PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS - CRIAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE POLÍCIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA – GOVERNO ESPERIDIÃO AMIM – 1998/2002 - PARTE XIV: “TERTÚLIAS E CONFRARIAS” (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 13/03/2018 | Política
Tertúlias e confrarias:
Dia 16.09.98, por volta das vinte horas e quinze minutos estacionei meu carro em frente ao Restaurante Candeias (São José – Barreiros – Av. Max Scharann), orientado por uma pessoa que se prestava para esse serviço. De imediato e para a minha surpresa avistei o Delegado Rubem Garcez conversando com o colega Cláudio Palma Moura. Pela janela, ainda do interior do carro, exclamei:
- Ué, o Cláudio veio, mas que bom!.
Enquanto concluía a manobra apareceu Jorge Xavier de terno com aquela sua silhueta que mais parecia um gerente tecnocrata ou pastor, com ares de quem estava em estado de graça, realizando o que gostava, ainda mais considerando que o restaurante era do sogro do seu filho. Fiquei pensando o seguinte com referência a Jorge Xavier: “à moda de dirigente de uma orquestra sinfônica tupiniquim tem tudo haver com ele, pois ele na sua juventude, já época da jovem guarda, chegou a tocar em conjunto”.
Ainda em pé, surgiram outros contatos preliminares. Cláudio deixou escapar uma frase que sintetizava as boas vindas dirigidas a minha pessoa:
- Mas como emagrecesses. Pô, como estais magro.
- É, é a alimentação (respondi).
Garcez – com seu olhar cheio de cintilo e com seu sorriso aberto, porém sempre comedido, intercedeu referindo-se a minha pessoa:
- Não precisa encolher a barriga.
Enquanto isso Jorge Xavier convidava os dois para sentar interlocutores para sentarem. Por detrás cutuquei forte o ombro de Cláudio, externando meu prazer em revê-lo. Já refeito da emoção dos primeiros contatos, pensei: “realmente era ele estufado, anêmico... tinha que soltou umas pérolas”. Não pude deixar de lembrar da Sandra Andreatta e como a reencontrei depois de anos. Aproveitei dizer para mim mesmo: “mas aos diabos esse tempo implacável, responsável por deformar nossas vidas”. Realmente, havia anos que não nos víamos e já sentado ao seu lado abri o diálogo:
- Olha pessoal, foi por meio de Cláudio que ingressei na Acapoc em 1982. Foi ele que me levou para contribuir com a diretoria. O tempo passou, ele saiu e eu fiquei, cheguei a presidência e, a partir daí, fundei a Fecapoc. Foi aí que consegui as minhas realizações...
Jorge Xavier imediatamente intercedeu:
- Puxa, é mesmo, isso é histórico! Você prefere que lhe chame de Cláudio, Palma ou Moura?
Depois de alguns instantes pensativos, vendo a incerteza e surpresa do companheiro, vociferei:
- É Cláudio!
Mas para minha surpresa, em seguida ele me corrigiu:
- Pode me chamar de “Palma’”
“Trocar àquela altura ‘Cláudio’ por ‘Palma’, eis a questão”, pensei. Jorge solenemente arrematou: “Aceito!”, como se tivesse superado mais uma etapa importante no nosso contexto. Pensei: ‘Palma’s para ele, mas tá aí no sentido dos amigos de Palma, já que o nosso espírito naquele momento era unir e fortalecer o grupo. Jorge fez a seguinte observação amistosa:
- Assim está muito bom, Palma.
