PROVAS ILÍCITAS: Uma perspectiva da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Por Tájara Marina Leite Guimarães | 21/12/2020 | Direito

PROVAS ILÍCITAS 

Uma perspectiva da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

 

  Ana Carolina Lima Vieira

            Fernando José Andrade Saldanha 

    Tájara Marina Leite Guimarães

 Vanessa Karoline da Silva Oliveira

 

  Sumário: Introdução. 1. Provas ilícitas. 1.1. Conceito. 1.2. Inadmissibilidade das provas ilícitas. 2.  O STF e as provas ilícitas. 2.1. A teoria dos frutos da árvore envenenada ou prova ilícita por derivação. 2.2. Teoria da proporcionalidade ou razoabilidade ou teoria do interesse predominante. 3. Considerações finais. Referências.      

 

Resumo

O presente trabalho tem como escopo analisar o instituto processual penal da prova, mais precisamente, da prova ilícita prevista na Constituição Federal sendo por, esta, vedada na apuração e apreciação como é de se observar no art. 5º, inciso LVI, deste mesmo diploma.

O ponto chave deste estudo é realizar uma perquirição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro com o escopo de extrair, das manifestações nos julgados desta corte, a interpretação dada ao comando normativo presente no texto do dispositivo constante do art. 5º, inciso LVI, da Carta Magna, ou seja, observar qual é o entendimento do STF no que concerne a aceitabilidade ou não das provas ilícitas no processo penal.  

Palavras-chave: Constituição. Direito de Defesa. Ilicitude. Prova. Proporcionalidade.

 

Introdução 

Um dos princípios basilares do direito processual é o princípio da persuasão racional ou do livre convencimento do juiz que consiste na independência intelectual do juiz ao interpretar os fatos e textos normativos a fim de fazer emergir, de sua convicção, a norma jurídica concreta. Para tanto, as partes devem fornecer ao juiz elementos fáticos que convirjam para a verdade que querem que seja apreciada na decisão do magistrado. Na formação da convicção do juiz reside a finalidade das provas, estas, essenciais para o deslinde da causa.

Neste contexto encontram-se as provas ditas ilícitas, a saber, se podem ou não formar, dentro do processo, o juízo decisório do magistrado. Para enfrentar este tema, primeiramente, conceitua-se prova ilícita, em seguida comenta-se acerca da inadmissibilidade desta espécie de prova. Em um segundo momento, passa-se ao exame da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evidenciando as duas posições adotadas por, esta, Corte no que concerne a aceitabilidade das provas ilícitas. E por fim, realiza-se algumas considerações acerca da temática exposta.                     

 

1.  Provas ilícitas

1.1.  Conceito 

É importante observar a grande importância que as provas desempenham no processo e o papel relevante para comprovar fatos no universo social. Percebe-se então que o julgamento pautado em provas engloba tanto a labuta do magistrado como os diversos fatores contidos no ambiente social, fazendo com que a decisão tomada não tenha cunho arbitrário, mas aceitável.

A Constituição, no art. 5º, inciso LVI, prescreve que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Para compreender a abrangência deste dispositivo, deve-se perquirir acerca do que seja ilícito, formulando, posteriormente, um conceito. Segundo, o eminente professor, Guilherme de Souza Nucci, o ilícito pode ser visto de duas formas: restritamente, ilícito é aquilo que é proibido por lei; em sentido amplo significa aquilo que é contrario à moral, aos bons costumes e aos princípios gerais do direito.            

A Constituição de 1988, por seu caráter principiológico, abraçou o sentido amplo de ilícito, vedando, portanto, a prova ilegal, bem como a prova ilegítima. Disto decorre a distinção entre ilícito material e ilícito formal, este, refere-se à introdução, no processo, de prova vedada pela lei, aquele refere-se a obtenção de prova vedada por lei. A esse respeito, Nucci leciona: “o ilícito envolve o ilegalmente colhido (captação da prova ofendendo o direito material) e o ilegitimamente produzido (fornecimento indevido de prova no processo)”.      

 Aldo Batista dos Santos Júnior remete-se à prova ilícita como toda aquela que vier ultrajar o direito material, assim como aquela obtida por meios não autorizados pela legislação pátria ou meios que estão em desacordo com alguma legislação complementar, ordinária, etc.  

No tocante às provas ilícitas Ada Pellegrini Grinover apud Patrícia Fortes Lopes Donzele compreende que prova ilícita, em stricto sensu, é a prova resgatada com violação às normas ou princípios dispostos pela Constituição Federal e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades públicas e dos direitos de personalidade e principalmente do direito à intimidade.

