Provérbios e a mulher: o lugar da mulher nos provérbios portugueses e sérvios

Por Anamarija Marinovic | 28/08/2012 | Sociedade

 Anamarija Marinović,

Cento de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa 

Introdução

Este trabalho é o resultado de uma breve pesquisa e apresentação feitas para o efeito da participação no evento multicultural “Proverbiando no Espaço e no Tempo”, organizado pelo Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa em Maio de 2009. Uma vez que esta investigação se destinava a um público vasto de diferentes níveis de escolarização e faixas etárias, que de alguma forma estão ligados aos provérbios (por mero gosto, ou por algum desejo de os estudar), este trabalho não terá, talvez o devido rigor académico nem aparato crítico, não possui citações dos estudiosos sobre a temática proverbial, embora no fim do texto seja possível encontrar-se a lista completa de referências bibliográficas, que ajudaria os que pretenderem aprofundar os seus conhecimento sobre provérbios e a imagem da mulher na cultura popular portuguesa e sérvia. Nos anexos será dado um breve “ponto de situação” sobre este assunto nos provérbios populares usados nestas duas culturas e por isso por ventura corremos o risco de repetir um pouco a informação que já foi referida. Optou-se por esta estratégia para se sublinhar mais uma vez a importância da condição feminina nestes dois espaços culturais e a luta da voz do povo por constatar, afirmar e melhorar alguns factos e para tentar mudar algumas das imagens arraigadas e estereotipadas sobre a mulher e o feminino

            Sendo os provérbios formas concisas em que se encontra condensada a sabedoria popular acumulada durante séculos, pode-se dizer que em poucas palavras e de uma maneira clara e simples são ditas grandes verdades que fazem pensar muitas gerações de pessoas. Embora tenhamos desenvolvido já alguns projectos de investigação sobre temas semelhantes, esse trabalho opta apenas analisar e contrastar a forma em que as culturas portuguesa e sérvia encaram a imagem da mulher nos seus provérbios, uma vez que ela pode levantar algumas questões “problemáticas” que se devem a motivos religiosos, políticos, sociais, mentalitários, culturais ou políticos.

Após um olhar superficial sobre a literatura e sabedoria popular nas culturas que surgiram e que se desenvolveram no sistema patriarcal, poder-se-ia pensar que a ideia que se tem no imaginário popular sobre a mulher é depreciativa e discriminatória, e a nossa intenção é demonstrarmos que existem também opiniões que desmistificam este estereótipo negativo.

A mulher nos ditados populares portugueses e sérvios

 

Devido a diversos factores sociais, culturais históricos e religiosos (sendo neste último entrelaçadas as influências pagãs e cristãs), a posição da mulher no imaginário popular é bastante complexa e varia entre o pecado e a virtude.

Tanto na tradição popular portuguesa como na sérvia há mais provérbios sobre a mulher, e este facto pode-se explicar de várias formas: ela merece uma atenção especial tanto do ponto de vista do seu aspecto físico, como da origem, educação, vícios, virtudes, comportamento sexual, papel na família, fertilidade e muitos outros aspectos do complexo ser feminino.

Ela deve ser modelo e exemplo para todas, por isso alguns defeitos seus são aparentemente mais condenados do que os defeitos do homem: ela deve ser boa como irmã, noiva, esposa, mãe, deve saber gerir bem a economia da sua casa, tem de ser uma boa educadora, contribuir para a prosperidade do lar com o seu trabalho e também para a imagem de si própria e dos membros da sua família perante os outros.

Por isso, não é aconselhável ela ser metediça, mentirosa, vingativa, preguiçosa, fofoqueira, não deve gastar demais, faltar a respeito a Deus e aos santos populares.

Frequentemente a ela são atribuídas algumas características negativas mais como a maldade, a teimosia, a facilidade de revelar os segredos que lhe são confiados, a fragilidade e a capacidade de chorar muito. 

Por outro lado a tradição popular valoriza a sua castidade, amor pelo trabalho, a capacidade de poupar o dinheiro que o marido ganha etc. Quando é mãe, avó ou irmã, ela é um ser digno de respeito, admiração e amor. Nessas situações ela é firme, constante, terna, nela se pode confiar.

Se tem muitos filhos, é estimada, salientam-se as suas qualidades de educadora, a sua paciência, amor e capacidade de perdoar sempre.

A sabedoria popular elogia também as mulheres dedicadas a Deus, sendo o estatuto de freira dignificado pela sua pureza e esforço de se manter virgem.

