PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1998 – 2002) - PARTE CXC - “PLANOS: ‘TOLERÂNCIA ZERO’ (DO SECRETÁRIO DE SEGURANÇA) VERSUS ‘AÇÃO 10’ (DO COMANDO-GERAL DA PM-SC)”.
Por Felipe Genovez | 20/04/2018 | HistóriaData: 11.05. 99, horário: 08:30 horas – “O Provimento”:
O Delegado-Geral Evaldo Moreto veio até a “sala de reuniões” com um ofício datado de 07 de maio de 1999, onde estava sendo solicitado ao Presidente do Conselho Superior da Polícia Civil que informasse qual o embasamento legal que deu suporte à deliberação que propôs o cancelamento dos processos de promoção de 1996/1997/1998 e 1999.
Concluímos que o suporte legal advinha da própria legislação que regia o Conselho e atribuiu essa competência. Depois Moreto se mostrou preocupado com um Provimento do Desembargador Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho – Corregedor-Geral de Justiça. Segundo Moretto, a Polícia Militar só estaria esperando vencer os cento e vinte dias para começar a atuar. Perguntou-se se ele poderia tomar alguma medida, como impetrar mandado de segurança. Concluímos que não, mesmo porque não tinha capacidade de representar o Estado e que isso só poderia ser feito via Secretários de Estado e Procuradorias-Gerais de Justiça e do Estado. Fiz ver ao Delegado-Geral que seria importante mobilizar a Adpesc que deveria trabalhar a OAB-SC.. Enfatizei que não caberia mandado de segurança nem Ação Direta de Inconstitucionalidade, porque o Provimento do Corregedor-Geral não se equiparava à lei e que o correto talvez fosse um Mandado de Injunção junto ao STF.
Moreto ainda disse que mobilizaria o Ministério Público por meio do Secretário de Segurança. Aproveitei para aconselhar que se ele confiasse piamente no Secretário que assim procedesse. E confirmou, mas que faria contato com Mário Martins na Adpesc, com o que concordei por ser a nossa entidade representativa e quem deveria estar à frente também dos interesses institucionais.
Moreto parecia bastante preocupado com os encaminhamentos que deveria fazer, inclusive sobre as promoções. Lembrei a ele a determinação do Titular da Pasta para que procedesse a abertura do processo de promoções dentro do prazo de dez dias, a contar da publicação da Portaria. Moreto ponderou que teria dito a ele que faria um ofício aos presidentes das comissões, mesmo porque o processo era contínuo. Argumentei que devesse começar os processos de promoções de Delegados pela entrância inicial, a fim de evitar os mandados de segurança no final da carreira, o que poderia emperrar o processo como um todo, tendo ele recalcitrado, dizendo que os mandados de segurança seriam contra a portaria do Secretário.
Antes de deixar o local Moreto me pediu que redigisse um ofício para a Fecapoc.
Horário: 10:00 horas – “Regime de tolerância, temor e terror?”
E Braga deu uma chegadinha na “sala de reuniões” da Delegacia-Geral, como quase já era o seu costume naqueles tempos, e observei que a criminalidade tinha aumentado e ele disse saber qual seria o motivo:
(...)
- Eu sei por quê?
- E, por que Braga?
- Primeiro por causa desse plano deles de “tolerância zero”, tu sabes que eu tenho contato com os policiais, gosto de ter.e eles estão com medo, estão sem corajem, estão inseguros, não sabem o que pode acontecer, se vão segurar e depois todo mundo está com medo do Rachadel e do Lipinski, realmente o pessoal têm medo deles, os policiais não confiam neles.
(...)
E mais a seguir, quando fui retribuir a visita na “Assistência Jurídica”, Braga completou que quando se trata de uma rebelião como a ocorrida na Penitenciária de Florianópolis na última sexta-feira:
(...)
- Eu não vi o Moreto durante as negociações, estava lá o Secretário, não entendi por que o Redondo estava lá? Ele não é do Detran? Também estava o Lipinski, o que quê ele estava fazendo lá? Não dá para entender e foi o Backes quem negociou tudo, não tinha reféns, poderia ter resolvido tudo rápido, jogando umas bombas de efeito moral, poderiam ter invadido... Sinceramente, não entendi essa do Moreto?
