PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS - CRIAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE POLÍCIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA – GOVERNO ESPERIDIÃO AMIM – 1998/2002 - PARTE XXVIII: “QUIPROCÓS E AMBIVALÊNCIAS” (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 19/03/2018 | História

 

Data: 25.09.98, 18:10 horas, “o  quiproquó”:

No final da tarde, já de saída na portaria da Delegacia-Geral encontrei Walter que estava sentado assistindo um programa na pequena televisão. Logo que percebeu minha presença veio ao meu encontro e intercepta a minha passagem para dizer:

  • Já quebraram o pau lá em cima,, sobesses?
  • O que foi? (Felipe)
  • Eles já estão brigando.
  • Quem?
  • O Trilha e a Chefe de Gabinete dele.
  • Quem é a Chefe?
  • É a Ana e o Trilha.
  • Qual a fonte dessa notícia?
  • Tá todo mundo aí comentando.

Deixei o prédio com os pensamentos voltados a Trilha, uma pessoa aparentemente gentil, educada, apesar disso é bem provável que às vezes parece controlar suas emoções para não explodir, a impressão que tinha era que quando perde o controle ir aos extremos perdendo também a cabeça (nos dois sentidos), mas isso era mera suposição minha mesmo porque até aqueles dias sempre me atendeu muito bem e nunca tinha me negado absolutamente nada, apesar de tantos comentários desfavoráveis (inclusive a advertência de Mário Martins, Presidente da Adpesc...)  e a Delegada Ana era uma pessoa finíssima, dedicada... Então, avante, porque era sexta-feira, o melhor dia da semana com tantos planos...).

Horário: 19:40 horas, “salve Jorge – Perigo à vista?”

A fim de verificar como estavam os preparativos para a festa do dia seguinte (sábado) achei por bem ir até a residência de Jorge Xavier que estava se empenhando para os preparativos, o que exigia muitos sacrifícios:

  • Me pegasse quase que de saída, estou indo cortar o cabelo. (Jorge)
  • Que sorte então, e como é que está o  nosso negócio? (Felipe)
  • Fui na Polícia Técnica de manhã e conversei com várias pessoas, o pessoal está conosco. Conversei com um técnico em necrópsias que quer que nós o ajudemos depois,  tem dezesseis votos e eu lhe disse que se for o caso nós vamos anular seu o processo disciplinar, o que tu achas Felipe?
  • Olha Jorge, existem várias maneiras de se anular um processo disciplinar.
  • Encontrei o Cassimiro, mas ele passou por mim meio calado, ele está numa situação difícil porque é também amigo da Lúcia e está num cargo comissionado.
  • Eu o conheço e não sabia que ele estava em cargo comissionado.
  • Mas eu estou preocupado é com amanhã. Escuta tu podes ir lá para o ginásio diretamente, mas primeiro tu vai na carreata para que a gente fale com o Júlio, lá vai ser o momento certo para conversarmos alguma coisa, porque depois vai ser muito difícil, eu estou preocupado com o Wanderley que pode querer tomar conta de tudo, já preparei um discurso daqueles de cinco minutos, vou preparado, e tu vai ter que falar também, meu nego.
  • Não tem problema, não gostaria, mas se o Redondo falar eu também falo, o Krieger, Garcez, mas Jorge toma cuidado, não vá fazer um discurso de posse, formal, acho que já superaste essa fase, lembra que é uma festa política e tem que ser descontraída, então comece com algo assim: “Este aqui é o nosso candidato,  votem no nosso Júlio...”, é por aí.
  • Eu sei, eu sei, mas o meu discurso vai ser assim mesmo (e em silêncio pensei: “será?”)
  • Então tá, quero ver.
  • Mas tu vistes como esse Wanderley é perigoso, lá no restaurante ele chegou a desconfiar do preço da carne que nós demos, chegou a telefonar ali na nossa frente só que caiu do cavalo, o Geraldo ficou apavorado com a desconfiança dele,  olha, ele me preocupa mesmo.
  • Jorge a gente tem que conviver com isso, faz parte do jogo, e depois o Júlio para tolo não serve, sabe o que está fazendo.
  • Eu sei, ele ganha de mim dez vezes, o Júlio que se cuide.

(...)”.

