QUANDO O ERRADO VIRA DUVIDOSO (BASEADO EM FATOS REAIS)

Por LETICIA DE LIMA FARIAS | 25/11/2017 | Direito

SINOPSE: QUANDO O ERRADO VIRA DUVIDOSO (BASEADO EM FATOS REAIS) [1]

Letícia de Lima Farias[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

No caso em questão, Dona Florinda ajuizou ação de obrigação de não fazer com pedido de antecipação de tutela, em desfavor do Sr. Bisão, com o objetivo de sustar a construção de um sobrado, alegando o desrespeito ao seu direito de vizinhança. Em defesa do Sr. Bisão, o NPJ alegou em contestação falta de interesse processual uma vez que o CPC/1973 prevê uma ação específica para atender tal situação, a saber, a ação de Nunciação de Obra Nova. Diante dessas duas ações, questiona-se: Como o juiz deve apreciar a preliminar apontada?

2 POSSIVEIS DECISÕES

2.1 O Juiz aceita a questão preliminar, e extingue o processo sem resolução de mérito

Afirma-se que a razão de uma ação ter seu procedimento especial tem fundamentação em alguns objetivos, a saber, “a simplificação e agilização dos tramites processuais, a delimitação do tema e a explicitação dos requisitos materiais e processuais para que o procedimento especial seja eficazmente utilizado” (THEODORO JÚNIOR, 2014, p.03).

Com relação a adequação da forma ao objeto da pretensão material do litigante, a lei impõe a satisfação de requisitos materiais, e processuais, esse último consiste:

Em dados formais do procedimento especial, que costumam estar ligados a requisitos de forma e desenvolvimento válido do processo, e a falta desses requisitos conduz a extinção prematura, sem julgamento de mérito (THEODORO JÚNIOR, 2014, p.05).

A ação de Nunciação de obra nova no Direito Brasileiro, encontra-se disciplinada nos artigos 934 a 940 do Código de Processo Civil (1973), sendo classificada por esse e pela doutrina como ação de procedimento especial.

Segundo Alexandre Freitas Câmara (2014),

A ação enunciação de obra nova pode ser definida como a demanda que tem por objeto evitar o abuso de direito de construir, tutelando relações jurídicas de vizinhança, através da qual se pleiteia a paralisação de obra nova e a restituição das coisas ao estado anterior (CÂMARA, 2014, p. 433).

Assim, para alcançar uma eficácia do procedimento, e a adequação da forma ao objeto pleiteado, a autora da demanda deveria ter interposto a ação de nunciação de obra nova, para ter seu direito de vizinha satisfeito, uma vez que tal ação é a que se apresenta adequada ao caso descrito.

Observando que um dos requisitos formais não fora observado, o juiz deverá aceitar a questão preliminar levantada pelo NPJ, e extinguir o processo sem resolução de mérito.

 

2.2 O Juiz nega a questão preliminar, recebe a Ação de Obrigação de não fazer e dá prosseguimento ao processo

 

É válido afirmar que a ação de obrigação de não fazer, segue o rito do procedimento ordinário, e de acordo com Flávio Tartuce (2011) “consiste na abstenção de uma conduta, e o seu descumprimento ocorre quando o ato é praticado” (TARTUCE, 2011, p.292).  

De acordo com o Código de Processo Civil (2015), em seu artigo 536:

Art. 536.  No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial (BRASIL, 2015).

 

Assim, pode-se afirmar que a ação interposta pela Defensoria Pública, representando Dona Florinda, alcançara o resultado pretendido, pois de forma célere, impedirá o término da construção do sobrado do Sr. Bisão, ao ponto de assegurar o direito de vizinhança. Tal celeridade decorre da tutela antecipada, entendida por Cassio Scarpinella (2015) como “um instrumento processual vocacionado ao tutelar o próprio direito material, no caso de risco de dano ou perigo” (BUENO, 2015, p.223).

No que tange a alegação de falta de interesse processual, pelo fato da Defensoria Pública não adotar a Ação de Nunciação de Obra Nova, é possível dizer que a tese não se sustenta.

Partindo do pressuposto de que, o procedimento adotado pela Defensoria Pública corresponde a um erro na adoção de procedimento, o Código de Processo Civil (2015) deixa claro o princípio do aproveitamento dos atos processuais, em seu artigo 283, parágrafo único:

Art. 283.  O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais.

