Quem decide o bem e o mal?

Por Christiane Forcinito Ashlay Silva de Oliveira | 20/08/2009 | Filosofia

O que é a liberdade? O que é a autonomia e a heteronomia? Quem escolhe ou decide o bem e o mal? Sou o deus de mim mesmo? Há um Deus, ou natureza que se impõe naturalmente? Questões estas as quais desenvolverei abaixo e que são pertinentes no campo da ética nos dias de hoje.

Vivemos em um mundo cheio de paradoxos, porém inicialmente quero refletir esta questão com uma história que me foi confiada e a qual espanta muitos que lêem, pois o personagem principal deste pequeno fato não era um personagem qualquer. Ele era uma personalidade singular justamente por não representar um paradoxo dentro de si. O texto eu encontrei no blog de um grande amigo de extrema confiança chamado Jorge Ferraz. Vamos aos fatos:

[O texto abaixo me foi gentilmente enviado pelo Rodrigo Pedroso, por e-mail. Lembrei-me imediatamente dos últimos dias de vida de um outro grande inimigo da Igreja, Antonio Gramsci, cuja possível conversão às portas da morte foi noticiada recentemen[1]te. Já havia lido sobre a conversão de Voltaire[2]e; sei que é controversa. No entanto, aqui vale o mesmo que foi dito sobre a conversão de Gramsci: é próprio de a Igreja abraçar os penitentes que um dia A perseguiram. Todos os homens - Voltaire inclusive - precisam da Igreja; e certamente Ela esteve de braços abertos a esperá-lo até o último suspiro.]

"Voltaire não terminou seus dias como ateu. Terminou-os como um desesperado.

No início de sua longa agonia, Voltaire mandou ao abade Gaultier o seguinte bilhete:

Vous m'aviez promis, Monsieur, de venir pour m'entendre; je vous prie de vouloir bien vous donner la peine de venir le plus tôt que vous pourrez. Signé Voltaire. A Paris, le 26 février 1778.

Dias depois, ele ditou ao seu secretário e assinou, perante duas testemunhas (o abade Mignot, seu sobrinho, e o Marquês de Villevielle), a seguinte declaração, que foi registrada nos arquivos de M. Momet, tabelião público em Paris:

Je soussigné declaré qu'étant attaqué depuis quatre jours d'un vomissement de sang, à l'âge de quatre-vingt-quatre ans, et n'ayant pu me traîner à l'église, M. le curé de Saint-Sulpice ayant bien voulu ajouter à ses bonnes ouvres celle de m'envoyer M. Gaultier, prêtre; je me suis confessé à lui; et que si Dieu dispose de moi, je meurs dans la sainte Église catholique où je suis né, espérant de la miséricorde divine, qu'elle daignera pardonner toutes mes fautes; si j'avais jamais scandalisé l'Église, j'en demande pardon à Dieu et à elle, 2 mars 1778. Signé Voltaire, en présence de M. l'abbé Mignot mon neveu, et de M. le marquis de Villevielle mon ami.

Depois de assinada a declaração por Voltaire e pelas duas testemunhas, ele ainda ditou mais essas palavras:

M. l'abbé Gaultier, mon confesseur, m'ayant averti qu'on disait dans un certain mode que je protesterais contre tout ce que je ferais à la mort, je déclare que je n'ai jamais tenu



[1] http://januacoeli.wordpress.com/2008/11/26/conversao-de-gramsci/

[2] http://www.veritatis.com.br/article/3059

ce propos; et que c'est une ancienne plaisanterie attribuée dès longtemps très faussement à plusieurs savants plus éclairés que moi.

Com o consentimento de Voltaire, o abade Gaultier levou a declaração assinada e registrada em cartório ao vigário de St.-Sulpice e ao arcebispo de Paris, para saber se era retratação suficiente para lhe poder dar a absolvição sacramental.

Quando o abade Gaultier retornou com a resposta, foi impedido de aproximar-se do moribundo por seus "amigos", entre eles D'Alembert e Diderot, que passaram a controlar rigidamente o acesso de qualquer pessoa ao doente.

Duas testemunhas da agonia de Voltaire, seu medico M. Tronchin e o marechal de Richelieu, narram que seus últimos dias foram dolorosos e cheios de desespero. Segundo Tronchin, "les fureurs d'Oreste ne donnent qu'une idée bien faible de celles de Voltaire". Angustiado pelo remorso, alternativamente invocava e blasfemava o nome de Deus em altos gritos: "Jésus-Christ! Jésus-Christ!". O marechal de Richelieu narrou sua agonia nas Circonstances de la vie et de la mort de Voltaire e nas Lettres Helviennes.

Voltaire morreu no dia 30 de maio de 1778. Seu corpo, vestido com roupas de mulher e disfarçado de inválido, foi levado numa carruagem; ao seu lado, um empregado cuja função era mantê-lo na posição. A essa carruagem eram atrelados seis cavalos, de tal modo que as pessoas pensassem que alguém rico viajava. Outra carruagem a seguia, na qual viajavam o abade Mignot, sobrinho de Voltaire, e outros dois primos seus. Viajaram durante toda a noite, e no dia seguinte chegaram à abadia de Scellières. O abade Mignot apresentou ao prior da abadia a declaração de Voltaire acima referida e a resposta do vigário de St.-Sulpice, considerando-a retratação válida. Foi rezada missa de corpo presente e realizado o sepultamento.

Os "amigos" de Voltaire, todavia, sustentaram desde aquela época, que a declaração por ele assinada e registrada em cartório não era sincera, mas apenas um meio de que ele se valeu para que não se recusasse o seu corpo sepultura em cemitério cristão. Com certeza, talvez saibam a verdade apenas no dia do Juízo.