Do outro lado da mesa, enquanto Jorge complementava, observei mais uma vez Garcez, com seu semblante externando um sorriso alvo quase nervoso combinando com seus cabelos grisalhos, estava ali ao vivo o “espanhol” – como costumava chamá-lo mais antigamente - ao mesmo tempo que assumia aquela doce feição e ensaiava gestos harmoniosos quer com o corpo, no seu estilo dançarino. Garcez aguçava. seu olhar no entorno, deixando escapar frases bem articuladas, reprisando aquele comportamento de expectação bem típico de quem conferia as relações que vão se constituindo e da sua condição de “convidado”. Garcez deixou bem claro o seu desassombro quando constatou a amizade antiga que eu nutria com o Delegado Cláudio. Dava para perceber que Garcez se comportava como um verdadeiro gentleman, com seu comportamento social liberto em função do fator “grupal”, especialmente em restaurantes, cujo lugar dava a impressão que tinha o poder de deixá-lo à vontade, mais solto e liberto. Pude mais uma vez me certificar que essa era uma das características marcantes de Garcez e que também poderia denotar um misto de carência afetiva no campo profissional e de analista de comportamentos... De outra parte, oportunizava um momento para se construir novos relacionamentos interpessoais e proporciona aquele sentido de se sentir importante em poder participar de algo capaz de transformar coisas. Nesse momento, fixei meu olhar mais uma vez em Jorge Xavier e aí pude ver que ambos tinham esse quê a mais, enquanto que Cláudio se mantinha fechado, dentro da sua essência e eu já conhecia essa sua característica.
Passados alguns instantes, olhei para porta e percebi que o Delegado Cesar Krieger estava chegando, com seu andar rápido, como quem não queria perder nada. Pensei: “Além de ser talentoso, o cara leva sério o que faz e, principalmente, o trabalho do grupo, isso é muito bom”. Mal passaram esses pensamentos, Garcez sorridente deu as boas vindas:
- Esse Krieger sempre com o seu sorriso!
Como já era esperado e nisso ele sempre foi muito bom Jorge Xavier passou a fazer um relatório sobre o nosso “Plano” e como tudo começou: “...foi feito pelo Felipe...”. Imediatamente tive um frio na barriga e se pudesse naquele momento dizer: “corta, corta, não precisa citar meu nome, mas não adiantava, o Jorge era assim mesmo”. Enquanto isso o relato continou: “... o Júlio e o Knaesel também assinaram...”. Depois de alguns minutos Jorge Xavier mencionou que fez convite também para o Delegado Osteto e como ele era aposentado não tinha certeza se viria. Wilmar Domingues também ficou de vir mais tarde, pois tinha futebol. Acrescentei que se tivesse sido ontem era mais provável que ele viesse, não estaria suado.
Nesse contexto pude observar que Garcez apresentava outra característica marcante e que eu já conhecia muito bem: “Era demasiadamente compulsivo por falar quando estava em grupo, mas também sabia escutar muito bem, acho que isso por acreditar nas suas ideias e também pelo seu conteúdo filosófico. Aliado a isso tudo tinha que se considerar o fato de que a instituição nunca havia proporcionado meios para que profissionais competentes pudessem dar vazão aos seus intelectos, e tudo acabava dando nisso, ou seja, loucos, insanos, perseguidores... era escolhidos para postos chaves. Pensei: “Temos muitos ‘Garcezes falantes, mas, também, vá lá né, cada um tem as suas características próprias e é assim que caminha a humanidade... (parodiando aquele filme com James Dean) o que seria muito bom.
Quebrando meus pensamentos, lá veio o “espanhol” outra vez com todos os olhares dirigidos para o Delegado “Palma”, iniciando uma interlocução:
- Olha eu conheço as propostas do Sché, participei de uma reunião com eles antes que o Felipe me convidasse para integrar o grupo, não sei se tu conheces o Nilton, ele é Escrivão e trabalha comigo na Terceira Delegacia do Estreito?
- Conheço sim. (Palma).
- Pois é, tem que haver renovação, o Júlio representa isso, eu tive vendo o pessoal que está com Sché e eles são os mesmos de quinze anos atrás. O projeto que o Felipe fez eu tive a oportunidade de manusear e ele não foi discutido, possui inconstitucionalidades, bom eu nem vou falar, mas para sua viabilização depende até de emenda constitucional.
Jorge antenado veio interceder quase que cortando as palavras de Garcez:
- Sobre o projeto depois o doutor Felipe vai fazer uma síntese.
