PSICOPATIA E DIREITO PENAL: O LUGAR DO AUTOR PSICOPATA DENTRO DO SISTEMA JURÍDICO-PENAL

Por vanessa miceli de oliveira pimentel | 29/03/2016 | Direito

Resumo: Este artigo, baseado em pesquisa do tipo documental, visa a análise da responsabilidade penal do autor do delito portador de psicopatia. Com a presente pesquisa objetivou-se uma definição para o lugar desse autor dentro do sistema jurídico penal, a partir de revisão da bibliografia sobre a psicopatia apresentada pela Ciência Médica, bem como, sobre o elemento da imputabilidade, enquanto conteúdo da culpabilidade, à luz dos ensinamentos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais desenvolvidos pela Ciência do Direito Penal. O método de abordagem utilizado foi do tipo documental, analisando a questão a partir do tripé: doutrina, legislação e jurisprudência. Quanto à doutrina, buscou-se o entendimento de autores nacionais e internacionais. A legislação e decisões jurisprudenciais referem-se ao sistema jurídico penal brasileiro, no período de 2004 a 2014. A pesquisa demonstrou que o tratamento dispensado a esses indivíduos seria inadequado diante de problemas como elevados índices de reincidência. A ausência de um posicionamento demonstra a necessidade de enfrentamento da questão.

Palavras-chave: Psicopatia. Responsabilidade. Culpabilidade. Imputabilidade.

Abstract: This article, based on research of documentary type, concerns the analysis of the criminal liability of the offender bearer of psychopathy. The present work aimed to a definition of the place of this author within the criminal justice system, from review of the literature on psychopathy presented by the Medical Science, and on the liability element, while content of culpability in light of doctrinal, legislative and jurisprudential lessons developed by the Science of Criminal Law. The approach method used was the documentary kind, analyzing the question from the tripod: doctrine, legislation and jurisprudence. As for the doctrine, it sought the understanding of national and international authors. Laws and court decisions refer to the Brazilian criminal justice system in the period 2004-2014. Research has shown that the treatment of these individuals would be inappropriate in the face of problems such as high rates of recurrence. The absence of a positioning demonstrates the need to address the issue.

Keywords: Psychopathy. Responsibility. Culpability. Liability.

Sumário: 1. A psicopatia sob a perspectiva da Ciência Médica. 1.1. Definição de psicopatia. 1.2. Métodos para diagnóstico. 1.3. Tratamento. 2. A psicopatia dentro do sistema jurídico-penal. 2.1. A insuficiência dos critérios de imputabilidade diante do autor psicopata. 3. O lugar do autor psicopata. 3.1. A psicopatia como causa de imputabilidade. 3.2. A psicopatia analisada no caso concreto pelo magistrado. 3.3. A psicopatia como causa de semi-imputabilidade. 3.4. A psicopatia como causa de inimputabilidade. 3.5. Decisões sobre o tema psicopatia no Brasil.

Introdução

Enquanto Ciência Cultural, o Direito relaciona-se com as demais Ciências Sociais e Naturais a fim de poder compreender o comportamento humano, especialmente, diante de lacunas existentes no ordenamento jurídico. Exemplo disso são os questionamentos a respeito da psicopatia e do Direito Penal.

Insegurança no diagnóstico, inexistência de tratamento eficaz, manipulação dos benefícios concedidos nos sistemas prisionais, elevados índices de reincidência especialmente relacionados a crimes violentos, representação de perigo para a sociedade. Diante de todos esses fatores citados, dentre outros, questiona-se de que maneira o sistema jurídico-penal tem atuado frente ao fenômeno da psicopatia? Quais os critérios adotados para definir a presença ou não dos elementos que compõem a imputabilidade do agente considerado psicopata? Qual seria o lugar do autor psicopata?

A partir desses questionamentos principais, o presente trabalho aborda o tema da culpabilidade no fenômeno da psicopatia, delimitando-se na análise da responsabilidade penal do autor psicopata dentro do sistema jurídico-penal.

Objetiva-se uma definição para o autor do delito portador de psicopatia dentro desse sistema, procurando revisar a bibliografia sobre o fenômeno da psicopatia, a partir de considerações apresentadas pela Ciência Médica, bem como, revisar a bibliografia sobre o elemento da imputabilidade, enquanto conteúdo da culpabilidade para a responsabilização penal, à luz dos ensinamentos e posicionamentos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais desenvolvidos pela Ciência do Direito Penal.

O presente trabalho propõe a demonstração e análise de que o modo de tratamento e a localização do autor psicopata dentro do sistema jurídico-penal seriam inadequados e, considerando a problemática do tema acima suscitada, percebe-se a necessidade de um enfrentamento e a busca de alternativas para a questão.

  1. 1.      A Psicopatia sob a perspectiva da Ciência Médica

“A água e a navegação têm mesmo esse papel. Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer.” Michel Foucault (2013, p. 12)

Os estudos científicos a respeito do fenômeno da psicopatia permanecem ainda inconclusivos em relação a diversos aspectos, tais como: definição, métodos para diagnósticos, causas e tratamentos. Ademais, segundo Manuel Cancio Meliá (2013, p. 532), não está a psicopatia elencada pela ciência dentre as enfermidades ou anomalias mentais exaustivamente investigadas e descritas. Contudo, a sua existência é incontroversa e a insuficiência de um enfrentamento a respeito do tema e suas consequências, tanto para a sociedade quanto para o próprio indivíduo, demonstram a necessidade de um posicionamento. Desta feita, surge para a Ciência do Direito, especificamente, no ramo do Direito Penal, a necessidade de buscar definições, adequando aos seus conceitos jurídicos, a fim de regular as situações e conflitos que lhe são postos.

1.1.            Definição de Psicopatia

A palavra psicopatia poderia levar à impressão de que se trata de uma patologia, pois a partir de sua etimologia extrai-se o significado de doença mental (do grego, psyche=mente; e pathos=doença) (SILVA, A., 2008, p. 37). No entanto, do ponto de vista médico-psiquiátrico a psicopatia não se adequaria em uma visão tradicional das doenças mentais, tratando-se, na verdade, de uma espécie de transtorno na personalidade. Maria Fernanda Faria Achá (2011) ressalta que as suas características assemelham-se ao Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), contudo, este seria um diagnóstico médico, enquanto que aquele seria utilizado em contexto jurídico a fim de classificar sujeitos que apresentem tendências à prática criminal, insensibilidade afetiva e condutas antissociais. Nesse sentido, a palavra psicopatia, prossegue a autora, seria utilizada de maneira imprecisa até mesmo pela Classificação Internacional de Doenças (CID) ao trazer o termo “personalidade psicopática e sociopática” como sinônimos do distúrbio da personalidade dissocial – transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros.

O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V) incorporou a psicopatia descrevendo-a como transtorno de personalidade antissocial. No entanto, Robert D. Hare (2013, p. 40-41) explica que o transtorno refere-se a um conjunto de comportamentos criminosos e antissociais, enquanto que a psicopatia seria definida como um conjunto de traços de personalidade além dos comportamentos sociais. Assim, haveria diferença entre transtorno da personalidade antissocial e psicopatia, uma vez que esta não se define apenas por uma conduta antissocial, mas, sobretudo, por um transtorno emocional e afetivo que se caracteriza pela ausência de culpa e remorso.

