PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS - CRIAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE POLÍCIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA – GOVERNO ESPERIDIÃO AMIM – 1998/2002 - PARTE XXX: “MAIS ENIGMAS E RAIVAS JULIANAS” (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 19/03/2018 | História

Data: 26.09.98, horário: 18:15 horas, “o enigma de Garcez”: 

Ao chegar próximo da porta de entrada do Ginásio da Cassol (Bairro Kobrasol – São José – Santa Catarina) encontrei um grupo de pessoas e dentre elas Júlio Teixeira fazia o seu périplo, cumprimentei-o rapidamente:

  • Mas que carreata, heim? Por que não fomos para o centro? (Felipe)
  • Querido, o motorista ali correu demais, foi a uns sessenta quilômetros por hora.
  • Mas Júlio poderíamos ter dado uma volta no centro.
  • É mesmo.

Ao entrar no ginásio pude verificar que naquele momento ainda estavam sendo colocadas as carnes na churrasqueira, o “assador” era o sócio do Geraldo, pessoa tida como muito competente naquela arte. A seguir procurei o Krieger e não o encontrei, imaginei que ele tivesse ido até sua casa tomar um banho. Também não vi Cláudio Monteiro e Wilmar Domingues.

Procurei conversar com Garcez que estava acompanhado também de suas duas filhas (Laila e a Zaira, esta casada, muito esperta, a xodó do pai, também sempre sorridente, e pude lembrar a ausência constante da esposa de Garcez arredia a esses tipos de compromissos? Só conhecia por telefone e talvez fosse esse o grande enigma de Garcez, guardado meio que a sete chaves (e pensei na velha balada “Isn't it a pity?”), já o nome das duas filhas pareciam exóticos e lembrava aquele uma película antiga: “O Planeta dos Macacos”, então não era mais um enigma).  

Reparei que o ginásio naquele momento ainda estava quase vazio, ou seja, havia no máximo umas cem pessoas (se bem que o Jorge havia dito ter parado de contar lá de cima cento e cinquenta, não sei...). A primeira pessoa da Penitenciária de Florianópolis a chegar foi Meneses e sua filhinha, apesar de discriminado naquele estabelecimento, sempre se mostrou uma pessoa boa e leal, com quem passei a trocar algumas palavras:

  • Menezes, e o pessoal lá da Penitenciária?
  • Pois é, não vi ninguém por aí.
  • Também não vi o Wildemir, bom pode ser que o pessoal chegue mais tarde.
  • É, pode ser.

Mais tarde conversei com Júlio Teixeira que andava de um lado para outro cumprimentando as pessoas que se encontravam no local, abraços, sorrisos (e compreendi porque ele havia emagrecido tanto nos últimos tempos, se bem que tinha o fator “cigarro”):

  • Tu viste a coluna do Paulo Alceu (Felipe)
  • Sim, vi. (Júlio)
  • Isso não fica bem nem para um, nem para o outro candidato, nem para a instituição, é preciso evitar esse tipo de coisa.
  • Concordo, mas...
  • Certo, mas tem que ser evitado!

(...)”.

Raivas de Jorge:

Jorge na cozinha já tinha batido boca porque estava tudo muito desorganizado, a carreada tinha sido um fiasco e até ele havia se perdido, estava irritadíssimo (lembrei da sua chegada na carreata, sendo filmado, e me arrependi de não tê-lo filmado agora daquele jeito..., enquanto sua família presenciava o seu acesso de raiva (Leninha e seus pais, parentes...). Resolvi ir conversar com Jorge Xavier e não deu outra, explosão na certa:

  • Isso aqui está uma merda, isso é coisa que se faça, até eu me perdi, onde é que está o pessoal para ajudar?

Chamei o Tony (“Ventania”) e pedi que ele se apresentasse a Jorge Xavier como seu comandado para auxiliar no serviço de bebidas e atendimento do pessoal. A seguir fui chamar “Gilsa”  para ajudar, encontrando-a junto com as filhas de Garcez que também se prontificaram a botar a mão na massa e elas de “ti-ti-ti” se entreolharam aos risos e sinas enquanto seu atento pai ao lado dizia:

  • E não é para ficarem envergonhadas, a Gilsa já está ali com a mão  na massa.

Elas ficaram imóveis e surpresas, e Garcez teve que ir até elas para dar um ultimato.