Krieger, sentado do meu lado direito me dirigiu a palavra fazendo o seguinte aditivo:
- O projeto é muito bom. Tu não tens uma cópia dele aí para dar para ele?
- Não, a não ser que tivesse uma impressora aqui. Realmente eu tenho que andar com umas cópias comigo.
Jorge entrou na conversa retomando o fio da meada:
- Palma, se o Heitor Sché se eleger eu não tenho dúvidas que o nosso “Plano” vai ser deixado para trás. Se o Júlio se eleger aí sim temos chance de implantar. O Sché tem dito por aí que vai ser o Secretário de Segurança.
Krieger complementou:
- Temos que mostrar uma postura ética.
Entrei na conversa me dirigindo ao Delegado Palma:
- O tal ‘Plano’ possui linhas gerais e pretendeu estabelecer um juízo de admissibilidade sobre a nossa participação no futuro governo. Era preciso nós sabermos de antemão se o futuro governo Amin vai manter a nossa isonomia, as nossas conquistas, sem as quais está abortada qualquer participação no governo.
- Realmente! (Palma).
- Então Cláudio, o ‘Plano’ não está pronto e acabado.
- É, ele poderá ser ainda alterado, o fundamental é que estejamos no poder, pois isso abre uma perspectiva para que possamos contribuir efetivamente para mudarmos uma série de coisas. O projeto do Sché é excludente.(Garcez).
Jorge deu a impressão que estava de volta aos tempos em que foi Diretor de Investigações (DI) e citou o Delegado Aldo Prates que comandava os menudos nos tempos do Departamento de Operações e Investigações Criminais - DOIC - (Krieger dá gargalhadas), isso durante a gestão de Heitor Sché à frente da SSP (Lembrei em frações de segundos que Prates teria me dito em 1988 - na sede da ex-Superintendência localizada na Rua João Pinto - que tinha aceitado aquele comando em razão de ter sido preterido na nomeação para cargo comissionado e que em razão disso o Delegado “Pedrão” teria prometido a sua promoção na carreira e o comando daquele pelotão com uma função gratificada (sem cargo comissionado). Recordei as fotos dos motociclistas com seus coletes estampando manchetes dos jornais, com Prates na dianteira, aqueles pilotos e seus capacetes pretos lembrando algum seriado da televisão. Pensei em interromper a conversa para relatar esse fato para Krieger, mas logo abandonei essa ideia: “deixa para lá, tudo isso agora é só história., mas felizmente mudamos o sistema de promoções e acabou aquela festança de só se promover os amigos do rei ou tratar desse assunto como “balcão de negócios”’). Voltei à realidade e me dei com Jorge perguntando a Palma (Cláudio):
- Você quer participar do nosso “Plano”?
Antes que o Cláudio respondesse qualquer coisa, intercedi:
- Mas ele nem conhece o tal “Plano” ainda Jorge, como é que tu fazes essa pergunta?
Entre as gargalhadas de Krieger, Garcez e do próprio ‘Palma’, imediatamente surgiu o olhar desconcertante de Jorge em razão daquela situação, vendo que a minha advertência colocava em xeque todo o cerimonial que havia precedido a sua narrativa anterior, a indagação... Em razão disso, fiz o seguinte questionamento:
- Deixa que eu já vou explicar o “Plano” e depois aí sim, né Cláudio (Palma)?
- Tá bom, o doutor Felipe vai fazer uma síntese do nosso “Plano”?