Já, Marco Antônio Garcia de Pinho prefere ter a Constituição como fundamento para conceituar provas ilícitas e apresenta genericamente como sendo aquelas inadmissíveis e vedadas no processo, ou como dispõe posteriormente, que as provas ilícitas são aquelas cuja obtenção viola princípios constitucionais ou preceitos de natureza material.

De maneira concisa entende-se por provas ilícitas aquelas alcançadas com violação ao direito material em que não se respeita os direitos e as garantias individuais do acusado e de terceiros.

 

1.2. Inadmissibilidade das provas ilícitas 

Consideram-se ilícitas as provas obtidas com violação da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, do domicílio, e das comunicações, salvo nos casos em que há permissão judicial, como preceitua o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal.  

Ainda, o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal foi, no ano de 1996, regulamentado pela lei 9.296 sendo admitida a realização de interceptação telefônica legítima, ou seja, ocorrerá em segredo de justiça, obedecendo alguns requisitos de lei. A mesma deverá ser autorizada ex officio pelo juiz ou autoridade policial, na fase de investigação policial, bem como pelo promotor na fase de instrução penal. Deve haver indícios razoáveis, ou seja, suspeitas fundadas de autoria ou participação. Caso existam outros meios de apurar o fato, não se utiliza a interceptação.

Sobre outras situações que envolvem provas ilícitas, muito se discute na doutrina. Alguns doutrinadores defendem a opinião de que as provas ilícitas são inadmissíveis em qualquer ocasião, por outro lado, doutrinadores defendem a idéia de que podem ser as provas ilícitas consideradas válidas de acordo com a importância do resultado que se pretende alcançar, existindo portando duas teses divergentes.

A primeira delas, que inadmite o uso de prova ilícita, é defendida por Ada Pellegrini. Citada por Marco Antônio Garcia em seu artigo, a mesma defende que os preceitos constitucionais têm estatura de garantia que interessam a coletividade, como meio de manter a ordem pública e a boa condução do processo. No mesmo artigo complementa o referenciado autor ao afirmar que:

 

A contrariedade a essas normas acarreta sempre a ineficácia do ato processual, seja por nulidade absoluta, seja pela própria inexistência, porque a Constituição tem como inaceitável a prova alcançada por meios ilícitos. Como a apuração da verdade processual deve conviver com os demais interesses protegidos pela ordem jurídica, daí a razão de os diversos ordenamentos jurídicos preverem a exclusão de provas cuja prática possa representar atentado à integridade física e psíquica, dignidade, liberdade e privacidade, à estabilidade das relações, à segurança do próprio Estado, etc.

  Em sentido contrario está o entendimento de Fernando de Almeida Pedroso. O autor defende a verdade real, independente dos meios utilizados para encontrá-la. Assim, se a prova ilícita mostrar essa verdade, será admissível.

Assim, entra em discussão o grau de inadmissibilidade das provas ilícitas, visto que no dia-a-dia ocorrem situações tensas, que se divergem, mas sempre com a preocupação de preservação da dignidade humana.

 

O critério hermenêutico mais utilizado para resolver eventuais conflitos ou tensões entre princípios constitucionais igualmente relevantes baseia-se na chamada ponderação de bens, presente até mesmo nas opções mais corriqueiras da vida cotidiana. O exame normalmente realizado em tais situações destina-se a permitir a aplicação, no caso concreto, da proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco, e da maneira menos gravosa ao(s) outro(s). Fala-se em proporcionalidade. 

 

Sendo assim, na aplicação do direito a ponderação é essencial, visto que sempre há possibilidade de colisão entre as normas e princípios constitucionais.

Tourinho Filho, em seu Manual de Processo Penal, elenca alguns exemplos que ocorrem com freqüência. Exemplifica o caso daquelas pessoas que guardam dentro de cavidades normais do seu corpo, drogas ou jóias. Discute até que ponto está autorizada a exploração por autoridade que traz consigo fundadas suspeitas.

Percebe-se que na sistemática do Código Processual Penal que se pretendeu não foi determinar “as provas admissíveis”, mas sim não admitir as aquelas que atentarem contra a moralidade. As limitações encontram-se, sobretudo, na Constituição Federal, que carrega consigo princípios norteadores de valores pessoais e sociais, que não podem ser violados.