Nesse aspecto, Hilda Clotilde Penteado Morana (2004) explica que transtorno da personalidade, transtorno antissocial e psicopatia são termos que se sobrepõem e todos implicam em um desajuste nas relações interpessoais, violência social e criminalidade com significativos níveis de reincidência. Além disso, a dificuldade em identificá-los deve-se ao fato de que tais sujeitos apresentam um comportamento normal, adequado, sendo excessivamente agradáveis ao convívio social, no entanto, com a finalidade de manipulação do outro. Seu mundo está, como ensina Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 576), marcado pelo utilitarismo e pragmatismo a fim de alcançar suas metas e então, o outro se torna descartável. Tal afirmação corrobora com a conclusão de Christian Costa (2014, p. 28), no sentido de que o indivíduo psicopata necessariamente precisará de outra pessoa para colocar em jogo suas habilidades de manipulação e manifestar seu comportamento.

Para o senso comum, a psicopatia se define pela ausência de sentimentos. Manuel Cancio Meliá a nomeia de “daltonismo moral”, afirmando que esses indivíduos não apresentam freios inibitórios quanto à realização de comportamentos desvalorizados socialmente. Assim, não se trata de sujeitos incapazes de compreender o certo ou errado, ou que não possam controlar suas ações, mas sim, indiferentes emocionais. A figuração do chamado “daltonismo moral” também é trazida na obra de Robert D. Hare ao afirmar que assim como as pessoas que não enxergam as cores, falta ao psicopata um elemento importante da experiência, qual seja, o aspecto emocional. Dessa forma, a título de comparação, do mesmo modo que o indivíduo que sofre de daltonismo aprende a respeitar a sinalização de trânsito dos semáforos, sem enxergar de fato as cores, o psicopata aprende a usar palavras, reproduzir gestos, expressões faciais e movimentos dos sentimentos, sem, contudo, experimentar o sentimento real (MELIÁ, 2013, p. 533). 

Segundo Robert D. Hare, eles seriam sujeitos manipuladores, arrogantes, mentirosos, impulsivos e que desrespeitam os desejos, direitos ou sentimentos alheios para sua própria satisfação, sendo os principais responsáveis por crimes violentos em todos os países. Caracterizam-se, conforme acrescenta Maria Fernanda Faria Achá (2011), por apresentar um padrão de comportamento regido pela falta de confiança e de sentimentos pelo outro, perda da empatia, vaidade excessiva, loquacidade, arrogância, manipulação, impulsividade, ausência de culpa e de remorso pelos atos cometidos.

O psicopata olha para o humano de forma desfigurada, como algo que pode beneficiá-lo ou não, proporcionar-lhe prazer ou não. Essa seria a frieza dele, o não reconhecimento da humanidade no outro e até mesmo o não reconhecimento de sua própria humanidade (COSTA, 2014, p. 14). Como definir os limites entre o normal e o patológico? Nas ciências exatas ou humanas, onde estaria afinal a definição do que é normal? O que torna o animal homem um ser humano e o diferencia dos demais? Christian Costa, ao tratar da psicopatia enquanto resultado de uma herança evolutiva e genética, explica que o Homo Sapiens é um animal que evoluiu em termos de adaptação ao meio e a sua violência primata, teria surgido antes das funções cognitivas. Esta violência teria sido importante para sua sobrevivência enquanto espécie. Contudo, no que diz respeito aos indivíduos psicopatas, chamados por Robert D. Hare de “predadores intraespécie”, trata-se de uma violência sem justificativas (COSTA, 2014, p. 14).

1.2.            Métodos para diagnóstico

Com base nos estudos de Hervey Milton Cleckley, Robert D. Hare dedicou sua vida profissional a reunir características comuns de pessoas com esse tipo de perfil até conseguir montar um sofisticado questionário denominado “escala Hare”. Segundo Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 576), Robert D. Hare foi responsável pela operacionalização do conceito de psicopatia, a partir do método de Hervey Milton Cleckley, com a criação do Pshychopathy Checklist Revised (PCL-R), instrumento de maior aceitação para diagnóstico da psicopatia.

Esse método, utilizado em diversos países no combate à violência e melhoria ética da sociedade, como explica Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 67-68), examina de forma detalhada aspectos da personalidade psicopática, tanto aqueles ligados aos sentimentos e relacionamentos interpessoais quanto ao seu estilo de vida e comportamentos antissociais.

A técnica consiste em uma entrevista composta por 20 itens que avalia o grau de psicopatia em uma escala de 0 a 40 pontos e é destinada especificamente para populações forenses (ACHÁ, 2011). A pontuação é feita em dois fatores: fator 1 – caracterizado pela frieza, ausência de remorso, crueldade, falsidade; fator 2 – dificuldade de autocontrole, versatilidade criminal e repertório de atitudes antissociais. Tais fatores traduzem a subdivisão em que o fator 1 se refere aos psicopatas primários, protótipo da psicopatia e sua condição seria inata, enquanto o fator 2 relaciona-se aos psicopatas secundários, resultantes da influência do meio, com características de serem menos frios e com maior tendência ao arrependimento (BARROS, 2011).

No contexto nacional, o PCL-R é utilizado no Sistema Penal Brasileiro, objetivando a avaliação da personalidade do detento, a previsão de reincidência criminal, reabilitação social e concessão de benefícios penitenciários. Hilda Clotilde Penteado Morana (2004), responsável pela validação do método para uso em português, em sua tese de doutorado sob o título “Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de dois subtipos de personalidade; transtorno global e parcial” concluiu que o instrumento é adequado para avaliar a psicopatia na população forense brasileira. Diante de dados como o do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2003, que considerou a reincidência criminal para o Brasil em 82% (oitenta e dois por cento), a pesquisadora alerta para o fato de que falta treinamento adequado às Comissões Técnicas de Classificação. E, nesse aspecto reside a importância do PCL-R projetado para a realização dos exames criminológicos de maneira segura e objetiva.

Contudo, o próprio Robert D. Hare (2013, p. 44), ao descrever em sua obra a forma como desenvolveu seu projeto até chegar à criação do instrumento, alerta para o problema das pesquisas conduzidas em prisões baseadas apenas em autorrelato, pois os indivíduos psicopatas que ali estão seriam capazes de distorcer e moldar a verdade de acordo com seus propósitos.

Assim, diferente do método de diagnóstico PCL-R que Manuel Cancio Meliá (2013, p. 534) classifica como instrumento de análise externo de conduta, o procedimento de escâner cerebral Functional Magnetic Resonance Imaging (fMRI) possibilita a observação do cérebro, identificando diferenças anatômico-funcionais entre psicopatas e não psicopatas. 