Assumi a palavra e passei a fazer uma síntese:
“...Pois é Cláudio, pretendeu-se repensar primeiramente a função de ‘Polícia’ do Estado que deve ser vista a partir de uma nova perspectiva, não mais como uma função de segundo nível do Executivo que pode ser delegada a um Secretário, que pode ser terceirizada, mas isto sim, como a função essencial da Justiça e ao Estado em primeiro escalão. Também essa função de ‘Polícia’ deve ser tida como algo imanente e essencial a própria soberania de um Estado forte e comprometido com reformas sociais e em defesa da população contra abusos... Assim, pretende-se acabar com essa dicotomização tradicionalmente existente entre polícias civil e militar. Nós pretendemos ter apenas uma única Polícia Estadual, dentro de uma nova visão procuramos ver o todo de fora para dentro, e não como algo hermeticamente fechado e que somente interessa aos integrantes da corporação, sem a participação dos destinatários que é a sociedade. Perguntamos: ‘que espécie de Polícia a sociedade gostaria de possuir?’ Obviamente que concluímos pelas pesquisas e estudos desenvolvidos principalmente em São Paulo de que ela deve ser única. No entanto, pretendemos respeitar as histórias das instituições, as tradições, os valores e os princípios das duas polícias. Nesse sentido, pretendemos que haja uma unificação dos comandos, a partir da criação dos cargos isolados de Procurador de Polícia em segundo grau, da Procuradoria-Geral de Polícia ao invés da Secretaria de Estado da Segurança Pública. Quinze cargos seriam destinados para os Delegados de Quarta Entrância promovidos a Procurador e o mesmo percentual seria destinado aos Coronéis, já que não possuem o posto de General e assim poderiam ser também promovidos para um outro patamar típico de carreira jurídica. Com isso se faria tão somente a unificação dos comandos e se resolveria os problemas de cima para baixo. Outro fator de relevância é que diferentemente de uma Secretaria de Estado, cujos cargos comissionados são preenchidos por critérios políticos, com a criação da Procuradoria-Geral de Polícia isso seria bastante minimizado como ocorre nas Procuradorias-Gerais de Justiça e do Estado que se constituem órgãos mais técnicos. Se tivermos sucesso aqui no Estado poderemos exportar esse modelo para as demais unidades da Federação e assim iniciarmos uma reforma na Constituição Federal.
Depois da explanação o Delegado Palma comenta fez o seguinte comentário:
- É uma mudança radical.
E Garcez aproveitou para acrescentar:
- É, eu tive vendo o “Plano”, ele não foi discutido. A sua viabilização depende até de emenda Constitucional Felipe.
- Garcez nós temos que raciocinar que a Polícia Militar vai acabar ficando de fora do “Plano”, conforme já adiantou o Júlio Teixeira que foi bastante categórico e já sinalizou que eles não vão se incorporar num primeiro momento. Realmente eu já previa isso, inclusive, sobre a necessidade de Emenda Constitucional, mas diante da posição da PM isso fica prejudicado, eles acham que têm muito a perder..., mas o fato é que quem vai ganhar vai ser a sociedade, a Justiça e todos nós que vamos assegurar uma estrada segura para os nossos futuros institucionais, antes que outros construam outro modelo goela-baixo.
- É, mas as mudanças terão que ser efetivadas por Lei Complementar. (Garcez)
- Ah, sim, por Lei Complementar, na verdade teríamos uma “Pec” estadual primeiro. (Felipe)
- A Polícia Federal conseguiu introduzir muitas disposições na Carta Federal. (Garcez)
- Mas Garcez, o que tem haver a Polícia Federal com a Polícia Civil nesse nosso “Plano”?
- Não, a Polícia Militar (Garcez)
- Ah, então tá! (Felipe)
A seguir, olhei para minha direita e lancei uma isca no ar:
- Krieger, tu estais dando aula para o filho do Mário Martins?
- Que filho do Mário Martins? (Jorge)
- É, o filho mais velho do Mário Martins. (Palma)
- O quê, o filho do Mário Martins também está fazendo a Acadepol? (Garcez)
- O quê, não vai dizer que o filho do Mário também passou? (Jorge)
- Sim, vai dizer que vocês não sabiam. Pô, será que é eu que tenho que trazer as novidades? (Felipe)
- E a formatura é agora, atropelaram tudo, estão fazendo os exames odontológicos lá na própria Academia. O pessoal é chamado na sala de aula, vão fazer a solenidade de posse e a entrega das carteiras tudo num mesmo ato. (Krieger)
Segue-se um breve silêncio e eu contido nos meus pensamentos: “Êta concurso de 1998, e tiveram a coragem de puxar o tapete do ‘Cezinha’ na prova oral, a formosa banca que fez a prova...”.
