Quando a Viúva Fica Sem Herança

Por Denis Farias | 19/06/2009 | Direito

Poderia parecer estranho e injusto concebermos a idéia de deixarmos uma viúva sem o seu quinhão hereditário. Contudo, no pais de jeitinho brasileiro, tudo tem que ser visto e revisto de lupa. Um fato curioso foi recentemente dado como findo pelo Superior Tribunal de Justiça. A esposa do herdeiro não tem direito a partilha de bens adquiridos durante a separação de fato, ainda que casada em comunhão universal de bens. O enredo fatídico deu-se nos autos de uma Ação Judicial de Inventário. O juízo monocrático, em uma atitude extremamente legalista admitiu a inclusão de uma viúva no inventário na qualidade de meeira para posteriormente partilhar os bens deixado pelo de cujus. Entretanto, os irmãos do falecido, tendo em vista que a viúva encontrava-se separada de fato do finado não achavam justo que a mesma tivesse parte na partilha, pois com a separação de fato o irmão deles adquiriu novos bens, porém não tomou o cuidado de promover a competente Ação de Divórcio para pôr fim definitivamente na relação marital. Dando início a empreitada, interpuseram recurso de Agravo para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Esse por sua vez negou provimento, entendendo ter a viúva direitos sobre a partilha, eis que continuava casada em regime de comunhão universal de bens. Inconformados os irmãos interpuseram Recurso Especial para o STJ, nos termos do art. 105, inciso III, alínea "c" da Constituição Federal. Tendo como núcleo da alegação o fato dos bens adquiridos após a separaçãode fato do casal não se comunicarem, mesmo que o casamento tenha sido celebrado em regime de comunhão universal de bens e não tendo ocorrido sentença de divórcio. Além disso, usaram a favor o fato de haver dissídio jurisprudencial no próprio STJ, com decisões contra e decisões a favor da viúva. O Ministério Público, acertadamente de parecer contrário a viúva, ressaltando que uma mulher separada de fato inclusive a há mais de seis anos não tem direito à meação de bens advindos de partilha realizada posteriormente à reação. Inclusive, diz que a ação da viúva repugna o direito e a moral.

Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, observando amplamente a lide, observaram processualmente que a Ação de Inventário, sendo um procedimento especial não possui propriamente decisão de mérito. Com o cálculoe a quitação do imposto causa mortis, etapas finais do procedimento, são resolvidas por decisão interlocutória do juízo de primeiro grau e as decisões que forem injustas e prejudicarem as pastes, podem ser questionadas pela via do Recurso de Agravo de Instrumento. Portanto a forma processual que os recorrentes usaram para reaver o direito estava perfeita.

Examinando o mérito do direito em debate, constava provado nos autos, que a quando da abertura da sucessão a viúva estava separada de fato do finado há mais de 06(seis) anos, período em que não subsistia mais a vida em comum. Cumpre-nos ressaltar que a separação de fato tem o viés subjetivo e objetivo. O objetivo é a separação em si, passando os cônjuges a viver em tetos distintos, deixando de cumprir o dever de coabitação, no mais amplo sentido da expressão. Já o elemento subjetivo é o animus, a vontade de dar como encerrada a vida conjugal, comportando-se como se o vínculo matrimonial fosse dissolvido. Nesse sentido o Ministro Luis Felipe Salomão, no papel de relator do caso em apreço, liderou o entendimento de que representa enriquecimento sem causa autorizar a comunicação, a partilha, dos bens adquiridos no período de separação de fato, sobretudo quando já transcorrido tempo necessário ao divórcio, nos termos do art. 40 da Lei 6515/77. Pois, nesse caso a viúva não participou da aquisição dos bens. Com a ruptura da vida em comum os acréscimos patrimoniais, normalmente, passam a ser amealhados individualmente, sem qualquer contribuição do outro cônjuge. Ao passo que a comunhão de bens, mesmo no regime de comunhão universal, pressupõe a colaboração recíproca de ambos os cônjuges. Esse entendimento está em perfeita simetria com o artigo 1.723, §1º do novo Código Civil, o qual autoriza a constituição de união estável entre pessoa casada e terceiro, desde que se encontre separada de fato. No caso em comento, o finado, mesmo legalmente vinculado pela comunhão universal de bens com a hoje viúva, estabeleceu união estável com terceira pessoa, que ante a inexistência de contrato escrito em sentido diverso, é regulado pelo regime de comunhão parcial de bens, por força do art. 1725 do Novo Código Civil. Portanto existe de formal latente uma incompatibilidade de manutenção dos dois regimes. O mesmo patrimônio estaria sendo duplamente comunicado, partilhado.

Com efeito, o condomínio patrimonial imposto pelo regime de comunhão universal de bens deve encerrar-se com a separação de fato, possibilitando o estabelecimento da união estável sem qualquer ônus e, por conseguinte, a plenitude do regime da comunhão parcial determinada pelo art. 1725. Desse modo, a comunhão de bens e dividas deve subsistir apenas durante o período de convivência do casal, cessando com fim da vida em comum, ainda que não oficializada mediante ação de separação judicial ou divórcio. Assim, a comunhão dos bens não podeser mantida no período da separação de fato, não tendo a viúva direito a meação sobre o quinhão hereditário. Contudo, deve-se respeitar a comunicação dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, que deverão ser partilhados pelos cônjuges em momento oportuno.

Denis Farias é advogado
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