Apesar da insegurança do método de escâner cerebral, como ressalta Manuel Cancio Meliá (2013, p. 534), supondo a sua possibilidade de retratar as bases neurofisiológicas da psicopatia, conclui-se que tais sujeitos embora sejam de capazes de compreender racionalmente a reprovabilidade de seu comportamento, tratam-se de indiferentes no plano emocional, tendo em vista que carecem das estruturas neurais normais que possuem os demais seres humanos.

Em uma crítica a estas espécies de diagnósticos a partir de diferenças anatômico-funcionais, Rogério Paes Henriques (2009) alerta para o fato de que na psicopatia moderna ainda é possível identificar semelhanças com teorias como a do “Delinquente Nato”, de Cesare Lombroso, sugerindo uma correlação entre personalidade e tendência inata ao crime, confundindo psicopatia e conduta criminosa. Em contraposição a esse pensamento, Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 577) ressalta que a psicopatia enquanto transtorno da personalidade não conduz necessariamente ao delito. Apesar de sua alta propensão a cometerem atos delitivos, é possível a existência de indivíduos que sofram com a psicopatia, mas sejam pessoas socialmente adaptadas. Assim, não se poderia afirmar que o psicopata nasce criminoso, mas sim com predisposição para atuar de maneira violenta diante de determinadas circunstâncias sociais (TRINDADE; BEHEREGARAY; CUNEO, 2009, p. 19).

1.3.            Tratamento

Ana Beatriz Barbosa Silva ensina que as psicoterapias são direcionadas para pessoas que estejam em intenso desconforto emocional, impedindo-as de manter uma boa qualidade de vida. Contudo, diante de indivíduos que não apresentam constrangimentos morais ou sofrimentos emocionais não seria possível tratar de um sofrimento inexistente.

Além de acharem que não têm problemas, eles não demonstram desejo de mudanças para se ajustarem a um padrão aceito pela sociedade. Assim, não seria possível ajudar aqueles que não querem ajuda. Ademais, a autora alerta para a existência de estudos que demonstram que, em alguns casos, a psicoterapia agravaria o problema, pois as sessões terapeutas poderiam muni-los de recursos para o aperfeiçoamento na arte de manipular os demais, ou até, no intuito de se beneficiarem de um laudo técnico. Isso porque embora eles continuem incapazes de sentir boas emoções, nas terapias eles aprendem racionalmente a expressá-las e utilizam esse conhecimento em seu benefício (SILVA, A., 2008, p. 169-170).

A psicopatia, enquanto transtorno da personalidade e não como alteração comportamental momentânea, não teria cura. Todavia, vale a ressalva no sentido de que a psicopatia apresenta formas e graus diversos de manifestação, e, apenas nos casos mais graves envolvendo os chamados psicopatas primários é que as barreiras de convivência seriam instransponíveis (SILVA, A., 2008, p. 173).

Segundo Robert D. Hare (2013, p. 108-109), esses indivíduos nunca olham para trás com arrependimento nem para frente com preocupação. Assim, não lhe causa surpresa o fato de as abordagens terapêuticas não terem tido sucesso nos casos que envolvem psicopatas. Contudo, o autor explica que em média, a frequência de suas atividades criminosas sofre um declínio por volta dos 40 anos de idade. E as explicações para essa constatação são diversas, dentre elas, a de que eles amadurecem, cansam de estar na prisão ou de brigar com a lei, desenvolvem novas estratégias de atacar o sistema. Entretanto, a redução da criminalidade não implica em uma mudança de personalidade, pois a diferença seria que eles aprendem a satisfazer suas necessidades de modos não mais tão antissociais como antes.

Em relação à tese de que além de não funcionar o tratamento poderia ser um agravante, Robert D. Hare (2013, p. 204) afirma que determinados estudos mostram que os psicopatas que participaram do programa terapêutico comunitário, após serem liberados da prisão, apresentaram quatro vezes mais probabilidade de cometer infrações violentas em relação aos demais pacientes. Dentre esses estudos, o autor traz os resultados de dois: em um estudo, não houve motivação para o tratamento que foi abandonado no início sem maiores benefícios e ao saírem da prisão, apresentaram taxa de retorno mais elevada que a dos demais; em outro estudo, os psicopatas, apesar de aderirem ao tratamento, mostraram-se quatro vezes mais violentos, após a liberação, do que aqueles que não haviam sido tratados.

Sobre esse aspecto, importante destacar o alerta de Hilda Clotilde Penteado Morana (2004) para o fato de que no Sistema Penitenciário Brasileiro não há exames padronizados que possam avaliar a personalidade do preso e a sua previsibilidade de reincidência criminal. A liberação do preso para progressão de regime penitenciário, benefícios de indulto, comutação de pena, dentre outros, depende da atuação das Comissões Técnicas de Classificação, a fim de avaliar o grau de periculosidade e de readaptação à vida em comunidade. Entretanto, como dito acima, segundo a autora, tais comissões não possuem treinamento adequado e não dispõem de instrumentos para realizar tal procedimento.

Nesse mesmo sentido, Hervey Milton Cleckley (1988) já alertava e propunha em sua obra que se a avaliação dos indivíduos psicopatas fosse realizada a partir do seu comportamento e comprometimento, assim como nos demais pacientes psiquiátricos, não limitada ao tempo de confinamento, mas por períodos indeterminados, a comunidade estaria mais protegida. Dessa forma, o paciente seria monitorado até que a sua condição, a partir de pareceres técnicos, indicasse que ele se mostra seguro tanto para ele próprio como para os demais. Até mesmo o melhor e mais experiente psiquiatra pode ser enganado por uma aparente mudança profunda em um psicopata de verdade que se mostrará tão perigoso quanto antes.

Diante disso, para a Ciência Médica, a psicopatia não teria cura, uma vez que consiste em um transtorno da personalidade e não uma fase de alterações comportamentais momentâneas. Contudo, tal transtorno apresenta formas e graus diversos de se manifestar. Nesse sentido, Antonio Matos Fontana (apud ABREU, 2013, p. 76) explica que quanto maiores as influências genéticas, menor a probabilidade de tratamento, contudo, quando o meio se mostra tão ou mais importante para o desenvolvimento psicopático, as chances de sucesso terapêutico se mostram maiores.

  1. 2.      A Psicopatia dentro do sistema jurídico-penal

“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo cálculos dos bens e dos males desta vida.” Cesare Beccaria (2011, p. 115)

Até o advento dos estudos desenvolvidos por Hervey Milton Cleckley, em 1941, para o fenômeno da psicopatia, seja na esfera da Medicina ou do Direito, não havia uma abordagem diferenciada das demais patologias psíquicas. Dessa forma, indivíduos com traços de insensibilidade moral, características antissociais, ora eram tidos como loucos, não lhes cabendo punições, ora eram taxados como criminosos natos e, portanto, a eles sendo cabíveis as mais severas penalizações.

Miguel Reale (2002, p. 30-31) ao ensinar que o Direito consiste em uma Ciência Cultural, explica que o ser humano ao longo de sua vida recebe educação e adquire conhecimentos a fim de atuar sobre o meio ambiente e transformá-lo. Assim, a sociedade humana está em constante mutação. Da mesma forma, o Direito, para além de uma Teoria Pura e de um caráter dogmático, é uma realidade histórico-cultural e resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que o integram, quais sejam fato, valor e norma (REALE, 2002, p. 336-337). 