(...)”.
Horário: 11:00 horas, “Novamente Knaesel e Julio”:
Resolvi telefonar para Gilmar Knaesel, pois tinha ainda o número do seu celular na minha agenda e sabia que não tinha mudado. Precisava ver se era possível pedir que interferisse na remoção de um servidor público, atendendo pedido de um amigo, mas já sabia que era quase que uma missão impossível. A última vez que vi o Presidente da Assembleia Legislativa foi no restaurante Pegorini do Beira Mar Shopping de Florianópolis, num daqueles domingos de final de março, com um frio atípico para início de outono. Disquei o número de Knaesel e depois de várias chamadas uma voz feminina do outro lado me deixou um pouco embaraçado:
- Alô!
- Alo!
E percebi que a voz feminina já perguntava quem estava falando, como se tivesse a missão de selecionar pessoas:
- Quem está falando?
- Escuta este celular por acaso é o do Gilmar?
- Sim, é. Quem é que quer falar com ele?
- É Felipe.
- Felipe?
- Sim!
Em frações de segundos, a experiente secretária deu o retorno:
- Felipe o deputado não vai poder atendê-lo agora porque ele está numa reunião.
- Ah, sim. Tá bom. Então em ligo mais tarde.
- Certo.
Durante o restante do dia fiz outras tentativas, porém não consegui falar com Knaesel, certamente ele também deveria estar esgotado com tanta gente lhe assediando, como era o caso de Jorge Xavier e seus “chás de cadeira” que queria de qualquer maneira encaixar o “Cesinha” em algum cargo comissionado. Realmente, achei que deveria dar um desconto, até porque a situação era bem diferente do caso Julio Teixeira, para quem trabalhamos politicamente e demos nosso voto.
“Planos: Ação 10 x Tolerância Zero?”
E surgiu um Plano de “Ação 10” que parece querer concorrer com o “Plano TZ”, é isso mesmo, e essa iniciativa coube ao Coronel Backes, Comandante-Geral da PM de Santa Catarina apresentar o seu plano, com direito a bons espaços na mídia, dando a impressão que queria se ombrear com o Secretário de Segurança Pública. Tudo indicava que essa proposta de Backes estava dirigida para agradar sobremaneira as elites do Estado, aliás, até o Secretário de Segurança já que também defendia um modelo de polícia operacional, reativa, reagente, reflexa... Evidente que esse tipo de “plano” sempre agradou quem estava no andar de cima como forma de vigiar e punir as massas.... E, mais uma vez talvez viesse a servir também como âncora para alguma pretensão pessoal ou política, como diziam que era a intenção do Secretário Carvalho. .
“Ecos e Egos”:
Braga me informou que havia sido divulgado n jornal ‘A Notícia’ um artigo sobre o plano “Tolerância Zero”, e no Diário Catarinense o plano da Polícia Militar:
(...)
- Só tem uma coisa Felipe não entendi, eles falam em integração, mas que integração é essa se não falam nem na Polícia Civil?
(...)
E peguei os jornais emprestados para ler as notas. No Diário Catarinense, além da chamada de capa, duas páginas apresentavam o alto comando da Polícia Militar dando o tom das boas novas à grande massa, sob os aplausos das elites:
‘Ação 10 vai combater a criminalidade no Estado
Polícia Militar com ajuda da população para tornar eficaz o plano lançado ontem
A Polícia Militar de Santa Catarina (PM/SC) começou a formar uma grande rede de informações em todo o Estado que vai permitir maior eficácia nas ações de segurança pública. (...).
Uma outra etapa é a de prestação de contas, quando os batalhões companhias estarão enviando relatórios ao Comando Geral da PM/SC. O Plano de Ação 10 termina quando completar sua décima semana, em 16 de julho. Esse dia será reservado para a divulgação dos resultados. Backes destacou que o objetivo da PM é difícil de atingir: reduzir a zero os índices de criminalidade. Nesta primeira aplicação do Plano de Ação 10 ele estima uma redução em torno de 20%. O plano, porém, é cíclico. Assim que encerrar, será reaplicado.’
