), devendo o Juiz exceto remeter os autos principais ao seu substituto, caso o próprio órgão julgador não haja tomado tal providência em sua decisão. Além da nulidade de todos os atos do processo, se houver erro inescusável do Juiz, o órgão que julgou a exceção impor-lhe-á uma sanção consistente no pagamento das custas, quer do processo princi­pal declarado nulo, quer do da exceção. Se a exceção for rejeitada e evidenciar a malícia do excipiente, a este será imposta multa.

Nos Tribunais, o Ministro, Desembargador ou Juiz que, espon­taneamente, firmar suspeição, deverá declará-la nos autos, isto é, no próprio processo principal. Se, por acaso, o Juiz colegiado não firmar, espontaneamente, a suspeição, as partes poderão argüi-la, havendo qualquer da­queles motivos a que se refere o art. 254 do CPP. Alegada a suspeição do Juiz colegiado, tal qual se argúi a do Juiz monocrático (art. 98), serão observadas as regras dos §§ 3º, 4º e 5º do art. 103 do CPP.

O órgão do Ministério Público desempenha, no Processo Penal, tanto iniciando a persecutio criminis in judicio, como titular da ação penal, quanto na função de custos legis, fiscal da lei. Tratando-se de um órgão imparcial, é natural também que, se houver motivo que possa comprometer sua imparcialidade, poderá a parte recusá-lo, se, por acaso, ele mesmo não firmar, sponte sua, a suspeição. São os mesmos motivos previstos no art. 254, no que lhe forem aplicáveis, conforme preceitua o art. 258, in fine, do CPP. É claro que se houver motivo legal, deverá ele abster-se, senão a parte contrária poderá fazê-lo, observando-se o procedimento previsto no art. 104 do CPP.

Tratando-se de intérpretes e peritos, caso não haja abstenção, as partes podem argüir-lhes a suspeição. Os motivos legais estão previstos no art. 281 do CPP. Quanto aos serventuários e funcionários da Justiça, caso não haja também abstenção, poderão ser argüidos de suspeitos nos termos do art. 274 c/c o art. 254. Em todos esses casos o procedimento é previsto no art. 105. Não haverá recurso.

Poderá alegar a suspeição do jurado. Os motivos que podem ameaçar tal imparcialidade são, além daque­les enumerados no art. 254 do CPP, mais os catalogados no art. 458 do mesmo diploma: "antes do sorteio do Conselho de Sentença, o Juiz ad­vertirá os jurados dos impedimentos constantes do art. 462, bem como das incompatibilidades legais por suspeição, em razão de parentesco com o Juiz, com o Promotor, com o Advogado, com o réu ou com a vítima...". A suspeição dos jurados, nos termos do art. 106 do CPP, deve ser argüida oralmente. Embora o Código não o diga expressamente qual o momento, conclui-se que deva ocorrer no instante em que forem tiradas as cédulas da urna para a constituição do Conselho (CPP, art. 459, § 2º). Tratando-se de recusa por motivo de suspeição, haverá necessida­de de indicar o motivo. O incidente vem disciplinado no art. 106 do CPP.

O art. 254 do CPP alinha os motivos que podem gerar a suspeição do Juiz. O CPP brasileiro apenas gramaticalmente, como diz Sylos Cintra, distingue a suspeição, o impedimento e a incompatibilidade. Os motivos que podem gerar a suspeição do Juiz são aqueles relacionados no art. 254. Ocorrendo um daqueles motivos, haverá nulidade, nos termos do art. 564, I, do CPP. Impedimento significa obstáculo ou proibição para funcionar no processo ou intervir em ato judiciário em virtude da existência ou ocor­rência de determinado motivo. Há certas condições que, existindo, perturbam a imparcialidade do Juiz. Podem decorrer de parentesco, como nas hipóte­ses dos incs. I e IV do art. 252, ou não, como nos casos dos incs. II e III do mesmo artigo. Tais condições que são obstáculos para uma reta administração da justiça, impedindo o Juiz de se conduzir com a independência, a serenidade e a imparcialidade necessárias no desem­penho da sua missão, são, na doutrina, denominadas impedimentos. Incompatibilidades dizem respeito a cargos ou funções que não podem ser desempenhados juntos ou simultaneamente pela mesma pessoa ou no mesmo processo. Assim, na hipóte­se do art. 462, fala-se em impedimento. De impedimento também se cuida nas hipóteses dos arts. 253 e 252.

Respeitante aos impedimentos ou incompatibili­dade do Juiz (monocrático ou colegiado), órgão do Ministério Público, peritos, intérpretes, serventuários da Justiça, funcionários da Justiça, por força do disposto no art. 112, o modus procedendi, quanto à sua abstenção ou recusa, é o mesmo estabelecido para a abstenção ou recu­sa em virtude de suspeição. Quanto aos Delegados de Polícia, a lei veda possa ser argüida sua suspeição. Todavia, havendo motivo legal (e, por analogia, os motivos legais são aqueles enumerados nos arts. 252 e 254), a autoridade deve abster-­se de funcionar no inquérito por dever de lealdade. Se não o fizer, po­derá ser punida disciplinarmente pelo Secretário da Segurança Pública.

A competência é o âmbito dentro no qual um Juiz pode exercer seu Poder Jurisdicional. Pode acontecer que um Juiz venha a tomar conhecimento de um processo para o qual era incompetente. A competência é pressupos­to processual, para a existência de um processo válido, além de outros requisitos, requer-se, também, haja competência. Por outro lado, o art. 564, I, do CPP assenta à categoria de nulidade a falta de com­petência. Logo, haverá necessidade de se afastar o Juiz incompetente. E isso será possível não só pela exceção própria como, também, pelo con­flito de competência de que tratam os arts. 113 a 117 do CPP.

Segundo a regra do art. 109 do CPP, em qualquer fase do processo se o Juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, deverá declarar nos autos, haja ou não alegação da parte, remetendo o processo ao Juiz competente. Dessa decisão do Juiz, reconhecendo sua incompetência, devem as partes ser intimadas, pois qualquer delas poderá interpor o recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, II, do CPP. Se o Juiz reci­piente não se julgar competente, duas hipóteses podem ocorrer: entendendo ser competente outro Juiz, a este remeterá o processo; poderá suscitar conflito negativo de jurisdição, nos termos dos arts. 113 e s. do CPP. Na hipótese de o Juiz recipiente reconhecer sua competência, aí correrá o processo, uma vez ratificados os atos probatórios praticados pelo Juiz remetente e anulados os decisórios, conforme determinam os arts. 108, § 1º, e 567, ambos do CPP.

Oferecida a denúncia ou queixa, o Juiz deverá, antes de recebê-la analisar a matéria do ponto de vista da competência, e, se se julgar incompetente, procederá de acordo com o art. 109 do CPP. Se, entretanto, vier a receber tal peça, a parte contrária, entendendo não ser ele competente para a causa, poderá excepcionar-1he a incompetência. Essa exceptio incompetentiae poderá ser oposta verbalmente, ou por escrito, no prazo de defesa (CPP, art. 108 c/c os arts. 395 e 537), se se tratar de incompetência relativa. Nos demais casos, a incompetência é absoluta e pode ser suscitada a qualquer tempo.

Oposta a exceptio incompetentiae, o Juiz determinará a abertura de vista ao órgão do Ministério Público, como fiscal da lei. Em segui­da, os autos da exceção serão conclusos ao Juiz. Se este acolher a ex­ceção, remeterá o feito ao Juiz competente, devendo este proceder, caso aceite a competência ou venha a rejeitá-la. E se o Juiz vier a acolher sua incompetência poderá o interessado interpor recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, III , do CPP, sendo que tal recurso subirá nos próprios autos da exceção. Sem em­bargo do recurso interposto, os autos do processo principal serão enca­minhados ao Juiz competente, pois as exceções não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal.

Se o Juiz rejeitar a exceção continuará ele no feito, mesmo porque o Juiz tem a competência sobre sua competência. Aí, dependendo do caso, pode ser impetrada ordem de habeas corpus ou, então, no final, quando da interposição de eventual apelo, em linha de preliminar, ser argüida a incompetência. Quando o órgão do Ministério Público recebe autos de inquérito ou peças de informação, pode entender não ter atribuição para apreciar o fato e, assim, requer ao Juiz sua remessa ao Juízo competente. Se o Magistrado desacolher sua manifestação e devolver-lhe o inquérito ou peças de informação, a fim de que o órgão do Ministério Público os aprecie, mesmo porque todo Juiz é Juiz da sua competênciae, nesse caso, outro caminho não restará ao Ministério Público senão manifestar-se nos autos, requerendo arquivamento, diligências, extinção da punibilidade, ou denunciando.

Ocorrendo a incompetentia judicis, nulo será o processo, conforme dispõe o art. 564, I, do CPP. A nulidade, contudo, é relativa, consoante a regra do art. 567. Se se tratar de incompetência absoluta o processo torna-se inteiramente nulo.

Há incompetência absoluta quando uma categoria de Juízes e Tribunais decide de causa afeta a outra categoria; quando, no mesmo quadro de uma jurisdição, Juízes investidos apenas da juris­dição civil decidem causas criminais. Ainda há incompetência absoluta nos casos de competência funcional por graus de jurisdição. Tratando-se de incompetência relativa, se a parte deixar de argüir-la no prazo legal, haverá para ela a preclusão. Todavia, e ao contrário do que ocorre no Processo Civil, nada obsta que o Juiz, a qualquer ­tempo, reconhecendo-se incompetente, decline da sua competência. Se não o fizer, não há nulidade, mas, sim, mera irregularidade.

Há litispendência quando um litígio pende de julgamento de um Juiz. A exceção de litispendência tem como efeito impor­tantíssimo impedir queenquanto houver uma lide pendendo de julgamento, não poderá ser instaurado outro proces­so contra a mesma pessoa e pelo mesmo fato. Se tal ocorrer, a parte poderá, por meio da exceptio litispendentiae, evitar o bis in idem. Se houver simples instauração de inquérito contra a mesma pessoa pele mesmo fato, poderá ela impetrar habeas corpus. Se houver denúncia ou queixa, basta a simples argüição da exceção de litispendência, pois não se concebe duplicidade de processo contra o mesmo réu e pelo mesmo fato. Diz-se, por outro lado, que a causa que pende de julgamento é a ­mesma havendo identidade de pessoa (réu) e de causa petendi.

São regras aplicáveis à litispendência, de acordo com o art. 110 do CPP: a litispendência tanto poderá ser argüida pelo réu como reconhecida ex officio; o órgão do Ministério Público, como custos legis, poderá argüi-la; argüida a exceção de litispendência, o Juiz ouvirá a parte contrária; a exce­ção de litispendência poderá ser argüida por escrito ou verbalmente; nesse caso, será reduzida a termo; o incidente deve ser processado em autos apartados; se o Juiz acolher a exceção, a parte prejudicada poderá recorrer, nos termos do art. 581, III. Se o Juiz não acolher a exceptio não há recurso específico. Todavia, como não pode haver duplicação de processos pelo mesmo fato contra a mesma pessoa, um dos dois estará irremediavelmente nulo, e, assim, poderá o réu impetrar habeas corpus.

O art. 581 não inclui entre as decisões que ensejam o recurso em sentido estrito aquela que acolhe a litispendência, o recurso oponível será a apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP. Respeitante ao prazo para a argüição da litispendência, nenhuma aplicação terá o disposto no art. 108, pois, a qualquer tempo ou em qualquer instância, poder-se-á alegar a exceptio.

Se o Promotor oferece denúncia por crime de exclusiva ação penal privada, deve o Juiz rejeitá-la por manifesta a illegitimatio ad causam, pois somente o ofendido ou seu representante legal é que pode promove-lIa. Se, em crime de ação pública, for oferecida queixa, vale dizer, for iniciada a ação penal pelo ofendido ou seu representante legal, o Juiz deverá rejeitar a peça inaugural da ação penal, por manifesta a illegitimatio ad causam, salvo se houver escoado o prazo para o órgão do Ministério Público oferecer denúncia, caso em que a queixa deverá ser recebida, conforme dispõe o art. 29 do CPP. Se, por outro lado, a parte for legítima, mas houver defeito na re­presentação, ou porque não esteja o representante da vítima legalmente habilitado, ou porque outro é o seu representante legal e não o que comparece em juízo, haverá, aí, illegitimatia ad processum. Enquanto ali se cuida de condição de ação (legitimatia ad cau­sam), aqui se trata de pressuposto processual (legitimatia ad processum), isto é, requisito para a existência de um processo válido.

Se, entretanto, sem embargo da existência de parte ilegítima, for instaurada a instância penal, poderá ser levantada a exceção de ilegiti­midade de parte (exceptia illegitimitatis partis). Segundo dispõe o art. 110 do CPP, na exceção de ilegitimidade de parte, será observado, no que lhe for aplicável, o disposto sobre a exce­ção de incompetência do juízo. Aplicando-se as normas pertinentes à exceção de incompetência de juízo à de ilegitimidade de parte, tere­mos:

a)Em qualquer fase do procedimento, o Juiz poderá concluir, mesmo sem alegação das partes, pela existência de ilegitimidade, fazendo tal declaração nos próprios autos; pouco importa se se trata de legitimida­de ad causam ou ad processum.

b)Tratando-se de ilegitimidade do representante da parte, aplica­-se a regra do art. 568 do CPP.

c)O acusado, nos termos do art. 108 (por força do que dispõe o art. 110), poderá, verbalmente ou por escrito, opor a exceção de ilegi­timidade de parte, sendo que tal exceção não poderá ser oposta, exclu­sivamente, naquele prazo a que se refere o art. 108. A qualquer tempo poderá ela ser argüida.

d)Oposta a exceção, verbalmente ou por escrito, será ouvida a parte contrária.

e)Se a exceção for oposta verbalmente, deverá ser reduzida a termo.

f)O incidente deverá ser autuado em separado.

g)Se, argüida a exceção, o Juiz vier a acatá-la, poderá a parte interpor recurso em sentido estrito (art. 581, III).

h)Se o Juiz vier a rejeitá-la não há recurso específico. O réu, contudo, disporá de dois caminhos: em eventual apela­ção, insistirá no pedido, como preliminar; dependendo da hipótese, poderá, a qualquer tempo, impetrar habeas corpus, com fun­damento no art. 648, VI.

Julgada a causa penal e preclusas as vias impugnativas formou-se a coisa julgada e não será possível dis­cussão a respeito. O fundamento, pois, do instituto da autoridade da coisa julgada reside na necessidade de "aplicar y asegurar el orden jurídico establecido por Ias leys del Esta­do". Daí o ditado: res judicata pro veritate accipitur (a coisa julgada é tida, aceita, como verdade). Em suma, chama-se coisa julgada a decisão jurisdicional de que já não cabe recurso. Distingue-se a coisa julgada em formal e material. Diz-se formal quando houver a imutabilidade da decisão dentro do processo. Quan­do a decisão não mais comportar recurso, diz-se que há coisa julgada formal. Ela se torna inimpugnável. Fala-se em coisa julgada material para expressar a obrigação que todo e qualquer Juiz tem de respeitar a inalterabilidade, a imutabilidade da decisão proferida em outro juízo.

