QUANDO OS LIMITES LIBERTAM
Por sebastião maciel costa | 16/01/2024 | EducaçãoQuando os limites libertam
Um dos maiores desafios do homem moderno é saber filtrar o que de bom o passado nos deixou, seja por meio das conquistas, desafios ou dissabores que o fizeram refazer trechos de caminhos. De posse desse resultado, a análise do que precisa ser mudado para a produção de novos passos, adição de novos olhares, ampliação de perspectivas. Se falhar nessa avaliação entre perdas e ganhos, os passos seguintes serão incertos. Pais e filhos estão no centro dessa operação. Afinal, não se pode imputar a quem não conhece a responsabilidade por qualquer resultado. Pai faz, filho vê; filho vê, pai explica; filho entende, família avança, entra na escola e se prepara para o mundo. Os limites que definem o nível de convivência, invariavelmente determinam os destinos das sociedades.
Nesse universo, levantam-se as questões que envolvem o comportamento social que oscila ao sabor das pesquisas, das conquistas e descobertas que vão, aos poucos, distanciando o homem, dos valores; a verdade, da mentira; a direita, da esquerda; o certo, do errado, o real, do virtual; o ensinar, do aprender; o ter, do ser.
Considerando ainda, que os limites da vida, nem sempre são impostos, tampouco respeitados, no momento em que a leitura de símbolos se torna difusa frente à experiência da leitura de mundo, a palavra escrita se reveste de alguns tabus. Esses pontos nos levam a um passado onde ler era o lazer, era o fazer, era o sentir, era o orientar, o encaminhar, o determinar, era a realização de sonhos e possibilidades que mantiveram a espécie humana à frente das demais.
Na história das histórias, o tempo se torna tão escasso que não se vive o suficiente para aprender tudo com as suas experiências, mas sim, aprender com a experiência do outro. Assim, entram as analogias a textos e experiência de outras épocas, de outras espécies, de outras sociedades: abordam-se “vivências”, fábulas e relatos que nos chamam à reflexão sobre problemas que o ser humano precisa resolver visando ao melhor horizonte para tantos quantos dependam do estudo, aprendizado e conhecimento como ferramentas que estão, invariavelmente à altura das nossas mãos. Um rol de enredos que envolvem ludicidade e humor abordam os desafios que são enfrentados por quantos têm sobre seus ombros o dever de manter, instruir e formar seres humanos, pelo menos humanos.
“A serpente e o vagalume” formam um relato fabular que nos remete a questões que merecem reflexão no que diz respeito à distância existente entre o que se discute em um diálogo e a compreensão necessária para que, de fato, o diálogo se efetive. Em se valendo de ilustrações textuais, somos remetidos para o espaço que é referência nos processos de formação da criança, adolescente e jovem do hoje, como passaporte para o homem do futuro. E, na prática do estudar, aprender, ensinar a vencer, reforça-se a necessidade de cada um assumir o seu papel de formador: primeira escola, a família; segunda família, a escola.
Hoje, mais que nunca, o professar é mister que exige muito mais do profissional docente, afinal de contas, em muitos casos, ele precisa educar e ensinar; ouvir e explicar, disciplinar e acolher, ser rigorosamente suave. Voltando aos textos fabulares e anedotas do universo popular, tem-se a seguinte lição, por meio de uma ANEDOTA: O Zequinha escreveu numa redação para a escola que o gato não “cabeu” no buraco. A professora, de castigo, mandou-o escrever 20 vezes no quadro a palavra “coube”. Quando ele terminou, a professora contou as palavras e comentou: -Mas tu só escreveste 19 vezes, Zequinha, -É que a outra já não “cabeu”, senhora professora.
Para a professora foi surpreendente o resultado de sua prática: é possível que em outros tempos e circunstâncias a “punição” dada ao aluno tenha surtido resultados positivos. Mas e preciso que se discutam os meios para que a lição do professor seja absorvida pelo aluno, de modo natural, pacífico e, se possível, prazeroso com o sabor de conquista, de obtenção, de vitória para os dois agentes do processo ensino x aprendizagem. Essa mesma “anedota” reflete os métodos que muitas vezes, os pais, na sua luta diária pela manutenção da família, no atendimento de suas necessidades, impõem determinados limites que ao invés de incentivar a criança a buscar autonomia e protagonismo, agem como punição, castigo ou barreiras para o seu crescimento. Assim posto, cabe ao adulto, rever sua prática, seu olhar, seu agir em favor da conquista. Primeiro do ser humano, depois do aprendiz; primeiro da criança, depois do jovem adulto Justificando o porquê de o garoto dizer ‘cabeu”, em vez de coube, confirma o que se discute há muito tempo: a criança repete o que ouve, o que vê, o que lhe serve de lição.
