QUANDO O ERRADO VIRA DUVIDOSO: Processo Cautelar e Procedimentos Especiais

Por Elioenai Araújo Mendonça | 12/09/2017 | Direito

QUANDO O ERRADO VIRA DUVIDOSO: Processo Cautelar e Procedimentos Especiais

Elioenai Araújo Mendonça

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

 

Na residência do Sr. Bisão estava sendo construído um  sobrado. Entretanto, por conta dessa nova construção, Sr. Bisão foi acionado judicialmente por meio de uma ação com “obrigação de fazer ou não fazer” pela defensoria pública, pois a construção do sobrado estaria desrespeitando o direito de vizinhança.

Noutra monta, o NPJ em representando o Sr. Bisão alegou uma preliminar usando do argumento de falta de interesse de agir. Isto porque a ação que a defensoria usou era de procedimento comum, e o CPC/73 detinha uma ação com especialidade para atende o caso em foco.

Passados cinco anos e sem resolução do caso, a ação especifica que deveria ter sido usada não existe mais no atual Código de Processo Civil.

Diante do exposto questiona-se: Como o juiz deve apreciar a preliminar apontada?

 

2 POSSÍVEIS DECISÕES

2.1 O juiz pode apreciar a preliminar alegada pelo NPJ, sendo favorável ao feito e por conseguinte, deferir a tal.

 

2.2 O juiz pode apreciar a preliminar alegada pelo NPJ, não sendo favorável ao feito e por conseguinte, indeferir a tal.

 

3 QUESTÕES SECUNDARIAS

3.1 Quais os fundamentos jurídicos utilizados para justificar a questão anterior?

3.1.1 Deferimento da preliminar

De acordo com o exposto no presente caso o juiz deve deferir a o pedido da preliminar. Primeiramente é importante apresentar que ao tempo da propositura da ação estava em vigência o Código de Processo Civil (CPC) de 1973, e que possuía uma ação especifica ao caso em tela. Entretanto, por desatento da parte contraria, não foi interposta tal ação, e em seu lugar foi usada uma ação de procedimento comum com um pedido de antecipação de tutela. Visto que anteriormente não cabia a defesa da matéria pelo modo como foi proposto a ação, sabemos que a prestação jurisdicional feita por meio de processo tem a necessidade de preenchimento de requisitos indispensáveis a sua existência. Dito isto, e trazendo tal raciocínio para o caso em questão, não se percebe um dos requisitos essências a condição da ação que é o interesse de agir, pois o instrumento utilizado pelo autor deve ser adequado, o que não ocorre, visto que a Defensoria Pública utiliza-se de uma ação de “obrigação de não fazer com pedido de antecipação de tutela” quando deveria ter observado o procedimento adequado que seria a ação de Nunciação de Obra Nova a época do Código de Processo Civil de 1973. (BRASIL, 1973; THEODORO, 2016). Tal exposto reafirma o deferimento da preliminar.

 

3.1.2  Indeferimento da preliminar

Através da vigência do Código de Processo Civil de 2015, trouxe a premissa de maior aproveitamento dos atos processuais, não se atendo ao formalismo como impedimento para a continuidade do processo ou motivo maior da extinção deste. O processo civil passou a possibilitar a retificação de atos inadequados, tendo assim em ultima opção a nulidade processual.

Neste diapasão, relacionando com o caso em comento, a propositura da ação de obrigação de não fazer foi proposta de forma equivocada. Tal fato ocorre, pois no tempo da pretensão, caberia a ação de nunciação de obra nova, versando a matéria mais especificadamente. Entretanto, como disposto acima à apreciação do magistrado deve levar em consideração prezar pela conservação processual, não extinguindo o feiro pelo erro do rito através da ação proposta. Devido a isto, mesmo com a inadequação da ação interposta, o juiz deve analisar o caso concreto e evitar sempre a anulação pura e simples dos atos, buscando a adaptação mais adequada, e não a mera nulidade processual. (THEODORO, 2016)

 Como argumento de relação ao exposto acima, Donizzete preconiza, através do principio da instrumentalidade, a manutenção de atos inadequados mais cabíveis de aceitação, pela maior importância a matéria fática:

O princípio da instrumentalidade representa a ligação entre o direito processual e o direito material: as normas processuais têm de ser pensadas e aplicadas como técnica de efetivação do direito material [...] Embora não conste do capítulo principiológico do novo CPC, o princípio da instrumentalidade das formas também foi observado pela nova legislação (art. 188), que manteve redação semelhante ao CPC de 1973[...] Em sendo assim, o que o princípio da instrumentalidade buscará evitar é “o abuso doformalismo”,37 o fetichismo das fórmulas em detrimento da essência e finalidade dos atos processuais; quer dizer, buscará a efetividade processual. (DONIZETTI, 2016. p. 104-105)

 

Ainda, tendo como embasamento legal aos preceitos elencados anteriormente está o art. 283, parágrafo único, do Código de Processo Civil, o qual preceitua: "Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte" e o art. 188 do mesmo código, preceitua a instrumentalidade das formas: “Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. (BRASIL, 2015). Aproveitando o ensejo, através de julgado do STJ, o Ministro Claudio Santos, preleciona que o erro na escolha do procedimento não deve acarretar na invalidação do processo por inteiro, mas somente dos atos, que de forma alguma, puderem ser reaproveitados. (STJ, 1996). Corroborando tal entendimento a outro jurisprudência do STJ, que frisa-se: " o erro na forma do processo só não possibilita o aproveitamento dos atos praticados se dele resultar violação do direito fundamental ao contraditório". (STJ, 2006). Reafirma-se o caráter da continuidade processual e indeferimento da preliminar

