Questão de ética

Por NERI P. CARNEIRO | 22/03/2016 | Filosofia

Questão de ética

Já nos acostumamos a falar que os políticos de nosso país são corruptos. Dizemos, também, que o povo brasileiro é tão corrupto quanto os políticos contra os quais esbraveja. Alguns teóricos, ao analisar o comportamento da população, falam em dupla moral: um comportamento para a vida pública pelo qual as pessoas, quase ostensivamente, cumprem as regras e normas e todos os princípios da moral socialmente aceita. E outro comportamento para o âmbito particular e privado, pelo qual o indivíduo age pensando apenas nos seus interesses particulares, desrespeitando toda e qualquer norma e convenção estabelecida pela sociedade.

Nesse ponto recordo-me da seguinte historia que fala de uma pescaria inesquecível, propondo uma reflexão sobre retidão moral.

Pai e filho foram pecar no lago, próximo de onde viviam. Sabiam que a temporada de pesca só começaria no dia seguinte. Pescariam, portanto, apenas o que a lei permitia.

Lançaram seus anzóis e, mais do que pescar, contemplavam a natureza e o luar que prateava as águas. De repente o menino percebeu havia pescado algo. Depois de logo tempo conseguiu erguer o anzol onde ainda se debatia um enorme peixe. Mas era um daqueles que só poderiam ser pescados depois de iniciada a temporada de pesca.

Admiravam o peixe quando o pai olhou para o relógio: ainda faltavam duas horas para a meia noite, quando oficialmente começaria a temporada. Abraçando o filho, disse:

- Você tem que devolvê-lo às águas, filho!

- Mas, papai.... – reclamou o menino.

- Vai aparecer outro – insistiu o pai.

- Não tão grande quanto este – choramingou a criança.

O garoto olhou à volta. Não havia outros pescadores ou embarcações à vista. Novamente olhou para o pai. Não havia testemunhas. Mas a firmeza da voz do pai indicava que se tratava de uma inegociável. Tirou o peixe do anzol e o devolveu às águas.

Novamente em seu mundo, o peixe fez um rápido movimento, desapareceu. O menino sabia que nunca mais o veria.

Os anos se passaram e o menino, agora pai, leva seus filhos para pescar no mesmo lago, sempre dentro da temporada permitida. Mas nem ele nem seus filhos jamais conseguiram pescar novamente aquele enorme peixe. E ainda hoje, quando reconta sua história a seus filhos, acrescenta a lição inesquecível, ensinada pelo pai: fazer o que é certo não porque tem alguém olhando, mas porque é o correto a fazer”.

Esta historinha nos propõe refletirmos sobre um princípio da ética e do comportamento moral: fazer o que deve ser feito. Esse é um imperativo moral. Deixar de fazer o que é necessário que se faça é uma afronta à moral. É um erro fatal para com a vida social.

Por qual motivo deve-se fazer o que tem que ser feito? Apenas porque é a coisa certa. É necessário fazer o que é certo não porque tem alguém vendo ou testemunhando, mas porque é a coisa certa a fazer. Isso significa que fazer a coisa certa porque tem alguém observando não é o correto, pois, nesse caso, não se está fazendo o que se tem que fazer, mas o que a testemunha quer ver. O ato está sendo realizado não porque possui um valor mas porque sua realização renderá um elogio, uma aprovação, um reconhecimento, um benefício pessoal.

O menino da nossa história queria isso: não o benefício de ficar com o peixe, mas de poder ficar com o peixe que ainda não podia ser pescado. Não queria o peixe, mas fazer o que não podia ser feito.

Parece-nos que este é um dos grandes problemas de nosso país. É o nosso problema: Nós e os políticos queremos as vantagens e não os valores. Queremos os benefícios e não fazer o que tem que ser feito.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filosofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura- RO