Assim, uma lógica se confirma; Cada aluno traz para a escola um rol de conhecimentos prévios que, muitas vezes, vêm de encontro às regras, normas e condutas professadas por aqueles a quem cabe transmitir conhecimentos em nome da promoção humana e social. E, quando há embates entre aquele que precisa aprender e aquele a quem cabe ensinar, os resultados são previsíveis. Fechando o ciclo desse raciocínio dos limites e dos lados que precisam ser definidos, os limites são nervuras de um processo finito. Com os avanços obtidos e confirmados pela competência humana surgem vários e imperiosos conflitos que estabelecem um distanciamento entre o que o ser precisa ser para ter que o merece ter. É como se, de repente, uma inversão de valores passasse a determinar os rumos das relações humanas, comprometendo o que há de vir.
Onde começa o limite do início e o limite do fim? Vamos supor uma cena onde jovens universitários, se preparando para enfrentar o mundo do trabalho e do empreendedorismo promovam uma festa sem limites nas letras das músicas, nos ritimos e passos de dança, no uso das bebidas e dos vícios, nas atitudes liberais de intimidades físicas, comum nos dias de hoje, quando filmadas e postadas em redes sociais chocam os adultos, os pais, os mais velhos. Diante da incompreensão de tais atitudes, com pessimismo, os pais se questionam: - Esses são os profissionais que comandarão o mundo? Serão os médicos, engenheiros, advogados e juízes do futuro? SIM. Esses serão os protagonistas do futuro. Mas o problema não está no futuro. O problema é resultado dos filhos que estamos criando com limites não definidos, ou sem limites; limitando-os a si mesmos, inibindo possiblidades, fechando caminhos, comprometendo a vida.
Como alternativa para que sejam revistos os limites, caminhos e métodos de educação e do ensino urge que todos os olhares devem estar voltados para o passado, retomando as práticas, reestudando procedimentos, refazendo caminhos no presente, para que mesmo sem olhar sejam alcançados resultados positivos no futuro, com menos traumas, menos cicatrizes, menos mágoas, mais saberes, mais conhecimentos, mais limites definidos, não como barreiras, mas como guarda-corpos, guarda-mentes, guarda-espíritos, segurança.
Consta que em uma determinada cidade do interior um comercial da antiga empresa de transporte urbanos trazia uma foto de uma idosa com um belo sorriso e, logo abaixo de sua foto, a frase: “Sempre juntos, na mesma direção!’. Aquele apelo comercial nos remete a uma série de questionamentos que nos remetem ao momento em que se vive. Muito forte reconhecer que juntos somos mais fortes. Mas, como andar juntos por caminhos tão adversos? Como fazer com que aqueles históricos diálogos entre avós e netos saiam do diálogo pelo diálogo e produzam a compreensão necessária para que seus interlocutores alcancem, de modo salutar e harmônico, o mesmo fio condutor, o mesmo objetivo, ainda que por falares dicotômicos? Não indo tão distante, aquele diálogo tradicional entre pais e filhos perde-se em seus próprios conceitos já que a vida impõe um ritmo tão frenético, que cada um, do seu jeito, luta para cobrir suas próprias agendas, incluindo aí o tempo “roubado” pelas redes sociais.
Se entre os membros de uma mesma família, que precisam estar juntos pelos ideais de se tornarem únicos, a compreensão e o diálogo ficam, cada vez mais escassos, como esperar que na escola, na rua, no lazer, esses eixos basilares das chamadas sociedades evoluídas se façam presentes? Suponha-se que nem tudo está perdido, mas pode ficar. Retomando às anedotas, como se faziam com as parábolas, um grupo de pais discutiam como as letras das músicas de hoje, cheias de construções com duplo sentido, com palavras que nem sempre devem ser ditas em público, com insinuações e gestos tidos como apelativos, eram produzidas com tanta frequência em todas as grades musicais que povoam o universo da juventude, invariavelmente, de todos os níveis sociais. Um dos pais, tido como um dos mais severos do grupo acusava abertamente os produtores de tais textos, músicas ou shows que terminam por “envenenar” a mente dos jovens para aderirem a tais práticas. Esses “desnaturados” certamente não têm filhos, a censura deveria proibir que as produções fossem publicadas, de qualquer seleção musical feita nos dias de hoje 80% das músicas precisam ser proibidas pois são impublicáveis. Um outro pai, depois de ouvi-lo atentamente contestou: não se vende o que não tem saída, não se produz em grande escala nenhum produto que não tenha consumidor garantido. Aí a resposta: não produziriam músicas com duplo sentido se não houvesse cabeças vazias de filhos mal formados, de alunos que na escola da vida não tiveram a oportunidade de “curtir” clássicos da músicas popular, com letras e ritmos dignos de qualquer ambiente, de qualquer espaço, para todas as idades.
Se juntos somos mais fortes, nossos limites precisam ser bem definidos. Não cabe à criança entender o caminho a seguir, até porque não são quaisquer caminhos que podem nos levar a qualquer lugar, mas o caminho define a segurança do horizonte que os adultos precisam vislumbrar para os seus. É o limite dos limites que definem a liberdade do agir dentro do seu espaço, do seu mundo.
- Sebastião Maciel Costa