PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS - CRIAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE POLÍCIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA – GOVERNO ESPERIDIÃO AMIM – 1998/2002 - PARTE XXXII: “GILSA” (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 19/03/2018 | História

Data: 26.09.98, horário: 22:25h "O Fim da Festa:

Mais tarde retomei  a conversa com o policial Trajano na festa do Ginásio da Cassol (São José - Sanda Catarina) quando o reencontrei ainda no ginásio:

“(...)

  • Sim Trajano, e como é que foi o caso da agressão da Márcia Hendges, parece que você estava de plantão? (Felipe)
  • Eu vou lhe contar, o policial perguntou para os policiais em quem iriam votar e todos responderam que era no Heitor Sché, exceto a Márcia que disse que votaria em Júlio Teixeira, e o policial perguntou o que o “Seu Júlio Teixeira” fez nesses últimos quatro anos na Assembleia Legislativa, veio o bate boca, quando o policial deu um soco que acertou o rosto dela e nós imediatamente algemamos ele e o deixamos preso, quando apareceu o Optemar, sempre com aquele se gravador e nós não liberamos ele, disse que ele só seria entregue para a Delegada da Primeira Delegacia, conhece a Dra. Alina?
  • Dra. Alina? Conheço sim, conversei com ela por telefone.

(...)

Garcez apareceu por volta de vinte e duas horas e trinta minutos me avisando que está pretendendo ir embora, pedi para ele conversar com Jorge Xavier e esperar mais uma meia hora.

O Tony (“Ventania”)  conhecia muitos policiais civis e além de ter me apresentado o “Trajano” também me chamou para conhecer o  policial “Moreto”, baixa estatura, cabelos pretos, curtos, lisos e meio encaracolados, com o óculos de mosca assentados sobre a cabeça, passava a imagem de uma pessoa esperta, ligado a tudo que acontecia em sua volta, um profissional safo (descobri que foi ele quem dirigiu o Escort com Júlio Teixeira na carreata e causou todo aquele reboliço), e assim começamos a travar um diálogo:

“(...)

  • Então é você que é o parente do Dr. Moreto? (Jorge)
  • Sim. (Moreto)
  • Você também é policial civil, olha eu não sabia, parece que o Moreto está apoiando o Heitor Sché? (Felipe)
  • O Dr. Evaldo Moreto, não sei. (policial Moreto)
  • É você que está integrado ao doutor Wanderley? Qual é a posição dos  Delegados na Capital?
  • Está bom, no primeiro DP o Dr. Walter e o Rachadel estão conosco, no Segundo a Dra. Ester, no terceiro está meio duvidoso, no Quarto o Dr. Moacir é meio ligado ao Pacheco, no Sétimo tem o Dr. Carlos, a Dra. Sandra, o Dr. Lipinski, o Dr. Renato Hendges estão todos com o Heitor. Lá em Biguaçu o Dr. Quilante está fazendo um bom trabalho, que bom seria se nós tivéssemos mais pessoas como ele, o Sala é gente boa, está apoiando o Carlos Dirceu.
  • Mas quem diria o Renatão apoiando o Heitor e a filha dele o Júlio Teixeira? (Felipe)
  • Eu achei boa a atitude do Dr. Renato que não se posicionou, apenas foi lá e deu apoio a filha, mas não se envolveu. (Trajano)
  • Não, se fosse minha filha eu não deixaria assim, tomaria satisfação, exigiria providências (Moreto)
  • O Moacir tem realmente muita amizade com o Coronel Pacheco e isso é importante, ele é uma boa pessoa, mas e os nossos policiais como estão? (Felipe)
  • A maioria está conosco, só lá no Terceiro é que o pessoal está mais com o Sché. (Moreto)
  • Mais é natural, o Nilton fez um bom trabalho lá. (Jorge)
  • E o Dr. Renato (Risadinha) e a Dra. Ed ninguém sabe muito bem com quem estão (Moreto)
  • E qual a previsão de votos de Júlio, vocês sabem? (Jorge)
  • A pesquisa indica que Júlio larga de Rio do Sul com cerca de dezesseis a dezoito mil votos. (Moreto)
  • E o Heitor? (Jorge)
  • Ele deve largar com uns cinco ou seis mil votos, a campanha dele está pequeninha, e isso que aconteceu com a Márcia é desespero (Moreto)

(...)”.