Os dados sobre a morte e o sepultamento de Voltaire encontram-se no tomo XII de uma revista francesa da época, Correspondance Littéraire, Philosophique et Critique, que circulou até 1793."[1]

Está na página 87 do tomo XII da revista Correspondence littéraire, philosophique et critique, editada pelos iluministas Barão de Grimm e Diderot.

A declaração começa no finzinho da página, continuando na página seguinte da revista. [2]

 

Não há como se conter diante um relato tão paradoxal de um personagem extremamente singular do iluminismo como Voltaire, porém diante isso percebo o quanto nós humanos diante esta questão entre autonomia e heteronomia estamos enganados. Queremos ser autônomos, mas ao mesmo tempo não somos humildes o suficientes para concluir o quanto precisamos de alguém ou "alguma coisa" que nos guie.

Voltaire que viveu a "práxis" iluminista e foi reverenciado por todos exatamente por isso e a qual Nietzsche o denominou como "O maior libertador da humanidade"[3] acreditem o arauto da autonomia mais pura da reedição do pecado original, este também sucumbiu no final aos braços do Pai. Deísta, pois afirmava que a razão até podia chegar á um conhecimento de um conceito puro de deus e acabava edificando-o em um ser inconcebível e a partir daí o conhecimento não pode avançar. Voltaire ainda afirma que se Deus não existisse seria necessário inventa-lo, isto é, ele resume sua ética e sua autonomia na frase onde diz que "a questão do bem e do mal é um caos inextricável para os investigadores sérios"[4].

No livro "A escada dos fundos da filosofia – A vida cotidiana e o pensamento de 34 filósofos" há uma passagem na página 174 onde o autor conta que a vida de Voltaire foi tão confusa (autônomo...) que quando velho morando em seu castelo com 160 serviçais este ainda continuava confusa ele escreve: "Habituei-me com a desordem do corpo e da alma.".

Kant é outro exemplo que a meu ver vende a fé cristã como um sistema positivo de valores, ou seja, uma moral menos inconveniente que parece mais fácil.Este sistema ético de Kant acaba por si só oferecendo uma ética, ou melhor, uma autonomia ilusória, pois o homem não é livre para criar a lei. A lei é criada por Deus e livremente aceita ou não pelos homens. A ética não está dentro de mim (o imperativo categórico de Kant), isto é, não é apenas uma questão pequena de intenção subjetiva. A ética abrange muito mais que isso!

Uma outra questão dentro desta "pseudo-autonomia" kantiana consiste em demonstrá-la de maneira negativa, isto é, ele parte da premissa onde diz: "não faça aos outros aquilo que não quer que te façam" quando na ética religiosa está de maneira bem positiva: "Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles" (Mt 7,12).

Refletindo ainda em autonomia e heteronomia nos dias de hoje podemos enquadrá-la em várias questões do homem, pois esta o guia em sua ética no pensar e agir. A liberdade incondicional do livre arbítrio, por exemplo, se opõe ao determinismo, porém nos dias de hoje o livre arbítrio é colocado em dúvida em relação à autonomia do homem. Nos dias de hoje o homem quer ser autônomo e ao mesmo tempo ter o livre arbítrio, ou seja, está havendo confusão no conceito de liberdade e igualando este ao um "individualismo solitário".

Liberdade significa antes de tudo compromisso e intersubjetividade, isto é, a heteronomia é um presente divino na qual devemos aproveitar da mesma maneira como aproveitamos quando ansiosos pela resposta de uma questão que nos atormenta vamos atrás de um professor, orientador visando tirar esta "noite escura da alma" e quando este lhe é revelado, ou seja, esta dúvida sanada tudo fica mais claro. E a autonomia aliada à heteronomia consiste justamente nesta liberdade de controlar a si mesmo usando seu livre arbítrio na escolha do bem e quando estiver na dúvida procurar um bom conselho.

CONCLUSÃO

Concluindo este singelo trabalho penso que nossa sociedade de alguma forma ainda com tudo que já passou e com certa ignorância reinante possui dentro de si a semente que a faz da ética ser a arte do Bom, ou seja, é fato para todos independente de crença que a ética trás consigo uma motivação intrínseca que alavanca não só a pessoa que age como a outra que recebe a ação.

Esta motivação pode de alguma forma contribuir para que amado, desejado e praticado venha a ser conhecido por um estudo mais sistemático aquilo que em si já pode ser conhecido por intuição.

Tudo isso pode ser um caminho longo se pensarmos em nível de sociedade, porém se esta arte do bom que cria a beleza engendra o amor e realiza a vida pode também através da heteronomia fazer-nos alcançar a autonomia não importa quanto tempo leve desde que tudo converge para o bom, o belo e o verdadeiro.



[1] http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k23431g/f90.item

[2] http://januacoeli.wordpress.com/2008/12/03/os-ultimos-dias-de-voltaire-por-rodrigo-pedroso/

[3] WEISCHEDEL,W.A escada dos fundos da filosofia, pg 175.

[4]WEISCHEDEL,W.A escada dos fundos da filosofia ,pg 180.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia sagrada. São Paulo: Paulinas, 1989.

FRANCA, Pe. Leonel. Noções de história da filosofia, 20 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969.

MARCHIONNI, Antônio. Ética: a arte do bom. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

SADA,Ricardo; MONROY,Alfonso. Curso de teologia moral. 2 ed. Lisboa: Rei dos livros, 1989.

WEISCHEDEL,Wilhelm. A escada dos fundos da filosofia – A vida cotidiana e o pensamento de 34 grandes filósofos. 5 ed. São Paulo: Angra, 2006.