O ne bis in idem ou bis de eadem re ne sit actio (não pode haver duas ações sobre o mesmo fato) é regra que se observa quer no Proces­so Civil, quer no Processo Penal. Para que se possa argüir a exceção de coisa julgada, há necessida­de, no campo penal, da coexistência de dois elementos: eadem causa petendi e eadem persona, vale dizer, torna-se necessário, para a caracterização da res judicata, por primeiro, haja identidade do fato e iden­tidade do réu, isto é, é preciso que a pessoa contra quem se propõe a nova ação seja a mesma contra quem foi ela proposta anteriormente.

Desnecessário para a invocação da "coisa julgada" o requisito da eadem res, porquanto, no penal, o petitum é sempre o mesmo: inflição de uma pena. Para que se possa argüir a exceção de coisa julgada é indispensá­vel que sobre o mesmo fato, por que responde o réu, tenha havido, anteriormente, uma decisão de mérito com trânsito em julgado. É irrelevante, também, que a primeira ação tenha sido movida pelo ofendido, nos termos do art. 29 do CPP (ação privada subsidiária da pública), e a segunda, pelo Ministério Público. Pouco importa, também, a qualificação que se tenha dado ao fato. Não é pela circunstância de se lhe dar nova roupagem jurídica ou de se lhe atribuir pena diversa que o fato perde a sua identificação.

A doutrina distingue a coisa julgada da coisa soberanamente julgada. Diz-se que há coisa soberanamente julgada quando não mais for possí­vel um reexame. É o que se dá, entre nós, com a sentença absolutória. Absolvido o réu e transitada em julgado a decisão, mesmo que surja um himalaia de provas, nada mais se poderá fazer. Mas, tratando-se de sentença condenatória, fala-se, simplesmente, em coisa julgada, mes­mo porque, ainda que tenha transitado em julgado, ela pode ser objeto de reexame, seja mercê de um habeas corpus ou de revisão criminal.

Segundo a regra do art. 110do CPP, observar-se-á, quanto à exceptio rei judicatae, no que lhe for aplicável, o disposto sobre a exceção de incompetência. Em qualquer fase do procedimento, o Juiz poderá concluir, mesmo sem alegação das partes, pela existência da res judicata.O réu, nos termos do art. 108, poderá, verbalmente ou por escri­to, opor a exceção de coisa julgada, sendo certo que essa argüição po­derá ser feita a qualquer tempo. Oposta a exceção, deverá ser ouvida a parte contrária e, mesmo que se trate de ação penal privada, será ouvido, também, o Ministério Público, como custos legis. Quando formulada verbalmente (no curso do processo), a exce­ção será reduzida a termo. O incidente deve processar-se em autos apartados. Nada impede que o órgão do Ministério Público suscite tal ex­ceção. E se o Juiz a rejeitar, em princípio, não há recurso específico; nada obsta, entretanto, possa o réu impetrar habeas corpus. Se o Juiz acolher a exceptio, o recurso oponível está previsto no art. 581, III, do CPP. O § 2° do art. 110 do CPP dispõe que "a exceção de coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto de sentença".

4. DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Conflito de competência é um dos meios pelos quais se solucionam problemas ligados à competência. A incompetência acarreta ou pode acarretar a nulidade do processo, tal como vem exposto no art. 564, I, do CPP. Um dos pressupostos de validade do processo é a competência do Juiz. Se o Juiz for incompetente, a relação processual se torna inválida, a menos que se trate de incompe­tência relativa, não argüida opportuno tempore.

Se a competência do Juiz é um dos pressupostos de validade da rela­ção processual, é natural que, ao proferir o despacho de recebimento, deva o Magistrado, além de analisar se a denúncia ou queixa está formalmente em ordem e se presentes se encontram as condições a que se subordina o jus actionis (condições genéricas e específicas), constatar se a relação processual a ser instaurada é ou não viável. Já nessa oportunidade cumpre ao Juiz, por exemplo, ver se tem ou não competência para o processo e julgamento daquela causa. Nada impede, contudo, que em qualquer outro momento, anterior à sentença, o próprio Magistrado, reconhecendo não ter competência, decline desta, remetendo os autos ao órgão que a tiver. Caso ele próprio não tome tal providência, qualquer das partes poderá, por meio da exceptio declinatoriafori, suscitar a questão. Com esta particu­laridade: se a incompetência for relativa, a argüição deve ser feita no prazo da prévia; se absoluta, a qualquer instante e em qualquer instância.

Segundo o art. 113 do nosso diploma processual penal, os proble­mas atinentes à competência se resolvem não só pela exceção própria como também pelo conflito positivo ou negativo de jurisdição. Embora o legislador fale em conflito de juris­dição, a doutrina distingue este do de competência. Além de ambos, há um tertius genus, o de atribuições.

Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autori­dades judiciárias integrantes de Justiças diversas se dizem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso, ou quando surgir entre elas controvérsia sobre a unidade do juízo, junção ou sepa­ração dos processos. Entre nós, em face da autonomia dos Estados-Membros, pode-se falar em conflito de jurisdição quando a divergência para o conheci­mento de uma causa ocorrer entre órgãos da Justiça Comum e Especial, entre órgãos de Justiça Especial diversa, entre Órgãos Jurisdicionais Comuns de Estados-Membros diferentes. Quando, entretanto, a referida questão incidental surgir entre dois ou mais órgãos da mesma justiça, deve ser denominada conflito de competência.

De acordo com o art. 114 do CPP, haverá conflito de jurisdição ou de competência: quando duas ou mais autoridades judiciárias se consi­derarem competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para conhecer do mesmo fato criminoso; quando surgir entre duas ou mais autoridades judiciárias controvérsia sobre unidade de juízo, junção ou separação de processos. Esse conflito pode surgir quando houver controvérsia sobre qual deva ser o Juiz prevalente nos casos de crime permanente ou continuado cometido no território de diversas comarcas (art. 71 do CPP), ou mesmo nos casos de conexão.

O art. 115 do CPP estabelece quem pode suscitar o conflito: a parte interessada, isto é, o autor ou réu; o órgão do Ministério Público junto a qualquer dos Juízes em dissídio; qualquer dos Juízes ou Tribunais em causa. Se o conflito for entre órgãos de l ª instância, qualquer um dos Juízes em dissídio pode­rá suscitá-lo; se entre órgãos de 2 ª instância, cabe ao Tribunal argüir o incidente, por meio do seu Presidente.

Se o conflito for suscitado pelo órgão do Ministério Público ou por qualquer das partes (réu, querelado, querelante ou assistente), de­verá sê-lo, pouco importando se positivo ou negativo, por meio de re­querimento. O suscitante deve ins­truir o seu requerimento com traslado de peças do processo, se possí­vel. Se o conflito for levantado por qualquer dos Juízes em dissídio, pouco importando se monocrático ou colegiado, é preciso distinguir: se negativo, deverá sê-lo nos próprios autos, tal como determina o § 1 º do art. 116 do CPP. Se positivo, a argüição deverá ser levantada sob a forma de representação, em que o argüente fará exposição da questão, demonstrando o conflito, citando doutrina e juris­prudência e anexando documentos que comprovem o acerto da sua tese.

Suscitado o conflito, quer nos autos principais, os autos serão distribuídos ao órgão julgador. Designado relator, se o conflito for positivo, deverá ele determinar que se sobresteja o andamento do feito. É como dispõe o § 2 º do art. 116. Do contrário, não. O próprio dispositivo invocado concede ao relator mera faculdade: poderá. Sendo negativo, nem poderia haver sobrestamento. Na hipótese de conflito positivo, que é suscitado por meio de requerimento ou representação, e na de conflito negativo suscitado pelo órgão do Ministério Público ou qualquer das partes, deverá o relator requisitar informações às autoridades em conflito, remetendo-­lhes cópia da representação ou requerimento. É a regra que se vê no § 3 º do art. 116 do CPP, semelhante àquela traçada no art. 119 do CPC. Por outro lado, se o conflito for levantado nos próprios autos, o que se verifica se negativo e suscitado pela autoridade judiciária, à evidência, não haverá necessidade de se requisitarem informações.

Prestadas as informações dentro do prazo estabelecido pelo relator, se for o caso, ouve-se o órgão do Ministério Público que atuar perante o Tribunal competente para a solução do conflito. Após a manifestação do Ministério Público e se não houver necessidade da realização de al­guma diligência, será a matéria decidida na primeira sessão. O requerimento ou representação deverá ser endereçado ao Presi­dente do Tribunal competente, a quem caberá proceder à distribuição, se não dever, ele próprio, funcionar corno relator. Ao decidir o conflito, o Tribunal dirá qual o Juiz competente, e os autos em que aquele se manifestou serão remetidos ao Juiz assim declarado.

O Código silencia a qual órgão compete julgar os conflitos de jurisdição. A resposta está na Constituição, nas Leis de Organização Judiciária e no Regimento Inter­no dos Tribunais. Ao TSE, nos termos do art. 22, I, b, do Código Eleitoral, compete, nos crimes da alçada da Justiça Eleitoral, julgar os conflitos de jurisdição suscitados entre Tribunais Regionais Eleitorais ou Juízes eleitorais de Estados diferentes. Se o conflito for entre Juízes eleitorais do mesmo Estado, a competência será do TRE do respectivo Estado, nos termos do art. 29. I, b, do mesmo estatuto. Se houver conflito entre os órgãos inferiores da Justiça Militar Estadual da mesma Unidade da Federação, a competência será do Tri­bunal de Justiça Militar do respectivo Estado, ou, se não houver, do Tribunal de Justiça.

Os conflitos de competência entre Juízes Federais vinculados a determinado Tribunal serão por este dirimidos. Assim, um conflito entre um Juiz Federal de Mato Grosso do Sul e um Juiz Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo será dirimido pelo TRF de São Pau­lo, porquanto aqueles Juízos estão vinculados ao TRF da 3.a Região (São Paulo).

Ao STF, ex vi do art. 102, I, o, da CF, cabe julgar os conflitos de competência entre o STJ e quaisquer Tribunais, entre Tribunais Supe­riores, ou entre estes e qualquer outro Tribunal. São Tribunais Superi­ores o STJ, o TSE, o TST e o STM. Assim, um conflito entre o STJ e o TSE é solucionado pelo STF; um conflito entre o STM e o Tribunal de Justiça Militar será solucionado pelo STF; um conflito entre o TSE e o STM será, também, da alçada do STF. Ao STJ, nos termos do art. 105, I, d, da CF, caberá processar e julgar os conflitos de competência entre quaisquer Tribunais, ressalva­do, é lógico, o disposto no art. 102, I, o, da Magna Carta, bem corno o art. 22, I, b, do Código Eleitoral, recepcionado pela Magna Carta; entre Tribunal e Juízes a ele não vinculados e entre Juízes vinculados a Tri­bunais diversos.

Se o conflito ocorrer entre Juiz Federal e Juiz Estadual, quando este estiver no exercício da competência daquele, a competência será do Tribunal Regional Federal a que estiver vinculado o Juiz Federal. Nesse sentido decidiu o STJ por votação unânime (DJU, 21-8-1989, p. 13320, e DJU, 4-9-1989, p. 14034). Por outro lado, se o conflito ocorrer entre Tribunal e Juiz desvinculados, a competência será do STJ, consoante decidiu o STF, em sessão plenária de 17-5-1989 (DJU, 23-6-1989, p. 11000).

A Súmula 22 do STJ: "Não há conflito de com­petência entre o Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada do mesmo Estado- Membro".

Não é possível conflito entre o STF e outro Tribunal. Sendo o Supremo o órgão de cúpula do Poder Judiciário, à evidência, não se concebe conflito entre ele e qualquer outro Órgão Jurisdicional. Se, entretanto, qual­quer deles atribuir-se jurisdição em dissídio com a do Excelso Pretório, restará a este chamar a causa, nos termos do art. 117 do CPP.

O STJ, apreciando o Conflito de Competência n. 36.545/RS, entre a Turma Recursal do Juizado Especial de Porto Alegre e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, invocando precedente do STF, deu-se por competente para dirimi-lo (DJU, 2-6-2003, p. 183), com arrimo no art. 105, I, d, da CF, ao falar em "tribunal e juízes a ele não vincula­dos", uma vez que, no entender daquela Augusta Corte, as decisões da Turma Recursal, composta por Juízes de 1 ª instância, não estão sujei­tas à jurisdição dos Tribunais Estaduais. E, assim, deu-se por compe­tente para a solução do conflito. Na verdade, a Suprema Corte, com o seu poder construtivo, externara entendimento no sentido de que os Tribunais Estaduais (e também os Federais) não têm jurisdição sobre as decisões das Turmas Recursais. Assim, tornou-se claro que um conflito entre ambos seria solucionado pelo STJ, nos termos do art. 105, I, d, da CF, não obstante ali se faça referência a conflito entre "juízes vinculados a tribunais diversos".

Todavia, em sessão plenária realizada em 23-8-2006, o STF, julgan­do o HC 86.834-7/SP, passou a entender que a competência para apreciar habeas corpus contra ato de Turma Recursal Estadual é do Tribunal de Justiça. Sendo assim, parece óbvio que o Tribunal de Justiça, podendo rever as decisões das Turmas, será também o competente para solucionar eventuais dúvidas de competência entre ambos.

Se o conflito for entre Juizado Especial Criminal Estadual e Juizado Especial Criminal Federal a competência será do STJ, com arrimo no art. 105, I, d, da CF. E se o conflito ocorrer entre dois Juizados Especiais Criminais su­bordinados a Turmas Recursais diversas (Minas e São Paulo) a solução será, sem sombra de dúvida, do STJ, a teor do art. 105, I, d, última parte.

Ao lado dos conflitos de jurisdição e de competência há, ainda, o de atribuições, que se verifica entre autoridades administrativas ou entre estas e as judiciárias. Enquanto o conflito de jurisdição ou de compe­tência se verifica entre autoridades judiciárias, o de atribuições ocorre entre autoridades judiciárias e administrativas, ou entre estas, apenas.

De atribuições será, também, o conflito, quando dois membros do Ministério Público entenderem não lhes caber atribuição para, num determinado caso, oferecer denúncia, requerer arquivamento, ou, en­fim, oficiar em autos de inquérito ou peças de informação.