Quando se imaginou que Jorge Xavier iria se acalmar veio novo furacão lá do bar, pois Wanderley Redondo havia estado lá dizendo para liberar a cerveja e não tinha sido  atendido, haviam sido pagos somente dez caixas e a coisa tinha que ser controlada,  Wanderley  teria se alterado com Jorge:

  • Tu estais segurando a cerveja, entrei com trezentos paus para pagar a cerveja,  hoje aqui nós somos iguais!

Evidentemente que era tudo que Jorge precisava para ficar a um passo de uma explosão com Wanderley Redondo, no que foi contido por mim e Redondo bateu em retirada, sendo que depois me procurou para perguntar:

  • Quantas pessoas do Sistema Penitenciário estão aqui...?

Como estava do lado de Menezes e sua filhinha, respondi apontando para a pessoa que estava ao meu lado:

  • Por enquanto só uma, está aqui o Menezes.

Redondo saiu e isso fortaleceu a minha ideia de que o controle de informação estava presente e serviria para algum objetivo, especialmente direcionado a utilização esquema de som. Quando cheguei junto ao “barzinho” Jorge Xavier veio ao meu encontro e lançou esta ainda com o sangue fervente:

  • Tu viste o que o Wanderley aprontou?
  • Não?
  • Ele veio aqui dentro gritar comigo dizendo para liberar a cerveja, olha eu quase que enfiei a mão nele, se ele voltar aqui assim ele vai ver.
  • Jorge está tudo bem, isso é uma festa...
  • Está tudo bem o quê? Está tudo uma merda, eu gosto de coisa organizada e esse cara armou tudo.
  • Jorge é um momento da gente somar, depois o prejuízo, os problemas a gente faz um balanço, mas agora não é hora para isso.
  • Olha se o Geraldo estivesse aqui ele já tinha enchido esse Wanderley de porrada,  ele vai de um a dez num instante.
  • O que, o Geraldo é assim esquentado?
  • Tu não conheces o Geraldo.

E Leninha:

  • O Jorge está puto da cara Felipe, tu viste o que o Wanderley aprontou?
  • Pois é Leninha, isso não é hora para se irritar, o Jorge tem que ter olhar de águia,  o prejuízo depois a gente vê, ele tem que fazer aquele sorriso de lobo, “rapozão”,   como é mesmo Jorge?
  • Ah sim.
  • Mais eu estou brincando, eu acho que está tudo bem, só não veio todo o pessoal que a gente esperava.

(...)”.  

Os limites entre o céu e o inferno, segundo a “Lenine(nha)”, sem papas na língua:  

Depois mais, chegou Jorge Xavier, aproveitei a passagem do “Príncipe” e lancei uma pergunta já para tentar descontrair os ânimos armados: .

  • Você conhece Nicolau? (Felipe)
  • Não.
  • Nunca ouviste falar no Nicolau Maquiavel?
  • Ah, sim.
  • Então, naquele livro famoso, certamente o Júlio já leu, eu pelo menos umas duas vezes, mas também existe aquele outro livro: “Maquiavel no Inferno”, conheces? Pois é Jorge, vê se lê também esse, é muito bom entender o século XVI, os ares de Firenze.
  • Eu acho que Jorge e Felipe vão é parar no inferno, os dois, isso sim. (Leninha)
  • Não, não! Só depois é que nós vamos saber se vamos para o céu ou inferno. (Felipe)
  • Olha, esse Redondo vai acabar mandando vocês dois pro inferno. (Leninha)
  • Bom Leninha, se depender de mim acho que estou preparado para viver tanto no céu como no inferno, agora quanto ao teu Jorge eu não sei. (Felipe)
  • O quê? Eu quero é o céu. (Jorge)

(...)”.

