Prostituição do menor em Cáceres MT
Por Natanael Vieira de Souza | 22/05/2012 | HistóriaTexto escrito e apresentado em 23/05/2009 na disciplina de (PTL) sob orientação da Profa. Dra. Neuza Zattar.
Natanael Vieira de Souza[1]
natodesouza@hotmail.com
Segundo pesquisa divulgada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, em janeiro de 2005, que denuncia a exploração social e comercial de crianças e adolescentes em 937 municípios brasileiros, “estima-se que CEM mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil”.
Trata-se de um dado preocupante pelos números altíssimos e também com relação à baixa idade com que os menores são levados à prostituição, em média 11 anos de idade, tendo inclusive casos com idade inferior, como já noticiou a grande mídia sobre o caso da menina de nove anos que vinha sendo estuprada desde os seis anos de idade.
Notícias como esta e outras, como no caso do programa da Rede Globo, o Globo Repórter, do dia 15/05/2009, que nos mostrou o dado alarmante de uma média de sete casos atendidos por dia, na cidade de São Paulo, o que nos deixam alarmados e perplexos com a atual realidade da insegurança em que se encontram as crianças, adolescentes e jovens do Brasil. Na cidade de Cáceres- MT, não tem sido diferente, não estamos imunes a este problema que abala milhares de famílias brasileiras.
Em visita recente à Delegacia de Defesa da Mulher, pudemos constatar, via dados fornecidos que, somente neste ano de 2009, a Delegacia registrou 34 denúncias de violência contra o menor, até a data de 20/05/2009, das quais 24 são de violência sexual. Receberam também 4 denúncias de aliciamento de menores, ocorridas através do chamado turismo sexual. Um destes casos foi denunciado anonimamente e ainda não foi confirmado, pois as vítimas, por medo, não quiseram oferecer denúncias.
Já no Conselho Tutelar, não obtivemos muitas respostas quanto aos números atuais sobre a situação em Cáceres. O Conselho alega não ter números à disposição, mas concordam que existe um grande volume de casos, com maior incidência na periferia da cidade, em que as vítimas, na grande maioria, são oriundas de famílias de baixa renda, e tais incidências acontecem com mais frequência no meio familiar (intra familiar).
Prostituição e/ou abuso do menor ainda é um grande tabu na nossa sociedade, principalmente nas classes média e alta, pois são raras as denúncias provenientes das mesmas. Segundo a Delegacia de Defesa da Mulher, em Cáceres, os maiores índices de aliciamento de menor acontecem na Praça Barão do Rio Branco, lugar frequentado, em sua grande maioria, pelas classes média e alta e, raramente, são registrados denúncias destes casos. Com isso, somos levados a acreditar que existem muitos casos não relatados à justiça (prostituição do menor “velada”) que, segundo a Delegacia de Defesa da Mulher, por vergonha e/ou medo.
Ao perguntar sobre a atuação do Conselho Tutelar, responderam-nos que o mesmo trabalha com o dispositivo do ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) Titulo V – do Conselho Tutelar. Sobre qual era a metodologia usada e quais eram as primeiras medidas tomadas ao receber uma denúncia, disseram que o Conselho trabalha com denúncias e que logo após recebê-las, verificam a veracidade das mesmas, caso sejam verídicas encaminham a vítima para o hospital a fim de constatar se houve ou não conjunção carnal. Após verificação médica, a vítima é encaminhada ao CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e, em seguida, ao psicólogo.
O CREAS tem como objetivos: fortalecer as redes sociais de apoio à família; contribuir no combate a estigmas e preconceitos; assegurar proteção social imediata e atendimento interdisciplinar às pessoas em situação de violência, visando sua integridade física, mental e social; prevenir o abandono; fortalecer os vínculos familiares e a capacidade protetora da família. Atualmente 56 famílias são acompanhadas pelo CREAS, em Cáceres, sendo que 26 dessas famílias foram inseridas na lista somente neste ano de 2009; destas 26, 17 são vítimas de abuso sexual (neste trabalho, a expressão prostituição infantil ou do menor é entendida a partir de duas abordagens: uma que se entrecruza com o conceito de exploração econômica ‘exploração sexual’ e outra que se refere à obtenção de prazer, com prejuízo de saúde mental e física de quem está sendo explorado ‘abuso sexual’); Oito vítimas de exploração sexual; uma vítima de estupro, e apesar desta se encaixar na categoria abuso sexual, o que difere é que a vítima é maior de idade, mas mesmo assim é atendida e acompanhada pelo CREAS. O acompanhamento se dá através de 6 monitores com a função de abordagem, acompanhamento, orientação, visita domiciliar etc.
Da mesma forma age a Delegacia de Defesa da Mulher, e um fator relevante a seu favor é que, enquanto o Conselho Tutelar não tem caráter investigativo, a Delegacia desempenha o papel de investigar.