O Fator Tereza e a terceira visão:

  • Jorge você tem que levar também em conta o “fator Tereza”.
  • O que quê tem?
  • Não sei se tu lembras aquele dia que nós estávamos conversando com Júlio na sala do Chefe Militar da Presidência da Assembleia, chegou a Tereza com o material que Júlio tinha pedido.
  • Sim, lembro.
  • Então, você lembra quando eu disse: “Esta aí o que vale peso de ouro” e o Júlio confirmou que sim, pois é, eu não sei qual o grau de relacionamento dos dois, nem me interessa.
  • Lógico, deve ter coisa.
  • Isso eu não sei, mas o importante é que ela é dotada de uma sensibilidade muito superior, é uma forma de linguagem que raríssimas pessoas conseguem captar,  falar, mas está presente no ar, ela tem esse poder, talvez ele nem saiba.
  • Já sei, é um sexto sentido.
  • Mais ou menos, é uma terceira visão, é intuitiva, possui radar, e com isso ela capta as coisas no ar, lê pensamentos, as pessoas, é hiper nos sentidos e percebe bem o meio que a cerca, e com isso tem ascendência sobre o Júlio que a escuta, ele é susceptível a isso, talvez seja um ponto a nosso favor se conseguirmos..., precisa disso, então o Wanderley está instalado no gabinete dele lá na Assembleia e com isso está se expondo o tempo todo, não dá como não perceber a ostensividade dele lá, e é só dar corda para que ela possa absorver a energia que ele irradia,  com isso ela pode vai formar um juízo de valor a nosso favor... Vamos nos chegar mais a ela.
  • Pois é, o Wanderley chegou a tirar férias para ficar lá dentro, não sei como o Júlio foi deixar uma coisa dessas.
  • Isso é fácil, o Júlio precisa de apoioe o Wanderley está fazendo um bom trabalho,  não sei qual vai ser o custo disso lá na frente, mas o Júlio no início conversou comigo sobre como deveria proceder e eu disse a ele que em política não se deve nunca desprezar apoio, ele é bom nisso, fala muito em pragmatismo, imagina Jorge se foste tu o candidato, você não iria querer uma pessoa como ele fazendo campanha para ti?
  • Meu Deus, e como queria, o Pacheco não sabe o que perdeu.
  • Eu sei, e o Júlio me contou que tudo isso começou porque num determinado dia o Wanderley e seu grupo que até então apoiavam Pacheco se encontrou com o Amin na Felipe Schmidt e lhe perguntou se caso chegasse ao governo do Estado quem seria o seu Secretário de Segurança. O Amin respondeu...
  • Eu conheço essa história, tu já contaste.
  • Então, olha Jorge, o jeito é nós confiarmos no trabalho, estamos juntos nisso por um projeto e certamente a hora da verdade vai chegar, quando saberemos a posição do nosso candidato. 
  • É, e se o Wanderley quiser o Detran?
  • Tudo bem, não vejo problema algum nisso, ele e seu pessoal que vão para o Detran, contanto que a DGPC fique conosco para implementarmos o início do nosso projeto, acho importante que você assuma como Procurador ou Secretário Adjunto, isso se o Júlio não for para as cabeças, não ficar na Assembleia.
  • E tu assumes a Delegacia-Geral?

(...)”.

Obviamente que não, nunca quis. Minha missão é lutar por projetos e ajudar viabilizá-los, cargos comissionados ficam bem longes, aliás, sempre estiveram, mas preferi o silêncio, ainda bem que isso não preocupava Jorge Xavier.

De joelhos:  

  • Isso vai depender do nosso projeto, mas não te surpreenda se eu não aceitar, vai depender  de como vão ficar as coisas. Por exemplo, como vai ficar a Academia da Polícia Civil, acho que ela deve ficar conosco, o Diretor deve ser indicado por nós.
  • É nisso tu tens razão.
  • Os nossos concursos exigem lisura.
  • É a Academia é importante no nosso projeto, tu não vê o que fizeram com o “Cesinha”?
  • Jorge não é só o “Cesinha”, são tantos outros, podemos colocar o Valério na direção.
  • É, eu estive falando com o Valério, está conosco, só não pode se expor.
  • O Valério é bom, só acho ele um pouco fisiologista, não vê o que ele fez para conseguir um cargo neste governo, ficou de joelhos para a Lúcia.
  • Quem? O Valério ficou de joelhos? (Leninha)
  • Isso, ficou de joelhos. (Felipe)
  • Mas de joelhos mesmo, assim? (Leninha)
  • Não. Não foi de joelhos, estou falando de forma figurada (colocaram ele contra a Lúcia e ele teve que se desdobrar para provar inocência...).
  • Eu sei. Ele é meio c., tem medo de perder o cargo. (Jorge)