(Diário Catarinense, 11.05.99, pág. 4)
E na outra página do mesmo jornal, veio estampada a foto do Coronel Backes com a seguinte frase logo abaixo: “Novo sistema: Coronel Backes enumera aquisições para tornar ação mais ágil”. Em seguida a outra nota:
Comunicação será modernizada
Ontem a Polícia Militar iniciou também seu projeto de modernização do sistema de radiocomunicação (...). O sistema de radiocomunicação usado atualmente em todo o Estado é ultrapassado. (...). Outra aquisição são os aparelhos denominados Global Posicion System (GPS), que podem ser traduzidos como sistema de posição global (...)”
(Diário Catarinense, 11.06.99, pag. 5)
É a manchete nos jornais:
PM deflagra ação contra a violência
A Polícia Militar (PM) do Estado, está deflagrando a partir de hoje uma ação contra a criminalidade, simultânea em todas as regiões catarinenses. A intenção do chamado Plano Ação 10 é instituir uma grande rede de informantes para dar mais eficácia à segurança pública. Os comandantes de unidades pretendem integrar a comunidade, empresários e dirigentes setoriais e políticos, atuando como agentes de apoio às ações de combate à delinquência e ao crime. O comandante da PM, coronel Walmor Backes, estima que, com a estratégia, seja possível uma redução de até 20% nos números de ocorrências’.
(Jornal de Santa Catarina, 11.05.99, manchete de primeira página)
“Detran: Redondo em foco”:
Moacir Pereira registrou na sua coluna:
Telegráficas
(...)
Boa notícia: A secretaria de Segurança Pública abriu concorrência pública para locar um imóvel que abrigará as novas dependências do Detran. Finalmente!
(A Notícia, Segunda-feria, 10.5.99, pág. A-3)
“Tolerância zero na visa de Salim Schead dos Santos (Juiz de Direito de Lages)”:
Tolerância Zero
A possível implementação de um plano de tolerância zero em Santa Catarina, nos moldes do implantado em Nova York pelo prefeito Rudolph Giuliani, tem gerado controvérsias. E a controvérsia sempre é salutar, pois permite que se vislumbrem os vários aspectos de uma mesma situação. (...) Em Nova York, o plano de tolerância zero inspirou-se na teoria de George Kelling e James Wilson, elaborada em 1982, os quais entendiam ser imprescindível eliminar a desordem para se conseguir reduzir a criminalidade. Para o prefeito Giuliani, todos deveriam respeitar as leis, fossem os ricos de Park Avenue, os magnatas de Wall Street ou os pobres do Bronx e do Harlem. Havia milhões de dólares para serem aplicados no programa, que contou com o apoio da tecnologia de ponta, que permitiu o controle a distância de quarteirões e áreas de concentração de delinquência. Foram instalados equipamentos eletrônicos para captação, geração e gravação de imagens, conectados às redes de telemática e informática em locais estratégicos, como parques, semáfaros, pontos de venda de drogas e prostituição. O prefeito reduziu também o poder da Cosa Nostra (a máfia ítalo-americana). Em Santa Catarina, teremos dinheiro suficiente para aparelhar a polícia, com recursos humanos e técnicos necessários para este tipo de programa, ou a tolerância zero se restringirá a retirar de circulação os mendigos, os menores de rua, os camelôs e as prostitutas, ou seja, a face exterior da pobreza? (...) O Estado não conta com recursos para investir em saúde, segurança, transporte, obras sociais. Tem havido tolerância zero contra a sonegação, contra corrupção? Em Nova York, no início do programa, constataram-se abuso e violência policial contra a população, de modo que o próprio prefeito teve de comparecer perante a televisão para se desculpar. (...) Não será, pois, abolindo a face externa da pobreza que teremos restabelecida a paz social, ou seja, o exemplo de Nova York deve ser seguido em sua totalidade, não apenas no aspecto repressivo.