Depois dessa quase descontração (Leninha acabou encontrando espaço para destilar sua acidez antes contida...), fui para um local mais isolado, apesar daquela  brincadeira Leninha e aquela palavra “inferno” estavam ainda ressoando na minha mente justamente porque não contava com aquela presença dominadora... E me pus a pensar no exílio de Maquiavel em sua fazenda, escrevendo aquela sua primeira obra política que marcou para sempre a humanidade, talvez um dia fizesse o mesmo... (e veio à mente os nossos infernos, como no caso de Danti...) e seu sonho de ver seu príncipe retornando ao poder. E logo um estalo: talvez estivesse aí a chave que poderia ligar passado, presente e futuro (nada haver com a teoria da relatividade de Einstein, não em contraposição à teoria da mecânica física newtoniana, ou da mecânica quântica, da teoria de Hubble... e o efeito Doppler, sim, estava eu ali no meu isolamento interior agora, recolhido a minha insignificância, ouvindo ainda os estalos e efeitos “leninhares”). Mas, minha presença simbolizava o que poderia ser a viabilização de um ‘projeto”’ que poderá  reconduzir um ex-chefe de Polícia novamente ao comando policial do Estado... (se não fosse o efeito dos goles seguidos da “loirosa” pensei mais, ainda, Jorge Xavier havia sido “derrubado” do cargo de Delegado- Geral, apesar de eu ter  lhe advertido previamente e ainda a tempo de estancar aquele  processo, mas ele não me ouviu  e, em razão de seus erros, passou por verdadeiros tormentos e dias de insônia, com reflexos até aqueles dias, com seus tiques, explosões raivosas...). E acabei por interromper meus pensamentos relembrando que no ano de 1991 colaboramos no “Plano SIM” (área de Segurança Pública do candidato Vilson Kleinubing ao governo do Estado) que tinha como objetivo também implementá-lo a partir da ascensão de Jorge Xavier ao comando da  Secretaria de Segurança Pública. No entanto, a viabilização desse outro nosso projeto  foi para o espaço depois das eleições, e o Deputado Estadual eleito – Cel Sidney Pacheco - nos surpreendeu assumindo ele a Pasta da Segurança. Jorge teve que se contentar com a Delegacia-Geral. Agora o filme quase que se repetia, estava Júlio Teixeira de um lado, na mesma condição de Pacheco e nós do outro, só que com uma diferença fundamental: Havia também o fator Wanderley Redondo querendo guardar bem o seu devido lugar, talvez, no “topo”, o verdadeiro “Príncipe” seria quem?  

Paixões paradoxais:

“(...)

  • Jorge tu viste a matéria que saiu na coluna do Paulo Alceu deste domingo?
  • Não.
  • É, a Márcia, filha do Renatão, levou um soco no rosto.
  • Eu conheço esse Paulo Alceu. (Jorge)
  • Eu sei, conheço bem a história daquela tua entrevista, inclusive que ele é muito gentil contigo, naquela noite te levou até o carro, viste que eu tenho boa memória?
  • Eu sei disso (Jorge)

Pensando nessas paixões fortes que cegam, naquele momento veio à cabeça um outro Jorge (que não era o Bornhausen, nem o Harrison) e sim o Jorge Luiz Borges que Faucoalt citou na abertura do seu livro: “As palavras e as coisas” e também as suas paixões, diametralmente opostas, “Um por Buenos Aires... e o outro pela nossa Polícia...”.

A Mulher da terceira visão:

Já tinha observado que Tereza estava no ginásio, como também João Luiz (Chefe de Gabinete do Júlio acompanhado de seu filho, estudante de Direito). Verifiquei que o cabelo de Tereza estava mais curto e havia sido pintado para uma cor mais clara, assim perdeu um pouco daquele quê enigmático para cair mais num estilo...

Logo pensei que precisava localizar Julio Teixeira para fazer uma entrevista para os anais, e fui direto em direção da Tereza, procurando buscar no seu olhar se estaria ainda presente aquela visão transcendental (entretanto, sempre tive dúvidas de que ela tivesse convicção desse seu poder místico ou se isso estava mais em mim...). Estava lá, a mesma de sempre, acompanhada de uma amiga, em segundos conversamos horas, tinha a certeza que foi o bastante. A sua presença no local era garantia de bons ventos e, talvez, a possibilidade de fazer ver a ela quem era quem, por meio de nossas “auras”, acompanhadas das nossas energias que poderiam encapsular o candidato e afastá-lo da “perdição”, do “evil ways”..., num um sentido de absoluto e ao mesmo tempo de redenção. Não consegui estabelecer a aproximação, apenas a troca de boas energias, como sempre, e lembrei como o silêncio seria a fortaleza dos sábios, apesar de Salomão dizer o mesmo da “palavra”.

O Filme: “Isn't it a shame?”