Espelho d’Alma:

  • A situação do Valério é culpa do Moreto, não é confiável, não segurou o Valério quando era Delegado-Geral.
  • Será Jorge que o Moreto tinha esse poder?
  • Olha Felipe, eu sou uma pessoa que não gosto de pessoas que não olham nos olhos da gente quando conversam. (Leninha)
  • É, dizem que os “olhos são o espelho d’alma”. (Felipe)
  • Tu não vê, tu fala com o Moreto e ele não te olha nos olhos, a mulher dele também é assim, o Wanderley é outro, coloca aquele óculos “ray ban” escuro e ninguém sabe para onde está olhando, eu me lembro o dia que ele esteve aqui em casa logo que o Jorge caiu, foi o único que veio aqui, chegou e jurou que não traiu o Jorge, Felipe, ele chegou a chorar. (Leninha)
  • Leninha, eu acredito nisso, acompanhei tudo e acho que o Wanderley não estava envolvido na conspiração, mas posso até estar enganado. (Felipe)
  • Ontem lá no restaurante ele pediu uma água mineral para a Ivone e depois pensou que ela não iria cobrar, se enganou,  e eu não sei se tu viste, ele veio dar beijinho em mim.  (Leninha)
  • O quê, beijinho? (Felipe)
  • Sim, bem aqui. (Leninha)

Parte I  e Parte II:

  • Mas Jorge, é importante a gente confiar  no Júlio neste momento,  tivemos as Leis Complementares cinquenta e cinco e noventa e oito, viste como foi importante que eu tenha permanecido após a tua saída, se não fosse isso não teríamos a nossa lei especial de promoções, foi a continuação da lei cinquenta e cinco, e se eu não estivesse lá...
  • Eu sei, eu sei Felipe.
  • Jorge, essas leis se constituíram a “Parte I” do nosso trabalho, agora esse nosso “Plano” da criação da “Procuradoria-Geral” se constitui a continuação, a “Parte II”.
  • Realmente tu tens razão, chegou a vez da “Parte II”.
  • O Júlio é o padrinho político dessa “Parte II”, mas nós é que somos os autores e o fio condutor  que estabelece a ligação entre esses dois momentos.

(...)”.

Horizonte zero:

Deixei a casa de Jorge  com a imagem de Tereza ainda nos pensamentos, seria ela uma espécie de “fada”, um “anjo da guarda”, ou uma “bruxa”, seus cabelos escuros, olhos negros, olhar profundo e contemplativo, magra e de baixa estatura, andar calmo e sorriso horizontal alvo e sincero que lembrava um pouco Monalisa, às vezes parecia levitar, sem deixar transparecer qualquer esgotamento de suas forças, aparecia e do mesmo jeito sumia, também, tudo em sua volta era percebido, e a impressão era que sua vida sempre foi assim, como se cumprisse desígnios superiores. Em contraposição se sobrepôs a imagem de Leninha, sem papas na língua, como um bólido de fogo, pronta para contra-atacar, lembrava o estilo vitoriano do final do século passado, após a morte do consorte e que a fez aquela rainha optar pela vestimenta negra pelo resto de sua longa existência, num processo de abstinência e clausura. Leninha era isso e muito mais, uma força viva e territorial, retumbante, implacável,  dominadora... Essas visões díspares funcionavam com uma das principais amarras que acabam por impingir horizontes zerados no que diz respeito à exploração do eu e para se tentar compreender “Jorge Xavier” e “Júlio Teixeira”, e nesse sentido se transformam em centro de atenções. Como chegar a Tereza, eis a questão? Faria diferença?

Ambivalências:

E no caminho fiquei ainda estabelecendo uma relação entre o espelho d’alma, por meio do olhar renascentista de “Da Vinci” em contraposição ao olhar Hegeliano, firmando nos tempos napoleônicos, onde o olhar deve porvir das emoções para se chegar à clareza das ideias. Procurei me situar nessa  posição de ambivalência... talvez sem chegar a lugar algum naquele nosso micro espaço.