Se o conflito de atribuições surgir entre membros do Ministério Público Federal da mesma unidade da Federação, ou não, a competên­cia para solucioná-lo é da Câmara de Coordenação e Revisão do Minis­tério Público Federal, constituída de 3 Subprocuradores do MP Fede­ral, nos termos do art. 62, VII, da Lei Complementar n. 75/93, dando-­se recurso para o Procurador-Geral da República, nos termos do art. 49, VIII, do mesmo diploma. E, segundo o art. 1 º da Resolução n. 2, de 20-10-1998, do Conselho Institucional do Ministério Público Federal, é de 5 dias o prazo para a interposição desse recurso. Se o conflito ocorrer entre membros de ramos diversos do MP da União, a compe­tência para solucioná-lo é do Procurador-Geral da República, do art. 26, VII, da citada Lei Complementar. Se ocorrer entre membros do MP Eleitoral de Estados diversos, a competência para dirimi-lo será do Procurador-Geral da República; se entre membros do MP Eleitoral da mesma unidade da Federação, a competência, ainda aqui, será do Procurador-Geral da República, de acordo com o art. 75, III, da Lei Complementar referida, mas, nesse caso, é de praxe o Procu­rador-Geral da República delegar essa atribuição ao Procurador-Re­gional Eleitoral. Se entre membros do Ministério Público Militar Federal, a competência será da Câmara de Coordenação e Revisão do MP Militar da União (art. 136, VI, da referida Lei Complementar), dando-se re­curso ao Procurador-Geral da Justiça Militar Federal (art. 124, VI, do mesmo diploma); se entre membros do Ministério Público do Traba­lho, a competência será da Câmara de Coordenação e Revisão do MP do Trabalho (art. 103, VI, do aludido diploma), dando-se recurso ao Procurador-Geral da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 91, VII, da Lei Complementar n. 75/93; se entre membros do Ministério Pú­blico do Distrito Federal, a solução fica a cargo da Câmara de Coor­denação e Revisão do MP do Distrito Federal (art. 171, VII, do refe­rido diploma), com recurso para o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal (art. 159, VI, da Lei Complementar tantas vezes cita­da). Não obstante o MP do Distrito Federal integre o MP da União, cujo Chefe é o Procurador-Geral da República, o certo é que, no que respeita ao MP do Distrito Federal, ele exerce, apenas, uma chefia administrativa, pouco acentuada, aliás.

Entende a doutrina que, antes de se iniciar a ação penal, não há falar-se em conflito de competência, mas sim de atribuições, aplican­do-se para a sua solução a regra contida no art. 28 do estatuto proces­sual penal, por analogia. Uma vez oferecida a denúncia, o Juiz não será obrigado a aceitar a competência que lhe foi im­posta por via oblíqua e, por isso mesmo, poderá dela declinar. Mas, quando em jogo Juízes diversos, a melhor solução é dirimir a controvérsia pelo conflito de competência ou de jurisdição, conforme a hipótese. Na verdade, no momento em que o Juiz acolhe o parecer do Promotor de Justiça, alegando, por exemplo, que a infração se consu­mou em outra comarca, reconhece, ipso facto, sua incompetência para apreciar a matéria objeto do inquérito, representação ou peças de infor­mação. Quando o outro Juiz gasalha o entendimento do Promotor de Justiça que oficia perante ele, obviamente está reconhecendo, também, a própria incompetência. Logo, a melhor solução para pro­blema é a argüição do conflito de competência, ou de jurisdição. Nem se diga que o conflito de jurisdição, ou de competência, pressupõe, indeclinavelmente, ação penal iniciada. Ali não se fala em oferecimento de denúncia. Logo, não há ne­nhum empecilho em se suscitar o conflito de competência antes ou depois da oferta da peça acusatória. Daí as decisões da Excelsa Corte no sentido de que a argüição do conflito de competência antes do oferecimento da denúncia não vio­lenta a regra do art. 28 do CPP.

Às vezes o problema pode e deve ser solucionado segundo a regra do art. 28 do CPP. Assim, se dois membros do Ministério Público junto à mesma Justiça controvertem oficiar perante determinado Juízo, a so­lução será dada com a aplicação do art. 28 do CPP. Observe-se que os dissídios entre Promotores estaduais e membros do Ministério Público da União junto à Justiça Comum, quando os respectivos Juízes lhes sancionam os entendimentos, eram, tranqüilamente, re­solvidos pelo extinto TFR, por meio de conflitos de jurisdição suscitados.

A mesma orientação deve ser adotada nos Estados, entre membros do mesmo Parquet, em face da indisfarçável economia processual, uma vez que, como cediço, a solução dada pelo art. 28 do CPP não obriga àqueles Juízes que se postam, veladamente, por detrás do dissídio. Ape­sar disso, a regra contida naquele dispositivo não deve ser esquecida, pois aplicável às hipóteses em que dois membros do Ministério Público junto à mesma Justiça controvertem oficiar perante determinado Juízo. Nada impede, por outro lado, que o conflito de atribuições surja após a propositura da ação penal. Até agora, entendia-se, com argu­mentos capilares, que o conflito de atribuições pressupunha ação penal não instaurada. Assim, da mesma forma que pode surgir um conflito de compe­tência antes da oferta da denúncia, é possível um conflito de atribui­ções após a propositura da ação.

Não é da essência do conflito de atribuições sua argüi­ção antes da propositura da ação penal. Pode ocor­rer antes ou depois. Contudo, refletindo longamente sobre a controvér­sia que pode sobrevir entre Juiz e Promotor quanto ao aditamento a que se refere o parágrafo único do art. 384 do CPP, chega-se à conclusão de que, em rigor, ali não se cuida de conflito de atribuições. O Juiz não pode fazer o aditamento. O ne procedatjudex ex officio embargar-lhe-ia os passos. A atribuição do Juiz não está em conflito com a do Pro­motor. Se não está, não há conflito. Este pressupõe, à evidência, duas autoridades administrativas, ou uma destas e uma judiciária, dis­putando a atribuição para conhecer de determinado fato ou praticar de­terminado ato. Se as autoridades se julgam sem atribuições para tal, o conflito se diz negativo. Do contrário, positivo.

Na hipótese particularíssima do parágrafo único do art. 384 do CPP, como o Juiz não pode proceder ao aditamento, em face do princí­pio nemo judex sine actore, caso surja uma pendência entre ele e o Promotor quanto à necessidade daquela providência, à falta de disposi­tivo legal disciplinando a matéria, nada impede se invoque, por analo­gia, a regra constante do art. 28 do diploma processual penal. Nem por isso, contudo, pode-se vislumbrar, na espécie, um conflito de atribuições. Se houvesse dúvida a respeito da legitimidade para proceder ao aditamento (Juiz ou Promotor), aí, sim, estaríamos em face de um verdadeiro conflito de atribuições.

5. DA RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS

Com finalidade é a apura­ção do fato típico e a identificação do respectivo autor, o inquérito policial é feito, a autoridade desenvolve intensa atividade, ouvindo testemunhas, ofendido, indiciado, juntando documentos, procedendo às buscas e apreensões. Às vezes, a apreensão é feita no próprio locus delicti. As autoridades encarregadas da elucidação do crime encontram, no local onde se verificou o fato típico, instrumentos utilizados para a prática do ato delituoso e outros objetos que, de certa forma, podem conduzi-­los à elucidação. Nesse caso, lavra-se um auto de apreensão, e tais objetos e instrumentos ficam custodiados na Polícia, depois de liberados pela perí­cia, nos termos do inc. II do art. 6 º do CPP. Note-se que a própria lei autoriza essa apreensão, como se constata pela leitura do inc. II do art. 6 º do CPP. Outras vezes, a apreensão não se faz com tanta facilidade. Se realizem diligências nesse sentido. Daí as buscas domiciliares e pes­soais, que podem ser levadas a cabo pela própria autoridade ou por pessoas a ela subordinadas.

A busca é a diligência que se faz a fim de ser encontrado o que se procura. Havendo êxito, procede-se à apreensão, que vem a ser o obje­tivo da busca. Daí a denominação que se dá a essa diligência: busca e apreensão. Os instrumentos do crime e, enfim, os objetos que tiveram relação com o fato, se apreendidos, acompanham os autos do inquérito, tal como determina o art. 11 do CPP. Os instrumenta sceleris, na fase policial e, às vezes, durante a instrução, são submetidos a exames periciais para constatação da sua natureza e eficiência (art. 175). Os producta sceleris são avaliados, em face do que preceituam os arts. 155, § 2 º, 170, 171, § 1 º, e 180, § 3 º, do CP.

O CPP, no art. 240, § 1 º, b, c, d, e, f, g, h, cuida dos objetos sobre os quais pode incidir a diligência de busca e apreensão. São eles: coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; os instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou des­tinados a fim delituoso; objetos destinados à prova da infração ou à defesa do réu; cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; qualquer elemento de convicção.

As coisas obtidas por meios criminosos, referidas na alínea b do § 1 º do art. 240 do diploma processual penal, são os produtos imediatos, ou diretos, do crime, isto é, aqueles citados na primeira parte da letra b do inc. II do art. 91 do CP. Quanto às cartas, refe­ridas na alínea f do § 1 º do art. 240 do CPP, a nosso juízo não podem ser apreendidas em face do que dispõe o inc. XII do art. 5º da CF.

As coisas ou valores que constituam proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, mediante sucessiva especificação (jóia feita com o ouro roubado), ou conseguidos mediante alienação (objeto adquirido com o dinheiro furtado), não podem ser apreendidos. Tampouco os objetos adquiridos com o bem ou valor dado ao criminoso como recompensa pelo crime cometido ou por cometer.

Em todos os casos, haverá arresto, ou, na linguagem do legislador processual penal, poderão eles ser seqüestrados, consoante a regra do art. 132 do CPP. Assim, o art. 121 do CPP cuida da hipótese de alguém, com o produto do crime, adquirir mercadoria contrabandeada, coisas achadas ou obtidas por meio criminoso, coisas apreensíveis, enfim.

Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendi­das não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Diz o art. 118 do CPP. A contrario sensu: se não interessarem, poderão. Se as coisas apreendidas se meterem a rol entre aquelas a que se refere o art. 91, II, a, do CP (instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, porte, uso ou detenção constitua fato ilícito), havendo sentença condenatória com trânsito em julgado, elas passam automaticamente para a União. Excepcionalmente, o lesado ou terceiro de boa-fé poderá reclamá-las.

Se houver sentença absolutória, de impronúncia ou extintiva de punibilidade, aqueles objetos referidos no art. 91, II, a e b, do mesmo estatuto, não podem ser restituídos, por força do art. 119 do CPP, salvo se pertencerem ao lesado ou a terceiro de boa-fé.

Se os instrumentos do crime não se amoldarem à letra a do inc. II do art. 91 do CP, isto é, não se tratando de coisas confiscáveis, nada impede sua restituição ao criminoso e, com muito mais razão, ao lesa­do ou terceiro de boa-fé, pouco importando haja sentença condenatória transitada em julgado.

Tratando-se de coisas cujo fabrico, porte, detenção, uso ou ali­enação constitua fato ilícito, a restituição é proibida. De­vem ser confiscadas, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa­-fé, dentro nos limites legais. Quando se permite a devolução do instrumento do crime ou de produto direto ou indireto do crime, cujo uso, fabrico, porte, aliena­ção ou detenção constitua fato ilícito, é necessariamente imprescindí­vel que esse lesado ou esse terceiro de boa-fé, em razão da sua qua­lidade ou função, ou de autorização adrede concedida, faça jus à fa­bricação, alienação, uso, porte ou detenção da coisa tida normalmen­te como ilícita.

Se se tratar de simples produto de crime (produto direto- coisa furtada, coisa roubada, p. ex.) e desde que não se trate daquelas coisas referidas no art. 91, II, b, do CP, nada impede sua restituição ao lesado ou terceiro de boa-fé. Se se tratar de bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, impossível a restituição ao le­sado, porquanto não se trata de produto direto como a coisa furtada, a coisa roubada etc., mas de produto indireto do crime, isto é, coisas obtidas mediante sucessiva ou mediante compra ou alienação (rádio comprado com o dinheiro furta­do). Nesses exemplos, será ele avaliado e levado a leilão, nos termos do art. 133 do CPP. Se se tratar de valor ou de bem que constitua o pretium sceleris (dinheiro dado a alguém para praticar um crime), transitada em julgado a sentença condenatória, aplicar-se-á o disposto no art. 133 do CPP. Não se admite a restituição.

Em se tratando de produtos indiretos do crime (bem ou valor que constitua proveito auferido com a prática do crime), não poderão eles ser apreendidos. Observe-se que o art. 240, § 1 º, b, do CPP autoriza a apreensão de "coisas achadas ou obtidas por meios criminosos". A jóia feita com o ouro furtado não foi obtida por meio criminoso, o rádio adquirido com o dinheiro furtado não foi obtido por meio criminoso. O dinheiro, sim; o rádio, não. Esses bens, não susce­tíveis de busca e apreensão, são objeto de seqüestro, nos termos do art. 132 do CPP.

Na fase do inquérito policial, a pessoa interessada, em requeri­mento dirigido à Autoridade Policial, pode solicitar a devolução do objeto apreendido. Juntando o requerimento aos autos do inquérito, decidirá pela restituição, ou não. Somente será viável a restituição pela Autori­dade Policial desde que satisfeitas as seguintes exigências: tratar-se de objeto restituível e não haver nenhum interesse na sua retenção; não haver dúvida quanto ao direito do reclamante; não haja sido feita a apreensão em poder de terceiro de boa-fé. Se, porventura, houver dúvida quanto ao direito do reclamante ou se a apreensão houver sido feita em poder de terceiro de boa-fé, somente a Autoridade Judicial é que pode autorizar a devolução. Nos pedidos de restituição, sejam eles formulados ao Juiz ou à Autoridade Policial, será sempre ouvido o órgão do Ministério Públi­co, nos precisos termos do § 3 º do art. 120 do CPP.

Formulado o requerimento, que deve ser autuado à parte, e conclusos os autos do incidente ao Juiz criminal, deverá este, se viável a restitui­ção, determinar, na hipótese de dúvida quanto ao direito do reclamante, se lhe abra vista dos autos para, em 5 dias, fazer prova do seu direito. Após, uma vez ouvido o órgão do Ministério Público, proferirá a sua decisão. Se o Juiz penal entender tratar-se de questão de alta indaga­ção, proferirá despacho, determinando que o interessado ingresse com ação própria no juízo cível, tal como determina o § 4 º do art. 120 do CPP. Realmente, não é possível solucionar questão de alta indagação dentro dos estreitos limites de um processo incidental.

Se não houver dúvida quanto ao direito do reclamante, nada obsta que o requerimento seja endereçado ao Juiz penal. Se este pode decidir se duvidoso o direito, quanto mais se não o for. Quem pode o mais, pode o menos. Se se tratar de objeto apreendido em poder de terceiro de boa-fé, também somente o Juiz é quem pode apreciar a questão. Neste caso, conceder-se-á o prazo de 5 dias ao reclamante, a fim de produzir prova, e igual direito será reconhecido ao terceiro de boa-fé. Esgotados os prazos de um e do outro, disporão eles de 2 dias para arrazoar, isto é, para apresentar as razões em que se fundam. Esse prazo de 2 dias é comum, enquanto o de 5, concedido ao reclamante e ao terceiro de boa-fé para produção de provas, é sucessivo.

Apresentadas as razões e ouvido o órgão do Ministério Público, decidirá o Juiz penal. Mesmo em juízo, a restituição somente será possível se se tratar de coisa restituível cuja retenção, pela Justiça, seja absolutamente desnecessária.

O objeto deve ficar com o terceiro de boa-fé, aplicando-se a máxima francesa 'enfait de meub1es possession vaut titr" (em relação aos móveis a posse vale título), por sinal uma das disposições mais importantes do Direito francês, segundo Planiol, ficando o lesado com direito de regresso contra o autor do crime.

De acordo com o texto legal, isto é, dando-se à expressão furtadoo sentido que lhe empresta o CP. A palavra furtadatem o sentido que lhe empresta J. M. de Carvalho Santos: "O que caracteriza o furto, no sentido civil da expressão e aqui empregado pelo Código, é a tirada clandestina ou violenta da coisa", como diz Pontes de Miranda.

Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, a devolução tanto pode ocorrer na Polícia como em juízo, desde que se obedeçam aos requisitos para a restituição. Não havendo dúvida quanto ao direito do reclamante, sendo coisa restituível, e não havendo interesse na sua retenção, a devolução se faz singelamente, quer na Polícia, quer em juízo. Entretanto, se duvidoso o direito do reclamante ou se apreendida em poder de terceiro de boa-fé, nestes casos, duas soluções se entreabrem ao Juiz penal: ordenará a sua guarda em mãos de depositário ou do próprio terceiro que a deti­nha, desde que pessoa idônea; determinará a sua avaliação e venda em leilão público, e o quantum apurado será depositado, de preferên­cia, em agências do Banco do Brasil ou das Caixas Econômicas Esta­dual ou Federal. Após a solução do incidente, será levantado o depósito e entregue a quem de direito.

Das coisas adquiridas com os proventos do crime cuida o art. 121, dispondo: "No caso de apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, aplica-se o disposto no art. 133 e seu parágrafo". Invocando-se o referido art. 133, conclui-se que, após sentença penal condenatória transitada em julgado, o Juiz, de ofício ou a requeri­mento do interessado, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão público. Do dinheiro apurado, será recolhido ao Tesouro Nacio­nal o que não couber ao lesado ou terceiro de boa-fé. É o Juiz penal deve tomar a providência. O seqüestro a que se refere o art. 143 do CPP é o tratado nos arts. 136 e 137 do CPP. Se se tratar de coisa de pe­queno valor, nada impede que seja ela restituída ao lesado ou terceiro de boa-fé, se for o caso. Do contrário, poderá ser designada nova data para outro leilão. Persistindo sua não-realização, as coisas ficarão para a União, restando ao lesado ou terceiro de boa-fé, se for o caso, a propositura da actio judicati, nos termos do art. 63 do CPP.

O destino dos objetos e valores apreendidos:

a)Tratando-se de objetos confiscáveis (aqueles cujo uso, fabri­co, alienação, porte ou detenção constitui fato ilícito), não tendo havi­do devolução ao lesado ou terceiro de boa-fé, resta indagar se houve sentença condenatória com trânsito em julgado. Havendo, aguardam-­se 90 dias para eventual restituição, se for o caso. Decorrido o prazo, sem qualquer pedido, o Juiz criminal terá três opções: no caso de peça valiosa - e não havendo interesse pela sua conservação em museu criminal, porquanto já a possui -, poderá o Juiz determinar sua avaliação e venda em leilão. O produto do leilão será recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 122, parágrafo único, primeira parte, do CPP. Cuidando-se, contudo, de armas de fogo, se não for possível a restituição, e a despeito das regras contidas nos arts. 122 e 123 do CPP, serão elas encaminhadas ao Comando do Exér­cito, nos termos do art. 25 da Lei n. 10.826/2003; se houver interesse na sua conservação, o Juiz fará recolher o instrumento do crime a museu criminal, nos termos do art. 124 do CPP; se o instrumento do crime, confiscável, for de inexpressivo valor ou estiver com defeito, deverá o Juiz, nos termos do art. 124 do CPP, determinar sua destruição.

b)Se os objetos apreendidos forem produtos da infração, isto é, coisas adquiridas diretamente com a prática do fato criminoso (relógio furtado, p. ex.), a restituição é possível, obedecidas as regras dos arts. 118 a 120 do CPP. Se não houver pedido nesse sentido, advindo senten­ça absolutória com trânsito em julgado, observar-se-á o disposto no art. 123 do mesmo diploma. Idêntico procedimento será observado se, não reclamados os objetos, houver sido julgada extinta a punibilidade ou proferida decisão, arquivando-se o inquérito. Sendo condenatória, a regra aplicável é aquela prevista no art. 122 e seu parágrafo único do CPP. E, se por demais inexpressivo o valor do objeto, nada obsta se aplique, por analogia, a regra do art. 124 do estatuto processual penal.

c)Se os objetos apreendidos não se incluírem no rol daqueles referidos no art. 91 do CP, não mais interessando ao processo, serão restituídos a quem de direito.

Em se tratando de coisas apreendidas em face de contrabando ou descaminho, as normas aplicáveis são as previstas no Decreto-Lei n. 37, de 18-11-1966, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 1.455, de 7-4-1976.

Destino das coisas apreendidas ou seqüestradas, quando se tratar de tráfico de substâncias entorpecentes, de acordo com os arts. 60 a 64 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006 (nova Lei de Tóxicos) "Art. 60. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores con­sistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que consti­tuam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 ­Código de Processo Penal.

§ 1 º Decretadas quaisquer das medidas previstas neste artigo, o juiz facultará ao acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente ou requeira a produção de provas acerca da origem lícita do produto, bem ou valor objeto da decisão.

§ 2 º Provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz de­cidirá pela sua liberação.

§ 3 º Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o compa­recimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores.

§ 4 º A ordem de apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou va­lores poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quan­do a sua execução imediata possa comprometer as investigações.

Art. 61. Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad, os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e depen­dentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarca­ções ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equi­valente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisó­rio de registro e licenciamento, em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.

Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.

§ 1º Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público .

§ 2 º Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos corno ordem de pagamen­to, a autoridade de polícia judiciária que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público.

§ 3 º Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter cautelar, a conversão do numerário apreendido em moeda naci­0nal, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instru­ção do inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.

§ 4 º Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de preven­ção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

§ 5 º Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previs­tos no § 4 º deste artigo, o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram.

§ 6 º Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada em apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal principal.

§ 7 º Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz, que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e intimará a União, o Ministé­rio Público e o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 (cinco) dias.

§ 8 º Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão.

§ 9 º Realizado o leilão, permanecerá depositada em conta judicial a quantia apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad, juntamente com os valores de que trata o § 3.° deste artigo.

§ 10 º Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo.

§ 11 º Quanto aos bens indicados na forma do § 4 º deste artigo, recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de regis­tro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da de­cisão que decretar o seu perdimento em favor da União.

Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou de­clarado indisponível.

§ 1 º Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta Lei e que não forem objeto de tutela cautelar, depois de decretado o seu perdimento em favor da União, serão revertidos diretamente ao Funad.

§ 2 º Compete à Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União.

§ 3 º A Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar imediato cumprimento ao estabelecido no § 2 º deste artigo.

§ 4 º Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz do processo, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, remeterá à Senad relação dos bens, direitos e valores declarados perdidos em favor da União, indicando, quanto aos bens, o local em que se encon­tram e a entidade ou o órgão em cujo poder estejam, para os fins de sua destinação nos termos da legislação vigente.

Art. 64. A União, por intermédio da Senad, poderá firmar convê­nio com os Estados, com o Distrito Federal e com organismos orienta­dos para a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, com vistas na liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a implantação e execução de programas relacionados à questão das drogas".

6. DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

Para asse­gurar os efeitos de uma eventual procedência do pedido formulado na ação, o interessado pode solicitar a realização de providências urgentes e provisórias. São as medidas cautelares. Sempre que a eficácia prática da função jurisdicional, só atingível mediante longo procedimento, corra o risco de ser diminuída ou anulada pelo retardamento, o processo cautelar, antecipando provisoriamente as prováveis conseqüências do processo principal, visa a fazer com que o pronunciamento final possa, a seu tempo, produzir efeitos.

Todas as vezes em que de uma infração penal advier prejuízo ao ofendido, além da pretensão punitiva que vai ensejar a propositura da ação penal, surge, também, a pretensão de ressarci­mento, dando lugar à propositura da ação civil ex delicto. A parte interessada, então, tem duas alternativas: propõe, de imediato, a ação civil, visando à satisfação do dano originário da infração pe­nal, com fundamento no art. 186 do CC; ou, em face da eficácia vinculante da sentença penal condenatória sobre a jurisdição civil (art. 91, I, do CP, art. 63 do CPP e art. 935 do CC), pode aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para executá-la no juízo cível, tal como permite o art. 63 do CPP. Todavia, se hou­ver fundado receio de que, ao tempo em que for prolatada a decisão definitiva, o devedor já não possua bens para garantir a execução, pode o autor, no mesmo juízo cível, requerer uma providência cautelar: seqüestro, arresto, caução, busca e apreensão e até mesmo a hipote­ca legal, prevista no art. 1.489, III, do CC, tal como permitido pelos arts. 796 e s. do CPC.

A ação civil visa à restituição (notadamente nos cri­mes contra o patrimônio), ao ressarcimento e à reparação. A restituição nada mais é que o ressarcimento em forma específica. Consiste na de­volução da própria coisa ao lesado. Se esta foi apreendida (e isto é possível independentemente de pedido do ofendido, tal como permite o art. 240, § 1.0, b, c e e, do CPP), bastará ao interessado requerer sua devolução. Casos há em que a restituição se faz até mesmo na fase do inquérito policial. Se, porventura, não for possível a devolução da própria coisa, restará ao ofendido pleitear o ressarcimento, isto é, o pagamento do seu equiva­lente em dinheiro. Se a coisa furtada foi consumida, extraviada, evi­dente haver impossibilidade da sua restituição. No caso de homicídio, impossível a ressurreição da vítima. No caso de lesão corporal, impos­sível a restauração do statu quo ante. Assim, nesses exemplos, fala-se em reparação. Reserva-se a expressão reparação também quando o prejuízo for moral, pouco importando haja ou não reflexos patrimoniais.

Embora não adotemos a figura da parte civil no Processo Penal, como ocorre na Itália, na França e em várias legislações, permitindo­-se a satisfação do dano na própria esfera penal, o legislador pátrio, entretanto, autoriza à vítima do crime ou a quem legalmente a represente requerer, na sede penal, medidas cautelares visando-lhe à satisfação. A essas providências, que visam a acautelar os interesses do prejudicado com a prática da infração, o CPP denomina medidas assecuratórias. Praticamente são as mesmas previstas no CPC: seqües­tro, arresto, hipoteca legal.

Realizada a providência assecuratória e uma vez proferida senten­ça penal condenatória com trânsito em julgado, os autos do incidente devem ser remetidos ao juízo cível competente, conforme determina o art. 143 do CPP. Se, porventura, a sentença penal for absolutória, ou julgada extin­ta a punibilidade pela prescrição ou por outra qualquer causa, desde que tais decisões se tornem inimpugnáveis, as providências cautelares tomadas na Justiça repressiva se desfazem, como se vê pela redação do art. 141 do CPP. Nada impede, contudo, dependendo do fundamento da absolvição ou da causa que motivou a extinção da punibilidade, possa a vítima ingressar com a ação civil, nos termos do art. 64 do CPP, na Justiça Cível, e, aí, nada obsta, uma vez entrevisto o periculum in mora, sejam requeridas medidas cautelares, de acordo com os arts. 796 e s. do diploma processual civil, conforme acentuamos.

O seqüestro de imóveis ou móveis, a hipoteca legal e o arresto são medidas assecuratórias adotadas no nosso diploma processual penal. Do seqüestro de imóveis cuidam os arts. 125 e s. do CPP. Mesmo que tais bens se hajam transferido a terceiros, pouco im­portando se de boa ou má-fé, ainda assim podem ser seqüestrados. Necessário se torna sejam os bens adquiridos com os proventos do cri­me. Se alguém comete um crime e com os seus proventos adquire bens imóveis, estes podem ser seqüestrados. Falando o art. 125 em indiciado, e este só existe na fase do inquérito, dúvida não há de que tal medida poderá ser to­mada mesmo na fase do procedimento preparatório da ação penal, que é o inquérito policial. E tanto é verdade que, mais adiante, na segunda parte do art. 127, salienta o legislador que o seqüestro poderá ser ordenado "em qualquer fase do processo ou ainda antes de ofe­recida a denúncia ou queixa".

A decretação do seqüestro, nos termos do art. 125, supõe, necessariamente, que o imóvel ou imóveis hajam sido adquiri­dos pelo pretenso culpado com os proventos do crime, vale dizer, pro­dutos diretos ou indiretos da infração penal. Havendo indícios veemen­tes da proveniência ilícita do ou dos imóveis do pretenso culpado, é o quantum satis para autorizar a medida coercitiva de natureza real con­sistente no seqüestro. Somente o Juiz pe­nal é quem pode determiná-lo.

O art. 127 do CPP confere legitimidade: Ao órgão do Ministério Público; À vítima do crime; À Autoridade Policial que es­tiver à frente do inquérito. Esta, embora não possa requerer, poderá fazer representação ao Juiz, mostrando a conveniência de ser decretada a medida cautelar;Pode, finalmente, o Juiz, independentemente de provocação de quem quer que seja, ordená-lo. Evidente que se trata de mera faculdade. Tal decisão é apelável, nos termos do art. 593, II, do CPP.

Se o Juiz quiser ordenar o seqüestro, de ofício, deverá baixar a competente portaria, fazendo-a autuar em apartado. Uma vez decretado o seqüestro, no mesmo despacho determina o Juiz seja expedido o competente mandado. De posse do mandado, dois Oficiais de Justiça dirigir-se-ão ao lugar em que estiver localizado o imóvel (dentro da respectiva comarca, é óbvio; se fora, expedir-se-á precatória), dando ciência da diligência ao seu proprietário. Encontrado ou não o proprietário ou possuidor, lavrarão o respectivo auto, tudo conforme o art. 665 do CPC.

Após a juntada do mandado aos autos do processo incidente, estando ele formalmente em ordem, determinará o Juiz se proceda à inscrição do seqüestro no Registro de Imóveis (CPP, art. 128). A Lei n. 6.015/73 fala em registro- art. 239. Neste há um livro próprio para tais fins. Feito o registro do seqüestro, o imóvel não pode ser transferido a terceiro, e, se o for, a venda será nula.

Uma vez realizada a diligência do seqüestro, podem ser opostos embargos, meios de defesa que, no particular, a lei processual penal confere: a terceiro senhor e possuidor; ao indiciado ou réu; ao terceiro de boa-fé.

Três pessoas podem opor "embargos" ao seqüestro. Uma delas é o terceiro senhor e possuidor. Quando o art. 129 do CPP fala em terceiro trata-se de pessoa completamente estranha ao delito. Os embargos de terceiro senhor e possuidor, a que se refere o art. 129 do CPP, oferecem uma particularidade: devem ser jul­gados logo, não se aplicando a regra contida no art. 130 do mesmo di­ploma. Pode, também, o indiciado ou réu opor embargos. Aqui, enten­demos não se tratar de embargos, mas de contestação, nos termos do art. 802 do CPC, porquanto o seqüestro implicou verdadeira medida cautelar. E quando se decreta uma medida cautelar, a parte ex adversa contesta. Nesta contestação, o indiciado ou réu poderá, apenas, quanto ao mérito, alegar não ter sido o imóvel adquirido com os proventos do crime.

