PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1998 – 2002) - PARTE CXCIV -  “O ANTEPROJETO DE LEI ORGÂNICA NACIONAL DAS POLÍCIAS ESTADUAIS”.

Por Felipe Genovez | 23/04/2018 | História

Data: 18.05.99, horário: 17:00 horas – “A última fronteira”:

Fui levar as minhas sugestões acerca do anteprojeto de Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis dos Estados (apresentado pelos "Chefes de Polícia" de todos os Estados do Brasil no último encontro nacional), conforme solicitação do Delegado-Geral, sabia que essa poderia ser uma ponta de esperança, porém, já calejado com tantos revezes em níveis nacional e no Estado, ao mesmo tempo procurei adotar uma atitude de prudência e descrença com o bem intencionado Chefe de Polícia Moreto. De qualquer maneira, Moreto tinha demonstrado nos últimos tempos uma confiança sólida no meu trabalho, nas minhas ideias...  Sem me deixar levar por isso, mas consciente de minhas responsabilidades e desafios, considerando que estava no lugar certo e na hora certa, também poderia ter uma porção milagrosa guardada, então entreguei o material que naquele momento, considerando o poder do “agora”, mais parecia a última fronteira:

"ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA

DELEGACIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

Informação     /GAB/DGPC/SSP/99

Interessado: Delegado-Geral da Polícia Civil

Assunto: Análise sobre anteprojeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil (Ofício n. 024/99, do Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil)

O anteprojeto em questão foi encaminhado pelo presidente do Conselho Nacional de Chefes de Polícia – Laerte Rodrigues de Bessa – Delegado-Geral da Polícia Civil do DF que solicita o seu máximo empenho na apreciação desse material, encarecendo que as sugestões a ele pertinentes sejam encaminhadas à sede em
Brasília até o dia 16 do corrente mês.

Recebi o material no dia 16.05.99, ao final da tarde.

Numa análise perfunctória do material e considerando precipuamente a exigüidade do tempo, apresento as seguintes sugestões que entendo mais substanciais:

  1. Quanto à estruturação da carreira de Delegados de Polícia por classe (art. 26):

No nosso Estado, como é sabido, a carreira de Delegados de Polícia possui a mesma estrutura jurídica prevista às carreiras da Magistratura e Ministério Público, conforme Lei Complementar 55, de 29 de maio de 1992, com as alterações da LC 178/99. De acordo com a proposta que está sendo apresentada retornaríamos a  situação anterior, isto é, voltaríamos à vala comum onde estão todos os servidores.  Vale anotar que a adoção do sistema de entrâncias trouxe grandes avanços em termos de prerrogativas a nossos Delegados de Polícia, a começar pelo tratamento jurídico reconhecido à carreira e conquistas em termos de inamovibilidade, superando o estágio não muito remoto, quando nossos Delegados a qualquer momento podiam ser removidos  por ‘conveniência’ dos interesses políticos internos ou externos, sem critérios estabelecidos em lei.

Pode-se dizer que a adoção do sistema de entrâncias se constituiu numa opção que fizemos onde se levou em conta fundamentalmente a máxima do que é bom para o Judiciário e Ministério Público, em termos de prerrogativa no exercício da carreira, também é bom para os Delegados de Polícia. Há que se lembrar que na oportunidade da tramitação da sobredita legislação tivemos a opção de buscar um estreitamento com os Oficiais da Polícia Militar (Delegado-Tenente, Delegado-Capitão, Delegado-Major...); ou, ainda, permanecer no sistema geral de classes, como queriam as Secretarias de Estado da Administração e Procuradoria Geral do Estado; ou, ainda, optar por um sistema híbrido, considerando futuramente o fator unificação das polícias: 1° Comandante, 2° Comandante, Delegado Especial, Delegado de Polícia 1a e 2a Classe e Comissário.

Para esse anteprojeto, consideramos que se constituiria um avanço bastante significativo se fossem instituídos dentro dos Grupos de Carreiras que integram às Polícias Civis, os Subgrupos: Delegado de Polícia, encimado pelo cargo isolado de Procurador de Polícia que substituiria os atuais Delegados de Polícia Especiais. Com isso, estaríamos prosseguindo - numa primeira etapa - a mesma situação que permeia o Judiciário onde o Juiz de Direito tem a possibilidade de ingressar – no final da carreira - numa segunda instância (Desembargador); como também os Promotores de Justiça que além de vislumbrarem a possibilidade de ingressarem no patamar isolado de Procurador de Justiça podem, ainda, serem promovidos ao cargo de Desembargador.