Horário 23:00 horas, “o detalhe final”:

Antes de deixar o local  Júlio Teixeira veio se despedir de nós:

  • Felipe e a despesa aí como é que fica?
  • Júlio isso eu já te disse, é por nossa conta, é por conta dos amigos!
  • Não, eu quero ajudar.
  • Júlio já tens tantas despesas.
  • E a cerveja?
  • Está sob controle.
  • Mas o que passar da conta aí  não tem problema, vocês acertam e depois tu falas com o meu sogro lá no gabinete – o Seu Joanzinho ou com o Müller.
  • Não vai precisar, mas se houver algum imprevisto deixa que nós conversamos.

(...)”.

No final da festa chegaram os sogros de Krieger, mas já era hora de ir e antes que eu saísse de fino, conversei com Jorge Xavier e Leninha já que ele estava preocupado com as sobras de carne:

  • O que tu achas de doarmos essa carne para instituição de caridade? (Jorge)
  • Para mim tudo bem Jorge, isso agora é detalhe.
  • Detalhe?
  • É. Lembra do Pacheco, faça o que achar melhor.

Antes de deixar o local pensei em me despedir do pessoal, vi Krieger com os pais de sua esposa, Jorge com os parentes (só que depois que saí acho que ele também bateu em retirada), mas desisti no meio do caminho. E deixando o local lembrei de alguns detalhes: conversei pouco com o Arno Vieira, nem cumprimentei sua esposa Ladir, havia trocado poucas palavras com Krieger (mas esses entendem das coisas e certamente que iriam me perdoar e entender nossos papéis).

As Contingências:

Quanto a Wanderley Redondo pude refletir um pouco melhor e também reconhecer o seu esforço pessoal para arregimentar votos para Júlio Teixeira. Era visível o seu desgaste,  chegando a sacrificar seu tempo, dinheiro, inclusive, suas férias, fixando um quase plantão no gabinete do Deputado Julio Teixeira, enfim, era tanta dedicação que eu precisei deixar de lado as preocupações de Jorge Xavier, o trivial, possíveis mesquinharias e passei a respeitar ainda mais a grandiosidade de seu gesto e talento para lidar com aquele tipo de “negócio”  pessoal, o que ficou demonstrado nos últimos tempos que eu não conhecia e agora esperava que isso fosse para o nosso próprio bem, apesar de Jorge Xavier não concordar com meus julgamentos e haver ainda as contingências futuras e imprevisíveis. Sim, era verdade que todo o esforço de Wanderley Redondo era direcionado a buscar uma posição de hegemonia pessoa em termos de cargos para si e seus "amigos" (leia-se Lipinski, Rachadel e Celito, dentre outros da grupo do Cel Pacheco) e isso só o tempo seria capz de nos revelar e comprovar.

Na sequência, acabei na mesa de uma pizzaria no Bairro kobrasol com “Gilsa” (o estabelecimento chama-se “Einstein”), sentia a necessidade de relaxar um pouco,  conversar com alguém que tivesse uma ligação pessoal e familiar em termos de amizade e ela seria a pessoa certa para aquele momento, estava ali com toda a sua disposição e humildade para ouvir, desde os primeiros momentos, para o que desse e viesse no sentido do bem, e como já fazia há algum tempo, passei a explicar os acontecimentos no Ginásio Cassol:

“(...)

