Questionamentos sobre o Habeas Corpus 126.292

Por Amanda Cavalcanti Dantas | 22/06/2018 | Direito

SINOPSE DE CASE[1]

 

Amanda Cavalcanti Dantas[2]

Anne Andrews Rocha de Lima[3]

José Cláudio Cabral Marques[4]

 

  1. DESCRIÇÃO DO CASO

 

O novo entendimento firmado pelo Superior Tribunal Federal (STF) com o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126.292 inova o ordenamento jurídico e traz a tona diversos questionamentos e polêmicas a respeito do cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. O Habeas Corpus 126.292 trouxe para o ordenamento jurídico o entendimento de que é possível a execução provisória nos casos em que já há condenação em segundo grau, ou seja, a partir do mencionado HC, recurso especial e recurso extraordinário contra decisão de segundo grau não mais possuem efeito suspensivo automático. Com isso, questiona-se sobre a colisão entre princípios constitucionais.

 

2  ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR AS RESPOSTAS

  1. No caso em debate, na colisão entre os princípios da Proibição de Excesso e Proibição de Proteção Deficiente, qual deve prevalecer?

 

O Princípio da Proibição de Excesso é uma espécie de vertente do “superprincípio” da Proporcionalidade e tem como escopo limitar os arbítrios da atividade estatal, ou seja, o princípio busca vedar a atuação abusiva, os excessos, do Estado. Dessa forma, o princípio atua como um limitador da tutela penal.

Nesse mesmo sentido, o princípio da Proibição de Proteção Deficiente também é uma modalidade do “superprincípio” da Proporcionalidade. Aduz o doutrinador Nestor Távora (2016) que a proteção do cidadão pode ser feita tanto de maneira vertical como de maneira horizontal. A proteção vertical é aquela que visa à proteção contra os arbítrios do próprio Estado; e a proteção horizontal funciona como “garantia contra agressão de terceiros, ‘no qual o Estado atua como garante eficaz dos cidadãos, impedindo tais agressões’” (TÁVORA; ALENCAR, 2016, p. 74).

Dessa forma, temos que: “o espaço de atuação do legislador está sempre entre dois polos bem distintos entre si: a proibição contra os excessos praticados contra o indivíduo – a proteção aqui é em seu favor – e a proibição de proteção deficiente em prol do indivíduo a ser tutelado – a proteção aqui e do restante da sociedade ou de indivíduos isoladamente” (RANGEL, 2015, p. 202).

Se analisarmos sob o ponto de vista do Princípio da Presunção de Inocência, também chamado de princípio da não-culpabilidade, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, veremos que ela determina claramente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Segundo Nucci, tal dispositivo “reforça, ainda, o princípio penal da intervenção mínima do Estado na vida do cidadão, uma vez que a reprovação penal somente alcançará aquele que for efetivamente culpado” (2014, p. 34).

Nesse mesmo sentido, o artigo 283 do Código de Processo Penal prevê que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

 Ou seja, analisando tais dispositivos, percebemos que Estado, nessa decisão, agiu excessivamente, visto que a privação de liberdade é medida excepcional, devendo ser decretada somente em últimos casos, daí o porquê do Direito Penal agir somente como ultima ratio. A decisão do Habeas Corpus 126. 292 só pode ser considerada desproporcional e inconstitucional, ferindo de maneira expressa o artigo 5º da nossa Carta Magna (o princípio da presunção de inocência), bem como o princípio da Proibição do Excesso.

De maneira diversa, se analisarmos sob o ponto de vista do Princípio da Proibição da Defesa Deficiente, veremos que, aqui, a proteção visa o restante da sociedade ou de indivíduos isoladamente, como já abordado anteriormente. Ou seja, o mencionado princípio permite que o juiz utilize meios adequados para que a lei seja cumprida. A partir da análise dos fatos, o juiz tem a possibilidade de preencher falhas normativas nos casos em que elas se mostrarem insuficientes para a proteção da sociedade (GAVIÃO, 2008).

O Ministro Teori Zavascki, com sabedoria, aduz em seu relatório do HC 126.292 que é necessário buscar equilíbrio entre o princípio da presunção de inocência “e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal”.

Além disso, temos que os recursos constitucionais (recurso especial e recurso extraordinário) não têm efeito suspensivo automático, ou seja, não podem impedir o cumprimento de mandado de prisão. Dessa forma, fica superada a alegação de que falta fundamento para a execução provisória.

Nesse sentido, o Ministro Teori Zavascki aduz que

com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990 (HC 126.292/SP, de 17/02/2016).

 

Dessa forma, fica claro que, por não ser mais possível o reexame de fatos e provas, é possível a relativização do princípio da presunção de inocência. O que será matéria dos recursos constitucionais (especial e extraordinário) são apenas questões de matéria de direito. Assim, de acordo com esse novo entendimento, se contra a decisão de segundo grau, os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo automático, é possível, sim, a execução provisória se já houver condenação em segundo grau. Devendo, prevalecer, assim, o princípio da proibição da proteção deficiente.

 

  1. As regras e o respeito aos direitos de cada um devem ser flexibilizados em prol do interesse coletivo?

As regras e o respeito de cada um não devem, necessariamente, ser flexibilizados em prol do interesse coletivo, mas podem ser flexibilizados, ou seja, é possível. Deve haver ponderação, proporcionalidade.

O princípio da proibição da proteção deficiente visa proteger justamente a sociedade ou indivíduos isolados, ou seja, o interesse coletivo, bem como o interesse de pessoas isoladas. Considera tal princípio que “o Poder Judiciário também comete inconstitucionalidade quando deixa de proteger de forma apropriada e suficiente determinado bem jurídico de dignidade constitucional” (STRECK, 2009, p. 105).