Recebe a denúncia e, quando comprovado o crime, segue o mesmo procedimento do Conselho Tutelar. Quando comprovado o crime, a Delegacia instaura um inquérito e encaminha ao Ministério Público para que tome as devidas providências, segundo a legislação vigente. Conversando com a escrivã responsável por ouvir as vítimas de abuso e/ou prostituição, perguntamos-lhe sobre os motivos que levaram tais vítimas (no caso de prostituição) a se prostituírem, e obtivemos a seguinte resposta: “[…] são os motivos mais banais: dinheiro, roupas, calçados, celular, enfim qualquer objeto e/ou benefício, como, promessa de emprego etc”.
Como as vítimas são oriundas de famílias de baixa renda, qualquer objeto ou benefício que os pais não podem dar torna-se moeda nas mãos dos aliciadores. Ao entrevistar o aliciador Fulano de tal, que nos prometeu responder apenas duas perguntas, perguntamos: “[…] por que você alicia garotas em tão tenra idade?” Respondeu-nos que “[…] as garotas de 12 a 15 anos de idade são as mais requisitadas e o rendimento que elas proporcionam é bem maior, visto que elas ainda não sabem cobrar e se contentam com pouco”. Com relação à última pergunta: “[…] qual seria a sua reação se a sua filha ou uma parenta bem próxima fosse aliciada para a prostituição?” Espantado ao ouvir a pergunta atrevida, pensou um pouco e respondeu:
“[…] Eu tenho uma filha ainda bebê, vou fazer de tudo pra educá-la da melhor maneira possível, eu conheço ‘essa vida’, sei onde muitos pais e mães estão errando, vou procurar não errar com a minha filha, sei que o que eu faço é errado, mas se eu não fizer, outro faz… de qualquer jeito elas vão pra ‘p.’ mesmo, então eu faturo o meu, elas faturam o delas e todo mundo fica contente”.
Tentamos fazer mais uma pergunta, mas ele não quis responder.
Nota-se na fala do aliciador que a responsabilidade, ou a irresponsabilidade, é única e exclusiva dos pais, inclusive ele, o aliciador, sabe onde os pais estão errando, porém parece não saber ou não querer saber que aliciamento de menor é crime passível de punição.
A base internacional de toda a legislação específica, para punição de crimes como estes, tem como referência os seguintes documentos: Declaração sobre os Direitos da Criança, ratificada em 26/9/1923 em Genebra; Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948; Segunda Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada em 1959; Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 e Declaração de Viena de 1993. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as plenas garantias do Estado de Direito, definindo a proteção à família, estabelecendo que as crianças e adolescentes são sujeitos de direito (artigos 226 e 227). O ECA (Lei 8069 de 13 de julho de 1990) detalha os direitos da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, estabelecendo todo um sistema de garantia de direitos e da proteção integral e integrada da criança e adolescente. A Lei 8022 de 25/7/90, dos crimes hediondos, alterou o artigo 263 do ECA, no caso das penas impostas aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, conforme mostra o quadro abaixo, elaborado pela Secretaria dos Direitos da Cidadania, trazendo a legislação relativa à exploração, abuso sexual e maus-tratos de crianças, adolescentes e jovens (o menor). USUÁRIO TIPO PENAL CAPITULAÇÃO PENA Estupro Cod. Penal- art. 213, Lei 8072/90, art.9° Reclusão de 10 a 14 anos Atentado violento ao pudor CP- art. 214, c.c. Lei 8072/90, art.9° Reclusão de 10 a 14 anos Posse sexual mediante fraude CP- art. 215, § único Reclusão de 2 a 6 anos Sedução CP- art. 217 Reclusão de 2 a 4 anos Corrupção de menores CP- art. 218 Reclusão de 2 a 4 anos Rapto consensual CP- art.220 Detenção de 1 a 3 anos Formas qualificadas aplicadas aos arts. 213 e 214 CP- art. 223 e § único Reclusão de 8 a 12 anos resultando lesão corporal grave e 12 a 25 anos (resultando morte) Presunção de violência CP- art. 224, “a” Presume-se a violência quando a vítima não é maior de 14 anos Atentado ao pudor mediante fraude CP- art. 216, § único Reclusão de 2 a 4 anos EXPLORADOR TIPO PENAL CAPITULAÇÃO PENA Mediação para servir à lascívia de outrem CP- art. 227, 1 Reclusão de 2 a 5 anos Favorecimento da prostituição CP- art. 228,1 Reclusão de 3 a 8 anos Casa de Prostituição CP- art. 229 Reclusão de 2 a 5 anos Rufianismo CP- art. 230,1 Reclusão de 3 a 6 anos, além da multa Tráfico de mulheres CP- art. 231,1 Reclusão de 4 a 10 anos Produção de representação pornográfica, utilizando criança ou adolescente ECA, art. 240 Reclusão de 1 a 4 anos e multa Fotografar ou publicar cena de sexo envolvendo criança ou adolescente ECA, art. 241 Reclusão de 1 a 4 anos PAIS OU RESPONSÁVEL TIPO CAPITULAÇÃO PENA Maus-Tratos, opressão ou abuso sexual ECA, art.130 Afastamento do agressor da moradia comum[2].