 

2.  O STF e as provas ilícitas 

Há, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, duas correntes de pensamento acerca da aceitabilidade ou não das provas ilícitas. A primeira entende que as provas obtidas por meios ilícitos ainda que comprovem a verdade dos fatos não devem ser aceitas, a segunda entende que os interesses devem ser sopesados utilizando o princípio da proporcionalidade/razoabilidade, ou seja, a análise do caso concreto é que vai determinar a admissibilidade ou não das provas ilícitas, principalmente se, estas, forem o único meio de defesa do acusado.               

 

2.1.  A teoria dos frutos da árvore envenenada ou prova ilícita por derivação 

De acordo com o assunto abordado, tem-se no campo do Processo Penal que a prova tem por escopo a demonstração em juízo de um acontecimento que supostamente deva ser adequado ao tipo penal. É bem verdade que não se deve esquecer de uma análise voltada para a Constituição Federal, que trás em seu bojo a não aceitação de meios ilícitos na produção das provas, no que diz respeito à trilha do sistema probatório e do conjunto de princípios informadores do processo no Brasil.

Ainda neste contexto o STF (Supremo Tribunal Federal) manifesta-se contra a utilização da prova obtida por meios ilícitos, haja vista que se for utilizada, incorre em “erro” e aqui é relevante frisar o que elucida a doutrina anglo-americana criada pela Suprema Corte Americana, ou seja, a Teoria da Árvore com Frutos Envenenados (fruits of poisonous tree) que afirma que uma prova ilícita de cunho inicial tem a capacidade de macular as demais provas posteriores. “A prova ilícita por derivação fica, pois contaminada pela prova ilícita da qual derivou.” Entende-se, portanto, que o “defeito” se prolifera a todos os frutos da planta e isto culmina na ilicitude por derivação.

A respeito da prova ilícita por derivação, o eminente jurista, Guilherme de Souza Nucci, mediante o exemplo da escuta ilegalmente realizada explica:

 

Imagine-se que, graças à escuta ilegal efetivada, a policia consiga obter dados para a localização da coisa furtada. Conseguindo um mandado, invade o lugar e apreende o material. Note-se que a apreensão está eivada de veneno gerado pela prova primaria, isto é, a escuta indevidamente operada. Se for aceita como lícita a segunda prova, somente porque houve a expedição de mandado de busca por juiz de direito, em última análise, estar-se-ia compactuando com o ilícito, pois termina-se por validar a conduta ilegal da autoridade policial. De nada adianta, pois, a Constituição proibir a prova obtida por meios ilícitos, uma vez que a prova secundária serviu para condenar o réu, ignorando-se que ela teve origem em prova imprestável.          

           

Na realidade, as provas ilícitas por derivação são alcançadas licitamente, é a prova originária a que se chegou àquelas que é obtida ilicitamente, ou seja, conseguida com violação da honra, da privacidade, do domicílio, da imagem, da intimidade e em alguns casos das comunicações. Nesta ótica, há decisões do Supremo Tribunal Federal, como no RHC nº. 90.376, 2ª turma, rel. Min. Celso de Mello, 03/04/2007, cuja ementa é a seguinte:

 

E M E N T A: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.

 

Nesta mesma esteira de entendimento os precedentes: STF, HC nº. 70277-5/MG; STF, HC nº. 80.949/RJ; STF, HC nº. 72.588/PB; STF, HC nº. 73.351/SP.  

É bem verdade que desta teoria pode-se retirar um entendimento interessante, tal entendimento é pautado na possibilidade de concluir que o conhecimento da existência de certas provas se daria sem o auxílio da informação ilicitamente obtida. Em razão de casos como este, é de se concluir que nem toda atividade de cunho investigativo está maculada ou eivada de antijuridicidade. “A prevalecer tal extensão para o conceito dos frutos da árvore envenenada, com desconsideração completa à teoria da descoberta inevitável, a ilicitude da prova, mais que uma violação à intimidade dos interessados, revelaria-se cláusula de permanente imunidade em relação ao fato.”  

 

 

 

2.2. Teoria da proporcionalidade ou razoabilidade ou teoria do interesse predominante 

Os defensores desta teoria defendem que na valoração das provas ilícitas deve-se ponderar os interesses em colisão, sopesando os interesses individuais com os interesses coletivos. Guilherme de Souza Nucci vislumbrando uma situação de seqüestro esclarece: “Para a descoberta de um seqüestro, libertando-se a vitima do cativeiro, prendendo-se e processando-se criminosos perigosos, por exemplo, seria admissível a violação do sigilo das comunicações, como a escuta clandestina.”        