Nesta senda, o avanço científico no conhecimento do funcionamento do cérebro torna-se relevante para o conceito jurídico-penal de culpabilidade e a inclusão da psicopatia no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V) traz à tona a necessidade de um posicionamento do direito em relação a tal fenômeno. A ausência de uma definição no Direito Penal quanto aos autores psicopatas é uma problemática que atinge tanto esses próprios indivíduos, que não possuem um lugar definido dentro do sistema criminal, quanto à sociedade que sofre com a violência causada por um sistema carcerário que não cumpre a real função da pena.

2.1.            A insuficiência dos critérios de imputabilidade diante do autor psicopata

A imputabilidade compõe-se de um elemento intelectual e um elemento volitivo, e como explicam Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 540) a capacidade de culpabilidade possui dois níveis: um considerado como a capacidade de entender a ilicitude (elemento intelectual), e outro que consiste na capacidade para adequar a conduta a esta compreensão (elemento volitivo). Dessa forma, imputabilidade consiste em um elemento da culpabilidade que exige do sujeito capacidade psíquica suficiente para, no momento da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. Em suma, é considerado culpável quem possui capacidade de entender e de querer (ABREU, 2013, p. 85).

Da imputabilidade, e não se confundindo com ela, é que decorre a responsabilidade. Nessa esteira, a exclusão da imputabilidade, chamada inimputabilidade, atribui ao sujeito incapacidade para ser responsabilizado. E como se dá a identificação desta inimputabilidade de acordo com o critério biopsicológico, adotado como regra geral pelo Direito Penal Brasileiro? Segundo esse critério, é considerado inimputável quem, ao tempo da ação, apresenta anomalia mental, e em razão disso, não possui capacidade para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento (ABREU, 2013, p. 115). 

A capacidade para reconhecer o injusto e atuar correspondentemente, ensina Hans Welzel (1956, p. 166) pressupõe a integridade das forças psíquicas, as quais possibilitam a existência de uma personalidade moral. Será excluída a imputabilidade se o agente, no momento da conduta humana, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. Assim, o conteúdo da inimputabilidade é formado: por elementos integradores causais (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou desenvolvimento mental retardado); e por elementos integradores consequenciais (incapacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento).

Juntamente com os elementos causais, em se tratando de sanidade mental, são necessários os elementos consequenciais, tratados como requisitos normativos da imputabilidade por César Dario Mariano da Silva (2011, p. 146), quais sejam, capacidade de entender e de querer no momento do fato. Portanto, ensina Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 475), que nos casos de anormalidade psíquica, devem estar reunidos dois aspectos: um biológico, referente à doença em si; e um psicológico, relacionado à capacidade de entender ou de autodeterminar-se de acordo com esse entendimento. Sendo o primeiro aspecto requisito para o segundo, não ocorrendo o sentido inverso, pois poderia o agente ter capacidade de discernimento sem ter a capacidade de autodeterminação.

Identificada a inimputabilidade, advêm as suas consequências jurídico-penais. Diante da ausência de culpabilidade, não há responsabilidade, e não há aplicação de pena. Sobrevém, assim, o instituto da Medida de Segurança, segundo Michele Oliveira de Abreu, forma de imposição de tratamento aplicável a determinados agentes que tenham praticado uma conduta delituosa e tenha sido constatada a sua periculosidade na época dos fatos e nos momentos que se seguem (ABREU, 2013, p. 155).

Enquanto a pena tem caráter multifacetado, envolvendo os aspectos retributivo e preventivo, a Medida de Segurança, por sua vez, tem a finalidade de prevenir o cometimento de novos delitos e garantir a cura do autor do fato tido como infração penal (NUCCI, 2012, p. 996-997). Diferentemente da pena que tem por fundamento a culpabilidade, a Medida de Segurança tem por fundamento a periculosidade, podendo ser definida como um estado subjetivo mais ou menos duradouro de antissociabilidade. É um juízo de probabilidade de que o agente voltará a delinquir, baseado na conduta antissocial e na anomalia psíquica do agente (BITENCOURT, 2014, p. 860). Assim, são requisitos para imposição de Medida de Segurança: ausência de plena imputabilidade, prática de um injusto penal (fato típico e ilícito) e a existência da periculosidade (LAGE; ROESLER, 2013, p. 56).

Da análise das características apresentadas pelo conceito de psicopatia, percebe-se que se trata de sujeitos que compreendem o ilícito de seu feito e que têm capacidade de controlar seus impulsos. Diante desses fatores, pela forma como a Ciência Penal e o sistema jurídico-penal têm sido postos, até então, esses autores seriam considerados culpáveis, não havendo circunstâncias atenuantes em sua conduta.

Contudo, indaga-se se estaria adequado o tratamento dispensado a esses indivíduos dentro do sistema jurídico-penal, bem como, se os critérios para determinação da imputabilidade, até então desenvolvidos pela Ciência Penal, seriam suficientes diante da complexidade do fenômeno da psicopatia.

Segundo Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533), a psicopatia é uma constante antropológica, pois está presente em todas as épocas e em todas as culturas, em uma porcentagem da população em torno de 0,5% a 1,5% dos homens podem ser considerados psicopatas, sendo um fenômeno quase que exclusivamente masculino. A razão para essa afirmação é desconhecida, mas os dados são reforçados pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 54) que informa que a prevalência geral do transtorno da personalidade antissocial é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres, segundo a classificação da DSM-IV-TR.  

No âmbito dos sistemas prisionais, segundo Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533), cerca de 15% a 25% da população carcerária é composta de indivíduos psicopatas. Robert D. Hare alerta que, nas prisões dos Estados Unidos da América, em torno de 20% dos detentos de ambos os sexos são psicopatas, e que, esses indivíduos seriam responsáveis por mais de 50% dos crimes graves cometidos.

Assim, não é possível negar a existência e a dimensão do problema, bem como, a necessidade de enfrentá-lo.

Ainda dentro da gravidade da situação, surge a questão do prognóstico de reincidência, aliado à ineficácia geral do tratamento. Segundo Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 579), e confirmado por Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 129-130), estudos revelam que no período de um ano após saírem da prisão, a taxa de reincidência geral é cerca de três vezes maior que a dos demais criminosos, chegando a ser quatro vezes maior nos crimes associados à violência. Com o passar do tempo, a tendência dessa taxa é o crescimento, atingindo no quarto e quinto ano níveis de 80% a 90%. Ademais, a reincidência dentre aqueles que receberam “tratamento”, afirma Manuel de Juan Espinosa, seria de 86%, enquanto entre os que não foram “tratados” estima-se a reincidência em 52%.