Nisso Garcez passou a falar sobre o curso de oficiais na Academia de Polícia. Lembrou que nos dois estivemos com o Coronel Backes num daqueles primeiros encontros de julho no Quartel da Polícia Militar, quando o militar de alta patente relatou os convênios que estavam celebrando com a UNISUL, criando o curso em nível de mestrado para oficiais (lembrei que nesse dia Garcez ficou afetado e enquanto deixávamos aquele Comando, bastante ofegante, fez o seguinte comentário: “Vê Felipe, o que esses caras estão fazendo, como nós estamos atrasados, nós temos que mudar aquela Academia, é uma vergonha”. Olhei fixo para o meu companheiro e vendo que nada adiantaria tentar retirar o seu “encanto”, preferi deixar passar batido sua observação e dissimulei meu desapontamento por tamanha inocência. Era tão óbvio aquela sua constatação, porém, existia o fator “preço” institucional, a que preço tudo aquilo, a começar pelo complexo onde está situado o comando, depois o custo para a sociedade que mantém com tributos uma estrutura tão pesada, prédios, pessoal, aposentadoria especial...? Sim, somos defensores de um modelo de Polícia Militar, não esse aí. E, agora, o “espanhol” impressionado vinha trazendo à tona o delírio daquele oficial superior, principal referência do Senador Amin na Segurança Pública do Estado... (não que não fosse importante se fazer tais convênios, mas o que chamou a atenção foi a forma ‘impressionista’ com que foi colocada a questão, dando num sentido de grandiosidade, e que com tais títulos eles passariam a se constituir a oitava maravilha do mundo antigo, enquanto isso, do outro lado, pobre da sociedade à míngua, de nós com prédios baratos, alugados, efetivo bastante reduzido, cuidando de presos, realizando investigações em muitos casos as próprias custas... Sim, éramos atrasados mesmo se comparados com a Polícia Militar e o efeito Coronel Backes não era que pegou o Garcez de jeito. Krieger tratou de dar uma aula sobre os cursos que são realizados na Academia da Polícia Militar e Jorge Xavier aduziu ainda que lá eles tem até história da Polícia, conhecem tudo. Krieger aproveitou para fazer o seguinte comentário:
- Olha, graças ao livro aqui do companheiro é que eu lendo seus comentários aprendi que em 1808 foi criada a Intendência-Geral de Polícia, cujo titular era um Desembargador que precisava de seus Delegados. Depois vieram as reformas de 1827, 1843 e daí que surgiu... não é Felipe?
- É, digamos que foi mais ou menos assim.
- Nós tínhamos que ter pelo menos uma palestra sobre História da Polícia Civil para os alunos da Acadepol. (Krieger)
- Ah, sim, palestras que enfocassem esse assunto seriam muito importantes. (Garcez)
- É, no meu relatório que remeti há alguns dias para a Secretária Lúcia recomendei mais uma vez que se criasse na Acadepol uma disciplina de História das Organizações Policiais e da Justiça, mas... (Felipe)
- Ah, se criarem uma cadeira o titular vai ter que ser tu. (Garcez)
- Não tem problema, estou à disposição, mesmo não gostando muito do magistério. A criação de uma cadeira sobre essa disciplina é importante não só para o conhecimento, mas, também, para que o futuro policial tenha uma visão crítica do aparelho como um todo, de sua posição no contexto social... que estimule a se repensar o seu papel... (Felipe)
- Tem que ministrar aulas sobre noções do direito aéreo para os policiais civis, aquele acidente de Lages poderia ter sido evitado se o policial civil tivesse algum conhecimento sobre o assunto. (Krieger)
- Eu conhecia o cara que morreu, naquela semana eu tinha visto ele no ponto de ônibus, o rapaz que era piloto, ele era meu amigo.(Garcez)
- Tem que se ensinar na Acadepol por exemplo o que é um BREVÊ, a maioria não sabe nada sobre isso. A Alina, filha do doutor Pedro Largura, que inclusive morou em Londres é minha orientanda no curso de pós graduação, é uma garota muito inteligente, bonitinha, precisa ver que graça de pessoa. (Krieger)
- O doutor Largura foi médico psiquiatra e é muito conhecido. (Garcez)
- Eu conheço sim. (Felipe)
- Tem aquele Delegado de Chapecó especialista em adestramento de cachorros, é o Hahn.