Parágrafo único.  Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte (BRASIL, 2015).

 

Na mesma linha de raciocínio Humberto Theodoro Junior (2014) afirma que, “a erronia de ritos não conduz inapelavelmente à invalidade do processo” (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 05), uma vez que a escolha do procedimento não cabe à parte, o juiz é quem determina o procedimento, a possível conversão, além de “proceder à adequação ao procedimento regular no momento em que for detectada a irregularidade, aproveitando-se os atos já praticados” (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 05).

A questão da fungibilidade das ações de procedimentos especiais é tratada na obra de Ernane Fidélis dos Santos (2011), da seguinte forma: “embora a lei preveja para a ação o procedimento especial, pode ser deduzida no procedimento ordinário. É o caso dos pedidos de proteção possessória” (SANTOS, 2011, p. 68) Complementado o raciocínio, tem-se a afirmação de Humberto Theodoro Júnior (2014): “o procedimento especial não é imposição absoluta” (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 06).

A ação de nunciação de obra nova, como já mencionado, trata de questões de propriedade e posse, ou seja, se encaixe na afirmação de Ernane Fidélis. Sendo assim, é possível afirmar que tanto o rito ordinário quanto o especial poderão ser seguidos para a resolução do conflito em questão. Não obstante a isso, vale ressaltar que não é vedada a parte autora a escolha de uma ação de procedimento ordinário no intuito de ampliação do debate, desde que não traga prejuízo (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 05).

Sendo assim, a ação interposta pela autora deverá ser recebida pelo juiz, e esse deve dar prosseguimento ao processo, e se achar necessário, poderá converter o procedimento ordinário em especial.

 

2.3 Questões Secundárias

 

Com o código novo, qual seria ação que deveria ser utilizada hoje e as consequências da não utilização no caso concreto?

O Código de Processo Civil (2015) extinguiu algumas ações de procedimentos especiais, entre elas a Ação de Nunciação de Obra Nova, assim, vale dizer que atualmente não há um substituto específico para a ação em questão.

Desta forma, partindo do pressuposto de que a ação fosse iniciada agora, deve ser processada uma ação ordinária com pedido de antecipação de tutela, assim, atenderia algumas peculiaridades, como a celeridade que o caso requer.

É válido afirmar, que a antecipação de tutela se mostra essencial ao caso, uma vez que a não interposição desta acarretaria uma demora no processo e consequentemente a obra se concluiria, ou seja, a ação perderia o objeto (o embargo ou impedimento da construção).

 

4 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO POSSÍVEL

 

4.1 O Juiz aceita a questão preliminar, e extingue o processo sem resolução de mérito

 

PROCEDIMENTO – o procedimento é requisito fundamental para que a pretensão do autor da demanda processual seja satisfeita.

 

ADEQUAÇÃO – A adequação da forma ao objeto pleiteado serve para alcançar a eficácia do processo.

 

4.2 O Juiz nega a questão preliminar, recebe a Ação de Obrigação de não fazer e dá prosseguimento ao processo

 

INTERESSE PROCESSUAL – A falta de interesse processual não pode ser reconhecida diante da escolha “errada” de rito procedimental, diante do princípio do aproveitamento dos atos processuais, a ação pode ser recebida e o juiz poderá converter o rito.

 

FUNGIBILIDADE – Principio que reconhece a troca de procedimentos facultada ao juiz, diante de situação pertinente.

 

REFERENCIAS

 

BRASIL. Código Civil/2002. Vade Mecum. 16 ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

BRASIL. Código de Processo Civil, 2015. Vade Mecum. 22 ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016

 

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil : inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei n. 13.105, de 16-3-2015. São Paulo : Saraiva, 2015.

 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil: vol 3 – São Paulo: Atlas, 2014.

 

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito Processual Civil, volume 3: Procedimentos Especiais Codificados e da Legislação Esparsa, Jurisdição Contenciosa e Jurisdição Voluntária – 14 ed – São Paulo: Saraiva, 2011.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011).

 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais – vol III – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

 

 

 

 

 

[1] Sinopse do case apresentado à disciplina Processo Cautelar e Procedim. Especiais do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 8º período, vespertino, do curso de Direito da UNDB.

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