(A Notícia, Segunda-feria, 10.5.99, pág. A-3)
“Tolerância zero e os policiais civis”:
Paulo Alceu que sabia tudo e tudo enxergava quando queria, especialmente, os pequenos, registrou em sua coluna:
Tolerância zero
No último domingo, às 10h 45min, num supermercado na Via Expressa em Florianópolis, um Uno, placas LZL 8351, da Polícia Civil, saía do estacionamento carregado de compras. Para atendimentos familiares, pelo visto, não falta gasolina.
(Diário Catarinense, 11.05.99, pág. 8)
Horário: 15:30 horas, “‘A Velha Rota 66: Começo ou fim?”
Moreto retornou à “sala de reuniões” da Delegacia-Geral, parecia elétrico e receptivo, mais do que o normal, estava com ares de quem tinha tomado (ou tivesse precisando tomar) uma dose extra de ânimo. Ele queria discutir comigo uma informação acerca de inscrição de Delegados para promoção, estava em dúvida se quem não se habilitou nos dez primeiros dias do mês de janeiro poderia concorrer às promoções. Informei que ficaria impedido apenas de concorrer às duas promoções nas datas oficiais, isto é, dez de maio e vinte oito de outubro, quanto às promoções fora das datas oficiais, disse que nada impedia que os interessados se habilitassem, conforme dispusesse o edital de convocação, aplicando-se subsidiariamente o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado.
Moreto aproveitou para fazer uma confidência:
“(...)
- Eu vou te dizer um negócio, mas que fique aqui, foi o secretário que me confidenciou.
- Entendi, foi em “off’!.
- Isso, o Secretário despachou com o Governador e falou sobre as promoções atrasados dos policiais civis. O Governador disse que nem quer tomar conhecimento, não quer nem ouvir falar em promoções atrasadas e vai pensar ainda se vai assinar as promoções que vamos fazer.
- É mesmo? Bom ele recebeu tudo atrasado mesmo, a Agricultura também não fez promoções.
- Ah é?
- Lá eu sei que não fizeram, tomei conhecimento, foi determinação do Paulo Afonso.
- Será que a Educação tem feito promoções?
- Não sei Moreto.
(...)”.
Depois que Moreto saiu da “sala de reuniões” lembrei que tinha esquecido de dizer a ele para mediar uma intervenção do grupo de Redondo e Julio Teixeira que tinha acesso ao Governador Amim, mas acabei esquecendo. Também tinha o pessoal da Assembleia, como Heitor Sché e João Rosa que poderiam fazer uma frente. O fato é que as promoções na Polícia Militar sempre estavam em dia, enquanto isso...
E constatei derradeiramente que havia triunfado o de sempre, os velhos planos emergenciais e não a intrepidez esperada. Paradoxalmente, tudo indicava que o Governador Amim havia feito a opção pelo velho, mantendo o “status quo” que era bem mais fácil, ao contrário de se embrenhar no desconhecido, a procura de novos ventos, sob o risco de colher tempestades. Mas quem queria fazer verdadeiramente história teria que ousar, como manifestamos naquelas propostas que talvez não fossem tão inovadoras assim, mas que pretendiam virar uma página na história da polícia em Santa Catarina e, talvez, depois no país à fora. Sim, tinha essa convicção que estaríamos a caminho de uma polícia institucional de Estado, independente, crítica, pensante, transparente, silenciosa e científica, essencial à Justiça, parte indissociável da sociedade e agindo em seu nome, instrumento de paz espiritual, desprovida de ingerências políticas e longe do alcance dos políticos e poderosos. Respeitada!
Olhei para o dia seguinte que seria treze de maio e que dia! Procurei por meio da janela do tempo rememorar esse momento que havia passado, onde será que eu estava? Aniversários em família, Lei Áurea, Ponte Hercílio Luz..., parecia que em frações de segundos tudo estava tão latente, vibrante e devo passar por tudo isso novamente, mais próximo de pessoas queridas.
E, afinal a vida deveria seguir o seu curso. Haveria sempre tempo para buscarmos novas rotas, com ou sem fadas, invocando apenas a consiliência para alçarmos num ponto qualquer, após tormentas e tempestades, um arco-íris e presságios de novas utopias chegando, mas firme no pensamento que “a simplicidade é o último grau de sofisticação” (L. Vinci).