Um fato é incontestável, crianças, jovens e adolescentes tornaram-se reféns de verdadeiros “criminosos” e não existem medidas governamentais a curto e médio prazo para minimizar essa situação.
Seria o caso de Instituições privadas como ONGS, igrejas, associações de bairros e outras, fazerem alguma coisa. Ao entrevistar o representante dos direitos humanos sobre o que o Centro de Direitos Humanos estava fazendo efetivamente para minimizar este problema de prostituição e abuso de menores em Cáceres, ele nos disse: O Centro de Direitos Humanos tem como prerrogativa agir quando os direitos são violados, por exemplo: supomos que uma adolescente é vítima de abuso sexual, procura a Delegacia de Defesa da Mulher (é um direito seu) e se esta, não toma as devidas providencias, procura o Conselho Tutelar e se este também negligencia a sua defesa, seu direito, aí entra em cena o Centro de Direitos Humanos para reivindicar os direitos que lhe foram negados. A atuação dos direitos humanos hoje junto à sociedade é sua atuação efetiva nos conselhos de direitos, na proposição e fiscalização de políticas públicas adequadas para minimizar a violação de direitos, sejam eles quais forem.
Sobre o tema em estudo entrevistamos o representante do MNMMR (Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua) que argumentou: “[…] a entidade MNMMR vem desenvolvendo várias atividades no sentido de minimizar incidências de abuso e prostituição do menor em Cáceres”, dizendo ainda que:
“[…] a mesma coordena um projeto social que conta com três núcleos, dois no bairro Cavalhada com as seguintes atividades: esporte, cultura, arte e lazer; e um núcleo no Jardim Primavera, que trabalha com esportes; e quanto à metodologia, são atividades voltadas para a conscientização dos direitos humanos, através de ações lúdicas… da educação”.
A situação dos jovens que estão sendo levados à prostituição e/ou abuso sexual, na visão da Igreja, foi colocada por um Padre, desde que seu nome não fosse divulgado:
“Trata-se do esfacelamento da família e dos valores culturais e religiosos, os pais já não vão com os seus filhos e filhas à Igreja, já não cultuam juntos, o amor a Deus e à família, (família que reza unida, permanece unida) muitas vezes os pais nem mesmo sabem onde os seus filhos estão”.
Perguntamos-lhe, ainda, o que a Igreja está fazendo ou poderá fazer para minimizar essa situação? Respondeu ele:
“A Igreja é cada um de nós, todos e todas devem se empenhar na construção de uma sociedade melhor, mais justa e mais humanitária, todos temos parcela de culpa pelo desmoronamento social em que nos encontramos, devemos olhar para nós mesmos e refletir sobre que país queremos construir e deixar para os nossos filhos e filhas e, a partir desta reflexão, transformar o nosso discurso libertário em ação”.
Concluindo, vemos que o problema da prostituição infantil repousa nas questões sociais de má distribuição de renda; desemprego; falta de oportunidades; ausência de conhecimento de direitos e garantias etc. Estes fatos, somados às questões históricas e culturais, fazem com que as facilidades para o submundo da prostituição apresentem-se como um caminho alternativo e, de certa forma, atrativo, pois é um mundo, à primeira vista, glamouroso, com muitas bebidas “de graça”, drogas e muitas badalações da moda, além de uma fonte de renda rápida e, na maioria das vezes, sem volta.
Precisamos, com urgência de investimentos em saúde, educação e esclarecimentos, bem como divulgação de dados e maior enfrentamento por parte dos órgãos responsáveis, e do papel indispensável da sociedade, pois estas medidas em curto prazo tendem a serem meios efetivos para a redução deste crime, que transforma crianças em adultos, mas adultos marginalizados e excluídos da sociedade.
“Prostituição Infantil (ou do menor)”, este slogan deve ser seguido de “É Crime - É Imoral - Disque 100, Denuncie”!
[1] Acadêmico do curso de HISTÓRIA/UNEMAT/CÁCERES-MT
[2] Fonte: FUNDAMENTOS E POLÍTICAS CONTRA A EXPLORAÇÃO E ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES - Relatório de Estudo - MJ/CECRIA - Brasília, março de 1997, e-mail: cecri1@cecria.org.br