Provas ilícitas no Processo Penal em face dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição

Por Thyciana Maria Brito Barroso de Carvalho | 15/06/2017 | Direito

                                                                                                          Thyciana Maria Brito Barroso de Carvalho²

 

1 CASO

Desconfiado que estivesse sendo traído, o marido decide contratar um detetive particular. O detetive, de forma ilegal, grampeou o telefone da esposa do seu cliente, foi assim que, o marido descobriu que além de estar sendo traído, a esposa ainda ministrava medicamentos pesados em suas filhas, para que estas dormissem enquanto a mãe ficava com o amante. O marido então apresenta provas ao Ministério Público, que por sua vez denuncia a esposa. O argumento do marido para a utilização das provas ilícitas consta no art. 227 da Constituição Federal. A mulher por sua vez, se defendeu arguindo a inviolabilidade das comunicações telefônicas, presente no art. 5º, inciso XII da CF, além do fato de que a interceptação clandestina é crime previsto na Lei n° 9.296/96, e sendo uma prova ilícita não podendo ser utilizada para o convencimento do juiz por força do disposto na Constituição Federal que estabelece que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas de forma ilícita.

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição das Decisões Possíveis e argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão

2.1.1 A gravação ilícita deverá ser admitida no processo

Tomando por base o caso apresentado, verifica-se que há uma colisão de direitos fundamentais, quais sejam o direito à liberdade e à privacidade e o direito á proteção integral da criança e do adolescente. Segundo Alexy (2014) os direitos fundamentais tem o caráter de principiológico, devendo ser cumpridos no maior grau possível, sendo que, diante de uma colisão de princípios, é defendido por Alexy que esta colisão deve ser submetida a uma ponderação, e na análise do caso concreto, um princípio preferirá em relação ao outro princípio que esteja colidindo.

Ademais, quando da aplicação da ponderação ao caso apresentado, entender-se-ia que o direito fundamental à proteção integral das crianças irá prevalecer em detrimento do direito à privacidade da esposa. Os medicamentos que a mãe ministrava nas menores eram extremamente fortes, e não poderiam ser utilizados por crianças tendo em vista os danos que podem causar a saúde e a vida das mesmas. Entende-se que qualquer que seja a situação, o direito fundamental à saúde e à vida devem se sobressair em relação a outros direitos fundamentais. Centrados no princípio da busca da verdade real, o que se pretende em âmbito processual penal é a busca da verdade (GOMES 2010), não há como se abster deste princípio para que sobreponha o princípio da legalidade, logo não há como falar de uma total inobservância ao princípio da vedação à prova ilícita, mas na relativização deste princípio, sendo aplicadas a proporcionalidade e a razoabilidade para efetivação de um direito fundamental. Em se tratando da Teoria da Admissibilidade da Prova Ilícita ou simplesmente Teoria Permissiva, temos que:

Segundo a teoria permissiva, a prova obtida ilicitamente deve sempre ser reconhecida no ordenamento jurídico como válida e eficaz. Em todos os casos, deve prevalecer o interesse da Justiça no descobrimento da verdade, sendo que a ilicitude na obtenção da prova não deve ter o condão de retirar-lhe o valor de elemento indispensável para formar o convencimento do Julgador. Não obstante a validade e eficácia das aludidas provas, o infrator ficará sujeito às sanções previstas pelo ilícito cometido. (SILVA, 2008, p. [-?]).

 

Importante ressaltar que mesmo com a previsão constitucional de vedação das provas ilícitas, os tribunais pátrios, em seus julgados, vem relativizando este princípio da vedação das provas ilícitas, uma vez que essa vedação tem gerado mais impunidade que preservado direitos fundamentais que estejam sendo violados.

 

2.1.2 A gravação ilícita não deverá ser admitida no processo

Alvo de manifestas críticas no campo doutrinário tem sido o princípio da busca da verdade real, isso porque o referido princípio tem é visto como utópico. Certo é que não há que se tratar da busca de uma verdade real, mas sim de uma verdade processual, esta por sua vez tem sua formação com o contraditório, ampla defesa, processo legítimo que tenha igualdade entre as partes, e diante de um juiz que será imparcial. A nossa Carta Magna traz em seu artigo 5º, inciso XII a inviolabilidade das comunicações telefônicas como um direito fundamental, a exceção a este direito, fica por conta da possibilidade de interceptação telefônica mediante ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Neste mesmo diapasão, deve-se arguir o que dispõe a Lei 9.296/96, uma vez que esta traz os requisitos legais para que possa haver a interceptação telefônica, bem como criminaliza a realização da interceptação sem à autorização judicial prévia ou com objetivos não autorizados em lei, e devido a ilegalidade do ato, esta gravação não pode ser utilizada como meio de prova uma vez estamos tratando de uma prova obtida por meio ilícito, o que é inadmissível, conforme art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal.

 Importante ressaltar que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quando dá admissibilidade das provas ilícitas, sendo estas aceitas apenas quando para benefício do réu isso porque, se tendo como base o princípio da inocência, não haveria ilicitude em decorrência da excludente de antijuridicidade. Além do mais, de acordo teoria da arvore dos frutos envenenados, o fato da interceptação telefônica pelo detetive vir de um meio ilícito, acaba por tornar as demais provas que possam advir de natureza igualmente ilícita. Tal teoria está em conformidade com a jurisprudência pátria, como pode-se ver no julgamento do HC 64096 – PR do STJ.