- Ah, sim é muito interessante o trabalho dele. (Krieger)
Gizei que não valesse a pena intervir para dizer que na verdade não se tratava do Delegado de Chapecó, mas sim de Seara (veio a lembrança da visita que fiz a esse Delegado no ano de 1995 na Delegacia de Seara...), mas resolvi deixar daquele jeito mesmo, quando percebi o Garcez extasiado com as informações que Krieger instigado, falante e absoluto, passando a explanar sobre cursos de mestrado, doutorado, estavam ali duas aves raras, um mais propenso a ser impressionado e o outro na condição de impressionista, bons amigos e boas companhias!
- Eu sou um autodidata, mas o que tem de curso de pós graduação lá na UFSC? (Garcez)
- Filosofia do Direito e Relações Internacionais (Krieger)
- Mas não tem dogmática jurídica, Direito Penal? (Garcez)
- Ah, lá vem vocês com esse negócio de títulos, esse culto aos títulos (Felipe)
- Ah, Felipe, hoje eles têm muito valor. (Garcez)
- Ah é, hoje eles são muito importantes, até hoje a Lúcia não me chamou. (Krieger)
- Pois é, na minha época eu te valorizei, apesar de não teres ganho um cargo em comissão, te escolhi para fazer curso de piloto de helicóptero, lembra? (Jorge)
- A Polícia Civil tem que ter um helicóptero, eu estive em São Paulo e pilotei a nave deles, é uma coisa. (Krieger)
- E deixamos tudo pronto para a aquisição do aparelho e não compraram. (Jorge)
- Mas tem um helicóptero lá na Delegacia-Geral (na verdade queria lembrá-los da motocicleta de brinquedo no memorial que Jorge havia deixado) é aquele Jorge que está lá na Galeria dos ex-Chefes de Polícia, aquele brinquedinho. (Felipe)
Nesse momento lembrei do Escrivão Osnelito e me dirigi ao banheiro. Quando voltei Jorge estava novamente falando do curso de arbitragens, aquele que Krieger havia defendido tese de mestrado na Inglaterra. Lá pelas tantas, Krieger enfatizou que a revista da Associação dos Delegados havia sido muito relevante e que coube ao Delegado Thomé essa iniciativa, justiça fosse feita, com o seguinte comentário:
- Tem um artigo meu no primeiro número. (Krieger)
Lembrei que há alguns anos atrás havia apresentado anteprojeto para criação da Revista Trimestral de Polícia Judiciária e Jorge lembrou a Lei que tratava do concurso de monografias que foi proposta na nossa época (Jorge errou, o projeto foi apresentado em 1994, quando ele já não era mais Delegado Geral. Pensei: “tudo bem, nessa hora é só faturar, somos todos do mesmo time!”. Krieger lembrou do Museu da Polícia Civil e que Lara Ribas teria levado tudo para a PM. Como tinha sido eu o autor da informação, tratei apenas concordar que isso realmente ocorreu no passado (lembrei que nem poderia ser diferente, Lara Ribas valorizava a história e era comprometido, se tivesse deixado o acervo no DOPS – certamente – que o material já teria virado pó ou ..., como ocorreu com vários documentos importantes, conforme já havia relato o Delegado Lauro Braga e o Inspetor Alípio Matje que trabalharam nessa Delegacia. Mas o fato é que não iria puxar esse assunto naquele momento).
E seguem os diálogos:
- … E, o Amorim está aposentado... (Jorge)
- Qual é o grau de parentesco entre vocês? (Garcez)
- Ele é irmão da minha mãe?