 

3.2 Qual seria a ação que a defensoria deveria ter entrado na época?

Tendo como base o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 e o caso tratando de uma construção de um sobrado que estaria desrespeitando o direito de vizinhança, a ação prevista pelo CPC/73 é especificamente a ação de nunciação de obra nova. Tal ação dispõe em seu art. 934 CPC/73:

Art. 934. Compete esta ação:

I - ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho Ihe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado;

II - ao condômino, para impedir que o co-proprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum;

III - ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da lei, do regulamento ou de postura. (BRASIL, 1973)

 

Diante do caso em comento a feitura do sobrado estava prejudicando a proprietária do terreno que estava ao lado do imóvel onde estava sendo realização a nova obra. Desta feita enquadra-se expressamente no dispositivo citado.

 

3.3 Com o código novo, qual seria ação que deveria ser utilizada hoje e as consequências da não utilização no caso concreto?

A ação a ser utilizada hoje deveria ser a de Nunciação de Obra Nova com tutela antecipada. Tal ação tem como natureza o direito material de evitar a edificação de obra nova que causa dano, tendo o objetivo de embargar a obra em inicio. No entanto, há diferença com a ação de obrigação de não fazer, a qual visa o desfazimento do que já se foi feito ou concluído. Entretanto, como ao caso em tela não se tinha a finalização da obra, ressaltava-se o enquadramento para a matéria de embarga-la através da ação de nunciação de obra nova. (BRASIL, 1973, BRASIL, 2002)

Noutro sim, usar tal ação na atualidade, teria algumas consequências, visto que a mesma não se encontra mais no Código de Processo Civil de 2015. Ocorrerá que, a ação interposta seguirá o rito comum conforme o art. 318, e levando em consideração o lapso temporal entre o inicio da obra e a analise atual do caso (5 anos) pode a obra já ter sido finalizada. Em caso a obra já ter sido finalizada pelo decurso do tempo, cabe a conversão em ação demolitória, visto que ao tempo que o CPC possuía a ação de nunciação de obra nova, esta não foi proposta e invés dessa foi proposta ação de obrigação de não fazer (BRASIL, 2015; SCAVONE, 2016). Tal conversão encontra supedâneo no disposto abaixo:

Assim, segundo o mesmo lexicógrafo, nunciação de obra nova designa a ação que tem por finalidade intimar a pessoa que está construindo em prejuízo a interesse alheio, para que não continue com a construção. É uma forma de proteção aos direitos de vizinhança por obra abusiva ou ilegal através da cominação de multa (astreinte) com o intuito de paralisar a obra. É preciso observar que, após a conclusão, a obra não pode ser considerada nova. Portanto, não cabe o embargo da construção, mas, apenas a ação demolitória. [...]Concluída a obra, ainda que esteja na fase de acabamento, não é cabível a ação de nunciação, mas, apenas, ação demolitória, com o pedido de desfazimento da obra pronta. (SCAVONE, 2016. p.1025-1029)

 

No que se refere à cominação da ação com o pedido de tutela antecipada, torna-se visível à adequação desta tutela com fato da busca pela satisfação do direito através do risco de dano. Tal espécie de tutela de urgência difere da tutela cautelar, onde a ultima visa garantir o resultado útil do processo, como a garantia de uma penhora. Entretanto, como ao caso a finalidade não é garantia especifica do resultado útil do processo e sim da satisfação de um direito, visto que a outra parte corre risco de dano, reafirma-se o cabimento da espécie da tutela de urgência em se tratando de tutela antecipada de urgência. (CÂMARA, 2017)

4. CRITÉRIOS E VALORES

Os critérios utilizados no presente trabalho tiveram como base, princípios fundamentais do Direito Processual Civil, elencados no decorrer da pesquisa. Ainda, posições doutrinárias sobre o enquadramento do caso em questão. E como suplementação, posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça em Recurso Especial, para dar maior embasamento prático ao fato.

REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Dispões sobre o Novo Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 31 mar. 2017

31 mar. 2017

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Dispões sobre o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 31 mar. 2017

BRASIL. LEI Nº 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 31 mar. 2017

BRASIL STJ, Agravo nº 701.492 - RJ, rel. Min. Ari Pargendler, 3ª Turma, j. 07.08.2006, DJ 15.08.2006. Disponível em: . Acesso em 1 de abril de 2017.

BRASIL STJ, Recurso Especial nº 42.170-BA, rel. Min. Claudio Santos, 3ª Turma. j. 14.11.1995, DJ 26.02.1996. Disponível em: < http://dj.stj.jus.br/20120925.pdf>. Acesso em 1 de abril de 2017.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

DNIZETTI, Elpdio. Curso Didático de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2016                                                                                                                                   

THEODORO JUNIOR, Humberto. Novo Código de Processo Civil. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

SCAVONE JUNIOR, Luis Antonio. Direito Imobiliário – Teoria e Prática. 9ª ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016.

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