Finalmente, também poderá opor "embargos" o terceiro de boa-­fé. Não basta apenas a boa-fé; é preciso que o bem lhe tenha sido transferido a título onero­so. Apresentados os embargos, o que poderá dar-se a qualquer tempo, nos termos do art. 1.048 do CPC, ou a contestação, no prazo de 5 dias, segundo o estatuído no art. 802, a decisão sobre tal incidente cautelar somente será proferida depois de haver transitado em julgado eventual sentença penal condenatória. É a regra inserta no art. 130 do CPP. Contudo, em se tratando de embargos de terceiro senhor e possuidor, embora possam ser opostos a qualquer tempo, consoante a regra do art. 1.048 do CPC, se o forem logo em seguida ao ato constritivo da propriedade, é até aconselhável que o Juiz penal os solucione de pron­to, a menos haja questão de alta indagação, quando, então, as partes deverão ser remetidas às vias ordinárias, isto é, deverão ser encami­nhadas à Justiça Civil.

Como o art. 133 do CPP determina que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o Juiz, de ofício, ou a requerimento do interessado, determinará a avalia­ção e a venda dos bens em leilão público, recolhendo-se - do dinheiro apurado - ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou terceiro de boa-fé, fácil concluir que a competência para tais providências é do pró­prio Juiz penal. O preceituado no art. 143 do CPP é aplicável à hipoteca legal e ao seqüestro referido no art. 137 do estatuto processual penal.

O levantamento do seqüestro dá-se quando ele perde a sua eficá­cia. Isso ocorre em três hipóteses: se a ação penal não for intentada no prazo de 60 dias, prazo esse que se conta a partir da data em que ficar concluída a diligência; se o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, pres­tar caução que assegure a aplicação do disposto no art. 91, II, b, se­gunda parte, do CP. É óbvio que se trata do terceiro de boa-fé, a que se refere o art. 130, II, do CPP. De fato. Dizendo a lei "o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens", subentende-se: os bens que foram adquiridos com os proventos da infração, mesmo porque outros não podem ser objeto da medida caute1ar de que tratamos; levantada também será a medida, se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu por sentença transitada em julgado. É certo que a sentença de absolvição, em princípio, e a que julga extinta a punibilidade não impedem a propositura da ação civil para a satisfa­ção do dano. Contudo, uma vez que a sentença no juízo penal não foi condenatória, teria o ofendido de promover no cíve1 a competente ação com vistas à satisfação do dano.

Por outro lado, como se trata de providência tomada em caráter pro­visório e excepcional, pela Justiça Penal, tendo em vista os efeitos civis da sentença penal condenatória, entendeu o legislador não devesse a medida perdurar se absolutória a decisão, ou se a punibilidade fosse julgada extin­ta, tanto mais quanto, no cível, o ofendido poderá requerer a mesma pro­vidência, que será devidamente apreciada pelo órgão competente.

Se, porventura, o indiciado ou réu, com os proventos ou produtos do crime, vier a adquirir bens móveis, estes também poderão ser se­qüestrados, desde que existam indícios veementes da sua proveniência ilícita. Mesmo hajam sido transferidos a terceiros, ainda assim poderá ser decretada a medida constritiva.

Aplicam-se ao seqüestro de móveis todas as disposições pertinen­tes ao de imóveis, salvante, é óbvio, a que se refere à inscrição, ou melhor, registro. Este se faz para os imóveis. Desse modo, o que fala­mos sobre seqüestro de imóveis tem inteiro cabimento aqui. Diz o art. 132 do CPP que somente se procederá ao seqüestro de bens móveis (desde que haja indícios veementes da sua proveniência ilícita) se não for cabível a busca e apreensão, que constitui outra me­dida constritiva. Ora, nem sempre é cabível a busca e apreensão, mes­mo se saiba da proveniência ilícita da coisa.

Um dos efeitos civis da sentença penal condenatória com trânsito em julgado é tornar certa a obrigação da satisfação do dano ex delicto, consoante a regra do art. 91, I, do CP e do art. 63 do CPP. Sendo a sentença penal condenatória transitada em julgado título ilíquido, mas certo, no campo da satisfação do dano, permitindo, por isso mesmo, ao ofendido, seu representante legal ou herdeiros ingressar no cível com a execução por título judicial, é curial que o ofendido, ou quem de direito, há de promover-lhe a execução, mormente havendo certeza da existência de bens que a garantem e se encontram retidos. Que essa execução se faça no cível, nenhuma dúvida pode haver, em face da regra contida no art. 63 do CPP. Entretanto dispõe o art. 133 desse mesmo estatuto que, transitada em julgado a sentença penal condenatória, o Juiz, de ofício ou a reque­rimento do interessado, determinará a avaliação e a venda dos bens seqüestrados em leilão público. E seu parágrafo acrescenta: do dinhei­ro apurado, será recolhido ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou terceiro de boa-fé.

Tais providências ditadas pelo art. 133 e seu parágrafo do CPPde­vem ser tomadas pelo Juiz penal. A regra do art. 143 se refere à hipoteca legal e ao seqüestro tratado no art. 137 do mesmo diploma, e o respectivo leilão ficará a cargo do Juiz por onde tramitar a execução ou a ação civil. A importância apurada no leilão será entregue ao ofendido como ressar­cimento do dano. Se houver sobra, esta será devolvida ao réu.

Hipoteca legal é outra medida assecuratória que pode ser requerida perante o Juiz penal. A hipoteca, na límpida definição de Orlando Gomes, é o di­reito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento da dívida. Dispõe o CC, no art. 1.489, III, que a lei confere hipoteca ao ofen­dido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para a sa­tisfação do dano causado pelo delito e pagamento das custas. Se, com os proventos do crime, o criminoso vier a adquirir bens imóveis ou móveis, a providência cautelar a ser tomada é o seqüestro. Sendo este incabível, o ofendido, seu representante legal ou herdeiros poderão, no juízo penal, requerer a especialização de hipoteca legal sobre os imóveis do réu, em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes de autoria. Em razão de o art. 134 usar a expressão "indiciado", quer-nos parecer que a especialização de hipoteca legal pode ser requerida em qualquer fase do processo ou do inquérito.

Para ser requerida a especialização da hipoteca legal, é preciso a coexistência desses dois pressupostos: certeza da existência da in fração a parte objecti, isto é, prova inequívoca da materialidade do fato delituoso; indícios suficientes de autoria.

A especialização de hipoteca legal pode ser requerida em qualquer fase do processo ou do inquérito. Uma vez instaurado este, já pode o interessado requerer a providência, dês que haja prova da materialidade da infração e indícios suficientes de autoria. É claro que, se for proposta a ação civil ex delicto, pode o interessado requerer a medida no juízo cível, como pode, também, requerer outras medidas cautelares. Mas, como estamos tratando das medidas precautórias solicitadas no juízo criminal, fácil, pois, afirmar que a competência é do Juiz que estiver à frente do pro­cesso-crime.

A especialização de hipoteca legal pode ser requerida pelo ofendido, pelo seu representante legal ou até mesmo pelos herdei­ros. Nesse sentido, os arts. 134 do CPP e 1.489, III, do CC. Pode também ser requerida pelo órgão do Ministério Público, desde que: o ofendido seja pobre e o requerer; haja interesse da Fazenda Pública. Hoje, entretanto, com o aviltamento da nossa moeda e em face da inflação avassaladora, é óbvio que o órgão do Ministério Público não terá necessidade de recorrer a medida tão extrema, simplesmente com o pro­pósito de garantir eventuais penas pecuniárias e despesas processuais.

A hipoteca legal de que cuidamos tem por finalidade garantir: a satisfação do dano ex delicto; o pagamento de even­tuais penas pecuniárias e despesas processuais. Aquela, explicitada na letra a, prefere a estas. É como soa o art. 140 do CPP.

A pessoa interessada no pedido de especialização de hipoteca legal, ao se dirigir ao Juiz penal competente, em petição que deve ser fundamentada quanto aos pressupostos da medida constritiva (prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria), cal­culará o valor da responsabilidade civil a cargo do réu e individualizará o imóvel ou imóveis de sua propriedade, que deverão constituir o ga­rante, pronunciando-se sobre o valor que se lhes atribuir. Pelo que se infere do art. 135 do CPP, essa estimativa da respon­sabilidade civil e dos imóveis indicados como garantia, feita na petição do interessado, não é definitiva, mesmo porque cumprirá ao Juiz, de imediato, nomear perito a fim de proceder ao cálculo do valor da res­ponsabilidade e determinar, também, que se proceda à avaliação dos imóveis especializados, isto é, dos imóveis indicados.

Realizadas as diligências ordenadas pelo Juiz e conc1usos os au­tos, determinará ele que se abra vista às partes, para, no prazo comum de 2 dias, manifestarem-se sobre a estimativa da responsabilidade e avaliação do ou dos imóveis. Em seguida, com a sua prudência, corri­girá o arbitramento do valor da responsabilidade, colocando-a nos seus devidos limites, aumentando-a, se deficiente aquele, ou restringindo-a, se excessivo.

Estabelecido o valor da responsabilidade, o Juiz então determina­rá se proceda à inscrição da hipoteca do imóvel ou imóveis que forem necessários àquela garantia, fazendo expedir ofício ao Oficial do Car­tório de Registro de Imóveis nesse sentido. A inscrição da hipoteca é requisito indispensável a fim de valer contra terceiros. Especializar é individuar o imóvel sobre o qual vai incidir a medida de coerção real e precisar o valor da responsabilidade.

Se, porventura, o réu não quiser que seu imóvel ou imó­veis fiquem hipotecados, poderá evitar a inscrição - com a qual se efetiva a providência - oferecendo caução suficiente. É a regra conti­da no § 6 º do art. 135 do CPP.

Muitas vezes o processo de inscrição e especialização da hipoteca legal se alonga no tempo, e, com o intuito de oferecer maiores garan­tias à vítima do crime, ou ao Ministério Público, na hipótese do art. 142, permite o art. 136 do CPP às pessoas a tanto legitimadas a formu­lação de pedido no sentido de serem seqüestrados os bens sobre os quais se pretenda recaia a hipoteca, até que essa medida constritiva se con­cretize. Trata-se de excelente expediente para jugular possível fraude por parte do acusado.

Uma vez deferida a petição nesse sentido e efetivada a diligência, deverá a parte interessada promover o processo de inscrição e especialização da hipoteca legal, dentro do prazo de 15 dias, sob pena de ser revogada a medida preliminar. A lei estabelece o prazo de 15 dias, a partir da efetivação do se­qüestro prévio, para o interessado promover o processo de inscrição e especialização da hipoteca legal. Se a parte não ingressar com o pedido a que se refere o art. 134 do CPP dentro daquele prazo, será revogada aquela medida que se tornou antecipadamente.

Havendo eventual sentença penal condenatória com trânsito em julgado, os autos da hipoteca serão remetidos ao juízo cível, nos termos do art. 143 do CPP, combinado com o art. 63 do mesmo estatuto e com o art. 575, IV, do CPC.

Evidente que a remessa se fará uma vez conhecido o Juiz compe­tente. Se a ação civil já foi proposta e se encontrava sobrestada, aguar­dando o julgamento da causa penal, far-se-á sem maiores delongas. Do contrário, o Juiz penal terá de aguardar o início da execução no cível para, fixada a competência, proceder nos termos do art. 143 do CPP.

No cível, obedecer-se-á à regra contida no § 5 º do art. 135 do CPP, que diz: "O valor da responsabilidade será liquidado definitiva­mente após a condenação, podendo ser requerido novo arbitramento se qualquer das partes não se conformar com o arbitramento anterior à sentença condenatória".

Ocorrendo sentença penal condenatória e transitada esta em julga­do, proceder-se-á de acordo com o art. 143 do CPP. Todavia, se a sentença penal for absolutória ou mesmo se julgada extinta a punibilidade, embora devesse o legislador autori­zar, também, a remessa ao juízo cível, onde se aguardaria o desfecho de eventual ação civil ex delicto, preferiu autorizar o cancelamento da hipoteca, urna vez transitadas em julgado tais decisões.

Diz o art. 137 do CPP que, "se o responsável não possuir bens imóveis, ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser seqüestrados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis".Evidente não se tratar de seqüestro, mas sim de arresto. Temos, então, duas situações: a parte interessada requer a es­pecialização e inscrição da hipoteca legal. Entretanto o bem especia­lizadopara ser hipotecado (e não havia outro para sê-lo também) é de valor inferior à estimativa da responsabilidade civil. Nesse caso, para fortalecer a garantia, havendo bens móveis, podem ser arrestado; o réu não é possuidor de nenhum imóvel. Desde que possua móveis, es­tes podem ser arrestados. Enfim: os bens que podem ser arrestados não são os de ilícita proveniência. Para estes, as medidas são outras: a bus­ca e apreensão e o seqüestro, a que se referem os arts. 240 e 132, com­binados com o art. 126, todos do CPP.

O art. 137 estabelece uma restrição: somente aqueles que forem suscetí­veis de penhora. Regulando-a, o CPC, no art. 649, estabelece quais os objetos que não podem ser penhorados.

Quanto ao bem de família, que em princípio é impenhorável, a Lei n. 8.009/90 alinha (art. 3 º) as hipóteses que comportam sua penhora­bilidade, inclusive no processo por obrigação decorrente de fiança con­cedida em contrato de locação. O STF, contudo, julgando o Recurso Extraordinário n. 352.940-4/SP, por unanimidade, reconheceu que, em face da Emenda Constitucional n. 2612000, que incluiu, no art. 6º da Constituição Federal, a moradia entre os direitos sociais garantidos pela Constituição, o bem de família tornou-se impenhorável em qualquer circunstância. Desse modo, desde que se trate de bens impenhoráveis, sobre eles, em face da expressa determinação do art. 137 do CPP, não pode incidir o seqüestro (rectius: arresto).

O seqüestro, de que trata o art. 137 do CPP, é permitido nos termos em que é facultada a hipoteca legal. De conseguinte, concluísse que o pedido tanto pode ser feito durante o inquérito como em qualquer fase do processo, desde que satisfeitos os pressupostos: prova da materialidade do crime; existência de indícios suficientes de autoria.

Embora o art. 137 do CPP diga que o seqüestro é permitido "nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis",é evidente ter havido um erro tipográfico, porquanto, entre nós, os bens móveis, com exceção dos navios e aeronaves, estão excluídos do Direito hipotecário. Deverá também o seqüestratário, tal qual no pedido de hipoteca, estimar a responsabilidade e o valor dos bens móveis cujo seqüestro requerer.

Se esses bens móveis, que podem ser seqüestrados (rectius: arrestados), nos termos do art. 137, forem fungíveis e facilmente deterioráveis, proceder-se-á nos termos do § 5 º do art. 120 do CPP (CPP, art. 137, § 1 º).

Transitada em julgado eventual sentença condenatória, cumprirá ao Juiz penal, uma vez conhecido o juízo cível para a execu­ção (CPP, art. 63, e CPC, art. 575, IV), a ele remeter os autos do proces­so incidente do seqüestro (rectius: arresto). Se os bens arrestados fo­rem fungíveis e facilmente deterioráveis, uma vez avaliados, levados a leilão e depositado o quantum apurado em estabelecimento de crédito, à disposição do juízo cível ficará o referido depósito.

Se a sentença penal for absolutória ou houver sido julgada extinta a punibilidade, uma vez transitada em julgado a decisão, levanta-­se o arresto, e os objetos serão devolvidos ao acusado (art. 141).