Tal entendimento funda-se no princípio da proporcionalidade, portanto, em eventual colisão entre o direito a liberdade e a inadmissibilidade de provas ilícitas, deverá prevalecer o jus libertatis, direito fundamental do indivíduo. É sabido que os direitos são relativos devendo prevalecer um ou outro na construção da norma mediante análise do caso concreto.

A garantia da inadmissibilidade de provas ilícitas deriva do sistema protetivo da liberdade do cidadão, consubstanciado no princípio da dignidade da pessoa humana. Assim sendo, busca a proteção do cidadão em face do Estado Punitivo proibindo o excesso da força aplicada pelo mesmo, não devendo servir de fundamento para privar um inocente de seu direito fundamental à liberdade. Neste sentido, somente, no caso concreto é que pode ser mitigada a força do comando do art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal atenuando-se a prescrição da inadmissibilidade de prova ilícita quando em favor do réu. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal no HC nº. 74.678, 1ª turma, rel. Min. Moreira Alves, 10/06/1997, cuja ementa é a seguinte:

 

EMENTA: "Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido.

 

Ratificando, este, entendimento os precedentes: STF, HC nº. 75.338/RJ; STF, HC nº. 75.261/MG; STF, AI-AgR 50.3617 / PR. A respeito desta teoria, Luiz Francisco Torquato Avolio apud Guilherme de Souza Nucci expressa majestosa lição:

 

A aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o principio do favor rei é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e pela jurisprudência. Até mesmo quando se trata de prova ilícita colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais da antijuridicidade, como a legítima defesa.  

 

Como se percebe nas decisões do STF há uma evolução da jurisprudência em admitir as provas ilícitas quando para favorecer o réu que encontra-se em um das situações de antijuridicidade, pesando mais a liberdade do que o interesse na condenação de alguém.     

       

3. Considerações finais 

O principio da proporcionalidade é uma clausula constitucional geral que rege o ordenamento jurídico brasileiro deste o seu ápice (Constituição Federal) até a sua base, devendo ser, também, observado pelo magistrado na apreciação da prova no caso concreto. Este princípio evidência o caráter pragmático do direito que por muito tempo foi marginalizado pelo formalismo jurídico, como elucida, o eminente constitucionalista português, Paulo Bonavides dizendo que o princípio da proporcionalidade é:

 

Princípio cuja vocação se move sobretudo no sentido de compatibilizar a consideração das realidades não captadas pelo formalismo jurídico, ou por estes marginalizadas, com as necessidades atualizadoras de um Direito Constitucional projetado sobre a vida concreta e dotado da mais larga esfera possível de incidência. 

 

Não há na doutrina nem na jurisprudência um consenso quanto à aceitação ou inadmissão de determinadas provas ilícitas no processo. A melhor solução ainda é utilizar critérios de razoabilidade, levando em consideração valores constitucionais, analisando direitos fundamentais, na concretude de cada caso. A visão do STF é um grande e importante indicativo.

Ante todo o exposto, deve-se ressaltar que o processo de se flexibilizar a inaceitabilidade de provas ilícitas nos casos em que há uma colisão entre o valor liberdade e valor segurança, deve ocorrer através de uma jurisdição constitucional firme, sólida, devido à cultura brasileira, herdada dos tempos de repressão militar, da obtenção de provas mediante práticas de tortura, de coação, etc não condizentes com os valores democráticos reconhecidos na Constituição Cidadã de 1988.

 

REFERÊNCIAS.

 

 

BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros. 2006.

 

DONZELE, Patrícia Fortes Lopes. Prova ilícita. Disponível em:  http://www.direitonet.com.br/artigos/x/14/95/1495/> Acesso em: Nov. 2007

 

http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007.

 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

 

PINHO, Marco Antônio Garcia de. Breve ensaio das provas ilícitas e ilegítimas no Direito Processual Penal brasileiro. Disponível em:  http://www.juristas.com.br/a_2384~p_1~Breve-ensaio-das-provas-il%C3%ADcitas-e- ileg%C3%ADtimas-no-Direito-Processual-Penal-brasileiro

 

SANTOS JUNIOR. Aldo Batista dos. Da prova ilícita. Disponível em: <http://www.neofito.com.br/artigos/art01/ppenal43.htm> Acesso em: Nov. 2007

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal.  9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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