No caso em questão, apesar de não haver mais dúvida quanto à autoria e a materialidade do fato, visto que já houve decisão condenatória proferida no segundo grau e que, a partir desse ponto, não é mais possível o reexame de fato e provas, ainda há dúvida quanto à legalidade ou constitucionalidade da decisão. Dessa forma, também deverá ser levado em consideração, ou seja, deverá também ser ponderado o princípio da presunção de inocência, respeitando que “in dubio, pro reo”.

  1. O judiciário deve ouvir o clamor público?

O judiciário deve ouvir o clamor público, deve estar atento a este, entretanto não se pode

confundir “clamor público” com a histeria e raiva desaçaimada de certas autoridades que, para se tornar o centro de atenções, dão a determinados fatos comuns (e que ocorrem em todas as comarcas) uma estrondosa e ecoante divulgação, com a indefectível cooperação espalhafatosa da mídia, sempre ávida de divulgar o drama, o infortúnio e a desgraça alheias, esbanjando hipérboles (TOURINHO FILHO, 1999, p. 529).

 

Ou seja, o Judiciário não pode deixar-se ser influenciado pelo clamor público. O Estado deve agir sempre imparcialmente, não podendo ser influenciado por opiniões alheias, que muitas vezes são frutos de mídia sensacionalista.

 

  1. Houve afronta ao art. 283 do CPP e do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal?

Se for considerada a literalidade dos artigos, sim, é possível dizer que houve afronta contra eles. Entretanto, como mencionado acima, é necessário levar em conta que os recursos constitucionais (especial e extraordinário) não possuem efeito suspensivo, ou seja, não há impedimento para que ocorra a execução provisória.

Adicionando a isso, como aduz o Ministro Teori Zavascki (e como já mencionado anteriormente), é necessário que se encontre um equilíbrio entre o princípio da presunção de inocência (previsto nos artigos 283 do CPP e também no art. 5º, LVII, da CF) e a efetividade da função jurisdicional penal. O Estado deve proteção não só ao acusado, mas também à sociedade.

  1. A demora nos julgamentos e o sistema recursal do CPP geram sensação de impunidade?

Certamente que sim. É sabido que o Poder Judiciário é moroso, o que, para quem está de fora, ou seja, para a sociedade, isso é sinônimo de impunidade.

Sendo esse um dos argumentos que levou a esse novo entendimento firmado pelo STF com o HC 126.292. Sobre isso, um estudo sobre o impacto no sistema prisional brasileiro da mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a execução da pena antes do trânsito em julgado no HC 126.292/SP demonstra que

é possível verificar argumentos preocupados com a efetividade da justiça criminal e com os riscos da impunidade ­ econômica e socialmente seletiva ­ decorrente da espera pelo trânsito em julgado para execução. Devendo a pena de prisão aguardar o exaurimento de todas as instâncias para ser executada, aqueles réus com condições financeiras que os permitissem financiar longos e arrastados processos judiciais teriam a prerrogativa de aguardar anos em liberdade pela punição cabível pelos crimes que cometeram. Em alguns casos, tal espera pode acarretar até na prescrição da pretensão punitiva, como já aconteceu no passado. No mesmo sentido, réus com baixo poder aquisitivo estariam mais submissos à prisão diante da ausência de recursos para financiar advogados e recursos judiciais em série (HARTMANN et al, 2016, p. 6).

 

Esse é o entendimento de grande parte da população brasileira. A demora do processo penal causa a sensação de impunidade, o que, de certa forma, fez com que o entendimento do STF alterasse.

 

  1. Haverá impacto no sistema carcerário?

Certamente que sim. Com esse novo entendimento, mais pessoas serão presas, visto que antes mesmo de haver trânsito em julgado já terão suas execuções provisórias decretadas. Com isso, pessoas que ainda têm possibilidade de terem suas prisões consideradas ilegais ou inconstitucionais já serão encarceradas. Além disso, haverá impacto financeiro, visto que mais recursos deverão ser encaminhados para o sistema carcerário brasileiro para dar o devido suporte.

 

  1. Qual a melhor política criminal a ser adotada pelo Estado brasileiro para solucionar esse impasse?

Deve-se buscar por uma política criminal que vise à celeridade do processo penal, sem que prejudique direitos dos acusados bem como os direitos da sociedade ou de pessoas atingidas isoladamente. Juntamente com o Legislativo, o Judiciário deve buscar meios que reduzam e que inibam principalmente prazos e recursos que são meramente protelatórios.

 

Referências Bibliográficas
 

BRASIL. Código de Processo Penal (1941). Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Disponível em:  < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 16 out. 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

GAVIÃO, Juliana Venturella Nahas. A proibição de proteção deficiente. In: Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, nº 61, maio/2008/out./2008. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2016.

HARTMANN, Ivar A. et al. O Impacto no Sistema Prisional Brasileiro da Mudança de Entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre Execução da Pena antes do Trânsito em Julgado no HC 126.292/SP. Disponível em: < https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2831802>. Acesso em: 16 out. 2016.

HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe: 17/05/2016. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2016.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal / Paulo Rangel. – 23 ed. – São Paulo: Atlas, 2015.

STRECK, Maria Luiza. Direito penal e Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal / Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar – 11. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

 

[1]          Case apresentado à disciplina Direito Processual Penal II da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2]             Acadêmica do 7º período do curso de Direito da UNDB.

[3]             Acadêmica do 7º período do curso de Direito da UNDB.

[4]          Professor, orientador.

 

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