Basicamente, as ideias negativas sobre a mulher dirigem-se mais àquelas cujo comportamento sexual não corresponde aos padrões por vezes rígidos da moralidade patriarcal em que estão constantemente presentes três tipos de vigilância: a familiar, a social e a religiosa.

O problema da esterilidade há séculos tem sido mal visto na sociedade, e quase sempre se culpava a mulher por não poder ter filhos, sendo a família numerosa muito estimada nas comunidades, sobretudo no meio rural, uma vez que a quantidade e a dificuldade dos trabalhos do campo exigiam uma divisão por um número de pessoas grande.

Outra questão pela qual se insistia nos filhos é o desejo de se assegurar um herdeiro do culto e da propriedade familiar.

O imaginário popular das culturas portuguesa e sérvia deprecia também as madrastas, sendo elas as substututas da mãe. Elas são introduzidas na nova família por razões pragmáticas, para criarem os filhos do primeiro casamento do marido, não são amadas, nem desejadas, por isso, demostram a sua angústia e frustração agredindo e tratando mal os enteados.

A sabedoria popular desta forma deseja salientar que não há amor como o maternal e propaga a união da família e a não existência do divórcio, como também tenta dizer que o homem se deveria esforçar mais na educação dos seus filhos.

Outras mulheres para as quais a cultura tradicional reserva uma opinião ambivalente são as viúvas, salientando por um lado a sua situação difícil e a necessidade de se casarem de novo, e por outro, desconfia delas, olhando para o novo casamento como para um sinal de deslealdade ao primeiro marido.

 Nos provérbios cujas protagonistas são a sogra e a nora, nota-se uma aversão em relação à nora, salientando-se a dificuldade de ela se integrar completamente no novo meio familiar. Dela desconfia-se porque não se sabe com certeza de que forma foi educada na sua família de origem, porque sempre se pode suspeitar da sua infidelidade, mas também a rivalidade entre a sogra e a nora pode-se explicar pelo facto de a sogra estar a perder as qualidades e a supremacia na hierarquia dentro da família  e pelo medo de ter de dividir o amor do seu filho com mais alguém.

Por último, mencionaremos as vizinhas e as comadres, que são elementos que não pertencem à família, mas que lhe são próximas e conhecem de perto as suas alegrias e problemas.

São necessárias, mas também as duas tradições populares alertam para o cuidado que as pessoas devem ter  com elas, porque a  sua privacidade pode estar em perigo.

Conclusões:

Nesta breve análise da situação do género feminino aos olhos da sabedoria popular ajudou-nos a compreendermos melhor algumas ideias petrificadas que existem em todas as culturas e também na portuguesa e sérvia.

Tentámos desmistificar alguns preconceitos da mulher e mostrar que ela é muito valorizada se o seu comportamento se adequa às normas sociais, culturais e religiosas de cada comunidade.

A nossa observação da mulher focalizou-se mais na sua representação dentro da família, uma vez que o espaço público pertencia mais visívelmente aos homens.

Mesmo que pareça que o lugar da mulher na cultura popular é reduzido, pode-se pensar na sua esperteza e inteligência de sugerir ao marido algumas ideias que ele deve levar a cabo.

A nossa posição é que a mulher é um ser digno, sublime e abundante em características positivas, o que a experiência e o saber popular são capazes de reconhecer em algumas situações.

No entanto, quando são criticadas, as mulheres devem perceber essa posição da tradição como um passo para corrigirem os seus defeitos e para serem cada vez melhores e mais perfeitas.

Anexos, exemplos e esclarecimentos adicionais:

o lugar da mulher nos provérbios portugueses e sérvios

•       O espaço público em que a mulher aparece é bastante reduzido

•       Os autores dos provérbios são geralmente homens e por isso observam a mulher da sua perspectiva

•       O interesse dos provérbios pela mulher é grande: (beleza ou sua ausência, a idade de casar, a origem, a educação, a religiosidade, a castidade ou não, os vícios e virtudes, a posição na família, a fertilidade ou esterilidade, a capacidade de educar os filhos, trabalhar, poupar dinheiro)

Visão da mulher na cultura tradicional portuguesa e sérvia

•       Ambivalente: entre a encarnação da virtude e o sinónimo do pecado

•       A mulher e o seu comportamento são muito vigiados na sociedade e daí a necessidade de a cultura popular condenar mais os seus defeitos do que os do homem

•       Quando é má, compara-se com a bruxa u Diabo, e quando é boa, com anjo, coroa do marido etc.