Procurei o Cesinha com a câmera e disse:

  • Cesinha!
  • O que foi?
  • Pega essa câmera e dá uma filmada geral, eu não quero fazer isso porque sou muito visado.
  • Tudo bem,  então eu vou filmar lá de cima.
  • Lá de cima?
  • É, lá eu tenho uma visão mais ampla.
  • Ah, tá, entendi, então vai.

E depois:

“(...)

  • Cesinha filmaste o Júlio?
  • Não. Ele não está aí.
  • Como?

“(...)

  • Cesinha, o Júlio está ali dentro do bar, vem comigo com a câmera que eu vou entrevistá-lo.
  • Tá certo.

Júlio estava de pé no balcão e tinha arranjado tempo para comer pão com linguiça:

  • Júlio, vamos gravar uma entrevista histórica?

Enquanto ele se esforçava para engolir aquele pão que passava direto pela garganta ao mesmo tempo que colocava um gole de refrigerante, disse:

  • Muito bom.
  • Júlio, não é discurso de campanha, fica a vontade, eu faço umas perguntas e você responde informalmente que isso é para a gente guardar de recordação deste momento.

E veio o diálogo, apesar daquele barulho ensurdecedor e que poderia ser sintetizado em algumas frases:

“... O nosso maior entrave é o ódio...”;

“... Sonho em ser senador... sonho em ser governador... governador do Estado faz parte do meu ideário...”;

“... Temos que ousar na Secretaria de Segurança Pública...”;

“... Temos uma proposta de descentralização...”;

“... Queremos que a Secretaria de Segurança Pública siga um caminho novo e há projeto nesse sentido...”;

“... Temos diversos desafios e um dos maiores é o de recuperar a autoestima de nosso policial civil...”;

“... Temos de ousar..., ousar não é pecado...”;

“... Tenho um compromisso com nossos amigos da Polícia Civil de até 31 de janeiro propor um projeto para ser aprovado até dezembro...”;

“... Nenhuma decepção... é ínfima... perto da grandiosidade deste momento pela solidariedade que recebi dos amigos nesse momento... e eu só posso retribuir com lealdade...”.

Depois de encerrada a gravação do vídeo disse a Júlio que eu na verdade não pretendia falar do nosso ‘Plano’ e nem era meu desejo fazer qualquer registro nesse sentido... seria deselegante... e não era o meu estilo fazer esse tipo de cobrança naquelas circunstâncias..., mesmo porque já tantas vezes antes Júlio tinha dado a certeza de que iria lutar pelas nossos propostas... Mas, de maneira surpreendente e elegante, após algumas outras questões... ele deixou registrado o seu compromisso com aquelas propostas que subscrevemos juntos... e no final eu disse ao seu ouvido:

  • Júlio, depois mais se você proferir um discurso eu queria pedir para que você fizesse menção ao esforço, principalmente do Jorge, para tornar essa festa uma realidade.
  • Sim.
  • Tu sabes que o Jorge gosta de reconhecimento e ele merece, tem sido um lutador, então, no final do teu discurso até se for o caso pede para que ele fale um pouco,  vai ser bom.
  • Certo.
  • Entrastes no assunto do nosso “Plano”, não era o meu objetivo que tu falaste sobre isso.
  • Eu sei, mas fiz questão de deixar registrado o nosso trabalho, o compromisso.
  • Tudo bem, melhor ainda.
  • Escuta Felipe, a quem eu devo agradecer? Quem eu devo mencionar, o pessoal do Sistema Penitenciário e quem mais?
  • Olha Júlio, fala em nome da Polícia Civil, do pessoal da segurança, fica à vontade.
  • Tá bom, deixa comigo.

Raivas indômitas:

Depois disso, fiquei assistindo os discursos pensando na entrevista de Julio Teixeira que falou em “Segurança Pública”, mas não disse nada sobre “Procuradoria-Geral de Polícia”, não se comprometeu com o nosso “plano”, tampouco citou nomes, um discurso fisiológico, político, barato, nada mais! Voltei meu olhar para “Tereza”, no princípio da atração, no lugar “Assembleia Legislativa”, no que poderia significar um “projeto” como o nosso em contraposição ao outro projeto do seu parlamentar tão eloquente com os gestos e palavras, para quem ela servia de forma tão “confidencial” e ao estilo “turneriano” nas entranhas... Silêncio! Sentia o ranger dos meus dentes.