- O quê? (Felipe)
- Sim, tem uma filha dele que é médica em São Paulo e a outra trabalha no serviço social do Fórum. Ele era apaixonado por uma policial (Krieger)
- É a Vani, Jorge, ele participou daquela comissão que tu presidiste na época do Bado, lembra? (Felipe)
- Sim, ele era louco pela Vani. (Jorge)
- É, mas a Vani não queria saber dele (Felipe)
- É essa mesmo, era apaixonado por ela, ele tem uns quinhentos CDs só de música clássica, agora está residindo em Blumenau. (Krieger)
Pensei em dizer uma asneira pois soube através do meu Tio Hipólito - já falecido e que trabalhou durante anos no Tesouro do Estado, que “Chico Amorim” quando namorava a sua tia que também trabalhava naquela repartição, após o expediente ficava na frente do prédio nos maiores beijos apaixonados e escandalosos para época, bem a vista de todos e pensei: “mas que bobagem tudo isso, quando ouvi Krieger comentar:
- Aquela reforma que vocês fizeram passando o pessoal de nível médio para níveis de segundo grau e superior foi muito importante, como tem melhorado o nível do pessoal na Acadepol, o pessoal anda bem trajado, com telefone celular, de carro, na minha época nós andávamos de ônibus e agora todo mundo de terno, te questionam, querem saber a tua formação, que cursos você tem, ainda bem que o nível dos professores melhorou muito, todos possuem no mínimo Escola Superior da Magistratura.
- Não é bem assim, então me diz que curso tem um Ademar Rezende da vida? (Jorge)
- Bom, o Ademar... (Krieger)
- O Ademar é um baluarte na Polícia Civil, Jorge. (Felipe)
- Baluarte o quê? (Jorge)
- Olha Jorge, repara bem a avaliação do Krieger sobre as reformas da Lei Complementar 55 de 1992 tão criticada, eu soube por terceiros que na época que essa Lei foi aprovada Trilha, Lúcia e outros criticavam: onde é que já se viu exigir de um Escrivão de Polícia, um Comissário de Polícia nível superior... diziam eles que isso era um absurdo... também, soube que o Bahia criticou a lei questionando por que iria se exigir nível de segundo grau de um Investigador, Escrevente Policial, pois o que nós precisávamos era de mão-de-obra barata e hoje eles próprios críticos do passado elogiam essas legislações. (Felipe)
- Mas o Artur Sell – do alto daquela sua superioridade – outro dia estava questionando essa Lei, dizendo que eles teriam que mudar tudo.
- O que? Quem é o Sell para dizer isso? Ele que teve todas as oportunidades para mudar alguma coisa o que fez? Agora vem ele dizer uma coisa dessas, ele que continue de pijama que fica muito bem. (Felipe)
- Ah, mas eu também estou aposentado. (Jorge)
- É diferente Jorge, porque na tua época o Secretário de Segurança era um Coronel centralizador que não possibilitou ter o respaldo necessário para implementar mais mudanças, e teve o caso da isonomia, agora o Sell foi Presidente da ADPESC e cumulou essa função com o cargo de Diretor da ACADEPOL durante a administração Heitor Sché. E ele teve todas as oportunidades para propor mudanças e se não o fez na época, então, dá licença. (Felipe)
- Realmente, tens razão. Eu não tive as mesmas oportunidades que eles tiveram... (Jorge)
E, Jorge começou a dar conhecimento ao silencioso ‘Palma’ sobre a festa no ginásio da Cassol. Os cinco dividiriam as despesas e Garcez fez o seguinte comentário, referindo-se a minha pessoa:
- Vocês não conhecem esse italiano.
- Italiano, ah, sim, Genovez. (Krieger)
- Tal como Colombo, Genovez. (Felipe)
- Genovese, pão duro (Garcez)
- Não chega a dar trinta, quarenta reais para cada um, vamos lá né pessoal, o que superar essa quantia eu o Jorge e o Krieger rachamos, certo? (Felipe)
Olhei rapidamente para Jorge e lembrei dos oito mil reais negativos na sua conta bancário, mas parecia que tudo estava normal.