Os psicopatas presos, analisa Robert D. Hare (2013, p. 65), aprendem a utilizar as instituições correcionais em proveito próprio, forjando uma imagem positiva de si mesmos diante dos que irão decidir sobre a condicional. Por conta disso, explica-se a constatação de Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 580) no sentido de que eles apresentam uma probabilidade 2,5 vezes maior, em relação aos demais detentos, de serem postos em liberdade ou de obterem a liberdade condicional.

Diante de todos esses fatores citados, dentre outros, percebe-se que a maneira como o sistema jurídico-penal tem tratado esses indivíduos não se mostra adequada.

Manuel Cancio Meliá (2013, p. 529-530) propõe que se considerarmos as novas pesquisas da neurociência no sentido de que as decisões feitas pelo ser humano partiriam não mais de sua consciência, mas de seu subconsciente, a forma como até então é construída a responsabilidade jurídico-penal torna-se inadequada. Isso porque o sistema penal atual baseado em liberdade de eleição, reprovabilidade e culpabilidade daria lugar a uma nova maneira de tratar o comportamento desviado, esta, assentada sobre a periculosidade e seu tratamento, e não mais, sobre a culpabilidade e o castigo.

Diante disso, questiona-se: seriam os conhecimentos científicos irrelevantes para o Direito Penal; seriam eles capazes de remover os fundamentos do conceito jurídico penal de culpabilidade; estaria a culpabilidade imune às descobertas científicas a partir de um conceito funcional, desenvolvido por Günther Jakobs, no qual as suas bases vêm determinadas pela necessidade de prevenção geral positiva e controle social; a conduta do agente psicopata importa em necessidade preventiva de punição, sendo, por isso mesmo, responsável pela teoria de Claus Roxin; ou, ainda, poderia a psicopatia ser considerada uma causa para a inimputabilidade.

Cesare Bonesana (2011, p. 115), marquês de Beccaria, já dizia que todo legislador sábio deve antes impedir o mal do que repará-lo, prevenir os crimes a ter que puni-los, pois uma boa legislação é a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar. E para tanto, as leis deveriam ser simples e claras e a nação deveria estar pronta para defendê-las.

Assim, faz-se necessária uma definição jurídica quanto ao fenômeno da psicopatia.

  1. 3.      O lugar do autor psicopata

“A pergunta permanece: ‘Alice é louca ou má?’.

Essa é uma questão que há muito tem ocupado não apenas psicólogos e psiquiatras, mas também filósofos e teólogos. Formalmente, o psicopata é um doente mental ou simplesmente alguém que desrespeita normas, mas tem plena consciência do que está fazendo?

Essa pergunta não é apenas uma questão de semântica; colocada de outro modo, tem imenso significado prático: o tratamento ou controle da psicopatia é responsabilidade direta de profissionais da área de saúde mental ou do sistema correcional? Em todo lugar do mundo juízes, assistentes sociais, advogados, professores profissionais da área de saúde mental, médicos, funcionários do sistema correcional e pessoas do público em geral precisam saber a resposta, ainda que não tenham consciência disso.” Robert D. Hare (2013, p. 37)

Feitas as considerações, tanto pela Ciência Médica quanto pela Ciência Penal, quanto aos aspectos que envolvem a psicopatia, diante da ausência de uma definição na legislação penal brasileira e da necessidade de um posicionamento em relação à matéria, passa-se à indagação de qual seria o lugar do autor psicopata dentro do Sistema Penal.

A própria Ciência Médica não possui uma definição consolidada e sólida quanto ao fenômeno da psicopatia. Como visto nos capítulos anteriores, ainda há dúvidas e incertezas quanto ao seu diagnóstico e tratamento. Tal indefinição, alertam Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 546), reflete-se no âmbito da Ciência Penal.

O Decreto-Lei n. 2.848/1940, Código Penal Brasileiro, antes da modificação trazida pela Lei n. 7.209/1984, fazia menção aos indivíduos psicopatas no item 19 da Exposição de Motivos da Parte Geral. Chamados de anômalos psíquicos que vivem e se identificam com o ambiente social e que o povo os considera indivíduos responsáveis, os psicopatas são igualados ao homo typicos, a fim de fortalecer a eficiência preventiva da sanção penal e a credibilidade da função repressiva do Estado.

Com o advento da Reforma da Parte Geral do Código Penal, o item 22 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral não faz menção à psicopatia, demonstrando a ausência de disciplina pelo Direito Penal em relação à questão (ABREU, 2013, p. 164-165). 

Demonstrada a omissão legislativa, juntamente com os números e conclusões doutrinárias a respeito dos elevados índices de reincidência nesta população carcerária, onde estaria localizada a psicopatia dentro do Sistema Penal?

Nesse aspecto, há diversas respostas possíveis para a questão. Uma delas reconhece a imputabilidade desses indivíduos a partir dos critérios estabelecidos pela legislação penal. Outra corrente inclui o psicopata no rol dos semi-imputáveis, considerando a psicopatia como perturbação da saúde mental, nos termos do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal Brasileiro. Há, também, entendimento que defende que cabe ao magistrado proferir a decisão em cada caso concreto. Por fim, outra linha sustenta a ausência de capacidade de culpabilidade de tais indivíduos.

3.1.            A psicopatia como causa de imputabilidade

Michele Oliveira de Abreu (2013, p. 166) sustenta que, apesar da existência de omissões legislativas quanto ao fenômeno da psicopatia, as regras gerais previstas pelo Código Penal brasileiro permitiriam analisar a responsabilidade penal desses indivíduos. E é a partir destes critérios que ela conclui pela imputabilidade do autor psicopata.

Para a autora, a psicopatia não consiste em nenhuma doença mental, perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o que afastaria os chamados elementos integradores causais da imputabilidade. Além disso, haveria plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato, bem como, de determinar-se de acordo com esse entendimento, elementos integradores consequenciais (ABREU, 2013, p. 184).

Para fundamentar suas conclusões, a autora traz as ideias de Hugo Marietan (1995) que avalia a responsabilidade penal do psicopata a partir de três critérios: baseado em previsões legais e não morais, o psicopata seria responsável, uma vez que conhece as normas; possui a capacidade de conter seus impulsos, considerando a forma como são capazes de preparar seus crimes antes de praticá-los; e, por fim, a psicopatia não poderia ser considerada enfermidade mental, portanto, deve esse indivíduo responder criminalmente.

Basileu Garcia (2008, p. 457) ao tratar dos chamados loucos morais ou psicopatas amorais sustenta que, embora esses indivíduos não sejam normais e tenham uma afetividade transviada, tendo em vista a defesa da sociedade, a eles deve ser imputada a responsabilidade penal e aplicadas as devidas penas.

Apesar de considerarem a imputabilidade da conduta, nota-se que esses próprios autores preocupam-se quanto ao tratamento penal dispensado a esses indivíduos, em razão do poder de manipulação na utilização dos benefícios legais oferecidos dentro do Sistema Penitenciário, bem como, pela influência que exercem sobre os demais apenados.

Diante disso, e considerando a inexistência de um tratamento para esses indivíduos que tornaria ineficaz a aplicação da medida de segurança, Michele Oliveira de Abreu (2013, p. 162) defende a imposição de uma pena especial aos psicopatas, a ser cumprida em regime ou caráter especial, de maneira isolada a fim de evitar o que a autora denomina de mal maior.