A responsabilidade penal é independente da civil, e a tal ponto chega essa independência que, às vezes, pelo mesmo fato, não é responsável civil o que o é criminalmente. Por essa razão e para acautelar os interesses do ofendido ou da Fazenda Pública, estando em curso a ação penal por fato cuja respon­sabilidade civil, ainda que solidária, seja de uma das pessoas enumera­das no art. 932 do CC, podem o ofendido, seu representante legal ou sucessores ou até o Ministério Público (este na hipótese do art. 142 do CPP) requerer, no juízo cível, contra o responsável civil, as medidas referidas nos arts. 134, 136 e 137 do CPP.

7. DO INCIDENTE DE FALSIDADE

Embora "documento" expresse a idéia de qualquer manifestação intelectual, como um desenho, uma fotografia, um esquema etc., o cer­to é que o legislador, aqui, restringiu-lhe o conceito, tal como emprega­do no art. 232 do CPP: "documentos são quaisquer escritos, instrumen­tos ou papéis, públicos ou particulares".

Se a finalidade do Processo Penal é reconhecer e estabelecer uma verdade jurídica, tal fim se alcança por meio das provas, que se vaI oram segundo as normas previstas em lei. Evidente, pois, que a Justiça não lograria sua finalidade se os meios de que se vale para consegui-Ia não se revestissem de seriedade. As provas que não se apresentarem revestidas de sinceridade e seriedade devem ser expungidas, porquanto poderiam levar o Juiz a cometer um erro, com graves prejuízos para a administração da Justiça e para os litigantes.

O procedimento adotado pelo CPP para solucionar questão incidental visando a ilidir a força probatória de documento por acaso juntado aos autos de um processo criminal. Uma vez inquinado o documento de vício que afeta a sua sinceri­dade, tal questão incidental dá margem a um processo especialmente estabelecido para a averiguação da pretendida falsidade. Autuada em apartado a argüição, permanecem, contudo, os autos desse incidente apensados aos autos do processo ao qual se juntou o documento.

Após a manifestação dos interessados e de outras diligências que forem necessárias, o Órgão Jurisdicional que estiver à frente do processo principal proferirá a sua decisão, da qual cabe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, XVIII, do CPP. Tomando-se inimpugnável a de­cisão, o que se dá com a preclusão da via impugnativa, o documento reconhecido falso será, após aquela providência apontada no art. 15 da Lei de Introdução ao CPP, desentranhado dos autos e encaminhado, jun­tamente com estes, onde se processou o incidente, ao órgão do Ministé­rio Público para, se for o caso, apurar a responsabilidade da falsificação. Apurada esta, instaurar-se-á outro processo contra o falsário.

Mesmo desconhecida a autoria da falsidade material ou ideológica, ainda responderá criminalmente aquele que, em sã consciência, fez uso do documento falso. A propósito de falsidade, vejam-se os arts. 296 a 305 do CP, notadamente os arts. 297, 298 e 304.

A falsidade deve ser argüida por escrito. O requerimento, assinado pela própria parte, ou por Procurador com poderes especiais, será dirigi­do ao Juiz da causa principal, e este, então, de início, limitar-se-á a deter­minar seja aquele autuado em apartado. Cumprida a determinação e indo os autos conclusos, determinará o Juiz que a parte contrária se manifeste em 48 horas, contestando ou não a impugnação do documento.

Após a resposta, duas soluções se entreabrem: se a parte reco­nhecer a falsidade, ainda assim deve o Juiz, de ofício, determinar a realização de diligências para a sua averiguação, em face do preponde­rante interesse público e, principalmente, naquelas hipóteses, ainda que remotas, de possível colusão das partes. Concluídas as diligências, decidirá; se a parte contestar, determinará o Juiz seja aberta vista dos autos incidentes, pelo prazo de 3 dias, para cada uma das partes, para provar suas alegações. Entretanto, se as provas com as quais as partes preten­dem fortalecer suas alegações forem periciais, nem sempre há a possi­bilidade de um pronunciamento rápido dos peritos. Note-se, ainda, que, se o exame para a comprovação da autenticidade do documento for o grafológico, a regra aplicável é aquela traçada no art. 174 do CPP, o que demanda tempo.

Em seguida à dilação probatória, os autos retomam ao Juiz, a quem fica a discrição de ordenar, de ofício ou a requerimento das partes, as diligências necessárias para averiguação da impugnação. Colhidos os elementos de prova, caberá ao Juiz proferir a decisão. Acolha ou desacolha o requerimento que apontou de falso o documen­to, a decisão é recorrível, segundo preceitua o art. 581, XVIII, do CPP. Contudo, transitada em julgado a decisão proferida nos autos do incidente, se rechaçada a pretensão do argüente, o documento permane­cerá nos autos principais; se acolhida, será desentranhado, tendo antes o Magistrado o cuidado de observar o que dispõe o art. 15 da Lei de Intro­dução ao CPP: "No caso do art. 145, IV, do Código de Processo Penal, o documento reconhecido como falso será, antes de desentranhado dos autos, rubricado pelo juiz e pelo escrivão em cada uma de suas folhas".

Uma vez retirado dos autos, com a cautela acima apontada, o docu­mento, juntamente com os autos do incidente, será remetido ao órgão do Ministério Público para as providências que entender de direito.

Registra o art. 148 do CPP que a decisão proferida no processo incidental para a apuração da falsidade documental não faz coisa julga­da em ulterior processo, penal ou civil. A resolução do incidente não é um verdadeiro julgado com as características da imutabilidade e imperatividade, mas precária deci­são, com valor exclusivamente limitado ao fim de ser destruída a força probante do documento. Nada impede, todavia, dependendo do caso concreto, possa a par­te prejudicada com o desentranhamento do documento reconhecido falso ingressar no juízo cível com a competente ação declaratória.

Quem pode suscitar o incidente de falsidade, de acordo com o art. 146 do CPP: "a argüição de falsidade, feita por procurador, exige poderes especiais", conclui-se que a própria parte poderá fazê-lo. Não o queren­do, deverá outorgar poderes especiais ao seu procurador para tanto. Desde que suspeite da falsidade de um documento juntado aos autos, nada impede o Juiz de proceder à verificação da sua idoneidade, tal como permitido pelo art. 147 do CPP.

Se o reconhecimento da existência da falsidade afetar a qualifica­ção jurídico-penal do fato objeto do processo, tal incidente se transmuda numa verdadeira prejudicial, devendo o processo ficar paralisado, sal­vo quanto à ouvida de testemunhas ou outra prova de natureza urgente.

8. DO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO

Para que haja crime, sob o aspecto formal, é preciso, antes de qualquer coisa, que a conduta humana se amolde a um dos tipos descritos na lei penal. Logo, a tipicidade, que é a adequação da conduta humana (ação ou omissão) ao modelo legal, é um elemento formal do delito. Diz-se típico o fato quando o comportamento humano for enquadrável dentro de uma hipótese criminosa abstrata, como diz Bettiol. Para que haja crime, não basta, contudo, que o fato cometido seja típico. É preciso, também, seja antijurídico.

O comportamento humano, como bem o disse Frederico Marques, é antijurídico "quando em nenhum preceito penal ou extrapenal se en­contre uma norma que o autorize ou justifique".

E a culpabilidade integra o conceito formal de delito, segun­do a doutrina tradicional. Entretanto, para a "teoria finalista da ação", de Rans Welzel, a culpabilidade é pressuposto da reação penal. Para ela, são elementos do crime a tipicidade (quer no seu aspecto objetivo, quer no subjetivo - dolo e culpa) e a antijuridicidade. Vê-se, pois, ter sido excluída a culpabilidade, pelo simples fato de ser pressuposto da pena. Para essa nova concepção do delito, três são os elementos da culpabilidade: imputabilidade;exigibilidade de conduta diversa; possibilidade de conhecimento do injusto, ou potencial consciência de ilicitude. Assim, a culpabilidade, ou juízo de censurabilidade, ou de reprovabilidade, traz, engastada, a imputabilidade.

Imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser atribuída a prática de fato punível. O Código Penal não define a imputabilidade. Diz, con­tudo, quando o agente é inimputável. Conforme magistério de Fernando Diaz Pallos, a inimputabilidade é a incapacidade para apreciar o cará­ter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa apreciação. Um dos casos em que falta ao agente o discernimento ético para entender o caráter criminoso do fato ou de resistir ao impulso de praticá-lo é o do amental. Ora, se o processo penal condenatório é instaurado visando à inflição de uma pena, bem poderá surgir dúvida a respeito da higidez mental do sujeito passivo da pretensão punitiva, e, se o ato praticado pelo doente mental, não obs­tante típico e antijurídico, não é suscetível de valoração ética, não se lhe pode infligir pena. Daí a necessidade de a Justiça se preocupar em saber se, realmente, o agente era ou não inimputável quando da prática do fato. A doença mental é um dos casos que pode gerar a inimputabi­lidade. Há outros.

Assim, resta apenas saber quem é inimputável e quais os critérios adotados para aferir a inimputabilidade. Consagraram-se, nas legislações, três critérios: o biológico ou etiológico, o psicológico e o misto ou biopsicológico.Para o primeiro, a imputabilidade fica condicionada à normalida­de da mente ou ao desenvolvimento mental do agente. Desse modo, o simples fato de alguém ser portador de doença mental ou possuir de­senvolvimento mental incompleto já constitui razão bastante para ser considerado inimputável. De acordo com o segundo critério - o psicológico -, indaga-se, apenas, se ao tempo da conduta humana reprovável estava abolida no agente, seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato e de determinar-se de acordo com essa apreciação. O terceiro critério - o misto - representa a junção dos dois pri­meiros: a imputabilidade somente será excluída se, ao tempo da ação ou omissão, o agente, em razão de enfermidade ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O Direito pátrio adotou dois critérios: o biológico e o biopsicológico.O primeiro, apenas quanto aos menores de 18 anos.

Na hipótese dos menores de 18 anos, ficarão eles, quando comete­rem crimes, sujeitos às medidas educativas, curativas ou disciplinares determinadas pela Lei n. 8.069, de 13-7-1990, que dispõe sobre o Es­tatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo as medidas adequa­das aos menores de 18 anos, pela prática de fatos previstos como infra­ções penais.

O segundo critério, o biopsicológico ou misto, foi consagrado entre nós nas demais hipóteses de inimputabilidade (CP, arts. 26 e 28, § 1º).

"Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença men­tal ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de enten­der o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

"Art. 28. (....) § 1 º É isento de pena o agente que, por embriaguez com­pleta, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

Assim, podemos afirmar serem causas biológicas que excluem a imputabilidade, nos termos dos arts. 26 e 28, II, do CP: doença mental; desenvolvimento mental incompleto; desenvolvimento mental retardado; embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

As doenças mentais compreendem todas as psicoses. A Sociedade de Psiquiatria, até há pouco tempo, apresentava esta classificação: psico­ses infetuosas, autotóxicas, heterotóxicas (alcoolismo, morfinismo, cocainismo, saturnismo etc.), esquizofrenias, paranóia, psicose manía­co-depressiva, psicose de involução, psicoses por lesões cerebrais, paralisia geral progressiva, psicose epiléptica, psicoses nevróticas etc. Con­vém observar que o art. 19 da Lei n. 6.368/76 dispõe ser "isento de pena o agente que, em razão da dependência era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramen­te incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento", o que demonstra que o dependente pas­sou a ser considerado um doente mental, visto que em face da subordina­ção aos entorpecentes perde o total discernimento ético para entender que sua conduta é contrária à comum consciência jurídica. Nem havia necessidade dessa alusão no corpo do art. 19 da Lei Antitóxicos, uma vez que ela se inclui no próprio texto do art. 26 do Código Penal. Ao contrá­rio de alguns autores, entendemos que o art. 19 já citado trata de duas hipóteses: dependência; estar sob o efeito de substância entorpe­cente ou que determine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior, mesmo porque não se concebe dependência proveniente de caso fortuito ou força maior.

Por desenvolvimento mental incompleto entende-se aquele que não se completou, que não se concluiu (é a hipótese dos menores de 18 anos e dos silvícolas inadaptados). Todavia, se os menores de 18 anos foram declarados absolutamente inimputáveis, no art. 27 do CP, independentemente de qualquer indagação psicológica, sendo, pois, suficiente, apenas, a imaturidade, desnecessária seria a referência que o art. 26 faz ao desenvolvimento mental incompleto. Mas, explica Hungria: entendeu a comissão revisora que sob a rubrica "desenvolvimento mental incompleto" entrariam, por extensão, os silvícolas inadaptados, evitan­do-se que uma expressa alusão a estes fizesse supor, falsamente, no estrangeiro, que ainda somos um país infestado de gentio.

Desenvolvimento mental retardado é o que não pode chegar à maturidade psíquica. Nessa classe estão os oligofrênicos (idiotas, im­becis e débeis mentais) e os surdos-mudos. Os imbecis, segundo Binet, têm a idade mental de 3 a 7 anos, os débeis mentais, de 7 a 12, e os idiotas, abaixo dos 3 anos.

Embriaguez é uma forma de intoxicação aguda produzida pelo álcool. A embriaguez pode ser não acidental ou acidental. A primei­ra compreende duas modalidades: voluntária e culposa. A acidental é a que interessa ao nosso estudo. É a que deriva de caso fortuito ou força maior. Diz-se acidental a ebriedade quando o agente não a provoca voluntária ou culposamente. Tal é o caso daquele que se embriaga ig­norando a natureza da bebida que ingere ou seus graus alcoólicos, seja por burla feita por alguém, seja por causalidade ou fatalidade.

Se a embriaguez for completa e acidental, isto é, provocada por caso fortuito ou força maior, será considerada causa biológica ou etiológica, que justifica a inimputabilidade. Embora a ebriedade não possa ser equiparada às doenças mentais, é, contudo, causa de profun­das perturbações das funções psíquicas. É lógico que se a embriaguez foi voluntária ou culposa não há cuidar-se de inimputabilidade. Na voluntária, como o nome está a dizer, o agente quer embriagar-se. Os atos que vier a cometer, nesse estado, são de sua inteira responsabilida­de. Na culposa, embora o agente não queira embriagar-se, não prevê, embora devesse fazê-lo, a possibilidade de isso acontecer. Nessas hipó­teses não há cuidar de excludente de culpabilidade. Já na acidental, se completa, sim.

A embriaguez é a intoxicação provocada por álcool ou substâncias análogas. Ensina a Medicina Legal que a em­briaguez apresenta fases ou períodos. A primeira fase, diz Almeida Júnior, é a da excitação: olhar animado, loquacidade, vivacidade motora, associação superficial de idéias. Adormecidas as inibições, cada qual começa a mostrar o que realmente é: este, alegre e zombeteiro; aquele, sentimental, cheio de confidências; avalentoado; alguns, deprimidos, melancólicos. A segunda fase é a da confusão. A incoordenação motora e a confusão psíquica predominam. Perturbações sensoriais: diplopia (visão dupla); zumbido no ouvido; obtusidade tátil e dolorífica; ilusões (percepções erradas); incapacidade de atenção voluntária; fuga de idéias; impulsividade; palavra difícil, pastosa; inconveniência de ati­tudes; movimentos sem coordenação. A terceira é a fase do sono. Estado paralisiforme. O bêbado não consegue manter-se em pé, às vezes, nem sentado. Pupilas contraídas, pele pálida, respiração e pulso lentos, queda da pressão sangüínea. Desaparecimento mais ou menos completo da consciência.