Como alternativa, considerando possíveis resistências de setores mais conservadores, vale observar que se a nova lei vier para impor retrocessos, preferentemente,  propõe-se então que não se enverede no campo da estrutura jurídica das carreiras, especialmente, no que diz respeito aos Delegados de Polícia, deixando para cada unidade da Federação dispor livremente sobre o assunto, considerando, principalmente, a realidade de cada Estado e o estágio de desenvolvimento e complexidade de suas instituições, evitando-se, assim o nivelamento por baixo.

Finalmente, entendo se deva substituir em todos os dispositivos o termo ‘classe’ por ‘graduação’ em se tratando de definição de estrutura das carreiras policiais civis. Diante disso, propõe-se também se deixar cada Estado adotar a terminologia que melhor lhe convier, respeitando princípios jurídicos quanto ao instituto do provimento de cargos públicos e aplicáveis ao assunto.

2. Lei Especial de Promoções – LEP/PC (art. 27)

A Polícia Civil catarinense possui Lei Especial de Promoções (Lei Complementar n. 98, de 17 de novembro de 1993).  Nela constam quatro modalidades de promoção: Merecimento, antigüidade, ato de bravura, e ‘post mortem’.  A proposta de redação prevista para o art. 27 prevê apenas duas modalidades tradicionais de promoção.

3. Remoção – Delegados de Polícia (art. 28):

Novamente temos aqui um choque com as disposições que constam na nossa legislação. Isto é, a movimentação funcional dos integrantes da carreira de Delegado de Polícia segue as mesmas diretrizes prevista para a Magistratura e Ministério Público. Assim, a remoção de Delegados de Polícia verifica-se nos casos de concurso de remoção horizontal que antecede as promoções (que podem ser feitas sempre que houver cargo em vacância). Como excepcionalidade, há também a possibilidade de remoção ‘ex officio’ de autoridade policial  que será sempre motivada e desde que respaldada em critérios fixados em  lei, como por exemplo, compatibilidade com a graduação da comarca. Isso ocorre em razão de que os Delegados de Polícia não possuem inamovibilidade plena e submetem-se, invariavelmente, às ingerências políticas.

4. Funções da Polícia Civil (art. 1°):

Consta da proposta de art. 1° que:

‘As policiais civis dos Estados são instituições permanentes, estruturadas em carreiras, essenciais à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio no âmbito das respectivas atribuições, organizando-se basicamente nos termos desta Lei’.

Propõe-se a seguinte redação:

‘As polícias civis dos Estados são instituições permanentes, estruturadas em carreiras, essenciais à Justiça Criminal e à preservação da ordem pública no âmbito de suas respectivas funções, com estrutura e organização básica prevista nesta Lei’.

Comentário:

  1. As funções de polícia judiciária e científica são condições essenciais à prestação jurisdicional;
  2. A locução ‘preservação da ordem pública’ esgota em si mesma os termos ‘incolumidade das pessoas, do patrimônio’. E como ficam os outros delitos, ‘verbi gratia’:  contra o meio ambiente, ordem tributária, meio ambiente, informática...?
  3. A locução ‘atribuições’ deve ser evitada (significa poderes, prerrogativas que dizem respeito a autoridades investidas dessas contingências). Mais adequado e técnico nessa situação é se  utilizar a expressão ‘de suas respectivas funções’ que diz respeito diretamente a órgão e a preposição ‘da’ deve ser alterada para ‘de’, em razão da falta de definição de quais sejam.

5Funções da Polícia Civil (art. 2°):

As normas que constam da  Carta Fundamental Política de nosso Estado definem como funções da Polícia Civil:

  1. Apuração de infrações penais;
  2. Polícia judiciária
  3. Polícia científica
  4. Polícia administrativa (funções administrativas de trânsito; controle e fiscalização no âmbito estadual de: jogos e diversões públicas; produtos controlados; e vigilância patrimonial).