3.2.            A psicopatia analisada no caso concreto pelo magistrado

Dentre aqueles que sustentam que compete ao magistrado avaliar o caso concreto ao proferir decisão sobre a imputabilidade do psicopata está Guilherme de Souza Nucci. O autor explica que as chamadas personalidades antissociais não são fáceis de detectar e diferenciar das demais doenças ou perturbações mentais, sendo indefinidos e incertos os limites entre o normal e o patológico.

Diante dessas indefinições quanto à natureza da psicopatia, essas situações de personalidade antissocial apesar de não constituírem normalidade também não se adequariam às causas previstas pelo artigo 26, do Código Penal Brasileiro. E, por cautela, caberia ao magistrado juntamente com a perícia técnica a avaliação do caso concreto (NUCCI, 2014, p. p. 257-258).

O mesmo posicionamento de cautela em relação a essas situações chamadas fronteiriças é apresentado pelas conclusões de Antônio Carlos da Ponte ao afirmar que a ausência de uma definição da legislação penal, em relação a um conceito sólido de responsabilidade penal parcial, implica em conferir ao magistrado a função de avaliar a personalidade do agente, concluindo pela presença ou não de imputabilidade.

Além disso, o autor ressalta que nessa responsabilidade penal parcial, situada entre a zona de sanidade psíquica e a loucura, os portadores desses estados psíquicos permanecem responsáveis, mas com uma culpabilidade diminuída, tendo em vista sua capacidade reduzida de discernimento ético-social ou de auto-inibição para a prática do ato delitivo (PONTE, 2001, p. 41).

Contudo, sobre um posicionamento que deixaria sob a responsabilidade do magistrado a decisão quanto ao destino do autor psicopata, importante refletir sobre aspectos e problemáticas que permeiam o contexto do sistema jurídico brasileiro. Primeiramente, questiona-se a ausência de uma preparação na formação desses julgadores para lidarem nessas situações. A complexidade que envolve o fenômeno da psicopatia resulta em posicionamentos divergentes dentro da própria Ciência Médica que busca um entendimento sobre o assunto. O que dizer, então, de uma decisão delegada a quem possui pouco ou até nenhum preparo para tomar posicionamento sobre a questão? Não apenas ao magistrado, como alerta Hilda Clotilde Penteado Morana (2004), como também aos experts falta treinamento adequado.

Outro aspecto está representado pelo distanciamento desse magistrado em relação às partes. Maria Augusta Ramos (2004), no documentário “Justiça”, retrata a realidade brasileira através do sistema penal que consiste, segundo ela, em um reflexo reduzido da sociedade. No filme estão reproduzidas algumas audiências criminais realizadas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Dentre as cenas, vale destacar uma audiência de instrução em que o indivíduo, acusado de ter pulado o muro de uma residência para cometer o delito de furto, está preso provisoriamente. Entretanto, admira-se o magistrado, após ler a denúncia, deparar-se com um homem sentado em uma cadeira de rodas, em razão de deficiência física.

Aury Lopes Jr. (2014, p. 161), ao tratar do papel da figura humana do julgador no que ele denomina de ritual judiciário, alerta para a existência de uma dependência que alguns juízes apresentam em relação ao entendimento de tribunais superiores. Esses magistrados passam a ser, nas palavras do autor, como meros repetidores acríticos e autofágicos, impedindo qualquer espécie de evolução.

“Pior, esse juiz mata o que há de mais digno na atividade judicante: o sentire. Em vez de proferir sentença a partir de sua percepção da prova, ele se reduz a um mero burocrata repetidor de decisões alheias, com a finalidade de aderir à maioria ou ao pai-tribunal.” (LOPES JR. 2014, p. 162)

E sobre a alienação dos atores judiciários que muitas vezes está presente no ritual judiciário, Aury Lopes Jr. afirma:

“Um afastamento tal da realidade é o que pode ser presenciado em muitos julgamentos, absolutamente imersos em frágeis categorias artificialmente criadas pelo Direito e que não encontram a mínima legitimação externa. Trata-se de um erro gravíssimo, mas bastante comum na Justiça Criminal, excessivamente contaminada pelas equivocadas ideologias do repressivismo saneador: a crença de que o simbólico da lei penal irá resolver o problema, real e concreto, que está por trás da violência urbana.” (LOPES JR, 2014, p. 168)

Diante disso, indaga-se de que maneira poderia esse magistrado, respeitando o princípio da individualização da pena, identificar e decidir o destino do autor psicopata em um sistema onde não há o devido preparo, bem como, não se valoriza o contato com as partes?

3.3.            A psicopatia como causa de semi-imputabilidade

A semi-imputabilidade, de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 26, do Código Penal Brasileiro, ocorre diante de indivíduos que, excluída a hipótese de doença mental, possuam determinada perturbação mental, ou, ainda, que possuindo desenvolvimento mental incompleto ou retardado tenham a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de autodeterminação parcialmente prejudicadas.

Considerando o posicionamento da Ciência Médica em não reconhecer a psicopatia como uma doença mental, há uma predominância entre os doutrinadores, conforme ressalta Michele Oliveira de Abreu (2013, p. 181), em considerar a psicopatia como causa de semi-imputabilidade.

Guido Arturo Palomba (2003, p. 515-516 e 522) denomina-a de condutopatia, que seriam os distúrbios de conduta ou de comportamento. Esses indivíduos, ensina o autor, estariam em uma zona fronteiriça entre a normalidade mental e a doença mental, apresentando comprometimento no aspecto afetivo, intencional e de volição. Assim, o transtorno do comportamento deles desestrutura a sua capacidade de autocrítica e de julgamento de valores ético-morais. Diante disso, a psicopatia configuraria uma perturbação da saúde mental e, portanto, ao seu portador caberia a semi-imputabilidade.

Magalhães Noronha sustenta que a imputabilidade diminuída localiza-se entre a zona da sanidade psíquica e a da doença mental, abarcando indivíduos que não têm a plenitude da capacidade intelectiva e volitiva. E dentro dessa zona fronteiriça estariam as chamadas personalidades psicopáticas, considerando-as como hipóteses de perturbação da saúde mental.

E esses indivíduos, prossegue o autor, a partir de um juízo de avaliação de periculosidade, poderão ser submetidos à medida de segurança, seja pela internação ou seja pelo tratamento ambulatorial (NORONHA, 2009, p. 165-167). Trata-se, assim, do sistema vicariante em que cabe ao juiz escolher a sanção mais condizente com o réu (REALE JR., 2009, p. 210)

Miguel Reale Júnior (2009, p. 209), também considerando a falha do caráter do portador de personalidade psicopática enquanto perturbação mental, afirma que esses indivíduos possuem capacidade intelectiva, porém lhes falta a capacidade de afetividade, sentimentos e arrependimento.

Nesse mesmo sentido, entende César Dario Mariano da Silva (2011, p. 146) considerando a psicopatia como hipótese de perturbação da saúde mental.

Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 481), por sua vez, situando as personalidades psicopáticas como causa de semi-imputabilidade, explica que a culpabilidade fica diminuída em razão de uma menor censura e de uma maior dificuldade de valorar adequadamente o fato e posicionar-se de acordo com essa capacidade.

3.4.            A psicopatia como causa de inimputabilidade

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 26, dispõe que será isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Eduardo Demetrio Crespo (2011) explica que as novas investigações científicas que resultaram em teorias negativas da existência de uma conduta humana voluntária, posto que essa seria determinada, aparentemente, impossibilitaria a justificação para aplicação de castigos, transformando a configuração atual do Direito Penal, a exemplo do alcance normativo das causas de inimputabilidade. Contudo, prossegue o autor sustentado que a culpabilidade não seria algo que se deduz pela disposição subjetiva do autor, mas sim uma construção social. Dessa forma, apesar de a Ciência do Direito não dever ignorar os resultados das investigações das neurociências, para o autor, a Ciência Penal não deve ser concebida apenas como normativa, mas deve estar atenta à realidade fática que regula.

Segundo Juan Carlos Ferré Olivé e colaboradores (2011, p. 459), a evolução das pesquisas científicas possibilitou a consideração de uma inimputabilidade para os psicopatas, mostrando-se o transtorno do comportamento como um estado similar à enfermidade mental. Assim, apesar da Ciência Médica não considerar a psicopatia uma doença mental, para o Direito Penal a doença mental deve ser considerada de forma ampla, desde que influencie nas capacidades de entendimento ou de vontade.

E diante da ausência de um conceito de doença mental pela legislação penal vigente, o conceito empregado no direito não corresponderia àquele apontado pela Medicina, assim, a doença mental tratada no Direito Penal deveria ser considerada de forma ampla, podendo consistir em situações que não se tratem de doenças mentais propriamente ditas. Diante disso, Marcello Jardim Linhares (apud ABREU, 2013, p. 131) entende por doença mental qualquer estado patológico de ordem mental ou física, desde que influencie nas capacidades de entendimento e de vontade.

Presente então, o aspecto biológico, é necessário analisar os elementos que compõem o aspecto psicológico da inimputabilidade, quais sejam, os elementos integradores consequenciais: capacidade de entender ou capacidade de autodeterminação. 

Santiago Mir Puig (apud ABREU, 2013, p. 171) explica que o psicopata não possui alteração psíquica que o impeça de entender o caráter ilícito do fato, mas seu poder de autocontrole parece não ser o mesmo de uma pessoa normal. O psicopata conhece a letra, mas não a música. Sua capacidade de compreender o caráter ilícito de sua conduta, não lhe falta o elemento intelectual. Contudo, por possuir uma atrofia em seu sentido ético, sendo um sujeito incapaz de internalizar normas de conduta, segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 546), deve ser considerado inimputável. Falta-lhe o elemento volitivo representado pela capacidade de determinar-se segundo esse entendimento intelectual.

Nesse sentido, Paul Litton (2008, p. 391-392) e Stephen Morse (apud MELIÁ, 2013, p. 532), respectivamente afirmam: esses indivíduos seriam incapazes de interiorizar valores, e por isso não seria possível formular um juízo de censura moral; por não sentirem empatia pelos outros, os psicopatas não poderiam ser considerados moral e juridicamente responsáveis por sua conduta, não podendo lhes dirigir uma censura. E Paul Litton (2008, p. 392) defende, ainda, que as pesquisas sobre indivíduos psicopatas sugerem que a sua incapacidade para raciocínio moral seria o sintoma de uma capacidade enfraquecida para o auto-controle racional, o que, por sua vez, os tornaria incapazes de compreender e aplicar considerações morais. Faltaria a esses indivíduos, portanto, a capacidade de autodeterminação.  

Luis Jiménez de Asúa (2005, p. 350), sustentando um critério não apenas biológico, mas psiquiátrico-psicológico-jurídico, ressalta que a irresponsabilidade não deve basear-se apenas na inconsciência, uma vez que será inimputável aquele que não pode resistir ao impulso de realizar um ato contrário à norma. Diante disso, apesar de possuir a consciência da ilicitude, o indivíduo pode ser considerado inimputável quando lhe faltam condições de resistir aos impulsos.

A partir dessa afirmação do doutrinador e das problemáticas abordadas anteriormente quanto ao modo de tratamento atribuído ao autor psicopata pelo Sistema Penal, é possível perceber que a função retributiva/preventiva da pena, bem como, seu fundamento, que é a culpabilidade, é inadequada. Os portadores de psicopatia e os mentalmente sadios representam realidades distintas e, portanto, exigem do Estado atitudes diferenciadas.

3.5.            Decisões sobre o tema psicopatia no Brasil

São poucas as decisões encontradas que tratam sobre a psicopatia, fato que comprova a ausência de um posicionamento e enfrentamento da questão diante de tantos fatores controversos que envolvem o tema.

Em decisão, proferida em 2010, o Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro Celso Limongi, manifesta-se quanto à importância do exame criminológico no momento da concessão ou não da progressão do regime. Na ocasião, a Defensoria Pública defendeu a tese de que bastaria o requisito objetivo e a apresentação de atestado de bom comportamento carcerário. Já o Ministério Público Federal sustentou a realização do exame criminológico e a imprescindibilidade da presença do requisito subjetivo para a concessão da progressão do apenado. Diante desses elementos, o entendimento proferido pelo tribunal foi no sentido de que, à luz do previsto pelo artigo 112, da Lei de Execução Penal, a necessidade de realização do exame criminológico deixou de ser uma imposição legal, cabendo ao magistrado analisar através do caso concreto a sua dispensabilidade. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Habeas-corpus nº 160505, Relator: Min. Celso Limongi (Des. convocado do TJ/SP), 2010).

Entretanto, de que forma proceder diante de indivíduos, que por sua natureza peculiar, conseguem simular e dissimular comportamentos que não demonstram suas reais intenções e a sua personalidade? É o que ocorre com os apenados portadores de psicopatia que conseguem obter o atestado de bom comportamento carcerário e, por isso mesmo, são os mais beneficiados com progressões de regime e liberdade condicional.

O Supremo Tribunal Federal sustenta a dispensabilidade do exame criminológico e a sua realização excepcional à luz do caso concreto. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas-corpus nº 93108, Relator: Min. Carmen Lúcia, 2008). Em contraposição, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em 2013, a relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura cassou decisão do magistrado a quo no sentido de deferir progressão ao regime semiaberto, devendo ser realizado o exame criminológico por equipe multidisciplinar contendo assistente social, psicólogo e médicos psiquiatras, a fim de que o requisito subjetivo seja adequadamente aferido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Habeas-corpus nº 282255, Relator: Min. Maria Thereza de Assis Moura, 2014).

Assim, vale questionar se caberia apenas ao magistrado a decisão da concessão de benefícios a indivíduos como os psicopatas, que possuem elevados índices de reincidência? A necessidade de uma avaliação por uma equipe multidisciplinar traria maior segurança na resolução desses casos?