  • Mas então a festa não estava boa? (Gilsa)
  • Não é bem isso Gilsa, é muito complicado, mas é que existe uma disputa por espaços... pelo poder...
  • Como assim?
  • Para você entender imagine se nós achássemos uma lâmpada mágica e com ela tivéssemos poderes, imnagina?
  • Sim, imagino!
  • Então, o que nós faríamos?
  • Bom, tanta coisa.
  • Pois é, certamente não contaríamos esse segredo para ninguém, e procuraríamos esconder o objeto do alcance das pessoas, sob pena da gente se arrepender depois, certo?
  • Certo!
  • Isso também acontece com um rei, de repente um grupo de pessoas procura cercá-lo de tal maneira que é impossível depois o acesso das pessoas sinceras, simples, pois ele passa a se constituir a garantia de privilégios desses poucos que o cercam, certo?
  • Ah, entendo.
  • Então, é mais ou menos por aí.

(...)”.

E depois “Gilsa” (Gilséia Piccini Helfenstein) passou a confidenciar sobre seu drama de vida e nisso fui surpreendido com um choro compulsivo, porém, discreto à mesa, já que estávamos naquele ambiente há algum tempo e não estava interirado de sua vida particular a tal pondo de imaginar a sua solidão, o seu desespero... e me veio a imagem de sua família tradicional no oeste do Estado que conhecia muito bem (Palmitos – Santa Catarina), rigidez nos princípios e na educação, porém, pesava o fato de que não foi orientada para os estudos e com o avanço da idade, com o fim dos sonhos, veio para a Capital em busca de oportunidades e começou a cair na real... E, estava eu ali agora vendo seus prantos, seus desabafo emocional e contagiante que me fez esquecer os acontecimentos no Ginásio da Cassol. Diante disso, passe a me fixar integralmente nos seus sentimentos e a lhe dar a devida atenção, enquanto ela quase me sussurrou:

  • Eu só queria saber porque eu nasci?

Procurei acalmá-la dissimulando certa segurança e um equilíbrio que já era anotado por aqueles que estavam mais próximos e passaram a nos observar. Pensei  nos castelos de areia de “Gilsa”, nos seus anos dourados com a família no interior, nos anos que se passaram distante da realidade e recordei o delírio de Júlio Teixeira, o seu ufanismo da “galera” em contraste com os silenciosos observadores do lado de trás e que me fez lembrar de Hobbes em seu leviatã que a certa altura escreveu que viver é mais que sobreviver, é excluir a violência, não sofrê-la nem aplicá-la, aproximando sujeitos sociais, reconciliando desejos e vida, certamente os homens querem viver bem, sem medo da dependência ou da miséria... (até que ponto Júlio Teixeira num partido sob base ideológica liberal estaria comprometido com esses pensamentos, e aquele vazio do seu discurso, o seu exagerado pragmatismo, a tal da esperança, e Voltaire – o sátiro - que escreveu algo que nem lembro mais onde:  “O povo necessita ou precisa ser enganado...”). E estava ali aquela mulher em pânico, bem diferente da Tereza cheia de trejeitos e categorias respirando ares do parlamento e seus protagonistas, na busca utópica de uma felicidade calcada no simples, e eu tentando lhe confortar, lhe repassar a ideia de que ela precisava de um projeto de vida para se integrar a “modernidade”.

Ao pagar a conta no caixa perguntei a proprietária se ela conhecia um dos grandes enigmas sobre Einstein e para minha surpresa, apesar de orgulhosa do nome do seu negócio em homenagem aquele gênio, não sabia quase nada sobre a sua vida,  então me reportei a Kansas (EUA), ao legista e ao “quilo e meio” de massa cinzenta retirada de forma clandestina, do seu córtex, seu inseparável charuto, suas mulheres, Mileva e Elza... Depois das explicações, ainda sob o efeito da vaidosa mulher que procurava se recompor visivelmente espantada e boquiaberta, desci aquela escada com um súbito mal-estar, pensei na “Dinha” que fez bem em ter ficado em casa, e imediatamente lembrei de Sócrates: ”Como somos pequeninos neste mundinho de meu Deus”, não sabemos nada!!!