Propõe-se nova redação ao art. 2°:

‘As polícias civis possuem privativamente, ressalvada a competência da União, as seguintes funções básicas:

I – apuração das infrações penais, exceto as militares;

II – polícia judiciária;

III – polícia científica.

Parágrafo primeiro. As competências constitucionais das polícias civis são indelegáveis.

 

6. Nova redação ao art. 4° que passa a se constituir parágrafo segundo do art. 2°, do anteprojeto:

Parágrafo segundo. Às polícias civis, também na sua função de auxiliar a Justiça, é assegurado independência funcional na defesa da ordem jurídica, respeito à dignidade humana a partir da observância dos direitos e das garantias individuais.

Parágrafo terceiro. As instituições policiais civis são integradas operacionalmente aos demais órgãos que compõem o sistema de segurança pública em níveis federal e estadual, sob o controle do titular responsável pela pasta política, de maneira a garantir a eficiência de todo o sistema.

Comentário:

A função auxiliar da Justiça é um ‘plus' que decorre das próprias funções básicas da Polícia Civil. Sendo essa condição elementar impõe-se na melhor redação a especificação direta dessa condição meio, sem parâmetros àquelas preconizadas institucionalmente nos dispositivos anteriores.

 

7. Nova redação ao art. 6°:

‘As polícias civis são administradas por Procurador-Geral de Polícia, nomeado dentre autoridades policiais em atividade, desde que integrantes do subgrupo: Delegado de Polícia, em último patamar da carreira, de livre escolha do Chefe do Poder Executivo, mediante indicação do conselho superior da instituição, em lista tríplice’.

Parágrafo único. Os critérios de escolha dos integrantes da lista de que trata este artigo e de exoneração do Procurador-Geral de Polícia serão estabelecidos em legislação complementar no âmbito dos Estados’.

Comentário:

O termo ‘administradas’ é bem mais abrangente do que ‘dirigidas’. Propõe que o subgrupo: Delegado de Polícia seja estruturado por três níveis: a) inicial; integrado pelos cargos de Delegados Substitutos estáveis ou não. b) estáveis; integrado pelos Delegados de Entrâncias:  1. Inicial; 2. Intermediária; 3. Final. c) Procuradores de Polícia.

O termo ‘Chefe de Polícia’ possuí raízes históricas fortíssimas, tendo sido criado a partir da entrada em vigor do Código Criminal do Império (1832), sendo ocupado, via de regra,  nas fases das províncias e primeira República Federativa por Desembargadores e Juízes de Direito. A expressão Procuradoria Geral de Polícia vem ao encontro de uma nova ordem jurídica e policial que se pretende engendrar às polícias estaduais, a partir de reformas em escala macro e que pretende-se servirão  para contribuir à unificação dos comandos das polícias estaduais e fortalecimento do todo em busca de melhor qualidade dos serviços à toda sociedade.

 

8. Modificação da redação do art. 9°:

O Colégio Superior da Magistratura é integrado por Desembargadores; do Ministério Público por Procuradores de Justiça; da Polícia Militar por Coronéis. Nota-se aqui outro retrocesso. Em Santa Catarina o Conselho Superior é integrado tão-somente por Delegados de Polícia. A composição eclética traz uma série de dificuldades, especialmente, no que diz respeito a quebra de hierarquia que o próprio projeto parece pretende consolidar. Como o Conselho deverá tratar acerca de recursos, processos administrativos disciplinares e tantas outras deliberações que dizem respeito também aos que comandam a instituição, pergunta-se: Em sendo o órgão deliberativo, como é que vai se impedir que policiais de outras carreiras venham a se manifestar sobre pleitos que envolvam seus superiores?

Propõe-se, alternativamente, que a composição dos conselhos superiores fiquem afetas a cada unidade da federação. 

Por fim, deixo de tecer maiores considerações ao anteprojeto em razão principalmente do prazo previsto para estudos e manifestação e que já se encontra esgotado.  No entanto, observo que essas sugestões acima propostas servem como contribuição e enriquecimento à futura lei orgânica, especialmente, no sentido de se  evitar futuros e irremediáveis retrocessos a nossa instituição.

Florianópolis, 18 de maio de 1999

Felipe Genovez

Delegado de Polícia de Entrância Especial"