Quanto à corrente daqueles que defendem que o psicopata enquadra-se no rol dos semi-imputáveis, de acordo com o parágrafo único do artigo 26, do Código Penal Brasileiro, destaca-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça em 2011. Através do voto proferido pelo Ministro Jorge Mussi, conclui-se por ser cabível a aplicação da minorante prevista pelo referido dispositivo nos casos em que o réu não possui plena capacidade de determinar-se de acordo com a consciência do ilícito, em razão de perturbação na sua personalidade. Dessa forma, a psicopatia não seria vista como uma espécie de doença mental, mas sim enquanto perturbação da saúde mental poderia estar incluída dentre as hipóteses de semi-imputabilidade. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Habeas-corpus nº 186149, Relator: Min. Jorge Mussi, 2011).

Contudo, vale acrescentar que, diante do semi-imputável, é possível que seja aplicada a medida de segurança, uma vez constatada a necessidade de internação, é o que se infere do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal pelo voto do Ministro Celso de Mello. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas-corpus nº 83657, Relator: Min. Celso de Mello, 2004) Ademais, ainda quanto à medida de segurança, importante acrescentar entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que diante da garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas, ela estaria limitada ao período máximo de trinta anos. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas-corpus nº 84219, Relator: Min. Marco Aurélio, 2005).

Nesse aspecto, questiona-se quanto à natureza jurídica da medida de segurança, considerando que não se equipara à aplicação de uma pena, seria possível estender a ela o limite máximo de trinta anos para aplicação de pena?

No que tange aos atos cometidos por menores infratores que possuem traços de personalidade antissocial, o Superior Tribunal de Justiça, manifestando-se através do voto do Ministro Og Fernandes, não havendo uma doença mental que os incapacite de ter consciência da gravidade dos atos que cometeram, deveriam ser responsabilizados. Prossegue o Ministro alertando pela necessidade da aplicação de uma medida mais severa para que haja compreensão da reprovabilidade das condutas praticadas. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Habeas-corpus nº 246350, Relator: Min. Og Fernandes, 2013). Já o Ministro Luis Felipe Salomão ao proferir voto em julgamento de ação de interdição e internação compulsória de indivíduo que, quando menor, participou de duplo latrocínio com requintes de crueldade, e foi diagnosticado com transtorno de personalidade que o incapacitava absolutamente de auto determinação, possuindo, dentre outras características, o desprezo pelas obrigações sociais. Diante desse quadro, o Ministro entendeu pela interdição e alertou, ainda, para o fato de que apesar da medicina não possuir uma solução às patologias da personalidade, não cabe ao direito ignorar esta situação. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Habeas-corpus nº 169172, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 2014).

Da mesma forma, a Ministra Nancy Andrighi afirma que a psicopatia está em uma zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura e que os instrumentos legais disponíveis não são eficientes, seja para a proteção social, ou seja, para a garantia de vida digna a esses indivíduos. Assim, a Ministra em seu voto sugere que dentro do ordenamento jurídico devem ser buscadas alternativas que, ao mesmo tempo, não violem liberdades e direitos constitucionalmente assegurados, bem como, não deixem a sociedade refém de pessoas incontroláveis em suas ações e que tendem à recorrência criminosa. E, sustenta, ainda, que a atitude repressiva do Estado, tanto no encarceramento quanto na internação desses criminosos, apenas posterga a questão quanto à exposição da sociedade e do próprio sociopata à violência produzida por ele mesmo e que, em algum outro momento, será replicada, haja vista que de acordo com a ciência médica não há controle medicamentoso ou terapêutico para eles. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1306687, Relator: Min. Nancy Andrighi, 2014).

A partir das decisões acima mencionadas e analisadas, percebe-se que, no que diz respeito ao exame criminológico os tribunais tendem a considerá-lo dispensável, permanecendo como requisitos obrigatórios o tempo de cumprimento da pena e o bom comportamento. Assim, a realização do exame, para os julgadores, possui caráter excepcional diante do caso concreto. Quanto à responsabilização penal do autor psicopata, os julgadores tendem a considerar a semi-imputabilidade, pois a psicopatia não poderia ser tida como uma espécie de doença mental, mas como perturbação da saúde mental. Por fim, as decisões demonstram, ainda, que apesar de existirem muitas questões controversas sobre o tema que estaria em uma zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, o direito não deve ignorar a sua existência. Deve, sim, buscar alternativas que garantam não só a proteção da sociedade, como também a dignidade a esses indivíduos.

Conclusão

Apesar da existência de pesquisas que buscam respostas para o fenômeno da psicopatia, ainda há muitos posicionamentos controversos no que diz respeito ao seu conceito, origens, diagnóstico e possibilidades de tratamento.

A psicopatia, para a Ciência Médica, não consistiria em uma doença mental. Contudo, percebe-se a dificuldade em estabelecer os limites que separam a normalidade e o patológico, especialmente em situações que se caracterizam por estarem em uma zona fronteiriça, como ocorre nos indivíduos psicopatas. 

O Direito apresenta respostas divergentes para a questão: há aqueles que, seguindo o posicionamento da Ciência Médica, não consideram como doença mental, importando em imputabilidade; há os que a consideram como perturbação da saúde mental, implicando em semi-imputabilidade; e há os que defendem que para o Direito o conceito de doença mental deve ser amplo, e, portanto, a psicopatia resultaria em causa de inimputabilidade.

No Brasil, a doutrina e a jurisprudência tendem a considerar a psicopatia como causa de semi-imputabilidade, uma vez que consistiria em uma perturbação da saúde mental. Na legislação penal, após a reforma da Parte Geral do Código Penal, não há menção específica aos portadores de psicopatia.

Pela forma como vêm sendo considerados os autores de delito que possuem psicopatia, a eles resulta a atribuição de indivíduos imputáveis, sem diferenciá-los dos demais apenados. Entretanto, os elevados índices de reincidência, tanto no contexto dos sistemas prisionais nacionais quanto internacionais, são indicadores de um tratamento inadequado para esses casos.

Nesse aspecto, reside a importância da realização de exames criminológicos de maneira segura e objetiva, não apenas no momento da execução da pena como durante a instrução criminal, utilizando métodos de identificação como o PCL-R aplicado por profissionais especializados e com autonomia e independência para a elaboração de seus laudos técnicos. E, diante da realidade do sistema penal brasileiro, no qual não existe preparo para enfrentamento desses casos e que, muitas vezes, ao magistrado falta o sentire no momento de proferir sua decisão, deixar apenas a cargo do juiz o destino desses indivíduos não seria a melhor solução. 

 Percebe-se, então, a riqueza de questionamentos e discussões que envolvem a responsabilidade penal do autor psicopata. E da Ciência Cultural do Direito demanda-se o enfrentamento da questão, pois está inserida em uma realidade histórico-cultural, relacionando-se com as demais áreas do conhecimento por interação dinâmica e dialética, e que tem por objeto a conduta humana em interferência intersubjetiva.

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