É precisamente a segunda fase, denominada a fase do leão ou da confusão, ensina Delton Croce, que constitui periculosidade, tornando o ébrio insolente e agressivo, empregando desconexa linguagem de baixo calão. Nesse rol se inclui, também, aquele que sob o efeito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, proveniente de causa fortuita ou força maior, era, ao tempo da ação ou omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de en­tender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, na dicção do art. 45 e parágrafo único da Lei n. 11.343, de 23-8-2006. Estas, pois, as causas etiológicas ou biológicas.

Não basta, entretanto, que o agente seja portador de doença mental, tenha desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou esteja em completo estado de ebriez, ou seja, depen­dente de drogas, para que se o tenha como inimputável. Note-se que o critério por nós adotado é o biopsicológico. Há indeclinável necessida­de da fusão dos dois elementos: o biológico, ou etiológico, e o psicoló­gico. Mesmo sendo doente mental, ou possuindo desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou encontrando-se em completo estado de ebriedade, provocada por caso fortuito ou força maior, ou dependente ou sob o efeito de substância entorpecente, resta indagar se, em virtude desse estado ou situação, o agente era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, isto é, se era inteiramente incapaz de compreender que o seu ato era reprovável pela comum consciência jurídica ou, ainda que o soubesse, se podia resistir ao impulso de praticá-lo.

Se comprova a inimputabilidade do amental pelo exame psiquiátrico. Se o agente, ao tempo da ação ou omissão, em virtude de doença mental, desenvolvi­mento mental incompleto ou retardado (oligofrênico), era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, à evidência não pode ser punido. Assim, quando houver dúvida sobre a integridade mental do acu­sado, o Juiz ordenará seja este submetido a exame médico-legal.

Mesmo na fase do inquérito, poderá o Juiz, mediante representa­ção da Autoridade Policial, determinar a feitura do exame psiquiátrico. Às vezes o agente é portador de simples perturbação da saúde mental, que não chega a ser, propriamente, doença mental, mas lhe afeta a higidez. São as personalidades psicopáticas. Dessas hipóteses cuida o parágrafo único do art. 26 do CP. A pena, aqui, pode ser diminuída de um a dois terços. Evidente que nesses casos o agente não é inteiramente respon­sável. Ele não tem, em toda a sua inteireza, para o juízo de reprovação, capacidade de entender, em face de suas condições psíquicas, que a sua conduta é contrária à comum consciência jurídica, e de adequar essa conduta à sua compreensão. Assim, ele não é inteiramente inimputável, nem possui, inteiriça, sua imputabilidade. Pelo sistema vicariante, que adotamos, a pena é exclusivamente a privativa de liberdade, cuja dimi­nuição fica a critério do Juiz em face do caso concreto, podendo ele convolar a pena privativa de liberdade em medida de segurança. Essa mesma semi-imputabilidade pode ocorrer em face da embriaguez aci­dental e completa (art. 28, § 2 º, do CP) e, inclusive, nas hipóteses tra­tadas no parágrafo único do art. 19 da Lei n. 6.368/76.

O CPP, nos arts. 149 a 154, traça normas a respeito desse incidente de insanidade mental. O exame poderá ser ordenado em qualquer fase do processo ou até mesmo estando em curso o inquérito policial.

Se a insanidade mental sobrevier no curso da execução da pena, será determinada a perícia médica, e, reconhecida, será o réu internado em manicômio judiciário, ou, à falta, em outro estabelecimento ade­quado, onde lhe seja assegurada a custódia. Vejam-se, a propósito, os arts. 154 do CPP e 183 da Lei de Execução Penal.

O exame será sempre ordenado pelo Juiz, de ofício ou a requeri­mento do órgão do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado. Se a dúvida sobre a integridade mental do réu surgir na fase do inquérito, poderá também a Autoridade Policial fazer representação ao Juiz no sentido de se determinar a realização da perícia psiquiátrica.

Se o Juiz determinar a realização do exame, nomeará curador ao incapaz e, se a ação penal já se iniciou, determinará o sobrestamento do feito, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adi­amento. Cumpre-lhe nomear 2 peritos da sua confiança para o exame. Após, determinará o Juiz seja aberta vista dos autos do incidente ao órgão do Ministério Público e, em seguida, ao curador nomeado, para a formulação dos quesitos. Nada obsta que o Juiz, também, formule os seus.

Compromissados os peritos (salvo se oficiais), o réu, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o Juiz designar.

Não se deve olvidar que os peritos não são bacharéis em Direito, e por serem alheios ao problema da inimputabilidade sob o aspecto legal, os quesitos devem ser formulados de maneira simples, abrangen­do os requisitos causais, cronológicos e conseqüências tanto do art. 26 do CP como do seu respectivo parágrafo e, se for o caso, do art. 28, § 1 º, do CP e 19 da Lei Antitóxicos. Podem ser assim formulados:

a)O réu (ou indiciado) era, ao tempo da ação ou omissão, 14-7- ..... , portador de doença mental?

b)Em caso positivo, qual a doença?

c)Em caso negativo, apresentava ele desenvolvimento mental incompleto (silvícolas inadaptados) ou retardado (oligofrênicos e surdos-mudos)?

d)Em virtude da doença mental, ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era ele inteiramente incapaz de entender caráter ilícito do fato que cometeu?

e)Se era capaz de entender, estava, contudo, inteiramente inca­pacitado de determinar-se de acordo com esse entendimento?

f)Negativo o primeiro quesito, era o agente, à época do fato. portador de perturbação da saúde mental?

g)Em virtude dessa perturbação, tinha ele a plena capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação?

h)Negativos o 1 º, o 4 º, o 5 º e o 6 º quesitos e afirmativo o 3 º, em virtude do desenvolvimento incompleto ou retardado, tinha ele, à época do fato, a plena capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação?

Na hipótese de estar a pessoa sob o efeito de substância entorpe­cente, os quesitos, por força do que dispõem os arts. 45 e 46 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006, podem ser assim formulados:

a) O paciente era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão de dependência?

b) Se não era inteiramente incapaz, tinha ele a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? (Se era inteiramente incapaz, fica isento de pena. Se não era, mas. por outro lado, não possuía a plena capacidade, poderá ter a pena redu­zida nos termos do art. 46 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006.)

c) O paciente, quando da prática do fato ilícito, estava sob o efei­to de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, proveniente de caso fortuito ou força maior?

d) Positiva a resposta, indaga-se: e no estado em que se encontra­va era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

e) Positivo o 3.° e negativo o 4.°, formular-se-á um quesito seme­lhante ao 2 º.

E se a doença mental sobrevier à condenação, pelo que dispõe o art. 183 da Lei de Execução Penal, pode haver a substituição da pena por medida de segurança. Até aí nada de anormal. Contudo, como ob­servou o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pela voz au­torizada do eminente Des. Dante Busana, referida medida de segurança substitutiva da pena não pode ser superior a esta (RT, 640/294). Assim é de aplicar-se a regra do § 2º do art. 682 do CPP, a despeito de tacita­mente revogado pela Lei n. 7.210, de 11-7-1984. Ainda, que, uma vez apresentado o laudo, não fica o Juiz a ele vinculado. Poderá aceitá-lo ou rejeitá-lo. Nos termos do art. 157 do CPP, o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova. Por outro lado, sendo ele o peritus peritorum (perito dos peritos), à evidência não ficará adstrito às conclusões dos experti, tal como dis­põe o art. 182 do CPP, podendo, inclusive, ordenar nova perícia por outros peritos.

9. JURISPRUDÊNCIA

Jurisprudência TRT 13ª Região   -   Texto Integral   -   Processo NU.:  00778.2000.005.13.00-8

ACÓRDÃO - PROC. NU.: 00778.2000.005.13.00-8 AGRAVO DE PETIÇÃO AGRAVANTE: INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
AGRAVADOS: CEF - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNCEF - FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS E OUTROS


E M E N T A: AGRAVO DE PETIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA RECOLHIDA
INDEVIDAMENTE. DETERMINAÇÃO PARA DEVOLUÇÃO. JURIDICIDADE. Reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições elencadas no artigo 195, I, "a", e II, da Magna Carta, essa deve se
estender às questões incidentes surgidas no curso do processo executório, a exemplo de recolhimento indevido, ou a maior, de verbas previdenciárias. Verificando-se que, na hipótese sub judice, o recolhimento foi indevido, já que a não-incidência das contribuições previdenciárias havia sido declarada anteriormente por sentença irrecorrida, correta a decisão judicial que determina à autarquia previdenciária a devolução do valor creditado a tal título.

"Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo de Petição, provenientes da 5ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 00778/2000, ajuizada por ALIDE LOURENÇO DA SILVA e OUTROS em face da FUNCEF - FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS E CEF - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. O Juízo a quo, em decisão de fl. 311, considerando que houve pedido de renúncia formulado pelos reclamantes e o recolhimento antecipado de contribuição previdenciária correspondente ao crédito trabalhista, determinou ao INSS que procedesse à devolução dos valores indevidamente percebidos, colocando-os à disposição do Juízo, no prazo de quinze dias. Irresignado, o órgão previdenciário interpôs agravo de petição às fls. 314/317, afirmando que a quantia refere-se à antecipação dos valores devidos pelos reclamantes a título de contribuição previdenciária devida, de acordo com o parágrafo único do artigo 876 da CLT, em decorrência de decisões proferidas pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo. Requer, portanto, a reforma do despacho agravado, para quitar a execução previdenciária, extinguindo, conseqüentemente, o processo. A Caixa Econômica Federal apresentou contraminuta às fls. 321/323, pela manutenção do ato judicial vergastado. A Procuradoria Regional do Trabalho, em parecer às fls. 327/328, da lavra do Exmo. Procurador Márcio Roberto de Freitas Evangelista, opina, preambularmente, pela retificação da autuação, para que passe a figurar, como agravada, apenas a Caixa Econômica Federal; pelo conhecimento e provimento do agravo, a fim de que, 'reformada a decisão de fl. 311, se afaste a cobrança, neste processo, do valor que, segundo o Juízo a quo, foi indevidamente pago ao INSS a título de contribuições previdenciárias, ficando ressalvada, no entanto, a possibilidade de, em ação própria, a ser proposta perante a Justiça do Trabalho, a agravada (CEF) perseguir a repetição do indébito em face do INSS'." É o relatório, aprovado em sessão.

V O T O


Inicialmente, acompanho o parecer do Ministério Público, no sentido de reautuar o feito, para que conste, como agravada, apenas a Caixa Econômica Federal - CEF, uma vez que o recolhimento das contribuições previdenciárias foi efetuado por esta entidade. Tratam os presentes autos de agravo de petição contra despacho prolatado pelo Juízo de primeira instância, que determinou ao INSS proceder à devolução de recolhimento efetuado indevidamente pela CEF - Caixa Econômica Federal, na Reclamação Trabalhista nº 778/2000, em tramitação junto à 5ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB. Considerando, pois, que estamos diante de incidente no bojo de processo executório, ou seja, decorrente de cumprimento de sentença trabalhista, reafirmo posicionamento no tocante ao reconhecimento da competência desta Justiça Especializada, para decidir acerca do pedido de restituição dos valores indevidamente recolhidos. É a conclusão a que se chega a partir do artigo 114, caput, in fine, da Constituição Federal. Acrescento, ainda, que, com o advento da Emenda Constitucional nº 20, foi adicionado, ao preceito constitucional sob enfoque, um terceiro parágrafo, redigido nestes termos:

"Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir."


Dessa forma, o que já se encontrava implícito no caput do artigo 114 da Magna Carta — tanto que dera ensejo à elaboração de diversas leis, dispondo acerca da competência em comentário, v.g., a de nº 8.260/93, que trouxe nova redação ao artigo 43 da Lei 8.212/91 — tornou-se, agora, expresso, diante do parágrafo acima transcrito.
Neste passo, é válido arrematar: se compete à Justiça do Trabalho a execução das contribuições previdenciárias previstas nos artigos 195, I, a, e II, da Magna Carta, não refoge, também, à sua alçada as questões incidentes porventura surgidas no curso de tal execução. Em prosseguimento, para melhor expor a solução que julgo adequada à presente lide, mister retroceder algumas passagens registradas nestes autos, na forma que abaixo segue. O único pedido formulado pelos nove reclamantes, na presente ação, referente a abono salarial previsto em norma coletiva, foi provido através da sentença às fls. 144/147, complementada pelo acórdão às fls. 220/228. Liquidada a sentença (fl. 250) e homologados os respectivos cálculos (fl. 252), foi citada uma das executadas, Caixa Econômica Federal (certidão à fl. 255), que depositou o valor de R$ 27.890,49 (fl. 256), garantindo integralmente a execução. Os embargos à execução ofertados em prosseguimento foram acolhidos (decisão à fl. 269), determinando o órgão sentenciante reparos na conta impugnada "para fins de expurgar o cômputo das parcelas previdenciárias ali consignadas", com base no disposto no art. 195, II, da Constituição Federal, que ressalva, de forma expressa, a incidência de contribuições previdenciárias sobre aposentadorias e pensões, como no caso dos autos.
Esta decisão - é importante frisar - transitou em julgado, após dela serem intimadas as partes exeqüentes e executadas (notificações às fls. 272, 273 e 276).
Em seguida, alguns dos reclamantes, através de sucessivas petições (fls. 277/278, 283/284, 288, 289, 298, 299 e 304), noticiaram ao Juízo a renúncia ao crédito exeqüendo e postularam, em conseqüência, a extinção da execução, com o assentimento das executadas no próprio corpo dos respectivos arrazoados.
O Juízo de primeiro grau deferiu, então, esses pedidos e determinou o pagamento proporcional da dívida ao restante dos exeqüentes (despacho à fl. 293), o que foi cumprido (fls. 294/296). Ocorre que ao calcular o valor devido aos exeqüentes remanescentes (fl. 294), o setor de liquidação da Vara, inadvertidamente, fez computar o percentual que entendia devido a título de contribuição previdenciária, esquecendo-se que a sentença que julgou os embargos à execução - irrecorrida - havia determinado justamente o oposto. Ato contínuo, sem que qualquer das partes fosse notificada, a Secretaria do Juízo procedeu ao depósito da referida quantia, à conta do INSS, como registra a guia à fl. 296. Pois bem, é aqui que tem início a discussão que importa ao presente recurso. Detectando o equívoco, a Juíza Roberta de Paiva Saldanha despachou, em 26.07.2002, nos seguintes termos:

"Analisando-se as petições retro, verificou o juízo que a Secretaria procedeu ao depósito dos valores devidos ao INSS antes do recebimento, por parte dos autores, dos seus créditos, que é o fato gerador da existência do crédito previdenciário. A atenção da Secretaria para que este procedimento não se repita. Oficie-se ao INSS, através de sua Procuradoria, com cópia deste despacho, para que coloque os valores recolhidos na guia de fl. 296 (cópia seguirá o ofício), à
disposição deste Juízo, eis que indevidamente recolhida (...)."