2.2 Assertivas a serem analisadas secundariamente

2.2.1 Provas obtidas a partir da escuta telefônica legalmente autorizada pela autoridade judicial não podem subsidiar denúncia por crime apenado com detenção tendo em vista a restrição imposta pela Lei 9.296/96 (Lei de Escuta Telefônica), em relação aos quesitos para o deferimento da medida.

A assertiva é inválida, pois o STF, no julgamento do Agravo de Instrumento 626214, contrariando o disposto na Lei nº 9.296/96, declarou legitimo o uso de prova obtida casualmente em interceptação telefônica judicialmente autorizada, mesmo que o fato investigado constitua crime apenado punido com detenção. (AI 626214 - MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJ 21/09/10).

2.2.2 É inviável na esfera extrapenal da prova obtida com interceptação telefônica.

A assertiva é inválida, Pois, contrariando a Lei nº 9.296/96, a 3º turma do STJ, no julgamento do HC nº 203.405 - MS, afirmou que o dispositivo legal não é absoluto, uma vez que em situações excepcionais, e quando nenhuma outra diligencia puder ser adotada, a interceptação telefônica poderá ser utilizada no âmbito cível, principalmente para averiguar o cometimento do delito disposto no art. 237 de ECA. (HC 203.405 - MS, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ 28/06/11 inMAGALHÃES, 2011).

2.2.3 Não é possível a utilização da prova obtida contra terceiro com interceptação telemática, quando no curso da medida se verificar a prática delituosa por agente estranho ao pedido originário da interceptação.

A assertiva é inválida,

2.2.4 Pelo critério limitação da fonte independente entende-se válida a prova produzida com base em fator dissociado da ilicitude de prova anteriormente obtida

A assertiva é válida, pois a fonte independente é aquela que apenas aparenta ser derivada de uma fonte ilícita. Todavia, ela é independente porque a mesma não tem qualquer nexo de causalidade restrito com a fonte viciada, e seria obtida de qualquer forma. As fontes independentes são admitidas tanto pela jurisprudência pátria, quanto pela própria legislação, no art. 157 §1º e §2º do Código de Processo Penal. (ARAÚJO JÚNIOR, 2013). 

2.3 Descrição dos Critérios e Valores contidos em cada Decisão Possível

2.3.1 A gravação ilícita deverá ser admitida no processo

Para fundamentar tal decisão utiliza-se o princípio da proporcionalidade, princípio da verdade, e a Teoria da Admissibilidade da Prova Ilícita.

2.3.2 A gravação ilícita não deverá ser admitida no processo

Para fundamentar tal decisão utiliza-se a liberdade e sigilo, da intimidade,do devido processo legal,e o da segurança jurídica. Além disso, há também implicitamente a observância ao princípio da vedação de provas ilícitas.

 

REFERÊNCIAS

 

ARAÚJO JÚNIOR , Amaro Bandeira de. Provas ilícitas no processo penal . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3503, 2 fev. 2013. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal Federal (STF) – AGRAVO DE INSTRUMENTOAI 626214 - MG.Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16548015/agreg-no-agravo-de-instrumento-ai-626214-mg . Acesso em: 06 de outubro de 2015.

 

MAGALHãES, Alex Pacheco. Interceptação telefônica na seara extrapenal e recente posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ). In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10416>. Acesso em out 2015.

 

 

 

BRASIL. Superior Tribunal De Justiça (STJ) - HABEAS CORPUS HC 64096 PR 2006/0171344-7.Disponível em: Acesso em 26 de mar. de 2014.

 

BRASIL. Superior Tribunal De Justiça (STJ) - Recurso Ordinário Em Mandado De Segurança: RMS 5352 GO 1995/0003246-5.Disponível em: Acesso em 26 de mar. de 2014.

 

CARDOSO, Flávio. Provas no Processo Penal. Disponível em: Acesso em 20 de mar. 2014.

 

CORRÊA, Sílvia Leme. A prova processual penal ilícita e a teoria da proporcionalidade.

Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2006. Disponível em: Acesso em 26 de mar. 2014.

 

FRANCO, João Vitor Sias. Princípio da legalidade no âmbito das leis penais. Jus Navigandi,Teresina, ano 15, n. 2459, 26 mar. 2010 . Disponível em: . Acesso em 11 de mar. 2014.

 

GUARINO, Manoela. Interceptações e gravações não autorizadas. Disponível em: Acesso em 18 de mar. 2014.

 

Inadmissibilidade de provas ilícitas. Ação penal n. 307-3 - Distrito Federal. Voto (preliminar sobre ilicitude da prova). Disponível em: Acesso em 21 de mar. 2014.

 

LACHI, Rômulo. Exceções a inadmissibilidade das provas ilícitas no Processo Penal Brasileiro.2009.Disponível em: Acesso em 25 de mar. 2014.

 

LIMA, Renato Brasileiro de.Manual de Processo Penal.2 Ed. Vol 1. Niterói: Ímpetus, 2012.

 

MULLER, Desirée Brandão. Prova ilícita: A possibilidade da sua aplicação no Processo Penal. 2006. Disponível em: Acesso em 24 de mar. 2014.