•       Mulheres muito valorizadas na cultura portuguesa e sérvia

•       As mães e irmãs porque neste aspecto a sua sexualidade não tem importância

•       Aquelas que gostam de trabalhar, poupar e preocupar-se com o marido e a família

•       Virgens, religiosas ou aquelas que dedicam a vida a Deus

Mulheres mal vistas no imaginário popular português e sérvio

•       Aquelas cujo comportamento sexual não corresponde às exigências e critérios morais dominantes

•       As mulheres sem filhos

•       As que participam em fofocas e intrigas e revelam os segredos dos outros

•       As que mentem e não são de fiar

As que choram por qualquer motivo, mostrando asua fraqueza e sensibilidade às vezes desnecessariamente

A mulher na família:

1) MÃE:

Virtuosa, paciente, compreensiva, capaz de perdoar, boa educadora, digna de respeito, amor e admiração, generosa, sacrifica-se pelos outros com gosto, esforça-se para o bem da sua família

2) IRMÃ: 

Leal, boa, ajuda e apoia os irmãos em qualquer momento, sacrifica-se por eles, orgulhosa dos seus irmãos

A mulher e a sua integração na família:

•       A)  MADRASTA

- Nas duas culturas a ideia sobre ela é negativa, implica desconfiança, maus-tratos, amarga a vida dos enteados, nunca pode ser como mãe, inspira medo, aversão e angústia nas pessoas que a rodeiam

•        B) A SOGRA E A NORA

Relação de rivalidade, de desconfiança, de constantes suspeitas latentes da infidelidade da nora, a dificuldade de a nora se integrar na nova família, a luta pelos privilégios, supremacia e amor do homem “partilhado” por elas (filho/marido)

 

•       C) A ESPOSA QUE FICOU VIÚVA:

Visão ambivalente em ambas as culturas. Entre a dificuldade económica e a necessidade de procurar um novo marido que a sustente e a deslealtade e pouca tristeza pela morte do primeiro marido

Mulheres próximas do meio familiar:

•       Vizinhas e comadres:

Ideia ambivalente: necessárias, mas intrometidas e perigosas para a privacidade e os segredos da família

Alguns exemplos da imagem negativa da mulher nas duas culturas:

•       Mulher janeleira, namorada ou rameira

•       Rabo de mulher e focinho do cão nunca conheceram Verão

•       Ne veruj ženi kad plače (Não acredites na mulher quando chora)

•       Gori je ženski jezik nego turska sablje (É pior a língua feminina que um sabre turco)

•       Madrasta - o nome lhe basta

•       Da je maćeha dobra, u bašti bi se sejala (se a madrasta fosse boa, plantava-se no quintal)

•       Alguns exemplos da imagem positiva da mulher nas culturas populares portuguesa e sérvia:

•       A mulher e a gata é de quem a bem trata

•       Više vredi što žena uštedi, nego što muž zaradi (Mais vale o que a mulher poupa  do que o que o marido ganha)

•       Não há madre como a que pare

•       Žena je žena, a majka je majka ( Mulher é mulher e mãe e mãe)

•       De onde és tu homem? De onde é a minha mulher.

•       Dobra žena, najbolja prćija (Uma mulher boa đe o melhor dote)

•       Exemplos mal interpretados sobre a mulher nas duas culturas:

•       Ao homem feliz morrem-lhe as mulheres, e ao infeliz, morrem-lhe as éguas. (Sérvia)

•       (Karadžić, 1987)

•       No dia de Santo André, quem não tem porco, que mate a mulher. (Portugal)

•       (Funk, 2008)

•       Explicação do primeiro caso:

•       A égua, como animal de carga, era necessária em cada casa, por tanto, a sua morte é uma grande perda, no entanto na Sérvia, quando um homem ficava viúvo, geralmente não esperava muito para se casar novamente, e os amigos vinham a sua casa com propostas de novas potenciais noivas, e quem tinha tais amigos considerava-se feliz (Vlahović, 1999)

•       Explicação do segundo provérbio:

•       Não se convidam os homens a matarem as mulheres, por serem iguais às porcas ou piores, não se incentiva a violência nem a discriminação da mulher,
trata-se do seguinte. Quem não tem porco, que mate a porca, sendo ela fêmea, ou “mulher” do porco. (Funk, 2008)

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KARADŽIĆ, Vuk Stefanović (1987) Srpske narodne poslovice i izreke, Prosveta, Beograd

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