A questão estaria bem resolvida caso a autarquia previdenciária reconhecesse o equívoco e estornasse para a conta à disposição do Juízo o valor que lhe fora indevidamente creditado. Mas não. Considerando que a quantia estava em seu poder, espantosamente preferiu peticionar nos autos alegando que deveria ser dada por "quitada a execução com relação à contribuição previdenciária em favor do exeqüente (sic), tudo na melhor forma do direito e de Justiça aplicável à espécie".
O Juízo repeliu tal procedimento no despacho à fl. 311, consignando que, sendo o crédito previdenciário acessório do crédito trabalhista, não haveria que se falar em quitação daquele, ante o pedido de renúncia deste, formulado pelos obreiros. Determinou a magistrada, então, que o INSS procedesse à devolução dos valores indevidamente percebidos, no prazo de quinze dias. É contra essa decisão, enfim, que o INSS agrava (fls. 314/317). Aduz que a quantia refere-se à antecipação dos valores devidos pelos reclamantes a título de contribuição previdenciária, devida, de acordo com o parágrafo único do artigo 876 da CLT, em decorrência de decisões proferidas pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo. Pugna, assim, pela reforma do despacho agravado, para quitar a execução previdenciária, extinguindo o processo.
Feito este breve retrospecto, fica patente a total impossibilidade de se dar provimento ao presente recurso, por um motivo extremamente simples. Nada obstante a Juíza fundamente a necessidade de devolução da quantia indevidamente disponibilizada ao INSS no fato de que houve a renúncia do crédito trabalhista por parte dos exeqüentes, o que extinguiria, também, por óbvio, ante a acessoriedade, o crédito previdenciário, passou-lhe despercebido que há um aspecto muito mais importante, que é a decisão dos embargos à execução (fl. 269), transitada em julgada, determinando a não-incidência de contribuição previdenciária sobre o crédito dos reclamantes/exeqüentes. De tal modo, resta estéril e despropositada qualquer tentativa do INSS em se arvorar como legitimado a permanecer com o crédito em questão. Na verdade, a sua insistência nesse sentido pode perfeitamente ser caracterizada, a olhos mais rigorosos, como litigância de má-fé. Pois bem, em análise ao recurso do INSS, o ilustre Juiz Relator Vicente Vanderlei Nogueira de Brito, no que foi seguido pelo não menos ilustre Juiz Revisor Edvaldo de Andrade, lhe dá parcial provimento para que o Juízo a quo adote providências "no sentido de se proceder à compensação das contribuições indevidamente recolhidas com importâncias a serem descontadas em recolhimentos previdenciários, vinculando os valores retidos ao presente processo, para o fim de saldar o crédito da recorrida CEF". O insigne Relator se inspira em solução idêntica encontrada no julgamento do processo AP nº 0666/2000, e cita o artigo 66 da Lei nº 8.383/91, que autoriza que o contribuinte compense em recolhimentos futuros de idêntica natureza os tributos ou contribuições federais recolhidos aos cofres públicos indevidamente ou em valor maior que o correto. Por essa perspectiva, o Juízo ficaria encarregado de deixar de recolher as contribuições previdenciárias devidas em outros processos em que figurasse como executada a CEF, até se compensar o valor indevidamente depositado para o INSS nestes autos. Ao passo que o Ministério Público do Trabalho, em parecer às fls. 327/328, da lavra do Procurador Márcio Roberto de Freitas Evangelista, reforçado pelas razões aduzidas na sessão do dia 10.09.2003 pelo Procurador Rildo Albuquerque Mousinho de Brito, entende que deve ser dado provimento ao recurso do INSS para se afastar, neste processo, "a cobrança do valor que, segundo o Juízo a quo, foi indevidamente pago ao INSS a título de contribuições previdenciárias, ficando ressalvada, no entanto, a possibilidade de, em ação própria, a ser proposta perante a Justiça do Trabalho, a agravada (CEF) perseguir a repetição do indébito em face do INSS". Segundo se pode entender da posição do Ministério Público do Trabalho, a decisão da Juíza em determinar o estorno da quantia indevidamente disponibilizada ao INSS caracterizaria uma inversão dos pólos da execução, passando o INSS a figurar como executado, o que não seria possível, pois não há título executivo a embasar tal procedimento.
Data máxima vênia, entendo que nenhuma das duas soluções faz justiça ao caso.
Permito-me, em primeiro lugar, passar ao largo da discussão quanto a ser devido ou não o recolhimento da contribuição previdenciária, pois, como já ficou bem claro na presente exposição, e tanto Relator como o Ministério Público assim reconhecem, o recolhimento foi indevido. Essa conclusão seria suficiente para desacolher o recurso do INSS, já que apenas fundado na legitimidade do recolhimento. Mas, então, se reconhece que o recolhimento foi indevido, qual a razão para desconstituir a decisão de primeiro grau que determinou a devolução da quantia? A minha crítica a ambas as posições acima descritas - com intenso respeito, é importante consignar - relaciona-se unicamente ao fato de que não se está atentando para um aspecto primordial: o recolhimento não foi procedido nem pelos exeqüentes nem pelas executadas, mas pelo próprio órgão judiciário, através de sua Secretaria. Não há ninguém mais a quem se possa imputar o erro.
Assim sendo, não se pode aderir à postura bíblica de Pilatos de se "lavar as mãos", priorizando as especificidades técnico-processuais em detrimento do pronto ressarcimento ao prejuízo causado à parte. Pergunta-se: é justo que se imponha à executada Caixa Econômica Federal o ônus de ajuizar ação de repetição de indébito para reaver quantia que não foi ela quem inadvertidamente depositou sem ser devida? É de boa política judiciária determinar que o Juízo de primeiro grau, doravante, fique de prontidão a aguardar, em outros processos, a oportunidade de se compensar o malfadado recolhimento presente?
Entendo, por oportuno, que, no caso em tela, não se deva lançar mão do prefalado art. 66 da Lei nº 8.383/91, já que ali o permissivo da compensação é dirigido ao contribuinte que extrapola ou erra o depósito, enquanto, no caso em tela, esse engano, como já se disse, foi do próprio Juízo, devendo ser corrigido instantaneamente nos próprios autos, e não administrativamente. Insista-se mais uma vez para o fato de que não se trata da reposição de uma quantia recolhida a maior ou regularmente deferida e mais tarde subtraída por reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão, mas da devolução pura e simples de um valor que jamais deveria ter sido disponibilizado, e que só o foi por um descuido funcional da Secretaria da Vara. Não encontro explicação para que o INSS venha até o presente se furtando da devolução da quantia em comento, quando deveria ter devolvido o valor de forma espontânea, tão logo constatado o equívoco, já que é evidente a antijuridicidade do depósito. Afigura-se imprescindível a imediata reversão ao statu quo ante sob pena de se protrair uma situação, como dito na contraminuta da executada (fls. 321/323), de enriquecimento sem causa.
E não se venha alegar óbices de caráter operacional para proceder à devolução, já que o INSS não os opõe, via de regra, no pagamento de valores de benefícios por complemento positivo, ou mesmo diante dos requisitórios de pequeno valor expedidos, por exemplo, no âmbito dos Juizados Especiais da Justiça Federal.
Além do que, o próprio Poder Executivo prevê a restituição de valores indevidamente recolhidos para a Previdência Social, como, sem qualquer dúvida, resta expressamente previsto pelo Decreto nº 3.048/99, que no art. 247 dispõe, in verbis:

"Somente poderá ser restituída ou compensada contribuição para a seguridade social, arrecadada pelo Instituto Nacional do Seguro Social, na hipótese de pagamento ou recolhimento indevido."


Resta ainda infirmar a suposta impossibilidade de executar valores recolhidos indevidamente, em face da ausência de título executivo judicial, como expôs o Ministério Público. De fato, não se está aventando ou defendendo a possibilidade de deflagrar uma execução contra o INSS, mesmo porque, como bem disse o Parquet, inexiste título executivo para tanto. O que há nos autos é sim, uma determinação judicial a ser cumprida, fulcrada, inclusive, no inciso III do art. 125 do Código de Processo Civil, quando dispõe que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições daquele diploma, competindo-lhe prevenir ou reprimir qualquer ato contrário ou atentatório à dignidade da Justiça. Por outro lado, na atual fase processual, os autos não apontam a existência de execução de contribuições previdenciárias, e nem poderiam, já que a incidência destas fora desconstituída na sentença dos embargos, não havendo que se falar, portanto, em inversão dos pólos do processo executivo. Trago à colação, em abono ao que se expôs, julgado recente do TRT da 14ª Região, Processo 00042.1994.121.14.40-7 (AIAP 005/2002), relatado pela Juíza Elana Cardoso Lopes Leiva de Faria, publicado no DOJT14 em 08.08.2003, cujo dispositivo restou assim vazado:

"DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. É competente a Justiça do Trabalho para decidir matéria atinente à restituição de valores recolhidos indevidamente à Previdência Social, advindos de erros nos cálculos judiciais, à luz do artigo 247, do Decreto nº 3. 048/99, aplicado analogicamente ao presente caso. Agravo de petição provido."


A certidão de julgamento, que mais interessa ao presente caso, restou assim vazada:

"ACORDAM os Juízes do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade, conhecer do agravo de instrumento. No mérito, dar-lhe provimento para determinar o recebimento, processamento e julgamento do agravo de petição de fls. 224/226. Conhecer do agravo de petição. No mérito, por maioria, dar-lhe
provimento, para declarar a competência da Justiça do Trabalho para
decidir a matéria atinente à restituição de valores recolhidos indevidamente à Previdência Social, advindos de erro de cálculos judiciais, determinando a realização de nova atualização dos cálculos judiciais, excluindo da base de cálculo as parcelas indenizatórias, e após, seja oficiado ao Instituto Nacional do Seguro Social para adotar as providências necessárias à restituição dos valores apurados,
devidamente atualizados, sob pena de execução; vencido, no particular,
o Exmo. Juiz Relator. (...)" (sem grifos no original)


Portanto, deve permanecer a determinação da Juíza de primeiro grau para que o INSS proceda à devolução dos valores indevidamente percebidos, colocando-os à disposição do Juízo, no prazo de quinze dias. Pois, em se decidindo de forma contrária, estar-se-á, inclusive, contribuindo para o desprestígio da autoridade judiciária.
Isto posto, nego provimento ao recurso. ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, por unanimidade, determinar a reautuação do feito para que passe a figurar como agravada, apenas, a Caixa Econômica Federal - CEF; MÉRITO: por maioria, negar provimento ao recurso, vencidos os Juízes Relator e Revisor, que lhe davam provimento parcial para determinar ao Juízo a quo a adoção de providências no sentido de se proceder à compensação das contribuições indevidamente recolhidas, com importâncias a serem descontadas em recolhimentos previdenciários, vinculando os valores retidos ao presente processo, para o fim de saldar o crédito da recorrida (CEF), devendo ser notificado o procurador da entidade autárquica aludida. João Pessoa, 12 de novembro de 2003.



AFRÂNIO NEVES DE MELO

Juiz Vice-Presidente no exercício da Presidência


FRANCISCO DE ASSIS CARVALHO E SILVA

Juiz designado para redigir o acórdão

JOSÉ NETO DA SILVA

Procurador Regional do Trabalho

PUBLICADO NO DJ/PB EM 02.03.2004

10. CONCLUSÃO

As questões e processos incidentes estão definidos no CPP, do art. 92 ao art. 154. São matérias que exigem um exame anterior ao julgamento do mérito.

O CPP trata das questões prejudiciais e das questões incidentes. No entanto, o CPP não se ocupou das preliminares. De acordo com o art. 3º do CPP, nas omissões do CPP é possível recorrer à analogia, aos costumes, à jurisprudência e, subsidiariamente, ao CPC.  

A preliminar é sempre de Direito Processual, é uma questão que subordina o processo, não tem relação com o Direito Material. A prejudicial tem relação com o Direito Material, ela envolve o conteúdo da pretensão, é um pressuposto do julgamento do conteúdo.

Resolver a prejudicial autoriza julgar o pedido, mas não condiciona o resultado. Não se trata de um pré-julgamento do mérito; é simplesmente a remoção de um obstáculo que impedia a visualização do mérito.

 As questões incidentes alteram o curso do processo. Toda vez que uma matéria, exigindo exame antes do julgamento do mérito, modifica o curso do procedimento, teremos um incidente. Trata-se de um questão anterior que desvia do rumo original do procedimento.

As exceções podem ser opostas no prazo da resposta do réu. Cada vez que a parte opõe uma exceção o processo modifica o seu curso. Elas serão autuadas em apartado, apensadas, terão um processamento e precisarão ser examinadas antes que o processo chegue ao seu final.

Elas são um meio processual que serve para um controle dos pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo ou das condições da ação. Além das condições da ação, existem os pressupostos processuais. No entanto, existem ainda pressupostos de desenvolvimento válido e regular. Sem eles, não é possível examinar o mérito. É um pressuposto do processo que o juiz seja imparcial. A competência do juízo também é um pressuposto para que o processo se desenvolva validamente . Daí a possibilidade de excepcionar alegando a incompetência do juízo.

 Também existe a possibilidade de suscitar incompatibilidades e impedimentos (art. 112), ou conflito de competência (art. 113 – neste dispositivo o CPP se utiliza uma nomenclatura antiquada: "conflito de jurisdição").

 Pode haver também a necessidade de pedir a restituição de alguma coisa apreendida, que também é um incidente processual. O procedimento, neste caso, se dará na forma do art. 118 e seguintes.

 Há outros incidentes além da restituição de coisas: medidas assecuratórias (arts. 125 e seguintes), são, na prática, os incidentes processuais mais importantes, pois são verdadeiras medidas cautelares; incidente de falsidade (arts. 145 e seguintes); incidente de insanidade mental do acusado (arts. 149 e seguintes).

 Há ainda os incidentes de falsidade (art. 145 a 148). Podem ser referente a documentos (conceito de documentos em sentido amplo e em sentido estrito), tem como finalidade impugnar o documento tido como viciado, fazendo-se a prova de que não é ele autêntico, não corresponde à verdade, ou seja, não tem valor probatório; envolve a falsidade material (contrafação, alteração) e a falsidade ideológica.

Do incidente de insanidade mental: a culpabilidade, ou juízo de censurabilidade, ou de reprovabilidade, traz, engastada, a imputabilidade. Imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser atribuída a prática de fato punível. O Código Penal não define a imputabilidade, apenas diz quando o agente é inimputável. Havendo dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do MP, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal (art. 149); a instauração pode dar-se ainda na fase inquisitorial (art. 149, § 1º). O incidente é processado em autos apartados, que somente serão apensados aos do processo principal após a apresentação do laudo (art. 153).

É necessário sanar toda e qualquer questão incidente, sob o risco de influenciar a prejudicial.

11. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1)MIRABETE, Júlio Fabrini, Processo Penal, Atlas, 1999;

2)NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, RT, 2002;

3)TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal, Saraiva, 6. ed., 1989;

4)TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, Saraiva, 1996.

5)___________, Manual de Processo Penal, Saraiva, 9ª ed. 2007.