- Pensei que a Cassol iria financiar tudo? (Garcez)
- Hum, aqueles italianos lá são pão duros. (Krieger)
- Pessoal, vamos lá, é muito pouco se dividido. (Felipe)
E Jorge reforça que em se tratando de uma festa política, deveríamos arcar com as despesas de nossos convidados.
Garcez – ainda aceso e agora demonstrando preocupação com o horário, lançou uma indagação sobre que horas eram, isso porque o último ônibus para Biguaçu sairia a meia-noite. Respondi que não se preocupasse que eu o levaria até a sua casa e assim todos saímos juntos.
Antes de embarcar Garcez informou que seu carro estava na oficina e lembrei aquele seu velho fusca - cor amarela. Imaginei como ele conseguia combinar com aquele carro já fora de linha, o que externava sua honestidade e comprometimento com a sua família priorizando outros valores, apesar de querer melhorar de padrão de vida, estar sempre atento aos outros (lembrei à época em que trabalhamos juntos na Assistência Jurídica da Delegacia-Geral e eu havia formulado um convite para irmos tomar um cafezinho com pão de queijo ao lado do Ceisa Center – Centro de Florianópolis, e ele recalcitrava de todas as formas sob o argumento de que não queria adquirir hábitos burgueses.
Durante o nosso trajeto, com a velocidade reduzida em razão das obras de duplicação da BR 101, ecoavam frases:
- Puxa como este teu carro é macio. (Garcez)
- É mesmo. Escuta Garcez eu estava pensando no nome da Sandra para integrar o nosso grupo, conheço ela já há muito tempo, o que você acha?
- Não tenho nada contra, só quero dizer o seguinte: Não sou adepto a uma Polícia “coice de boi”.
- Como assim?
- Não tenho nada contra, mas...
- Pois é, nós infelizmente temos que mudar essa imagem. Realmente a Sandra sempre esteve muito tempo na linha de frente e isso a expôs. Mas ela está escolada, foi muito perseguida e, principalmente, em razão disso que eu acho que talvez valesse a pena arriscar.
- Não sei Felipe.
- Tem a Ana Paula, a Alina...(Felipe)
- Sim, parecem ser muito boas, não as conheço. (Garcez)
(...)
- Agora tens razão, você viu o Acioni nas manchetes dos jornais? Estava segurando à unha o pobre diabo de um preto que ameaçava o filho com uma arma, o que foi aquilo? Fazendo força daquele jeito perante à imprensa? Parte da camisa para fora da calça, é a imagem nossa que é divulgada, gosto muito dele, mas... (Felipe)
- Um comissário melhorado. (Garcez)
- Pois é, alguém tem que dar um basta nisso, se depender de mim o policial será proibido de dar entrevistas, só quando autorizado, chega de exploração midiática, sensacionalismo barato para a população. (Felipe)
- Não sei se tu já ouviste falar no Ildo Rosa da Polícia Federal? Ele é o assessor de imprensa, só ele é que fala, nós temos que criar uma boa assessoria de Imprensa na Polícia Civil. (Garcez).
- Realmente, começa por aí. (Felipe)
- Não sei se te lembras daquela sindicância que mandaram instaurar contra mim para apurar por que eu não compareci à convocação para inspecionar o último concurso da Polícia Civil. (Garcez)
- Sim, lembro, e daí? (Felipe)
- Pois é, tu vê não me chamaram mais, provavelmente souberam que eu estou neste grupo de trabalho junto contigo e resolveram não mexer mais no negócio, agora tu vê como são as coisas.
- É bem assim Garcez. O importante é aquela velha máxima: A união faz a força. Se a gente é honesto, dedicado, cumpre as suas obrigações, não pode haver perseguições, e é nessa hora que são importantes os amigos. É nisso que nós temos que investir, tentar ao máximo o fortalecimento das amizades. e chega de perseguições. (Felipe)
- Bom, a minha casa é essa aí, queres entrar? (Garcez).
- Não! Olha só que horas já são, tenho ainda que voltar, não é? (Felipe)
(...)”